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Capítulo 12 - A Senhora da Luz

- Onde você estava? - Aline bufou nervosa de preocupação, mas, ao ver o meu tênis sujo de terra preta e minhas mãos sujas, seu semblante foi para incredulidade. - Não acredito que Nate te levou para Gomno à noite. Irresponsável!

- Eu ia seguir ele de qualquer jeito, Aline. - Ela riu com deboche da minha réplica. Ao chegar ao quarto, vi sua mochila sob a cama. - O que está fazendo aqui? Não ia dormir na casa daquela tua amiga Alessa?

A postura dela ficou rígida, retraindo os lábios e evitando meus olhos.

- Preferi ficar aqui. Queria conversar com Nathan, só que ele resolveu dar um chá de sumiço e levar nosso ás para o meio da zona rural de Rheyk que é repleta de predadores.

Sua escolha de palavras me incomodou bastante. Peguei uma muda de roupa mais confortável e fui rumo ao seu banheiro, em completo silêncio. Antes de fechar a porta, a chamei. Sim, ela parecia chateada com alguma outra coisa e acabou descontando em mim. Só que eu não era saco de pancada de seu ninguém para aguentar certos comentários calada.

- Nate está lá embaixo. Se quiser conversar, é só descer um lance de escada. E não se preocupe. Vou só tomar um banho e deixarei o seu quarto todinho só para você. O ás aqui vai dormir no sofá.

- Enny, não quis dizer isso. - Ela movimentou a mão como se pedisse para eu me acalmar.

Minha língua passou pelos meus dentes enquanto examinava bem as palavras que diria. Eu não podia ser agressiva demais ou perderia o abrigo de Tia Lúcia e ficaria realmente largada às traças. Então tive que ser mais ponderada, hábito que vinha aprendendo aos poucos neste mundo.

- Mas foi exatamente isso que você disse. - A culpa lhe transpassando a face não me amoleceu em nada. - Uma pena porque realmente achei que estávamos construindo uma amizade. Pelo visto, sou para você a mesma coisa que sou para Victor ou Aliat, uma peça nesta guerra. Obrigada por deixar claro.

Não esperei qualquer resposta dela, batendo logo a porta do banheiro, me despindo e deixando a água fria do inverno escorrer gratificantemente pelas minhas costas. Por mais que tentasse focar na minha atual raiva, diversas vezes fui tomada pela memória do meu primeiro beijo. Em determinado momento, desisti de resistir e me permiti relembrar de cada segundo.

Que droga eu estava fazendo com a minha vida?

Tracy e Luna mandaram não me envolver com ele. Eu sabia que Nathan era alguém complicado. Mas, no final, Jane estava certa. O difícil era tirar do coração. E, de fato, agora eu estava ferrada porque sequer o queria fora do meu coração. E tinha algo pior: como seria daqui para frente? Fingiríamos que não rolou e vida que segue? Ou ele queria algo mais sério? Se fosse mais sério, como eu poderia dizer que não estava pronta para algo tão sério quanto ele era habituado? Ou como ficaria o grupo? E será que eu desistiria de voltar para casa? Não, isso nunca.

Coloquei minhas mãos no rosto para conter o grito que rasgou minha garganta. Essa cacofonia mental estava me matando! Desliguei o chuveiro, me vesti e fui fazer um novo curativo, notando que a ferida tinha aparência de uma semana de cicatrização. Poxa, a pomada de Honesh é boa mesmo. Assim que finalizei o cuidado com meu machucado, peguei o livro "Um Estudo em Vermelho", que comprei recentemente para reler pela 3ª ou 10ª vez, e me dirigi com meu travesseiro e edredom para o sofá.

Admito que fiquei grata com a ausência de Aline, ela deveria ter ido lá em Nathan mesmo. Por mais que gostasse de todas as garotas, com algumas, a confiança era algo difícil e, se meu "caso" com Nathan viesse a público, seria pior. Céus! Só pare de pensar nele, Enny Scott! Peguei o livro, achei uma posição confortável e me entreguei a familiar leitura.

