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Capítulo 15 - Conflitos Sociais

Eu e as meninas decidimos comemorar na quarta-feira nossa conquista – porque era feriado e o restaurante estaria fechado. Concordamos em nos reunir na casa de Tracy, que era um ponto central. O que deveria ser uma reunião do sexteto – sim, eu estava me incluindo – com Nathan, que regressou do seu repouso em Rheyk hoje, acabou se tornando um certo tipo de festa.

A loirinha chamou Brad, Jack, Carol, Erick, David e mais uns amigos toleráveis dela. O capitão do time de basquete masculino trouxe bebida e incentivava todas as garotas a beberem. Ele não ousou nem me oferecer pela cara de ranço que eu o ofertei quando esse cogitou se aproximar de mim.

Aline estava mais afastada com sua amiga Alessa. Luna mantinha uma conversa empolgada com Jack, Erick e Carol. Nathan sentava no sofá com Jane e Angel ao lado, o pé enfaixado para cima. Eu me mantinha afastada de todos, sendo absorvida pela loucura que era minha jornada neste universo e, para piorar, o quanto eu sentia pouca saudade de casa. A lista era apenas de quatro nomes: Júlia, Tay, mamãe e vovó. 

Se você quiser voltar depois de tudo que vivermos...

A memória de Victor me gerou um arrepio. Se...? Eu iria voltar! Meu lugar não era aq-

– Fala, Enny. Tá tudo bem? – Me assustei com a voz de David, derramando meu copo com água em mim. – Putz, desculpa mesmo.

Passei a mão sobre o tecido molhado e foi como se as gotas de água fossem puxadas magicamente do algodão. Percebendo o que estava acontecendo, bati fortemente a palma sobre o peito, molhando-me novamente. Olhei para o garoto gótico e ele parecia assustado, esfregando os próprios olhos. Era nítido que ele notou, mas eu torcia para que atribuísse a visão ao efeito do álcool.

– Nossa, que droga! – Forcei uma simpatia, falando agitadamente e já saindo de perto dele. – Vou ver se Tracy tem alguma roupa para mim.

Céus! Nesses últimos cinco dias, vinha sendo natural ativar os poderes das joias sem querer, especialmente quando estava mais emocionada. O susto com David fez isso. E agora tinha que torcer para ele não comentar isso com mais ninguém e achasse que era loucura de sua mente ou estaria forçando Angel a mentir para o próprio namorado.

Fui em nuvens de pensamento até o quarto de Tracy. Contudo, assim que abri a porta, a visão encontrada instaurou uma enorme tela preta em minha mente. A loirinha e o sem-vergonha do Brad estavam deitados, ambos sem blusa, aos beijos. O casal tomou um susto, já se colocando de pé com a minha presença.

– Não fechou a porra da porta, Tracy? – Ele vestiu a blusa e já tomou rumo para fora do quarto. – Caralho! Não faz nada direito.

Minha cara abobalhada evidenciava o choque. Contudo, assim que processei o que aquele energúmeno estava falando da minha amiga, tomei rumo atrás dele para tirar satisfações. Só que Tracy foi mais rápida e me puxou para dentro do quarto, fechando a porta de chave.

– Amiga, não conta para ninguém! Estamos juntos. – Ela posicionava as mãos de forma apaziguadora, apesar de sua fala nunca ter sido tão acelerada e ansiosa. – Sei que Brad pode ser bruto, mas juro que a gente encaixa... Entende?

– Vocês já...? – Deixei minha expressão terminar a pergunta.

– Claro! – Ela respondeu vestindo a blusa e me entregando uma outra limpa ao ver a peça molhada que eu vestia. – Eu amo ele. E Brad disse que assumiria o namoro no próximo jogo, no final do mês que vem.

– Eu só espero que  você  não saia magoada disso. – A puxei para um abraço. – Acho que merece muito mais. Contudo, todavia, entretanto, se ele te faz feliz, estou contigo.

– Garota, eu te amo! – Sabia que aquilo era fruto do álcool, mas foi bom de ouvir. Troquei de blusa e a loirinha já me puxou para o corredor, gritando: – Karaokê!

No primeiro verso que eu cantei, mandaram eu parar por definitivo, fazendo as piores chacotas. Malditos! Eles que não enxergavam meu potencial.

