Capítulo 3- Fantasmas À Solta II
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O dia já se mostrava claro; pássaros cantavam alegremente no exterior da moradia; a fraca ventania expulsava o calor dali tanto quanto o frio se dissipava debaixo dos lençóis, tornando o clima excelente. A ativista ambiental dormia pesadamente entre as volumosas cobertas da cama de Joseph, até ser acordada por leves batidas na porta.
— Safira? Tá acordada? — Era a voz de José que soava baixa, do outro lado da passagem. — Fiz o café-da-manhã, vou esperá-la lá embaixo.
Ela ouviu passos, indicando que o rapaz se afastava da porta, bocejou demoradamente tampando a boca com a mão. Ele parece estar bem melhor... O quarto em que passou a noite era bem aconchegante: a cama, que ficava no centro, era bem grande, coberta com lençóis brancos possuindo alguns traços de tinta. As paredes eram escuras como um quadro negro, mas se encontravam todas rabiscadas. Viu nesses riscos o rosto de duas pessoas, um ela sabia que era de José.
A garota sentou-se na cama sem fazer muito esforço para isso, levantou logo em seguida, andou em direção à porta e abriu-a sem cerimônia. Ela caminhava ainda sonolenta, passou pela varanda do segundo andar e pela porta do aposento de José, chegando até o alto da escadaria, a qual começou descer, prestando mais atenção naquela parte para que não caísse.
E, por mais que permanecesse prestativa, escorregou no pé da escada, mas não caiu, pois foi rapidamente segurada.
— Aah! Brigada, Jos-Joseph! — agradeceu surpresa, com a quase queda e com quem a salvou dessa.
— Bom dia, querida! Você pensou que era meu filho? — Joseph perguntou sorrindo, com a moça ainda em seus braços. — Entendo...
— Na-não! — balbuciou sem jeito, saindo dos braços dele. — Desculpa...
— O que foi esse barulho?! — Da cozinha, José questionou, mostrando apenas a cara pela passagem. — Safira! Já se levantou?
— Porque você fez o favor de me acordar, não é mesmo? — rebateu retoricamente, virando-se para ele na tentativa de esquecer o que aconteceu há pouco.
— Bem, vocês podem conversar em paz, eu já vou para meu quarto. — Joseph subiu as escadas, sem dar mais explicações.
Safira foi até a cozinha, apressada para falar com o rapaz.
— Bom dia, flor do dia! — Ele cumprimentou com um grande sorriso depois de vê-la encostada na quina da parede. — Dormiu bem?
— Bom dia. Dormi sim, obrigada — afirmou cruzando os braços. — Você, pelo visto, está totalmente recuperado...
— Sim... Safira, eu estava pensando em uma coisa... — O jovem relatou, mudando o clima e parecendo escolher as palavras certas para se expressar. — Eu refleti um pouco sobre tudo que está acontecendo e entendo o porquê de você ter feito o que fez, entendo realmente. Meu pai também me explicou melhor... Então eu quero perguntar... o que nós vamos ser daqui pra frente?
— Como assim?! — questionou com sincera curiosidade, quase vacilando em suas poucas palavras.
— Tipo..., se vamos ser amigos, parceiros ou... — o rosto do adolescente tornou-se todo vermelho de vergonha repentinamente — namo-morados.
— Podemos ser tudo isso aí, como uma dupla, igual Joseph e Tamíres. — A moça decretou com as bochechas coradas.
— Meu pai não namora a Tamíres. — José revelou achando certa graça na reação da senhorita. — Ele não é hétero...
— Quê?! — Safira nem tentou esconder a surpresa.
— Pois é... É por isso que moramos aqui, longe de tudo. Antes, as pessoas o discriminavam, ele e meu outro pai, mas pareceram simplesmente esquecer esse fato quando ele... foi embora.
— Nossa...
— Mas não é nisso que temos que ter em mente agora. — Animou a própria voz que diminuía o tom sem que percebesse. — Temos que focar no futuro, certo?
— Tá bem! Tenho que ir ao banheiro, ver se um banho me acorda. — Safira comentou sem muita disposição, tomando o rumo do banheiro.
José seguiu-a, porém, estacionou na porta da cozinha, vendo-a atravessar a sala.
— O banheiro é o da porta à direita — avisou fazendo-a virar-se, entre a mesa e a estante, e revirar os olhos. — Lá tem uma escova nova, pode usá-la.
— Brigada, pela escova e pela informação — agradeceu encarando sua vista e, quando se voltou para seu destino outra vez, o bruxo de íris verdes tornou a falar:
— Como eu sabia que você iria querer tomar banho, tomei a liberdade de pegar umas roupas minhas e te emprestar. — José indicou a mesa. — Elas estão ali em cima.
— Ah, obrigada novamente. — Safira estendeu o braço e pegou as vestes.
