PRÓLOGO
Entre as altas árvores de uma floresta verdejante de Boring, uma pequena cidade do Oregon nos EUA, um jovem loiro seguia sem rumo. Andava despreocupado aspirando a natureza como se a vida pura que preenchia seus pulmões expulsasse o tédio que sentia há pouco.
Quem o visse, alegaria que se via perdido, assim como seus olhos verdes vagavam buscando os sons que transitavam. Mas a própria vegetação bem sabia: ele estava à procura de uma aventura que o tirasse daquele lugar. A natureza sentia, escutava e via, ela sabia de tudo que havia pra saber. Se alguém perguntasse para aquelas árvores quem era aquele garoto de cabelos curtos, com pele clara como o dia, e elas pudessem responder, diriam:
“Ele é José, um rapaz sonhador de 17 anos que estuda em uma escola da cidade aqui próxima, perto das minhas fronteiras arbóreas. Porém ele não mora lá, na verdade, vive com o pai numa bela e simples casa mais perto de mim, em meu interior, se quer saber”.
Enquanto o moço andava passando os dedos pelas cascas grossas dos caules, sua mente tremulava ainda mais que as folhas que transmitiam paz, movendo-se lentamente. Mal sabia ele que o destino, naquele exato momento, traçava seu futuro de uma forma que jamais imaginaria em sua vida excessivamente normal...
Para que você entenda o que o aguardava, é necessário saber os segredos do que já se foi. Parando para pensar, acho que devo omitir certas coisas por enquanto, mas o que precisa ter conhecimento é que o adolescente estadunidense era adotado. Entre idas e vindas do passado, quando ainda criança, viu-se parar na família mais feliz que alguém poderia desejar, todavia, a família mais odiada que a época poderia conceber.
Depois de adotado, seus dois pais foram obrigados a se isolar de qualquer ameaça que a sociedade mostrava: "Dois homens juntos? Que pecado! Vocês vão queimar no fogo do inferno!" Tendo em vista uma melhor criação para seu filho, a floresta pareceu os acolher de bom grado e lá permaneceram os três. Longe de tudo e de todos.
Entretanto, algo aconteceu, algo que nem mesmo José poderia dizer o que foi, pois seus poucos seis anos, na época, não o permitiram lembrar. Um de seus amáveis pais os abandonou de uma hora para outra, sem motivos, sem adeus e quase sem lembranças, como se nunca houvesse existido. Apenas um mero devaneio do passado.
Joseph, a única família que restou ao garoto, nunca, em hipótese alguma, nem ao menos entrou no assunto que envolvesse seu parceiro que os deixou para sempre. E o rapaz não ousaria perguntar, pois compartilhava da aflição que as vagas lembranças o causavam...
Naquele instante de liberdade, enquanto sua mente matutava as recordações de seus pais juntos, ele assobiava como se quisesse conversar com os pássaros que fazia seu canto ecoar. Tendo a certeza que seu pai devia estar ainda no trabalho, não precisava retornar para casa tão cedo, o que era exigido pela figura paterna, fazendo seu lar parecer uma prisão domiciliar.
Divagando nas memórias, recordou-se das histórias que Joseph contava, algo de sua infância que nunca conseguiu esquecer, mesmo tendo a certeza que era impossível de serem reais. Ele narrava de uma forma que parecia estar desenhando na mente do garoto. De um conto em especial, o rapaz lembrava as exatas palavras que foram usadas...
§ LEMBRANÇAS DE JOSÉ §
A noite lá fora parecia calma, podendo-se ouvir o canto de algumas corujas, o frio externo não penetrava na minha casa, muito menos debaixo dos meus cobertores, onde eu me encontrava naquele momento. Joseph veio contar algumas histórias empolgantes e me pôr para dormir, como sempre fazia.
Estávamos somente nós dois naquela casa isolada do mundo, uma vez que minha outra figura paterna havia viajado a trabalho.
— Qual história você quer que eu conte hoje? — indagou sentando-se na cama de lençóis azuis.
Onze anos atrás, ele parecia bem mais vívido, como se a alegria fizesse seu sangue bombear ao invés do coração. Algo nele que eu amava ver.
— Aquelas sobre pessoas com super podereres — falei com o entusiasmo de uma criança de seis anos.
— É poderes — corrigiu sorrindo —, e acho que vou fazer melhor, vou falar sobre cada ser com poder em nosso universo. — Joseph respirou fundo e começou. — Existem poderosos entre nós, que são humanos com habilidades mágicas; e pessoas ainda mais poderosas que eles, essas são chamadas de deuses, todos esses controlam o chakra que é a fonte de poder deles...