– Só se for o potencial de nos deixar surdos! – Luna zombou por fim.

Uma hora depois, estávamos dividindo uma pizza gigantesca no meio da sala e conversando apenas besteiras.

– Enny, vamos? – Nathan me perguntou, e eu neguei, lançando-o um olhar duro. – Estou exausto ainda. E não consigo voltar sozinho.

– Eu vou com você. – Jane se ofereceu. – Tia Lúcia não vai se importar. Durmo no quarto com Enny... Ou contigo, se preferir.

Nathan começou a recusar, falando que não precisava e que seria perigoso para mim a volta sozinha mais tarde. Durante a conversa, fiquei olhando para frente, deixando bem claro que não iria embora com ele.

– Não se preocupe, cara. Eu levo Enny para casa. Não será a primeira vez. – Brad falou de forma casual, mas só de ouvir a voz dele fiquei com raiva.

Nathan não gostou, mas foi arrastado por Jane e Luna. Eu estava me doendo por dentro ao ver os dois juntos de novo, mas tinha que superar isso. Aos poucos, no decorrer da hora, maior parte do pessoal foi embora, ficando apenas Tracy, Brad, eu, David e Angel.

– Quer carona? – David ofereceu, encarando com o semblante franzido o capitão do time de basquete que conversava com sua namorada. – Não gosto desse cara.

– Também não. Mas se eu for com vocês, ele vai ficar a noite com Tracy... O que é menos pior?

– Tem um ponto. – Ele sorriu, baixando mais a voz quando a namorada olhou para nós. – Ang vai dormir lá em casa. Avisa para ela quando chegar em Dona Lúcia. Se ele for babaca contigo, pode me ligar. Não fala direto com Nate ou ele surta, tá?

– Quem te contou? – Cheguei a conclusão óbvia. – Angel ou ele?

– Não existem segredos quando há videogame, pizza e cerveja. – David deu um grande sorriso de lábios cerrados. – Você ainda não tem meu contato, não é?

O rapaz gótico, de gosto totalmente duvidoso e de mesma idade de Nate, pegou meu celular e salvou seu número, chamando sua namorada logo em seguida para ir embora. Talvez ele não fosse alguém tão intragável assim. Essa necessidade de proteger outros parecem bem com a própria Angel. Quem sabe esse tenha sido o ponto de partida deles, não é?

Uns minutos depois, decidi ir para casa. Brad me acompanhou até o prédio, mas quis subir, dizendo que tinha medo que eu fugisse. Sua simples presença me revirava o estômago. Queria o esculhambar, mas Tracy estava muito apaixonada por ele e tinha medo que se esse assunto chegasse até ela, eu perderia a primeira amiga próxima que fiz neste universo. Ao sair do elevador, ele ficou me encarando sério, e eu olhei para baixo, controlando o nojo.

– Cansei de esperar. – Brad falou e me puxou para os seus braços.

Ele pressionou os seus lábios contra os meus. Senti sua língua tentando ganhar a minha boca. Meus olhos arregalaram pelo choque, mas não me mexi – pelo mesmo motivo.

Quando coloquei a minha mente no lugar, o empurrei com uma força descomunal – senti meus poderes fluírem de mim para o lançar mais longe – e fui embora sem me despedir. Ele não merecia qualquer atitude de simpatia vinda de mim. Havia um contentamento explícito em seu rosto, enquanto ele limpava a saliva de seus lábios. Fechei a porta e me encostei nela no lado interno. Percebi o quanto estava ofegante. 

– Chegou! Como foi? – Reparei em Jane apenas quando falou. – Avisando, vou dormir no quarto contigo. Nate me expulsou do quart...

A voz dela reduziu até sumir. Jane me olhou cética quando viu meus olhos arregalados e a boca aberta.

– Tudo bem, Enny? – Ela perguntou preocupada.

Tentei despistar o que estava acontecendo e me tranquei no banheiro do meu quarto. Escovei os dentes repetidas vezes até parar de sentir nojo ou ânsia de vomito. Jane bateu à porta, pedindo que falasse com ela, e eu simplesmente disse que não tinha sido nada demais.

– Quando você sair do banheiro, vamos conversar sobre isso. – Ela parecia minha mãe, insistindo para descobrir meus segredos.

