5. 오
──── LISA ────
A música que sai pelas caixas de som é alta o bastante para engolir todo tipo de conversa ao meu redor, e a batida acompanha as do meu coração irritantemente ansioso essa noite. Eu não gosto de trabalhar em conjunto e, apesar de ser clichê dizer que eu sou uma loba solitária, é um fato: eu sou uma loba solitária, mas se estou adepta a receber ajuda para roubar o dinheiro de um rei, porque não aceitar ajuda para concluir outros trabalhos também?
Fecho os botões do blazer, tampando o topper preto que espreme os meus seios, e me inclino no balcão do bar. A mulher de cabelos azuis e vários piercings espalhados no rosto trabalha sem parar, mas ela vem até mim quando eu aceno.
— Gin puro, por favor — peço com um sorriso.
Ela também sorri e, ignorando o resto do pessoal espremido no balcão, sai para preparar o meu drink. Continuo observando-a com atenção, pensando se terei tempo para terminar nos lençóis dela, mas o ponto de comunicação no meu ouvido, escondido pelos meus cabelos, vibra suavemente.
— É nojento te ouvir flertando, sabia? — Jennie resmunga.
Viro-me para o palco à frente, onde várias garotas de lingerie dançam no pole dance, e me foco em Jennie. Ela também tem um ponto de comunicação igual ao meu no ouvido, é assim que vamos nos comunicar essa noite. Jennie veste um collant vermelho vazado nas laterais, mostrando o quadril, mas a peça é tão pequena que também expõe o contorno da sua bunda quando ela se vira, jogando os cabelos para trás, e a cascata negra se move junto a saia de franjas. Jennie continua a coreografia no ritmo da música e anda pelo pequeno tablado, alisando o mastro de metal, e as pernas cobertas por uma meia-calça arrastão se movem graciosamente enquanto ela não tira os olhos de mim.
Talvez eu tenha olhado demais, porque Jennie me lança um sorriso sarcástico.
— Gosta do que vê, general? — Seus lábios vermelhos se unem em um beijinho que ela joga na minha direção.
Pigarreio, obrigando-me a desviar o olhar.
— Não estou nada impressionada. — Viro-me no momento em que a bartender me entrega o drink. — Obrigada, querida.
— Querida? — Jennie ri no ponto de comunicação.
Dou um gole no gin, sentindo-o descer amargo.
— Que tal se você fizesse o seu trabalho e me deixasse fazer o meu, Jennie?
Inevitavelmente, viro-me para o palco e meus olhos vão até ela. Agora Jennie está com as costas arqueadas enquanto se esfrega no mastro.
— Sei que está aprovando o meu trabalho, tenente — ela vira o rosto e me lança uma piscadinha.
Meus olhos rolam nas órbitas.
— Aprovaria mais se estivesse focada no que deve fazer. E você ainda não adivinhou o meu antigo cargo no exército, é melhor parar de tentar.
Estou a um passo de perder a paciência com os apelidos nada criativos que Jennie usa para não chamar o meu nome, mas preciso suportar. Ela está me ajudando e agora trabalhamos em grupo. Jennie ignora as minhas advertências, ela parece se divertir no pole dance, e mesmo não sabendo fazer os malabarismos que as outras garotas fazem, ela naturalmente atrai os olhos dos homens à sua volta, que aos poucos se aglomeram.
— O velho nem chegou ainda... — Ela move os braços no ritmo da batida do hip-hop famoso nos anos 2000. — Me deixe aproveitar um pouco!
Mordo os lábios, impaciente.
— Foco, Jennie. O contratante pediu urgência na encomenda.
Ela rodopia na barra, gargalhando, e todos os homens jogam dinheiro como se fossem cartas de um baralho. Uma nota fica presa entre os seios de Jennie, espremidos pelo collant e suados pelos movimentos. Ela sopra o dinheiro para longe, parando o olhar em mim.
— Já disse que eu amo o seu profissionalismo como assassina de aluguel?
Devolvendo o olhar, tomo o gin em um só gole.
— É pra compensar a falta do seu.