Quando dei por mim, já não estava mais no sofá da casa de Tia Lúcia. Adormeci sem perceber. Agora, me localizava no encontro de quatro caminhos de paralelepípedos margeados por animais de brilho prateado que me lembravam vaga-lumes. Ao redor, havia uma floresta densa e escura que tinha diversos vultos se movimentando, esgueirando-se pelo breu que mais parecia fazer parte deles. Podia escutar o barulho de uma queda d'água mais distante. Sabia que não podia ficar parada ali, precisava me movimentar.

Então, encarei cada um dos caminhos, que adentravam na floresta por quatro rotas opostas. Qual eu escolheria? Qual não seria tão ruim? Por aquela atmosfera, não parecia ter uma escolha verdadeiramente segura. Reparei novamente no barulho da queda d'água, quase como se me chamasse. Lá era meu destino.

Fechei meus olhos e deixei meu corpo encontrar a direção correta de onde o som vinha. Quando abri as pálpebras, vi que apontava para uma direção que não tinha nenhuma trilha. Uma risada contida escapou pelo meu nariz. Claro que não teria caminho! Mas, quer saber? Eu farei meu próprio caminho. Isso é só um sonho e há quase cinco meses venho fugindo dos meus pesadelos. Cansei! O que de pior poderia acontecer? Acordar? Nossa, que horror!

Dei um sorriso de lado com o sarcasmo em meus pensamentos.

Para que sair da rota segura? Vai se matar.

Aquela voz que outrora atribuí à consciência - e que agora tinha um nome muito claro, Aliat - soou em minha cabeça. A memória de Victor dizendo que para ela eu era apenas uma peça no jogo deles veio a mim, amargando minha boca.

- Estou dispensando os conselhos de quem vive se escondendo, Aliat.

Motivada pela raiva, comecei a adentrar na mata fechada, guiando-me pela minha aguçada audição para avançar em minha caminhada que, lentamente, se tornava uma corrida. Os vultos me acompanhavam pelas laterais, me seguindo, jogando-se na minha frente. Seus perfis amorfos e nebulosos pareciam crescer ao meu redor, gerando uma sensação de estar sendo encurralada. Minha respiração pesava, demonstrando o fruto do pânico e cansaço.

Então, vi a cachoeira refletir a luz esbranquiçada da lua.

Aumentei ainda mais o ritmo, meus pensamentos gritando que não poderia me deixar ser capturada por esses seres sombrios. Contudo, um vulto se colocou de supetão na minha frente. Não consegui desviar a tempo e o ultrapassei tal qual faria com uma fumaça. Ao inalar o que compunha aquele ser, foi como se uma gosma tapasse minhas vias aéreas, me coibindo de respirar.

Tentava puxar o ar para meus pulmões, mas nada entrava, como se meus brônquios estivessem colabados. Abri a boca para tentar respirar, porém era pior; o gosto de peixe podre tomou conta das minhas papilas e nenhum oxigênio adentrou. Meu coração descompassou e a visão ficou turva. Todavia, nada indicava que acordaria. Estão de brincadeira comigo, sonhos bizarros? Dá para morrer mesmo aqui?

Mirei a pequena queda d'água. Tão brilhosa, linda... Já que ia padecer neste sonho, então faria isso onde eu queria. Com o resto de força que tinha, corri até a cachoeira e me joguei em suas águas rasas, começando a me entregar ao cansaço.

- Respire debaixo d'água. Funciona. - A voz conhecida me alcançou.

Era certo obedecer a Aliat? Não sei. Mas, considerando que era isso ou morrer, não tinha muitas escolhas. Mergulhei e, submersa, inspirei. O líquido adentrou minhas narinas, tomando meus pulmões, afogando-me agilmente. Emergi em resposta, tossindo a água para fora e, somente então, e notei que conseguia respirar. Arrastei-me de quatro até a borda e deixei meu corpo desabar sob a terra e o cascalho. À minha frente, os pés descalços femininos indicavam a presença de Aliat.