***

No outro dia, Nathan tentou conversar comigo, mas Jane não me deixava sozinha. A primeira vista, até  podia parecer ruim. Contudo, ia para o lado oposto. Saindo do banheiro, chorando, me abri sobre o ocorrido com Brad. Ela tentou me convencer a contar a Tracy e disse que me daria total suporte porque sabia o que as más bocas falavam sobre o jogador.

Por medo, eu não queria que a caçula soubesse que Brad me beijou à força. No fundo, não acreditava que ela ia confiar em minha palavra. E, sendo bem honesta comigo, considerando a situação com Nathan e Jane, parecia plausível que as garotas começassem a me ver como uma interesseira no relacionamento delas com mais essa história e decidissem me excluir. A ideia de solidão me sufocava como mãos invisíveis ao redor do meu pescoço.

A garota de cabelo ébano, antes de ir para escola, tentou me passar alguns truques de maquiagem como uma forma de criar vínculo comigo, o que de fato aconteceu – e me foi de enorme surpresa. Aproveitei a sua saída para ir me esconder de Nathan no depósito do restaurante. Tinha conversado com tia Lúcia e iria assumir as atividades dele nessa semana. Para a senhora, parecia uma forma de ajudar meu "amigo". Para mim, foi a tática que consegui criar para passar menos tempo possível com ele.

Logo após o almoço, andei sozinha até perto da escola das meninas e aguardei o período letivo delas acabar. Fomos juntas para Rheyk, praticar nossos dons como fazíamos desde domingo. O meus dons até aconteciam aqui nesta Terra, mas na dimensão de origem das joias era como se algo muito mais forte pudesse surgir. Particularmente, eu adorava a sensação de sentir aquela... Energia fluir por mim, mesmo que eu ainda não conseguisse fazer nada direito.

– Vamos começar? – Angel deu duas palmas, sorrindo como sinal para o time agir. 

Cada uma das garotas, começou a testar sua habilidade. Meu problema é que eu não fazia ideia como fazer a energia fluir da forma que eu queria. Levitação era a única coisa que ainda ocorria. Mas, de resto, eu não sabia como converter a magia das joias em golpes.

– Garotas. – Uma voz rouca de sotaque pesado soou. Só com ela já podia prever o mau cheiro que logo me atingiria. Alberto. – Estava voltando de Zimbu e ouvi vocês. Teria problema se eu acompanhasse o treino de hoje?

A expressão de cada uma ali deixava claro que se incomodava sim, mas nenhuma palavra contrária foi proferida. Após quase uma hora, sua postura mostrava escancaradamente tédio. Então, o homem fedorento de 25 anos se pôs de pé, fazendo as garotas pararem.

– Angel, vocês nos venderam que a fedelha tinha dons. Até agora eu vejo um projeto insuficiente de Luna e nada mais. Ela não tem controle, disciplina nem noção de nada. – A chacota explícita no seu tom. – Essa é a grande arma secreta? 

General Alberto tirou o cabo do seu chicote de roldão. Ele avançou em minha direção com brutalidade. Pulei para trás e me escondi atrás de uma árvore, que teve ficando em seu tronco os espinhos da arma.

– Ou é uma fraude ou talvez lhe falte o estímulo certo. Vamos, me encare! – O homem deu a volta pela árvore, mas eu já a escalava, adquirindo distância. – Talvez suas amiguinhas bastem.

Agilmente, o homem tirou duas estrelas de sua jaqueta, acertando Tracy e Angel nas pernas. Seu avanço foi direcionado a Aline, com o nítido foco de a machucar. Talvez pela incredulidade, as garotas tiveram dificuldade de reagir, permitindo que aquele homem aplicasse um mata leão na garota de cabelos curtos e lhe colocasse uma adaga rente a carótida.

– O que vai ser, Enny? Vou ter que derramar sangue ou você vai cooperar?

Meu coração descompassou. As garotas não arriscariam atacar Alberto, não com ele com uma arma tão próxima de um ponto letal. Uma energia eletrizante parecia correr da minha mão direita até o Coração por debaixo da pele, ganhando caminho entre minhas veias. Projetei meu corpo para frente e aterrissei na campina, encarando aquele homem. Na minha mão direita, senti cócegas entre a palma e os dedos junto com um calor confortável, o mesmo que parecia queimar em meu peito.

– Conjura fogo? Essa não esperava. – Apesar do deboche persistir na voz dele, havia um quê de contentamento. – O que mais sabe fazer?