— Pai, o senhor conhece algum? — interrompi buscando sanar minha curiosidade inacabável.
— Infelizmente não... Existem também os Runks, que é a energia vital de todos os seres vivos, os quais são dominados pelos bruxos e oráculos — falava com um tom misterioso na voz, para me imergir no clima da narrativa. Acho que o que eu mais adorava era sua forma de contar. — Os bruxos são protetores que cuidam de tudo que possui vida, extremamente fortes eles. Já os oráculos são seres, não poderosos, mas muito sábios e usam isso para ajudar com conselhos a quem quer que precise. Existem quatro de cada desses, um bruxo e um oráculo para cada planeta...
— Mas, pai, existem mais de quatro planetas, os outros ficam sem ninguém pra cuidar deles ou aconselhá-los? — Me via maravilhado com tudo aquilo. Eram-me contadas várias histórias, mas aquela era diferente de todas as outras, então eu não iria deixar de saber e perguntar ao máximo. — Espera! Tem vida nos outros planetas?!
— Se você me interromper muito, eu nunca irei terminar esta história — advertiu tentando me intimidar com seu semblante sério, mas rompeu num sorriso que não conseguia evitar. E seu aviso não mudaria muita coisa, já que eu não queria que o conto tivesse um fim mesmo. — E é claro que tem vida nos outros planetas. Mas não, os outros não ficam sem ninguém para cuidar deles...
Meu pai parou por mais um instante, parecia ponderar o que contaria enquanto seus olhos cinza fitavam os meus verdes. Logo retomou:
— Além de todos estes, ainda tem mais dois: o Deus...
— Desculpa, mas, o senhor já falou sobre eles — afirmei inocentemente, remexendo na cama, inquieto.
— Falei sobre os deuses, não sobre o Deus, o mais forte e poderoso de todos os seres. Quando ele morre, o sucessor deve ser escolhido pelos Sentimentos...
— Como assim, pelos Sentimentos?
— Eles não são somente as emoções que sentimos, mas também a sua personificação, tipo: Eles estão em todos os lugares, Sentimentos bons se originam em lugares onde há amor e luz; Já os ruins existem onde há ódio e escuridão...
— Pai, acende a luz, por favor, hoje eu vou dormir com ela ligada. — Mais uma vez cortei-o.
— Não precisa ter medo. — Joseph gargalhou, segurando firmemente a minha mão, parecendo, na verdade, segurar meu coração. — O Deus pode controlar estes Sentimentos, além dele, só o Deus Oráculo pode. Este segundo é o mais sábio de todos, pois, quando o Deus morre, junta-se ao o Deus Oráculo e formam uma só pessoa, assim, carrega os ensinamentos de muitas gerações dentro dele. Estes dois últimos são os mais reverenciados, pois controlam os Sentimentos e...
— Mas, pai, se eles são a personificação de algo, nós não deveríamos conseguir enxergá-los?
— O quê? — Ele indagou genuinamente interessado.
— Nós deveríamos conseguir enxergar os Sentimentos. — Lembro que meu outro pai dizia que eu era ótimo com argumentos e Joseph retrucava falando que herdei isso de seu amor, do qual eu não lembro mais o nome. O tempo não me permitiu recordar...
— Filho, você deve aprender que não é por que você não consegue ver, que não esteja lá. — Puxou o fôlego como se já estivesse cansado e ajeitou seus cabelos pretos com a mão. — Quando acorda de um sonho fascinante e vê a realidade, você para de acreditar em seus sonhos?
— Não — concluí com convicção.
— Lembre-se disso, pois tudo aquilo que você esquece, um dia desaparece.
— Se eu esquecer e desaparecer — refutei sorrindo —, é só eu me lembrar, pois não é por que não vejo que não esteja lá.
— Resposta criativa. O que o Deus diria se o visse lá do planeta Supremo...?
— Que planeta é esse?!
— Já falei demais. — Joseph automaticamente mudou de expressão, parecia preocupado com algo que estalou em sua mente de forma repentina. — Está na hora de ir dormir, boa noite.
— Boa noite, pai, e agora pode desligar a luz. Ah! Eu te amo.
— Eu também te amo, bons sonhos...
Aquele me pareceu o último dia que o homem feliz sentiu alegria. Dali em diante, seus sorrisos pareciam apenas um extremo esforço para me mostrar estar bem, coisa que nós dois sabíamos, era mentira.