- Eu disse para você não entrar na floresta. - Ela estava furiosa.

Levantei a vista para encarar a mulher que usava o mesmo vestido da minha primeira visão dela. Fiz um bico de raiva e comecei a me colocar de pé, indignada com o fato dela estar aqui achando que tinha alguma moral para me repreender em meu próprio sonho.

- Nossa! Eu não acredito que não te obedeci! - O sarcasmo permeava meu falso choque. - Cansei de ser seu peão, Aliat.

- Criança birrenta. Não vou perder meu tempo discutindo com você.

- Claro que não! Você não "perde" tempo nem para me explicar por que me jogou na sua guerra como a droga de um tributo só porque não você foi capaz de vencer Victor. Ou melhor ainda, me enfiando goela abaixo uma guerra para se redimir por vender seu povo pra sobreviver, não é? - Gesticulava abertamente, fazendo aspas com os dedos e apontando o dedo de forma acusatória.

Era cerca de quinze centímetros menor que ela, então tinha que erguer meu queixo para a encarar. Minha respiração pesada destoava da dela, calma e equilibrada, e isso agravava minha fúria. Aliat balançou a cabeça sutilmente, contraindo os lábios.

- Errei em ter lhe deixado vir. - A triste gravidade em sua voz me desmontou. - É inocente o suficiente para cair nas mentiras de Victor e totalmente despreparada para saber da verdade.

- Por que você não tenta? Pode se surpreender. - Despida da raiva, usei meu tom seco. - Ou vai desaparecer e me deixar a deriva novamente?

Seu semblante impassivo me privava de sondar qualquer resposta. O silêncio tomou espaço entre nós, e eu, verdadeiramente, já estava me preparando pelo despertar que não chegou. Olhei ao redor, contemplando a luz esbranquiçada que a lua emanava, a relva com seu orvalho e as pedras cobertas por musgos. Primeira vez fora do castelo nos meus sonhos em 15 dias, mas, também, o primeiro sonho com um astral tão sombrio.

Aliat maneou a cabeça, convidando-me a acompanhá-la. Ela não sumiu! Então, haveria respostas no final das contas. Em uma grata surpresa, pus-me a seguir aquela mulher que parecia flutuar no lugar de andar. Na verdade... Olhando seus pés, era exatamente isso que estava acontecendo; ela mantinha uma distância de quatro dedos do chão. Adentramos na mata e novamente os seres sombrios começaram a nos ladear, contudo, agora de forma mais distante.

- Você não tem medo deles? - Pulei de susto ao ouvir uma das criaturas rugir.

- Por que teria? Eu já morri. - Ela me olhou por cima dos ombros e sorriu com afeto. - Mas você também não deveria ter, minha pequena.

Olhei para aquela mulher de forma mais contemplativa, notando enfim o sutil brilho que ela emanava. Tal coisa parecia afugentar qualquer aproximação dos seres das trevas.

- Você é a Senhora da Luz, certo?

Aliat parou, virando-se para mim e encarando o anel na minha mão.

- Era. O anel tomou esse cargo por séculos... Digo... Neste universo, dois séculos. Na Terra Central, a sua casa, apenas um.

- A passagem temporal é diferente? - Engoli em seco, a saudade apertando meu coração. - Você sabe como está minha família? O tempo na Terra Central continuou?

Ela passou a mão sobre meu cabelo, apertando para tirar o excesso de água, e tomou minha face entre suas palmas.

- Vim com você e o anel para cá, não sei como está sua família. - Ela tentou me consolar com um sorriso. - Contudo, relaxe, pequena, o tempo aqui está passando duas vezes mais rápido do que no seu mundo. Foi como fomos criados para ser. A sincronização do relógio permitiu que Victor abrisse o portal através do espelho.