Uma pequena parte minha quis olhar para minha mão e validar que de fato criava uma chama pela minha palma, mas cada átomo meu parecia estar carregado com a tensão do risco eminente daquele homem para Aline. Encarava fixamente a lâmina.

– Chega, General! Solte Aline. – Angel usou sua voz autoritária.

– Não até a baixinha mostrar seus espetaculares dons. – Alberto não tirava seu olhar de mim, mas chacoalhou Aline em seus braços, deixando a lâmina roçar na pele dela e ferir a integridade dessa sutilmente.

Ao ver uma gota de sangue escorrer pelo pescoço garota, deixei o calor tomar conta de mim, expandindo-se pelas minhas veias. Uma sensação parecida com a que tinha antes nos meus dois surtos de poderes. Porém, dessa vez, eu consegui a impedir de me consumir inteiramente. Visivelmente minhas veias não brilhavam como Nathan me disse outrora que acontecia, todavia, eu sentia a energia trilhar caminho entre elas de forma tão nítida que poderia até desenhar o padrão dos vasos.

Ergui minhas duas mãos bruscamente. A lâmina foi arrancada da posse de Alberto e veio até mim. Logo em seguida, o homem fétido foi arremessado para um arbusto com velocidade. Ele se colocou de pé agilmente e, pegando novamente sua arma, veio em um ataque direto a mim. Apenas desviei como Nathan vinha me ensinando a fazer.

Percebendo minha relutância em o atacar ou em usar meus dons, seu foco mudou novamente para as garotas. Quando sua mão se ergueu com o chicote de roldão contra Luna, levantei a minha e, expandido minha energia de uma forma quase inconsciente, criei um escudo redor da garota. Assim que os espinhos cravaram no meu campo de força, senti como se tivessem me atingido. Caí ajoelhada de dor, um grito ganhando minha garganta até se libertar.

Assim que minha voz saiu, a bola metálica do chicote se transformou em cinzas, assumindo uma dança efêmera com a brisa do oeste. Todos no ambiente estavam estarrecidos com o que viam. Porém, no segundo seguinte, uma dor inundou minha cabeça. Era tão intensa que pensei que estava sendo escalpelada. Tombei para frente, tremendo e arranhando meu casco. Precisava arrancar aquela dor de mim. 

Percebi que gritava só quando senti mãos pequenas taparem minha boca. Mas elas não foram o suficiente para conter minha voz. Sequer conseguia abrir os olhos, a luminosidade parecendo ser agulhas que perfuravam minha retina. Em algum momento, uma roupa foi colocada em minha boca e eu fui erguida no colo de alguém. O cheiro fétido me fazia ter certeza que estava sendo carregada por General Alberto. 

Tinha noção que as pessoas ao redor conversavam, brigavam, se movimentavam. Contudo, eu estava tão presa em meu sofrimento, que não absorvia nem compreendia apropriadamente nada que me acontecia. A única coisa que realmente tive certeza que era real foi o momento que Nathan me tomou em seus braços, tirou aquele pano da minha boca – deixando eu extravasar meu sofrimento – e gritou para chamarem Honesh para a casa dele.

Acho que fui medicada porque, em algum momento, a dor aliviou o suficiente para eu conseguir ouvir as vozes dos meus pensamentos. As garotas estavam por perto, tentavam me dar suporte. Mas aquele inferno era meu para ultrapassar. Meu corpo queimava, meu cérebro parecia ser cutucado com agulhas, meus músculos tinha espasmos. Todavia, o pior de tudo era sentir esse peso horrível esmagando cada parte minha ao mesmo tempo que parecia me desmembrar.

"Pequena, guie sua energia. E, lembre-se, eu estou aqui para lhe ajudar. Assuma seu posto, Enny Scott, a nova Senhora da Luz."

A voz de Aliat então começou a me guiar a como sobreviver aquilo. Era exaustivo, excruciante e desesperador, mas, aos poucos, a dor começou a amenizar.

***

Na sexta-feira pela manhã, assim que o curandeiro Honesh saiu da casa de Nathan, começou a movimentação para minha transferência até a casa de tia Lúcia. O General Monteiro – sim, porque era essa persona que ele vestia – cuidou da minha segurança até o portão onde, do outro lado, tia Lúcia já me esperava com seu carro.