Ela me mostra o dedo do meio e volta a dançar como se esse fosse seu emprego há anos.
Jennie Kim é... inquietante. Acho que é a melhor palavra para descrevê-la, mas odeio admitir como consegue se adaptar bem. A pirralha sarnenta que acabou de sair da cadeia consegue se encaixar perfeitamente como stripper, e acho que se encaixa em qualquer outro lugar que eu a colocar. Semicerro os olhos, a última frase não saiu com um sentido adequado, ainda mais com Jennie de quatro, caminhando lentamente pelo palco. Os cabelos rebeldes jogados para o lado e a boca vermelha.
Balanço a cabeça, desviando os olhos para outro lugar.
E enfim vejo o homem de terno cinza, com dois guarda-costas que abrem caminho na multidão. Meu corpo se enrijece e, automaticamente, repouso a mão na cintura onde o revólver está escondido.
— Merda, desde quando ele está aqui? — sussurro raivosa.
Jennie, de longe, percebe o meu movimento.
— O que está acontecendo? — ela pergunta pelo ponto de comunicação.
Começo a seguir o homem à medida que ele avança na multidão.
— O alvo está aqui — falo. — O cara branco de terno cinza, à sua direita.
Jennie vira para o lado no momento em que ele chega até ela.
— Não se preocupe, estou atrás de vocês — aviso, empurrando a multidão dançante à minha volta.
Ela não pode responder sem que eles percebam, então balança a cabeça levemente no segundo em que os guarda-costas cobrem a minha visão. Quando consigo chegar mais perto, vejo que eles já estão a caminho dos quartos. Engulo um palavrão, sentindo a adrenalina revirar o meu estômago. Eles seguem para um corredor pouco iluminado atrás dos palcos. Os dois guarda-costas estão lado a lado e o homem no meio, guiando Jennie com a mão em suas costas. Ela olha para trás por um segundo, vendo-me no meio da multidão, mas o homem a dá um empurrão mais forte, obrigando-a a olhar para frente.
Praguejo. Eu nunca me permito ser tão despreparada assim.
Meus pés ganham vida própria e eu começo a correr em direção ao palco, empurrando quem ousar chegar ao meu caminho. Impulsiono o meu corpo para cima do tablado de luzes LED no momento em que eles viram o corredor e somem de vista. A música está alta, mas consigo ouvir a respiração arfante de Jennie pelo ponto de comunicação.
— Não se preocupe, estou chegando — falo.
Se Jennie pudesse dizer algo, com certeza estaria me xingando com a lista dos piores palavrões. Já os homens estão falando, ouço pelo ponto de comunicação, mas é em um russo rápido demais para qualquer falante entender. Subo no palco, porque é o único caminho rápido até os quartos, e os seguranças ameaçam me impedir até me ver sacar o revólver. Eles são obrigados a guardar os cassetetes. Entro no corredor vermelho enroscando o silenciador no cabo do revólver. A música está abafada aqui e, à medida que eu avanço para o interior da casa de show, a batida dá lugar aos gemidos vindos das portas fechadas.
Viro o primeiro corredor onde eles também viraram, mas só encontro mais uma leva de quartos. Sem sinal de Jennie.
— Em que quarto vocês estão? — pergunto.
Não houve uma resposta de Jennie no ponto de comunicação, mas a conversa em russo continua. Logo em seguida, uma voz masculina se sobressai em um coreano carregado: "Ele quer que você tire a roupa."
Apresso o passo, passando pelos quartos 560, 570, 580...
— Que merda, Jennie! Que quarto vocês estão? Fale um sinal!
Um chiado incômodo preenche o ponto de comunicação e a voz tímida de Jennie aparece em seguida.
— Ele quer que eu tire a roupa no quarto 610? Acho que dá azar...
Paro no meio do corredor entre duas interseções, tentando raciocinar. O lugar parece um labirinto de corredores vermelhos e os números dourados nas portas dos quartos não têm lógica. Se eu entrar no corredor à esquerda, os números devem começar em 400, mas se eu seguir o corredor da direita...? Meu corpo age primeiro que a minha mente. Entro no corredor e a primeira porta salta dos meus olhos, 610. O único quarto onde tem um guarda-costas parado.