Por um momento, respirei aliviada. Então estava sumida há pouco mais de duas semanas lá. Era menos tempo que minha família sofria. Ao menos, a parte que se importaria com meu desaparecimento. Porém, logo fui atingida por outro questionamento.

- E o portal que me trouxe? A sincronização do tempo já tinha passado. Quem o abriu? Você? Ou foi um trabalho conjunto?

- Digamos que foi conjunto. Como é que Dona Lúcia lhe disse? Há mais entre o céu e a Terra Central do que sonha nossa vã filosofia. Certo? Nem todos os segredos são bons para serem revelados. - Aliat voltou a caminhar e eu regressei a segui-la. - O que importa é que o anel voltou para casa e podemos pensar na libertação de Rheyk.

Claro! Era óbvio que ela só ia pensar na causa. Eu era apenas uma carta na manga para ambos ali, não era mesmo? Engoli em seco e perguntei com amargor:

- Por que eu?

- O anel escolheu você para usar os poderes armazenados nele. É o máximo que posso responder por agora. Então, gostando ou não, essa missão é sua.

- Aliat, eu te imploro: me leve para casa e eu prometo entregar esse anel para Angel ou Nathan e eles vão te ajudar. Eu não sou uma heroína. Não sou sequer b-b-boa.

A mulher mais uma vez parou para me encarar. Porém, dessa vez, havia pena marcando seu semblante, no leve decair da ponta de seus lábios, no lento piscar dos seus olhos.

- Você não estava perguntando se toda sua família estava bem, não é? - Seriamente, neguei em um movimento de cabeça. - Eu acompanhei seu avô, seu pai e você, pequena. Sei de tudo. Pedro não poderia estar mais errado.

Olhei para o lado, desgostosa por não conseguir conter algumas lágrimas de transbordarem a linha d'água. Funguei, visando reprimir o choro. Meus lábios tremiam, tamanho era o meu esforço.

- Você quer que eu vá a guerra, Aliat. Pessoas morrem em guerras. E na hora que eu matar alguém, me tornarei tudo que ele disse que eu sou. Não posso deixar isso acontecer.

- Matar e se defender são duas coisas totalmente diferentes, pequena. - Ela tentou me tocar, mas eu recuei. Voltei a encará-la com meus olhos indignados.

- Vamos logo com isso. - Engolindo o choro, minha voz era fria. - Pela minha experiência, você vai me deixar acordar em breve. E não posso despertar sem pistas sobre o coração.

Ela mudamente concordou e voltou a caminhar, estirando a mão para mim, guiando-me pela mata. Sua mão, apesar de, visualmente, ser de uma perfeita dama, era na verdade repleta de pequenas cicatrizes e calos. Andamos mais uns cinco minutos até que regressamos ao encontro dos quatro caminhos. Em silêncio, Aliat tomou um deles. Para onde ela estaria me levando?

Estava em um sonho que não controlava nada? Sim. Acompanhada de alguém que já morreu? É isto. E essa é a mesma pessoa que está envolvida com minha vinda para um universo alternativo? Claro! Mas, mesmo sabendo de tudo isso, eu não conseguia sentir medo dela. De mãos dadas, podia até sentir melhor o formigar tão típico que o anel me gerava.

Não demorou muito até que uma raposa das montanhas apareceu. Notei que era a mesma que me encontrou na floresta em Gomno. Em seu peito, uma flecha cravada. Aliat soltou minha mão e ergueu esta na frente do seu corpo, deixando o animal lhe cheirar antes de avançar para retirar o pedaço de madeira.

- Pobre coitado. Era um filhote perdido. Ainda iria crescer tanto. - Ela afagava o animal que roçava nela como um gato doméstico, fazendo inclusive um barulho que lembrava o ronronar. - Venha, criança. Deixe-o farejar você e autorizar seu toque.

Tomei fôlego e a obedeci. A raposa nitidamente reconheceu meu cheiro e se encolheu, seus olhos amarelos me transmitindo todo o medo que ela teve do ataque. Em sua visão, eu era sinal de mau presságio. Então, sem pensar muito sobre, eu simplesmente me ajoelhei e deixei o animal me farejar o quanto quisesse.

