Capítulo 18- Sexo Frágil I
— Bem... — Safira reivindicou a atenção assim que José e Noel atravessaram pelo portal. — Como vamos fazer para chegar ao Egito?
— Devíamos ter pedido uma das esferas de teleporte do Papai. — A de cabelo colorido não perdia a mania de chamá-lo daquela forma quando lhe conviesse. — Se, pelo menos, eu estivesse com meu barco...
— Podemos ir no Taniwha. — Aurora optou e os olhares rapidamente se voltaram para ela. — O que foi? Ele é rápido e não temos muitas outras opções, temos?
— É que ele não deixou uma boa primeira impressão — comentou a moça de cabelos verdes como a relva, usando de toda sua cortesia possível. Lembrava-se da advertência de Pattrícya: “Recém-curados devem ser tratados com o máximo de cuidado e gentileza, ou tudo pode vir à tona novamente”.
— E eu deixei? — indagou incisiva, mostrando que a opinião da senhorita parecia mais importante do que o esperado.
— Você estava sendo controlada. — A capitã interviu na questão.
— E ele era controlado por mim...
— Gente! — Safira exclamou e as duas a fitaram. — Não é isso que estamos discutindo agora e, se queremos fazer isso, temos que nos juntar.
— É, você está certa...
— Desculpa. — A espectro redimiu-se, assim como Yara.
— Vamos pensar com calma. — A mais nova retomou a palavra. — Se nosso destino é o Egito, temos uma longa viagem pelo mar e também por terra, dependendo do local exato...
— Desde quando você se tornou a líder? — A guardiã dos oceanos questionou cruzando os braços e erguendo uma sobrancelha, indignada.
— Eu não sou a líder, só estou raciocinando — defendeu-se incrédula. Já vi que isso vai ser difícil...
— Fez isso muito bem. — Aurora opinou com meiguice exagerada, recebendo um sorriso de Safira.
— É que eu costumava ser a líder quando eu estudava. — Sua fala foi marcada com um pouco de nostalgia quase imperceptível.
— Bem, você é esperta, mas eu serei a líder. — Yara logo foi censurada pelas outras duas. — Porque sou a mais velha e experiente de nós.
— Então, líder, como vamos ao Egito? — indagou a jovem, levantando a sobrancelha direita como a outra fez antes.
— Líderes têm que pensar... — Começou andar de um lado a outro.
— Ainda acho que devíamos ir no Taniwha. — A poderosa da natureza revirou os olhos e a capitã apenas ignorou sua insistência. — Vocês sabem da distância e da dificuldade, sem mencionar que devemos fazer isso o mais rápido possível... Safira?
— É... — A indecisão lhe abatia, mas cedeu e virou-se para a dama marítima, que mantinha sua inquietação. — Acho que ela deve estar certa. Não temos outra opção.
— Tá certo, tá certo! — Rendeu-se a persistência e se direcionou ao oceano. — Você sabe que Taniwha pode ser meio compulsivo às vezes...
— Porém, eu posso controlá-lo. E, pelo que vi, Safira também. — Aurora alegou com orgulho da senhorita e seguiu para o lado de sua amiga.
— E nós estaremos no oceano, onde você é a líder. O que poderia dar de errado? — questionou retoricamente a garota, juntando-se a elas.
As três se dirigiram ao mar calmo e cristalino. Yara entrou na beira da água e fechou os olhos pousando a mão nas pequenas oscilações líquidas, enquanto as outras duas a observavam da margem da praia.
— Ela está chamando ele, não é? — Apreciando as ondulações da baía, perguntou à espectro, a qual, por sua vez, admirava a beleza da trajada por um vestido de pétalas vermelhas.
— Com toda certeza...
— Não deveria ser você a chamá-lo? — Assim que a jovem voltou seu olhar à guardiã, essa desviou a visão para as ondas.
— Ainda não desenvolvi uma forma de convocá-lo que não seja através da Serpente Arco-íris, e ela não é tão visível de dia.
— Mas ele vai obedecê-la? — Safira interrogou sem imprimir nenhuma expressão facial, para que essa não fosse mal interpretada. — É que... ontem ela quase foi morta.