Ela seguiu ao banheiro. Joseph desceu as escadas e se sentou na cadeira à ponta da mesa, de frente à porta de entrada principal. Logo foi acompanhado pelo filho que se acomodou ao seu lado esquerdo. Horas mais cedo naquele dia, já haviam tido uma conversa esclarecedora sobre o assunto que discutiram na noite anterior. O bruxo pôde entender o lado dos poderosos que lhe esconderam a verdade.
Como os dois já haviam acabado com sua fome um pouco mais cedo, começaram a dialogar, pois ainda havia muito que ser conversado.
— Dois policiais vieram aqui ontem à noite depois que você desmaiou como uma pedra. — O pintor informou enquanto, de cabeça baixa, concentrava-se em desenhar algo num papel com um lápis preto, José não conseguia ver o que era desenhado. — Vieram falar sobre a sua morte e a de Safira...
— O que eles disseram? — O garoto questionou, ajeitando-se no assento e mostrando interesse, mas não obteve a resposta tão rápido quanto esperava, já que seu pai se mostrava distraído.
— Apenas que vocês morreram e que a floresta talvez se torne uma reserva florestal — respondeu um pouco tardio, depois de notar a impaciência de seu filho. — Graças a vocês dois e aos manifestantes. Ainda disseram que vocês eram heróis...
— Heróis?! Como assim? — interrompeu a explicação exaltado, quase levantando da cadeira.
— Exatamente, também fiquei surpreso — comentou na tentativa de conter as emoções do menor para que pudesse continuar. — Eles falaram que os policiais estavam contra o prefeito, mas não fizeram nada, pois eram controlados pelo receio do que poderia lhes acontecer.
— Aah...! — José apenas suspirou.
Os dois adotaram o silêncio, assim conseguiram, sem a devida intenção, ouvir o som de água caindo no chão, proveniente de dentro do banheiro.
— Ela parece ser uma boa pessoa. — Joseph comentou na tentativa de chamar a atenção do jovem.
— Ela é, ela é sim... — O moço parecia perdido em seus pensamentos.
— Ei! — Soltou o lápis e estralou os dedos para fazer seu filho sair do transe. — Ei!
— Oi, oi, estou aqui! — O menor falou parecendo acordar de um sonho.
— Nem parece, pensei que você estava voando por aí — contrapôs, e os dois riram da situação.
— Onde Safira estava quando os policiais chegaram? — perguntou o bruxo, um tempo depois das risadas cessarem.
— Aqui mesmo na sala... — O homem sanou a dúvida e voltou a desenhar.
— Quê?! E como eles não a viram aqui? — interrogou o rapaz espantado, emoção que sua cara mostrava muito bem.
Joseph mais uma vez tinha soltado o lápis, porém, depois que abriu a boca e antes que saísse algum som por ela, o mesmo foi interrompido por Safira aparecendo do banheiro, vestida com as roupas de José: uma camisa azul claro com mangas curtas, grande demais para sua estatura. Ela exalava um cheiro excepcional de flores.
— Ele usou as habilidades — revelou fechando a porta do cômodo, do qual saía com os cabelos castanhos molhados.
— Ele cobriu você de poeira?! — José indagou sem dar a aparência de que estava entendendo.
— Não, ele me fez ficar invisível. Você também ficou invisível... — Safira explicou ao adolescente indicando o pai dele, antes de mirar sua visão em Joseph como se pedisse uma explicação plausível. — E eu percebi que sua cara havia mudado de expressão drasticamente, quase como... mágica.
— Como você fez isso, pai? — O loiro a seguiu no interrogatório, mas o homem não dava uma palavra sequer, pois havia voltado a desenhar, com a cabeça baixa. — Quais são seus reais poderes?
O anfitrião deixou o lápis pela última vez em cima do papel, vendo que não iria ter sossego e começou a falar:
— Safira, você ainda não tomou seu café-da-manhã, então se sente aqui enquanto o busco lá na cozinha. — Finalmente disse algo, voltando-se para essa, a qual jazia parada, em pé ao lado da mesa. — Quando vier, explicarei tudo. Acomode-se no assento paralelo ao de José, por favor.
Joseph levantou e dirigiu-se à cozinha rapidamente, deixando os jovens confusos na recinto. No outro cômodo, ele encontrou todas as comidas já sobre uma bandeja e, quando a segurou com as duas mãos, parou para ouvir o que falavam na sala de estar.
— Acho que ele pode controlar o espaço... — A moça ponderou baixo, na tentativa de fazer com que apenas seu amigo a escutasse. — Pelo menos, foi isso o que eu ouvi Tamíres falando lá perto da floresta, quando você ainda estava inconsciente.
— Tem certeza que esse lugar aí é o paralelo ao meu? — José refutou com graça, depois houve um curto período de silêncio e os dois começaram a gargalhar. — Brincadeira.
