Ventania.
Assim como os brotos aos poucos despontavam no jardim, a pequena Raíssa nasceu no começo da manhã. Com a pele clara e os olhos bem fechados, a primeira filha da rainha Dália veio ao mundo banhada em ouro, encoberta por edredons de cetim e o canto dos pássaros como sua trilha sonora particular.
O dia de seu nascimento foi um dia de muita festa, ensolarado e colorido. Após uma gravidez conturbada e horas de trabalho de parto, a menina nasceu chorando para os quatro ventos, enchendo de luz o castelo rosado e até então, silencioso. Nascera repleta de saúde, mas delicada como as asas de um borboleta. Uma miniatura feita de porcelana.
Antes mesmo de nascer, seu quarto foi todo decorado com as flores mais perfumadas da estação e o pé de seu berço enfeitado com seu próprio potinho de vagalumes, para lhe proteger dos maus espíritos, assim como as antigas lendas pregavam. As paredes de concreto foram pintadas de cor de rosa e seu berço, colocado bem no centro.
Raíssa era, por nascença, uma princesa, e fora tratada como uma desde sua primeira respiração até o seu último dia no castelo, apesar de tudo que acontecera desde então.
Raíssa demorou um dia inteiro para abrir os olhos pela primeira vez, e quando o fez, tirou o sono de sua rainha por uma semana. O motivo era simples, quando finalmente suas pálpebras se abriram, apenas seus pais estavam por perto, e apenas eles puderam se questionar sobre os grandes olhinhos azuis de sua filha. Eles esperavam esmeraldas, mas receberam grandes safiras.
A rainha se preocupou de imediato. Ela e seu marido eram puros, como que a menina tinha nascido com essa cor de olhos? Mas logo seu marido tentou a acalmar.
– Os olhos dos bebês mudam depois, querida.
Afirmou, o que de fato era verdade, mas que não se aplicaria a aquela bebê em específico, que depois de uma semana de vida, ainda encarava a todos com aquelas grandes bolinhas azuladas. Contudo, o olhar azulado era o menor dos problemas. Com o tempo, até mesmo os mais puros moradores de Primavera apresentaram cores exóticas em seus olhos. Já havia registro de crianças, ou até mesmo adultos, com os olhos violetas ou azuis, contudo, não havia nenhum registro de um puro sangue com o cabelo amarelado. E esse era o problema maior. Quando o cabelo da princesa começou a despontar, suas pontas claras, quase transparentes, não deixaram dúvidas. Em primavera todos tinham os cabelos da cor do por do sol. O rei era ruivo como um morango maduro e sua rainha tinha os cabelos quase da cor das chamas. A pequena Raíssa os tinha da cor do sol, ou nem isso, seus fios eram quase tão claro quanto as nuvens. Ela não podia ser pura. Raíssa era uma estrangeira. E, céus!, não seria nada fácil esconder uma princesa dos olhares curiosos. Foi uma questão de tempo então, até que o pior acontecesse.
Depois de uma semana, as criadas começaram a notar aquilo que era claro e a sussurrar. Não demorou então para a noticia se espalhar para além dos portões do castelo. E em duas semanas, Primavera inteira sabia que as majestades haviam dado à luz a uma estrangeira.
E só havia duas possíveis explicações para aquela pequena aberração. Ou o rei não era o verdadeiro pai da criança ou a criança era uma errata. E as duas possibilidades eram igualmente terríveis aos olhos de seu povo.
Era uma lástima. A primeira filha do casal era diferente. A primeira filha do casal, tão amada, era olhada como algo errado. Até mesmo pela sua própria mãe, que vivia buscando o equilíbrio em uma balança lastimável entre o amor que sentia pela sua filha e a repugnância pelo diferente que ela representava. O único que não a via assim era seu pai. E, como ele e sua esposa eram o Estado, isso facilitava um pouco, pelo menos na hora de proibir a divulgação da maldita lenda e de impedir os olhares curiosos.