Ao longo do dia e até a tarde do sábado, fiquei praticamente no meu quarto – melhor dizendo, no quarto de Aline – deitada. Aos poucos, uma ou outra memória vinha mais clara. Tinha uma garota de cabelo negro que não calava a boca e ficou cuidando de mim quando o quinteto precisou ir embora. Só de lembrar da voz dela, a dor de cabeça voltava um pouco mais forte.

Poucos momentos eu recordava de ter a imagem de Nathan por perto. Além disso, ele não veio me ver ou saber da minha condição desde que voltei para a Terra... É isso... Parece que o interesse em mim já tinha findado e ele já estava pronto para voltar para Jane. Se brincar, devia estar na casa dela por agora...

Vim trabalhar porque precisava distrair minha mente. Contudo, o fraco movimento deu oportunidade para Erick colar em mim e não parar de falar. A dor de cabeça não tinha ido totalmente embora ainda e o escutar incessantemente, piorava demais a situação.

– Você é-é linda sempre. – Seu jeito tímido era fofo, como um ursinho de pelúcia que eu queria socar. – Certeza que vou ter a acompanhante mais bonita. Até acho qu...

– Vocês dois vão juntos? – O quê de incredulidade do dono da voz me fez franzir o cenho, ressentida. Mesmo não estando tão perto, o cheiro dele de menta e madeira me atingiu. Erick assentiu com um movimento de cabeça. – Concordo, vai estar com a garota mais bonita. Uma pena ela não poder dizer o mesmo do parceiro.

Escutei o barulho da rua aumentar, indicando que a porta de entrada fora aberta. Finalmente, novo cliente. Fui até o fim do salão pegar um cardápio e senti a presença de Nathan me seguindo. Sua mão repousou sobre a minha quando eu peguei o menu. Olhei pela primeira vez para sua face, o semblante parecia confuso. Contudo seus lábios estavam inchados e, por causa de como as coisas vinham entre nós, pensei na possível causa que mais me magoaria. Ele sempre acordava com a boca inchada após dormir com Jane. Só poderia ser isso, não é?

– Se queria ir com o trouxa ali, era só ter me falado. Não precisava ter me jogado nos braços de Jane.

– Joguei? – Usei um tom de voz sonso para debochar. – Pobre e indefeso Nathan, não sabe dizer não para uma investida de uma garota.

Revirei os olhos, girando sobre meus calcanhares e indo até a mesa onde o freguês se sentou. Não olhei para o indivíduo no trajeto ou até mesmo quando me posicionei na sua frente. Apenas o entreguei o cardápio e já tomei o bloquinho de notas em mãos para anotar o pedido.

– Boa noite, seja muito bem-vindo ao Recanto do Sabor. O que deseja? – Perguntei sorridente sem o ver.

– O que você me aconselha? – A voz gélida estava gratificada ao me gerar tensão.

Lentamente ergui a vista, minha mão tremendo suavemente. Novamente o rastreador de Victor vinha em nosso lugar. Meu olhar estava preso no de Thomas, que nitidamente estava satisfeito com o pânico que sua presença me gerou.

– Me diga algo comestível. 

– Estricnina. – Minha voz quase não tinha volume. – Posso providenciar um prato recheado especialmente para você.

– Fique à vontade. Me surpreenda, pequena. – Thomas respondeu, sorridente. – Você é muito boa nisso. Nos despistou bem na Biblioteca.

Minha cabeça latejou e eu coloquei a mão por reflexo. Thomas riu, me fitando de maneira analítica. Um olhar de tigre, preparando-se para o bote.

– Com dor de cabeça, Enny? Não devia trabalhar assim.

– Alguma bebida? – Ignorei o que ele disse ao captar que um homem da mesa ao lado me encarava preocupado.

– Qualquer uma alcoólica. – Respondeu enquanto eu ia embora. – Lúcia reformou o restaurante. Ficou ótimo!

Quando cheguei ao balcão, olhei para Nathan, apavorada, quase em desespero. Ele andou em minha direção rapidamente, e Erick o seguiu. Fiquei de frente ao meu protetor, e o outro garoto veio para meu lado. Ambos estavam preocupados comigo.

– Nathan, não estou me sentindo bem. Será que você pode atender aquele cliente? – Apontei com o polegar para a mesa onde Thomas estava sentado.