Dias antes daquele, meu outro pai havia viajado à trabalho, para nunca mais voltar...
§ PRESENTE §
Agora, algo está diferente entre nós, ele parece mais distante. Pensei que, quando eu crescesse, ele viveria pegando no meu pé, enchendo-me de perguntas invasivas, mas não. Algumas vezes vai trabalhar e nem volta no mesmo dia, então tenho que dar um jeito de fazer a comida, além de lidar com o tédio que fico. Às vezes leio um livro ou saio para a floresta, tudo isso para fugir da realidade e encontrar alguma aventura louca que me tire desse mundo comum demais.
Hoje, sendo só mais uma dessas saídas esperançosas, encontro aquela que torna meu mundo um tanto mais mágico...
§ SAFIRA §
— Oi, eu me chamo Safira, uma jovem que poderia ser normal... se fosse como todas as outras, mas todo mundo tem seus problemas e o meu é ser eu — falo para uma das altas árvores da floresta, como se ela pudesse me escutar. Gosto de fazer isso, por mais que me achem louca. Para quem mais eu falaria?
— Vou te contar uma breve historinha, pinheiro, mas não espere vestidos de princesa, nem varinhas de condão, o que temos para hoje é apenas maldição... Nossa, até rimei!
Numa pequena fazenda perto da cidade de Boring, nos Estados Unidos, um casal de mente retrógrada criava sua filha problemática. Não pense que a criança era má ou coisas do tipo, ela era apenas diferente de todas as outras...
Os animais da fazenda pareciam ser atraídos pela menina e a própria vegetação do lugar se tornava estranha quando ela estava por perto: as vagens se abriam, flores desabrochavam e as folhas se tornavam mais vívidas. Conversava com todos os bichos do sítio: dos cavalos até as galinhas e as aranhas que perambulavam pelo estábulo.
Ela via a natureza como seu porto seguro e seus pais viam aquilo como uma maldição, suas mentes diminutas não absorviam o fato dela ser apenas diferente. Temendo que aquela situação tomasse proporções maiores, os pais decidiram dar outro rumo para sua filha de seis anos e fizeram um acordo com o prefeito da cidade.
Ele a criaria como sua filha e o casal se livraria da possível maldição. O que o benfeitor ganharia com tudo isso? Você deve estar imaginando um político que ajudava a todos, mas não se engane, ele aceitou tal acordo tendo em mente as eleições que se aproximavam. Um nobre homem que adota uma criança negra seria uma boa forma de mostrar sua "bondade" ao povo.
E, assim, a garota problemática da fazenda foi morar na mansão mais luxuosa que aquela época permitia ser. Seu passado foi esquecido, assim como seu nome verdadeiro. Nem mesmo ela sabe seu nome agora, sendo chamada apenas de Safira, por causa da cor de seus olhos.
Porém, atualmente com 17 anos, não é chamada assim na escola, mas como: Mãe Natureza, já que se tornou uma ativista que defende o meio ambiente. Tá ouvindo, pinheiro?
Sobre a escola não tem muito que você saber, somente que Safira não tem muitos amigos, não amizades verdadeiras, apenas aqueles que se interessam por seu status de “filha do prefeito”. Ela tem uma popularidade indesejada e ao mesmo tempo se isola daqueles que a julgam com o olhar. Por que fariam isso? Pelo simples fato dela ter o tom de pele diferente de todos que a rodeiam naquele instituto de ensino. Como conseguiu entrar numa escola de pessoas brancas? Bem, acho que ser filha do prefeito tem suas vantagens...
Mas há um rapaz que a olha de outra maneira. Ao invés de seus olhos verdes a julgarem, eles parecem brilhar quando encontram os de Safira. Aquele garoto também é isolado dos outros por mais que seja legal com todos. Seria uma boa amizade para a jovem problemática, se ela não temesse que ele descobrisse sobre a "maldição" que ainda assola a vida dela, por isso apenas o admira de longe.
E nos dias que a vida lhe derruba com preconceito e discriminação, ela refugia seus pensamentos lendo ou conversando com os animais e as árvores da floresta perto da cidade, não que esses a respondam... Essa mesma floresta que o prefeito quer destruir, tendo em mente construir fábricas em seu lugar, mas era óbvio que a jovem não ficaria quieta e criou uma campanha para proteger a flora e fauna...
— É, pinheiro, nem tudo é tão fácil, mas...
Repentinamente, sobressalto-me, pois ouço a floresta me responder com um som estranho, que logo percebo ser o barulho de passos lentos que se aproximam. Alguém está vindo...
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