— Vai sim. Taniwha queria apenas proteger a ilha e a mim, obviamente pensou que vocês eram intrusas — explicou-se, vendo a capitã retornando e cochichou o final. — Além de que foi Yara que me deu ele de presente.
A exaltação interna da moça foi interrompida pela mulher:
— Nossa carruagem já está a caminho, senhoritas.
Num instante, as pequenas ondulações foram dissolvidas com a agitação da água e, de dentro do mar, o grande guardião marinho submergiu majestosamente. Quando findaram a distância entre elas e o monstro, a espectro flutuou até suas costas e as duas outras usaram suas habilidades para subir em seu mais novo meio de locomoção, o qual permanecia estacionado.
— Ficaremos perto das barbatanas, lá estaremos mais seguras — aconselhou a capitã, indo até as extensões centrais do dorso, as quais lembravam barbatanas de tubarão, mas eram grandes e grossas como rochedos pontudos.
— Sei que pode ser meio tarde pra perguntar — Safira começou enquanto andavam para o meio das costas de Taniwha —, mas não vamos nos afogar?
— Ele não vai submergir. — Aurora explicou, escorando-se nos espinhos do ser místico. — Vai ser como uma ilha ambulante. — Inesperadamente, ela rompeu em gargalhadas excêntricas, como se aquilo fosse a coisa mais engraçada que já disse.
— É... Então, vamos? — Yara proferiu franzindo o cenho, buscando entender o motivo da graça que fazia sua melhor amiga lhe parecer tão diferente.
Será que esse comportamento é algum efeito colateral da infecção? — Enquanto a senhorita teorizava, a dama aquática que vestia panos leves já possuía quase certeza do que estaria por traz daquela personalidade tão distinta.
A espectro deu dois toques na barbatana robusta e o monstro disparou bruscamente, jogando água para todos os lados. As três se desequilibraram e Safira caiu nas costas de Taniwha, dando um grito desesperado para expressar seu espanto. Com isso, ele logo parou de forma abrupta, as duas guardiãs se equilibraram segurando nos espinhos, mas também se sentiram desconfortáveis.
— O que foi isso?! — A garota se via aturdida, jogada no dorso do ser colossal.
— Desculpa, ele não está acostumado a fazer isso. — A mulher reluzente revelou, indo até ela com a mão estirada apresentando cuidado. — Na verdade, ele nunca levou ninguém.
— Vou tentar guiá-lo melhor. — Yara foi em direção à cabeça do guardião, enquanto Safira já se colocava de pé, tentando segurar melhor em algum canto.
De repente, voltaram a se locomover sobre as águas, mas com menos velocidade e remexido. A moça notou que estava mais calma a viagem e descansou suas pernas ainda cansadas do embate, sentando-se ali mesmo nas costas do monstro que havia sido seu inimigo.
— Qual a velocidade? — A jovem indagou, na tentativa de arranjar algum assunto apenas, para Aurora, a qual a olhava avoada.
— Quê? — Saiu do transe esquisito, piscando as pálpebras coloridas.
— Qual a velocidade de Taniwha? — A capitã permanecia longe delas, perto do pescoço do escamoso.
— Ah! Mais ou menos, uns 35 nós — respondeu, desviando do olhar dela enquanto engolia em seco seus pensamentos em flashes.
— Como assim?
— Não nós, como eu e você. Não que não tenha nós, mas... — Tentou explicar e seu rosto colorido ruborizou de repente. Respirou fundo e buscou consertar as palavras. — Nós é como se mede a velocidade no mar, 35 equivale a, aproximadamente, 65 quilômetros por hora.
— Entendi... — proferiu sem entender o que acabou de acontecer, permanecendo sem graça. — Tá explicada àquela saída meio... conturbada.
A espectro começou rir baixo. Depois de tantos anos que havia jazido quase inativa em Stewart, algo lhe dizia que aquela viagem seria, no mínimo, interessante e expectava que fosse incrível. Se ignorasse as circunstâncias, poderia considerá-la perfeita, bastava apenas desfrutar do sorriso cortês da humana à sua frente.
— Você disse que foi a Yara que te deu ele — afirmou como um questionamento, e Aurora assentiu com a cabeça. — Por que ela fez isso?
— Porque já tem o dela...
— Ela tem um guardião também?! — inquiriu com uma exaltação desnecessária, e a mulher confirmou. — Como ele é?