– Seu tio Tom? – Erick perguntou, falsamente animado. – Senta com ele! Eu te cubro.

Eu neguei e Erick revirou os olhos, indo até a mesa de Thomas, o cumprimentar. Nathan me olhou com estranhamento quando Erick partiu.

– Tio Tom? – Ele cochichou. – Como esse otário conhece Thomas?

– O rastreador me fez uma visitinha há um tempo e usou Erick. – Expliquei, mal movendo meus lábios.

– Por que não me contou? – Ele perguntou, enraivecido.

– Vai discutir isso agora? – Queria dizer a verdade, mas prometi segredo.

Ele negou, suspirando. Passei o pedido para o cozinheiro e acompanhei Nathan até a mesa onde o servo de Victor estava sentado. Erick e Thomas riam e conversavam bastante. Não acredito que aquele garoto simplesmente esqueceu que eu pedi para manter distância daquele homem. Seu coração bom podia ser bem idiota às vezes. Tive que segurar o braço de Nathan para ele não fazer nada quando chegamos perto da mesa.

– Erick, tem como dar uma licença?  – Pedi com um sorriso que não me cabia. – Fiquei de apresentar Nathan a Thoma... Tio Tom.

Erick parecia confuso, mas acatou e foi atender um casal que tinha acabado de entrar. Thomas encarava Nathan, satisfatoriamente entretido com a tensão dos músculo do meu protetor.

– Ora, ora. Pelo visto, nossa pequena não contou ao generalzinho sobre minha última visitinha. – O homem tomou um gole do vinho que lhe servi. – Sentindo-se traído, meu caro? Ou ameaçado?

– Não ouse chegar perto da minha Enny de novo. – O rapaz respondeu entredentes. Um olhar sombrio e assassino, que nunca tinha visto, tomando seu semblante.

– Nate, pare com isso! – Acariciei seu braço, cativando enfim seu olhar. – Está chamando a atenção dos outros. Fique olhando à distância. Eu vou ficar bem. Confia em mim como eu confio em você.

Nathan assentiu, relutante, e se afastou. Acompanhei-o porque vi que o prato de Thomas já estava pronto. Controlava minha respiração durante o trajeto, forçando uma calma que não habitava em mim. Servi o prato para Thomas e esse me agradeceu, pedindo que eu me sentasse para conversar.

– O que você quer aqui? Não estou com paciência para esses joguinhos.

– Pequena, você amoleceu o coração do nosso guerreiro. – Thomas apontou com a cabeça para Nathan, que nos observava a distância. – Acho que terá um problema para contar ao outro rapaz que você está apaixonada pelo generalzinho. Vai ser doloroso para o moleque.

Thomas comeu outra garfada, sorrindo. Que petulante! Sutilmente bati minha mão na mesa, pondo-me de pé. Quando o rastreador me olhou, viu não mais aquela menina acuada. Sentia meus poderes fervilhando em meu sangue. A qualquer momento, poderia representar um sério risco à vida dele. Entendendo que eu queria uma resposta, ele limpou a boca com o guardanapo de tecido e falou:

– Victor queria saber do coração e eu estava com fome. – O homem bebeu mais um gole do vinho. – Parece que o achou.

O rastreador se levantou da mesa e pegou o pingente em suas mãos. Vi Nathan e tia Lúcia se aproximarem de nós, a senhora cumprimentando todos os clientes no trajeto para simular uma normalidade naquela situação. O rastreador e eu nos encarávamos firmemente. Quando chegou, Nathan apertou com força o ombro do homem.

– Tire as mãos dela. – O rapaz falou sorridente, mas senti raiva em sua voz.

– Nathan, ela não precisa de um porta-voz. Deveria ter aprendido isso depois de Katerine. – Thomas olhou para mim. 

– Você já teve mais modos, Thomas. – Tia Lúcia disse de forma ameaçadora por trás de uma risada ao nos alcançar. – Sente-se. Um cliente que deixa o prato cheio assim é um péssimo marketing para meu estabelecimento. Crianças, voltem para o serviço. Vou conversar com nosso colega aqui.

Nathan me encarou com o mesmo espanto que eu transmitia. À contragosto, nos afastamos e observamos, à distância, os dois conversarem. Em meio a risadas e gesticulações abertas que insinuavam uma conversa informal entre velhos amigos, era notório, para olhos atentos, os sutis detalhes que mostravam a tensão e a ameaça nos mínimos movimentos. 