O grisalho surgiu na passagem da cozinha fazendo os dois jovens cessarem instantaneamente as risadas. Ele andou em direção ao seu lugar, levando a bandeja de prata consigo. Rapidamente se pôs entre a mesa e sua cadeira e, com José do seu lado esquerdo e Safira do seu lado direito, sentados, colocou o objeto sobre a mesa.
— Bem... — pronunciou depois de um longo silêncio, gesticulando um aceno com a mão direita em direção à bandeja, na qual os ouvintes mantinham o olhar — este é meu poder.
No mesmo segundo, tudo que ela carregava sobre si e a própria prataria, simplesmente sumiram sem aviso prévio. Deixando estupefatos aqueles que visualizavam a cena. Joseph pôs-se a rir das expressões paralisadas que adotaram genuinamente.
— E então? — indagou, olhando de Safira para seu filho, quase como se os desafiasse a acertar. — Quais habilidades acham que eu possuo?
— Acho que faz as coisas ficarem invisíveis, além de poder controlar a poeira — concluiu José, dando de ombros, mas apenas querendo quebrar o clima de suspense. Sentiu-se satisfeito quando os outros dois começaram a rir. — Acertei?!
Na verdade, ainda era meio inconcebível ao rapaz o fato de estarem conversando sobre superpoderes... Como se, num estralo de dedo, tivesse adentrado uma realidade que não era a sua, pelo menos assim achava que fosse.
— É quase isso, menos a parte da poeira — respondeu ainda sorridente, finalmente sentou em sua cadeira e olhou para Safira. — E você, o que acha?
— Você pode controlar o espaço? — inquiriu incerta, cerrando os olhos como se lesse a mente de Joseph.
— Infelizmente, Tamíres mascarou a verdade na hora que disse isso, acho que só para parecermos uma dupla invencível — revelou com graça. — Então acho que ela conseguiu, não é mesmo?
— E qual é o seu poder?! — Os dois adolescentes questionaram em uníssono um pouco alto, suas faces com uma ligeira expressão de descontentamento pela enrolação.
— Está bem, está bem, eu vou falar... — Levantou às mãos, rendendo-se as insistências e respirou fundo. — Eu tenho a habilidade de controlar as cores... Satisfeitos?
Permaneceram em silêncio por um curto momento, entreolhando-se, digerindo a mais recente informação.
— Aah...! — exclamaram sem muita clareza naquilo que pensavam. — Como assim?
— Bem... eu basicamente posso manipular a coloração dos objetos. — Enquanto monologava, estalou os dedos e a cor da camisa que Safira estava vestindo foi transfigurada totalmente para preta, voltando à cor original logo em seguida. Fazendo seus observadores ficarem espasmos. — Também posso extrair a cor dos objetos, deixando-os invisíveis...
— Esse não precisa demonstrar não! — José interrompeu-o agilmente e a risada os atingiu uma vez mais.
Ele nunca foi tão bem-humorado assim... Será que agora está por causa dela? — questionou-se o grisalho, dirigindo seu olhar à ativista de olhos azuis. — Talvez José esteja apenas querendo vislumbrar o seu sorriso...
— Espera, mas como foi que você fez aparecer àquela poeira, se não havia nada para você mudar a coloração? — Safira inquiriu, estagnando os sorrisos automaticamente.
— Essa é uma excelente pergunta... Você é muito prestativa aos detalhes, querida. — Joseph tentou enrolar o tempo com elogios enquanto pensava no que dizer. — Há pouco tempo estou tentando aprender uma melhor forma de modificar a cor dos gases...
— Como eles são incolores, se você torná-los visíveis, dando cor aos gases, então tudo pode ser criado a partir do nada! — José o complementou com uma junção de entusiasmo e espanto.
— Mais ou menos isso que disse, porém, esta técnica ainda está em aperfeiçoamento, só consigo criar miragens de coisas pequenas. — Tudo que havia trazido da cozinha voltou a ter cor outra vez. Durante o período em que falava, apontou para uma caneca de porcelana em cima da bandeja, e magicamente surgiu uma cópia idêntica ao seu lado.
— Mas são apenas como ilusões e não possuem forma material. — Safira afirmou e comprovou sua teoria passando a mão no objeto recém-criado, fazendo-o sumir entre seus dedos.
— Exatamente... — O poderoso confirmou com a cabeça, sorrindo.
— Ei! Ainda temos que saber se conseguiram transformar a floresta em uma reserva ambiental! — José alarmou-se espantando o silêncio que já se alastrava na sala por alguns minutos.
— É verdade...
— Vamos fazer isto, enquanto vocês dois cumprem uma segunda missão. — Joseph informou, convidando seu filho a acalmar seus ânimos, usando apenas o olhar.
Ele explicou aos jovens ansiosos qual seria o encargo deles naquela tarde e como esse deveria ser cumprido. Enquanto dava instruções não tão detalhadas, Safira acabava com a sua fome e José se atentava ao que era falado. Deveria sempre dar seu melhor possível, era o que se cobrava todos os dias.
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