— Bem, o dela é a mãe deste.
Se isso é só o filho, imagina a mãe... — A garota arregalou os olhos verdes, atônita.
— Todos os guardiões tem um... guardião? — questionou com a curiosidade inundando sua mente.
— Nem todos — sanou Yara, aproximando-se e sentando ao lado da mais nova. — Ele aprendeu a navegar num ritmo estável — referia-se a Taniwha.
— Noel e Curupira?
— Na verdade, eles são os únicos que não têm. — Aurora informou, rindo.
— E por quê?
— Bem — alisando seus longos cabelos, a capitã tomou a palavra —, se você já viu os poderes do Curupira, sabe que ele, com certeza, não precisa de um monstro.
— E o Noel declarou que não precisa de nenhum tipo de guardião. — As duas então esboçaram sorrisos que tentavam prender. — Ele também disse que só iria ter um quando encontrasse um dragão. — Depois disso, não se seguraram e romperam em gargalhadas, Safira entendeu o motivo e se juntou a elas.
•••
— O que vamos fazer? — A espectro inquiriu depois de algumas horas, quando perceberam que se aproximavam de algumas embarcações. Já contornavam a Austrália tomando certa distância, mas ainda assim podendo ser percebidas, principalmente pelos tripulantes dos barcos espalhados pelas águas relativamente próximas da praia do país continental.
— Não há como desviar, Taniwha vai chamar muita atenção com a agitação e o barulho. — Yara pensava em alguma resolução para a questão.
— Submergir? — A senhorita palpitou com certo receio da resposta.
— Segurem-se. — A capitã advertiu com um sorriso malicioso e se dirigiu rapidamente para perto da cabeça do monstro aquático, o qual seguia em frente como se estivesse em piloto automático.
Um pouco longe das embarcações, mas já em seu campo de visão, Taniwha adentrou por completo na água. Para sorte de Safira, uma bolha de ar gigante foi criada no dorso do guardião, como uma cúpula protetora. Seguiram assim por alguns minutos de avanço veloz, até que passaram por baixo dos navios.
Algumas horas depois, elas já se aproximavam de seu destino parcial. Logo após passarem pelo Golfo de Aden e navegarem o Mar Vermelho, finalmente avistaram a terra pela qual seguiriam na jornada.
— Ainda bem, não aguentava mais esse balanço — reclamou-se a moça que cerrava os olhos para enxergar o horizonte.
— Temos que abandonar o navio agora. — A dama do mar avisou, induzindo a fera domesticada a estacionar e se dirigindo até as outras duas poderosas.
— Por quê?
— Já pensou se alguém o vê? — Aurora sanou a indagação da garota, referindo-se ao guardião. — Yara! — chamou atenção quando essa ameaçava descer.
— Oi? — Virou-se para atendê-la.
— Não está esquecendo nada?
Apontou para a capitã e ela percebeu que trajava suas roupas místicas, isso desde que havia saído do Brasil. Ela sorriu desconcertada e destransformou-se, voltando a usar as vestes normais, com o pano marrom que lhe cobria quase por inteira para evitar olhares perigosos.
— E você? — Safira questionou.
— Espectros são a personificação dos Sentimentos — explicou vagamente e detalhou melhor. — Humanos normais não veem os Sentimentos, logo, eu sou...
— Invisível! — completou ligeiramente estupefata.
Aurora despediu-se de Taniwha e mandou-o retornar em segurança, o que a senhorita achou irônico. Sem muita dificuldade e com a ajuda de Yara, as três nadaram até o porto mais próximo. Já sendo quase meio-dia, elas buscaram de alguma instalação onde comeram o que a cultura oferecia para aliviar a fome que as matava. Enquanto isso, uma cena interessante se desenvolveu:
No estabelecimento, enquanto comiam, um dos funcionários já de idade avançada contava as três freguesas sobre um acontecimento de anos atrás, quando o deserto supostamente foi assolado por uma nevasca intrigante em uma de seus tempos mais quentes. As guardiãs eram as únicas que o entendiam, pois usava o idioma árabe, mas o traduziam para mais nova.