Quando o prato se esvaziou, tia Lúcia chamou a mim e a Nathan para levarmos a conta. Assim que os dois ficaram de pé, tia Lúcia fingiu não ver que Nathan me escondia com seu próprio corpo e me puxou para frente, mantendo-me entre suas mãos, mas de frente a Thomas.

– Ela está sob meu teto. Não volte mais aqui em nome de Victor ou terá problemas comigo. – A senhora lhe ofertou um sorriso genuíno. – E tire essas lentes. Fica mais feio de olhos castanhos do que com o vermelho da sua escravidão.

– Sempre um prazer falar contigo, Lúcia. – O homem sorriu timidamente. Engoli em seco, perdendo as palavras.

O servo de Victor então me mirou e maneou sutilmente a cabeça, fazendo uma reverência em sinal de despedida.

– Visite meu senhor, senão terei de voltar. Por enquanto, só posso dizer até mais, Enny. E boa sorte com o menino. Ou devo dizer "os dois meninos"?

Ele deu uma piscadela, deixou o pagamento com uma gorda gorjeta e foi embora sem nenhum drama. Assim que a porta de vidro fechou, um tremor tomou conta de meu corpo. Tia Lúcia mandou Nathan me levar para o apartamento, afirmando que iria logo em seguida. 

Assim que adentramos em casa, eu abracei Nathan com força e chorei em seu peito. Ele me acalentou, beijando o topo de minha cabeça e murmurando que tudo acabaria bem. 

– Desculpa, eu devia ter contado de Thomas. Eu fui idiota. Não quis preocupar vocês...

– Eu disse para ela não contar. – Tia Lúcia, que estava na soleira, falou sem titubear e logo contou sobre o feitiço de proteção para esta morada, inventando que a mãe de Nathan, Laiane, a tinha contado do feitiço. – Se vocês soubessem da visita de Thomas, iriam entrar em pânico. Quis prevenir porque eu sei que aqui é o lugar mais seguro para a pequena.

– Como conhece Thomas? – Nathan ainda não tinha me soltado. Só em mencionar o nome do rastreador, o rapaz me apertou mais uma vez contra si. Seu olhar macabro enfim amenizando ao encontrar o meu.

– Meu filho, eu conheço Rheyk antes mesmo de seus pais namorarem. Patcho Herquio, Alberto Pessoa, Petrik, Thomas, Gael Noay... Todos os nomes que importam, eu vi serem formados e, a maioria, verei cair. Inclusive, já vi a face de Victor. Quantos da rebelião podem dizer isso?

– Por que nunca nos contou?

– Porque tem verdades que, se ditas, arruínam vidas. Olhe minha irmã, morta por Petrik porque confiou que ainda existia humanidade nele... Acha que estão preparados para saber tudo? Para contar tudo uns aos outros? 

Nathan recuou sutilmente, parecendo verdadeiramente afetado com essa frase. Eu o observei curiosa. O que ele me escondia? 

– A primeira pergunta que todos vocês têm que fazer é: por que Victor insiste tanto na Enny? O que ele sabe que é tão importante para a levar e não apenas o anel?

E essa pergunta eu já tinha a resposta que ainda não estava preparada para verbalizar. Porque aceitar essa verdade e a proferir em alto e bom tom seria criar nos outros a expectativa que Rheyk seria para sempre minha casa. Não estava pronta para me conformar com isso. 

Victor não me matava porque ele precisava de mim para manter o equilíbrio. Para ter um reino a dominar. Onde há Trevas, deve haver Luz. Não era esse o clichê? Ao matar Aliat, ele praticamente condenou Rheyk por séculos em escuridão e terror. Se me tivesse em suas mãos, mantinha seu reinado vivo e a população sob controle. 

Afinal, eu era a Senhora da Luz.

***

É isso, meu povo! Deixem seu votinho para aquecer meu coraçãozinho.

Esperavam essa visita maravilhosa de tio Tom?

Ah! No próximo "Sob Outros Olhos", vou te contar o motivo da boca inchada de Nathan. Será que Enny está certa? 

Sabemos o que Enny esconde. Mas, o que será que Nate não está pronto para contar para Enny? Bora descobrir?

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