A expiração brusca balançava meus cabelos e seu rosto peludo me fazia cócegas. A raposa, por fim, usou gentilmente seus dentes para arrancar o curativo do meu braço e esfregou a face na ferida, quase que como um ato de carinho, deitando-se para receber afago logo depois. Deixei-me guiar mais uma vez pelos meus instintos e comecei a alisar seu dorso, meus dedos afundando em sua vasta pelagem. Ergui os olhos para encontrar uma Aliat que me encarava com admiração e um sutil sorriso estampado em sua face. Retribuí e voltei minha atenção àquele animal gigantesco, mas tão manhoso quanto um filhotinho.

- Seus poderes estão se fortalecendo. A pomada de Honesh até ajuda, mas essa cura rápida de lesões e machucados é a magia que transita pelo seu corpo. Quanto mais você der acesso a ela, mais rápido o processo será.

- Eu não faço ideia de como "dar acesso" a magia, Aliat. - Não a encarava, apenas observava minha mão, sobre a caixa torácica do animal, que subia e descia conforme ele respirava.

- Claro que não. Você nunca precisou saber. - Ela mordia o lábio inferior, reflexiva. - O Coração que Victor quer pode lhe ajudar. Ele tem uma parte da minha magia também. Menos que o anel. Mas deve auxiliar você a sentir a energia correr pelo seu corpo e, enfim, a controlar.

- Controlar... Até parece que vou ter diversos dons. - Ri, descrente.

- Inúmeros. Mais do que pode imaginar, pequena.

Algo na sobriedade da fala cativou minha atenção. Parei o afago na raposa e me pus de pé, voltando meu foco à conversa. O animal, notando que perdera a atenção, se embrenhou na mata, não tardando em ser perseguido pelos vultos macabros.

- Onde o Coração está? - Engoli em seco ao vê-la relutar em me dar uma resposta. - Não me diga que não pode me dizer, Aliat.

- Você, sem querer, pode o levar exatamente para as mãos de Victor.

Pincei a ponta do meu nariz com o indicador e polegar e usei a palma da mão para cobrir a boca, coibindo um palavrão que quis sair. Não podia me rebaixar assim, não foi a educação que vó Paola me dera. Meus dedos correram pela minha testa e massagearam as têmporas. Um ato simbólico para extrair novos pensamentos, uma linha de raciocínio que pudesse usar para persuadir aquela mulher. Finalmente, uma ideia surgiu.

- Se você me deixou vir para cá, é porque sabe que eu posso ajudar, certo?

- Aonde quer chegar?

- Eu quero um voto de confiança. - Notei que aquilo não a comoveu, então decidi continuar. - Você era a rainha do mundo de Rheyk. Seu povo sucumbe lentamente à miséria. Aqueles que lutam pela liberdade estão sendo dizimados. Rheyk precisa de esperança, ver uma luz no fim disso, ou não vai suportar por muito tempo. Pese os riscos, Aliat. Vale tanto a pena assim esconder esse coração?

Pela primeira vez, vi seus ombros se curvarem, quebrando a postura austera. O manto de divindade que cobria cada trejeito dela se desmanchava em farrapos. Sua face adquiriu contornos e sombras novas, transparecendo a raiva e nojo. Ali estava não um espírito poderoso, mas uma mulher que perdeu tudo. Naquela imagem a minha frente eu não conseguia conceber que Aliat vendeu Rheyk, como disse Nathan. Ela transmitia a dor de ver algo amado desfalecer sob seus olhos sem poder fazer nada.

- E então? O que vai ser? Silêncio e me deixar escutar mais mentiras de Victor ou me dizer onde você escondeu o que roubou e fazermos isso juntas?