Ele se vira para mim, puxando o revólver da cintura, mas eu sou mais rápida. As balas perfuram o peito do segurança e ele escorrega até o chão, deixando uma mancha de sangue na parede.
O silenciador funciona até certo ponto, ele abafava ruídos, bloqueando a propagação do som do projétil quando é disparado, mas ele não é tão silencioso como o senso comum acha. Logo virão mais guarda-costas. Ouço uma movimentação no ponto de comunicação de Jennie, mas não tenho tempo de entender o que está acontecendo. Passo pelo corpo do guarda-costas caindo no chão e chuto a porta do quarto. A madeira se quebra no mesmo segundo que um guarda-costas de dois metros de altura avança na minha direção. Atiro no seu rosto. A bala atravessa a bochecha e estilhaça a janela atrás. Ele desaba no chão e, só então, consigo ver o que está acontecendo no quarto.
O velho sai de cima de Jennie, virando-se para a porta.
— Filho da puta! — É o que me lembro de ter dito antes de jogar a arma no chão e puxá-lo pelo blazer, jogando-o contra a parede. O velho geme de dor e pragueja em russo, mas se cala quando o meu punho acerta a sua boca. Ele cospe sangue, perdendo o ar assim que acerto a sua barriga. Uma, duas, três vezes.
— Lisa! — Jennie grita atrás de mim.
Ela até tenta me chamar mais algumas vezes e, em certo ponto, eu a ouço, mas é como ouvir um chamado distante em um sonho confuso, que você não sabe onde vem a voz. Meus punhos criam vida e a única coisa que passa pela minha cabeça é o "e se", e se eu não chegasse a tempo o que ele faria com Jennie? É um dos motivos pelos quais eu gosto de trabalhar sozinha, se eu errar, a única prejudicada será eu.
O rosto irreconhecível do velho me traz a realidade. Meus punhos estão sujos do sangue que o cobre por inteiro. Respiro fundo e solto o colarinho dele, vendo-o se espatifar no chão, inconsciente. Com o peito subindo e descendo, olho para as minhas mãos sujas de sangue e, de repente, não estou mais naquele quarto, nem naquele país. Estou com o uniforme do exército tailandês e Rosé está tentando me tirar de cima do corpo daquela criança. A criança que nenhuma de nós duas conseguiu salvar. Os pesadelos são reais ao ponto de me fazer odiar dormir, mas é a primeira vez que acontece quando estou acordada.
Jennie me dá um puxão mais forte, me acordando do transe. Medo atravessa as suas pupilas, mas acima de tudo ela está brava.
— Temos que sair daqui!
Abro a boca, talvez para tranquilizá-la, mas é tarde demais para explicar o que eu também não sei o que aconteceu. Jennie pega o revólver com a ponta dos dedos e o joga para mim.
— Acabe logo com isso.
Maneio a cabeça em afirmação, ou tento, e termino o serviço.
Jennie se vira de costas quando as duas balas perfuram a testa do senhor Kuznetsov.
───「$」───
Pego o celular do bolso da calça, um aparelho novo que comprei especialmente para meu novo trabalho na Coreia do Sul, e tiro a foto do corpo do velho russo. Não sei quem exatamente financia o que eu faço, nem o porquê. Já fiz algumas suposições sobre certas organizações e o que as fazem desembolsar tanto dinheiro para ver pessoas influentes mortas, mas evito descobrir a resposta. Gente que sabe demais acaba com um tiro no meio da testa. Pode ser o caso desse senhor.
Depois de dois segundos em que a foto do russo morto foi visualizada, o dinheiro cai na minha conta. Eles são extremamente pontuais. Olho para Jennie, ela veste o meu blazer, cobrindo a roupa de dançarina, e me dá um paninho xadrez. Demoro a entender o porquê do pano, até que pelo espelho do quarto percebo as manchas de sangue no meu rosto. Pego o pano a contragosto e passo pelas bochechas.
— Deu tudo certo? — ela pergunta, olhando de soslaio para o meu telefone.