A princesa era intocável. Mas era odiada aos sussurros. Era odiada por aqueles que acreditavam nos deuses e por aqueles que acreditavam nos bons costumes. Até mesmo a rainha foi tachada como meretriz. Até mesmo a rainha se lamentou alguns segundos. Uns achavam que ela tinha traído seu marido e outros que a sua filha era uma errata. De qualquer maneira, Raíssa estava condenada a um futuro muito difícil. Como uma menina assim seria herdeira do trono?
Doía no coração de seus pais, que a amavam apesar de tudo, mas eles não tinham outra saída. Raíssa poderia sobreviver, porque tinha nascido em berço de ouro, contudo, ela não poderia nunca governar. Então, a pressa para que outro herdeiro viesse ao mundo caiu nos colos dos monarcas como a chuva caía sem piedade sobre as plantações.
Mas eles não eram malditos coelhos, e um ano depois, Raíssa ainda era a única a trocar fraldas no castelo. Bom, era, até o fim daquela tarde.
Quando o sol se pôs atras das grandes janelas do castelo, Raíssa foi colocada para dormir em seu quarto, pendurada nos braços de sua mãe. Ela dispensou as criadas e assistiu sua pequena brincar com algumas bonecas bem a sua frente. Observá-la a fazia refletir. A fazia lamentar.
Ela era tão diferente. Ela era sua filha. Mas era tão perigosa. Deviam matá-la. Se fosse um plebeu, estaria morto. Por que ela nascera assim? Doía no seu íntimo pensar que Raíssa estava condenada a todos os tipos de horrores só porque ela era diferente, e os culpados por aquilo eram justamente eles, seus próprios pais. Eles não eram religiosos, mas permitiam que os religiosos condenassem crianças assim. A rainha não era religiosa, mas condenava o diferente de toda forma. Agora a bomba tinha caído em seus colos, e eles haviam escolhido guarda-la no seu melhor aposento, mesmo sabendo que era apenas questão de tempo até que ela explodisse. Hipócritas.
A noite caiu e a majestade ao menos percebeu, perdida em seus pensamentos, ela adormeceu na cadeira de balanço, deixando sua pequena brincar sozinha naquele quarto protegido. Ela estava protegida, afinal. Ela era uma princesa. Vivia em um castelo. Intocável. Segura. Até não estar mais.
A rainha só despertou quando o quarto ficou silencioso demais, demorando alguns segundos apenas para perceber que sua filha não estava mais ali.
Ela perdeu o compasso de sua respiração e procurou por todos os cantos. Ela correu pelos lados, gritando seu nome, buscou ajuda, chorou. Houve busca em todos os cantos do castelo e depois, em todo o vilarejo mais próximo. Mas não tinha nenhum sinal da menina. Ela havia, de alguma forma, evaporado. Ninguém sabia de nada, ninguém tinha visto nada, ninguém além dela havia desaparecido.
Quando amanheceu, Raíssa ja tinha sido declarada oficialmente desaparecida e tudo que ela havia deixado para trás era o cheiro de seus cabelos e alguns fios loiros em seu travesseiro. Vasculharam por algo diferente em seu quarto mas tudo que encontraram foi o pote de vagalumes, que antes ficava ao pé de seu berço, mas que agora estava completamente estilhaçado no canto da janela. Todos os vagalumes estavam mortos.
Fim de capítulo. Bem vindos a 4FV ♥.
Espero que tenham gostado dessa introdução. Semana que vem tem o próximo capítulo e finalmente conheceremos Hadassa! Vou tentar postar sempre nas Terças-feiras, o que acham?
Esse capítulo assim como todo o livro foi dedicado a minha amiga Ana, que está sendo fundamental na criação desse universo. Obrigada, Aninha, por tudo. E obrigada, claro, todos vocês que estão aqui dando uma chance pra minha história!
Comecemos então essa nova aventura. ♥ Peguem seus casacos e roupas de banho haha ;)
⇝ Capítulo publicado em: 05/03/18. Plágio é crime. Todos os direitos reservados.
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OBS: esse capítulo foi editado em 03/04/2021. Toda a história foi revisada e passou por algumas (pequenas) modificações. Espero que a experiência de leitura apenas seja otimizada com a atualização. Triste porque os comentários sumiram mas feliz com o resultado. Sempre aberta a trocas e sugestões. Beijinhos, Bia.
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