- Eu nunca roubei o Coração de Rheyk. - Os olhos dela estavam perdidos em memórias, a fúria da minha acusação sendo apaziguada pelas recordações. - Ele me foi dado por quem mais me amou. É um colar de ouro branco como o anel. A joia ganhou esse nome por causa do pingente. Um coração feito de um emaranhado de fios, sustentando uma pedra irmã à do anel.

- E onde eu posso encontrá-lo? - Usava minha voz mais calma.

Ela parecia mais colaborativa quando imersa em seu passado e eu tinha medo de a despertar para o tempo atual com meu nervosismo, jogando todo o avanço no ralo. Todavia, minha tentativa se mostrou frustrada assim que os olhos dela encontraram os meus.

- Uma resposta por outra. - Sua carranca se esvaiu, revelando a face impassiva novamente.

- Que exemplo de rainha, não é? - O sarcasmo rastejava em minha voz. - Seu povo morrendo e você chantageando a criança birrenta.

Ela deu um passo em minha direção, ficando tão próxima que seu brilho me banhou. Se não fosse por um breve relampejar de fúria em seus olhos, poderia dizer que ela nada se abalara com o que eu disse.

- Seu valor em Rheyk será constantemente testado. Preciso garantir que você continuará digna de ter minhas joias. O que escolhe, Enny? - Mudamente, concordei com Aliat. - Ótimo. Não fica tentada em se aliar a Victor, sabendo que ele é o único que sabe como te levar para casa? Não minta ou nunca revelarei onde está a joia.

O choque com sua pergunta me fez recuar, minha expressão mostrando confusão e uma risada nervosa tomando minha face. As memórias dos momentos compartilhados com o vilão, da sua tentadora proposta... Essa imagem tão nítida começou a ser manchada pela visão de Nathan, na minha primeira noite aqui, me contando sobre a vida miserável que ele teve por causa de Victor.

Então, um lampejo de dor, e minha mão foi para a coxa esquerda, instintivamente tentando conter a avalanche dos pensamentos ruminantes, todos os xingamentos escutados nos últimos 11 anos. Fechei os olhos, sentindo-os arderem em um abandono que me tomou a vida inteira. Sabia que Aliat me encarava, aguardando sua resposta, então me forcei a responder:

- Não. Porque não vou ser o monstro que meu pai diz que eu sou. Satisfeita?

Se Aliat de fato me acompanhou e a Pedro, ela entendia verdadeiramente o peso daquela frase para mim.

Se...

Pelo olhar de dó dela, era nítido que ela já esperava essa resposta e sua surpresa habitava na minha honestidade. Com um suspiro pesado, a mulher começou a falar:

- Por anos, sequer soube da existência do colar como uma fonte de poder. Mas, há quatorze anos, nesta linha do tempo, eu o senti curando alguém em Rheyk. Meu elo com o Colar durou alguns dias, o suficiente para captar um homem o escondendo nesta Terra que estamos.

- Onde exatamente, Aliat?

- Quando a líder do grupo das meninas estava com seus dons despertando, fez com que uma parte da magia do Coração de Rheyk se libertasse e abriu um portão para Rheyk. O primeiro que ela conheceu, ao menos.

- Obrigada.

- Não deixe Victor encostar nas minhas joias, nem que custe sua vida. Ele tem o mau hábito de corromper tudo que deveria ser bom.

Encarei-a com confusão. Não parecia simplesmente uma rivalidade pelo poder, o nojo em sua voz demonstrava algo muito mais profundo.

- Qual a real história entre vocês, Aliat? Victor sabe sobre o bebê, não é? É o filho dele?

A postura daquela mulher migrou para puro ódio e, com um movimento abrupto das mãos, ela desapareceu como fumaça e todas criaturas amorfas da floresta avançaram de uma única vez em minha direção, dragando-me para o desespero e sufocamento até que despertei.