— Sim — respondo. — Vou te passar a sua parte assim que sairmos daqui.
Jennie levanta uma sobrancelha.
— Eu vou ganhar uma parte do dinheiro?
— Claro. — Ando até a janela do quarto, a brisa quente esvoaça as cortinas de cetim baratas. — Você também fez parte do trabalho.
Ela me acompanha até a janela, mas ainda olha para trás, para o corpo do homem. Acho que tudo o que Jennie mais queria era não ter feito parte disso, apesar de amar dinheiro.
— É a primeira vez que vê alguém morto? — pergunto.
Ela olha para mim, fingindo ser mais durona do que é, mas não consegue me enganar.
— Não sou tão inocente quanto parece — ela diz numa tentativa de soar tranquila, mas o ar brincalhão presente nos olhos felinos foi embora, o que é uma pena, porque comecei a gostar deles. Nunca poderei dizer isso em voz alta. Como também nunca admitirei que foi um erro tê-la trazido para esse plano.
Respiro fundo, guardando o revólver no coldre atravessado em meu peito.
— Vamos, temos que ajudar Rosé.
Jennie arregala os olhos ao meu ver passar a perna para fora da janela.
— O que...? — Ela dá uma sequências de passos nervosos para trás, tropeçando nos próprios pés. — Você não tá pensando em pular isso aí não, né?
Rolo os olhos, impaciente.
— E qual o seu plano?
— Voltar pelo mesmo lugar em que chegamos! — Ela aponta para a porta.
— Não dá, já estão nos procurando pelos corredores. É uma questão de tempo até chegarem aqui.
Tento puxá-la pelo braço, mas Jennie está encolhida como um guaxinim em perigo.
— Quem te disse que estão nos procurando? — Assim que as palavras saem da sua boca, um estrondo no corredor a fez pular de susto. Jennie se aproxima de mim, com medo.
Levanto uma sobrancelha, como se dissesse "eu avisei", a medida que o rosto dela fica vermelho como um pimentão.
— Argh! O que eu estava na cabeça quando aceitei esse trabalho!? — Jennie chuta o ar, furiosa. — Vamos lá, Jennie! O que mais pode acontecer? — Ela imita a voz de Rosé oitavas mais aguda. — Isso pode acontecer! — Ela aponta para o corpo do velho. — Me dê a merda de um celular roubado e eu consigo o dobro desse dinheiro sem precisar estourar os miolos de ninguém! — Ela massageia as têmporas, tremendo como um pinscher. — Eu também fui bem burra, não é? Eu já sabia que ia dar merda quando vi a Barbie de cabelo cinza na saída do presídio, presídio esse que eu vou voltar de novo por embarcar nesta aventura maluca e...
Enquanto Jennie urra injúrias em um sussurrar bastante raivoso, eu me sento no beiral da janela, limpando as unhas sujas de sangue na camisa. E ela continua:
— ...Só porque a Arnold Schwarzenegger de calcinha achou o melhor jeito de conseguir dinheiro e...
A porta atrás de Jennie se estilhaça em um chute. O impacto — e talvez um pouco do susto — a faz pular nos meus braços. É o que eu preciso para nos tirar dali. Assim que sinto os braços dela envolvendo os meus ombros e o corpo pequeno junto ao meu, eu caio para trás. É relativamente rápido, o prédio tem dois andares e eu calculei antecipadamente o que deveria fazer, mas o ar nos abraçando enquanto Jennie berra no meu ouvido parece durar uma eternidade.
Caímos num lugar amortecido, mas fedorento: a caçamba de lixo da rua.
Por um segundo, acho que Jennie desmaiou ou até se machucou, porque está agarrada a mim com toda a força e não emite nem um pio. Jennie em silêncio por mais de um segundo já é motivo o suficiente para preocupação, mas aos poucos, seus músculos vão se relaxando e ela levanta o olhar. Uma casca de banana está em cima da sua cabeça.
Ela me olha, ainda em choque, e então percebo que voltou a tremer como um pinscher.
— EU VOU TE MATAR, LISA MANOBAN!
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