Quando dei por mim, estava sentada no sofá, arranhando meu pescoço na busca desnecessária pelo ar que a realidade me ofertava amplamente. Joguei meu cabelo para trás, minhas unhas raspando lentamente meu couro cabeludo. Em um sobressalto, saí do sofá, entrei no quarto de Aline na ponta dos pés e tomei meu diário em mão. De volta a sala, peguei uma caneta roxa e escrevi na primeira linha:

"O que houve entre Victor e Aliat? Tenho que descobrir a verdade ou posso desistir de voltar para casa"

Logo em seguida, escrevi, nos mínimos detalhes, todo o sonho, cada palavra trocada, cada percepção sobre os sentimentos de Aliat, toda a ambientação, os seres tenebrosos, a cachoeira, a raposa das montanhas. Tudo. Absolutamente tudo que conseguia lembrar. Findando as anotações, percebi que minha mão estava rígida de tanta tensão, porém, não me deixei paralisar. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Angel, explicando rapidamente o motivo do meu contato e pedindo para ela me retornar.

Apertei o aparelho em minha mão com tanta força que pensei que poderia o quebrar a qualquer momento, posicionando o mesmo sobre meu peito. Era quase como se eu tentasse segurar meus batimentos acelerados. Angustiada, pus-me de pé, andando de um lado para o outro atrás do sofá. Minha mente era composta de diversos pensamentos paralelos e perpendiculares, confusos e densos, tristes e desoladores. Caóticos, no mínimo.

Internamente, toda aquela droga de conversa sobre minha família me deixou em frangalhos. Os pensamentos ruminantes, a lembrança daquela troca de mensagem de mamãe com a amiga, as memórias auditivas, a dor do ferimento que hoje era uma sutil cicatriz... Aquilo estava impregnado em cada átomo do meu ser. Só Tayane sabia toda a verdade e, quando ela me via tão miserável como agora, já vinha logo dizendo "podemos dividir", frase fruto de uma conversa nossa aos oito anos em um aeroporto.

Eu precisava tanto do abraço de Tay agora. Por melhor que as meninas fossem, nenhuma era ela. Mas, infelizmente, na distância interdimensional que nos separava, não tinha como dividirmos nada...

Todo aquele misto de sentimentos congelava mortalmente meu peito. Um crescente desespero subia pela minha traqueia, tomando contornos de choro e angústia. Meus olhos queimavam, lutando para não chorar por alguém que nunca me amou. Pedro Peres nunca me amou. E a culpa era minha. Eu era a responsável pelas tragédias de sua vida.

Meu celular vibrou e, tentando me desvencilhar do caos completo que eu era agora, reuni minhas forças para olhar a tela. Angel me respondeu, mandando que eu fosse à casa dela. Suspirei, aliviada por poder agir e deixar meus pensamentos mais uma vez trancados. Aquela caixa de Pandora era algo ao qual eu não estava pronta ainda para lidar.

Não me importei com as roupas demasiadamente folgadas e desleixadas. Apenas prendi meu cabelo em um rabo de cavalo, usei um enxaguante bucal que tinha no lavabo e deixei um bilhete adesivo grudado nas portas de cada quarto, dizendo para onde eu tinha ido. Antes de sair, tomei meu diário em mãos e tive cuidado para não fazer barulho ao destrancar a fechadura.

No corredor, minha mente regressou a sua própria tortura. Eu amava minha família, mas nem toda minha família me amava. Um fato triste, trágico e cruel, porém absolutamente e incontestavelmente verdadeiro.

Para meu pai, eu jamais seria verdadeiramente Enny Scott Peres. Eu estava condenada a ser, para sempre, apenas Enny Scott.

***

(É isto meu povo! Espero que tenham curtido e entendido um pouco mais sobre nossa pobre Enny. O que esperam ver no próximo capítulo?)

Abaixo tem o print da conversa de Enny pra Angel e, siiiiiim, a foto de perfil da nossa líder é com David, seu love. Casal de milhões! E problema de Enny não gostar dele, é mau gosto dela mesmo. Logo logo, vocês vão ter a oportunidade de se apaixonar por ele também.

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