O senhor de barba longo mostrava acreditar em tal conto duvidoso, mas o trio feminino encenava total negação, por mais que jamais duvidassem do evento narrado, por saberem que, naquele mundo, tudo era possível... No entanto o destino delas não era aquela cidade costeira para turistas, por isso arrumaram uma carroça coberta que as protegesse do sol, puxada por dois camelos.
•••
— Para onde estamos indo mesmo? — A poderosa da natureza indagou já enjoada pelo balanço da carruagem naquelas terras arenosas. Esperou a hidrocinética responder, mas essa estava muito aérea, observando o céu que já escurecia, pois algumas horas se passaram desde que começaram a viagem pelo Egito.
— Ao Vale Dos Reis — esclareceu a manipuladora de arco-íris, vendo que a capitã nada falaria.
A guardiã dos oceanos não olhava o firmamento estrelado apenas, ela fitava o planeta Fogo, era Marte que prendia sua visão vidrada. O rosto inexpressivo escondia o que seu coração ainda parecia confuso demais para explicar com certeza.
— Espera, Tutancâmon?! — Exasperou-se.
— Que bom que descobriu, assim vai evitar qualquer tipo de surpresa — comentou, percebendo que já estavam acercando seu destino. — Já estamos perto...
— Evitar surpresa? Tutancâmon vivo já é uma surpresa! — contestou, olhando as montanhas que se elevavam ao longo da estrada formando um vale, sendo seu meio a passagem pela qual atravessavam.
— E o Papai Noel? — Yara foi tirada de seus devaneios pelas exclamações. — Aliás, não espere nada de bom desse guardião, nem sei por que ele é considerado um de nós. Assim como Freya, ele não se importa com ninguém além dele mesmo.
— Tá certo... — Safira tentou aliviar o clima estranho, falando vagarosamente.
— Aqui já está bom. — Aurora estacionou a carroça. — Vamos a pé daqui, para não sermos notadas, a não ser que queiram virar múmias.
Como das outras vezes, a espectro pôs-se a rir do que falou em demasiado volume.
— Vamos logo... — A guardiã pulou para descer da carruagem e seguiu caminhando, sendo acompanhada pelas outras duas.
— Eu não quero ser a chata do trio — começou a jovem de cabelo castanho, enquanto andavam furtivamente, escondidas pela noite, até uma entrada na montanha “vigiada” por vários pesquisadores curiosos —, mas vocês sentiram que nós estamos, meio que, sem sintonia grupal?
— Agora nós temos que invadir uma tumba antiga e não participar de um concerto. — A capitã retaliou sem intenção de parecer ríspida. Parou bruscamente atrás de uma rocha, buscando um modo de entrar sem serem vistas.
— Eu sei tocar violino...
A espectro parou atrás das outras e recebeu olhares semicerrados de estranheza.
— O que foi? — As poderosas reviraram os orbes oculares. — Eu também sei fazer isso...
Ela apontou para uma parte lateral do vale e lá surgiu uma figura colorida, como um fantasma de luz. Assim que sua criação brilhante foi notada pelos historiadores que observavam a construção, a aparição se moveu rapidamente, distanciando-se dali. Inerente ao ser humano, a curiosidade daqueles os fez se retirar correndo atrás da miragem de Aurora.
— Vamos. — A mulher luminosa tomou a frente, dirigindo-se à entrada da tumba.
Originalmente, ela queria espantar os humanos, mas talvez eles buscassem refugio dentro da construção milenar, então achou melhor chamar atenção de todos eles para longe dali. Com isso, não tiveram muito trabalho em invadir.
— Mandou bem demais! — Alcançando-a junto com Yara, Safira elogiou a espectro, a qual não escondeu seu sorriso de gabação.
Desceram uma escadaria relativamente pequena e encontraram um corredor já no interior da montanha.
— É um pouco assustador. — A adolescente expressou, olhando cada detalhe da escavação, enquanto adentravam mais na tumba.
— Você vai se acostumar — disse a capitã, indiferentemente. Tudo era iluminado por lâmpadas incandescentes penduradas no teto.
— Mas se tem uma coisa que eu não quero é me acostumar com um lugar onde gente foi mumificada. — Seu corpo tremeu, sentindo um frio subir pela espinha.
Depois que chegaram numa câmara cheia de objetos antigos e de pesquisas, Aurora virou a direita e continuou caminhando à frente.
— Olha isso, não tem nenhuma decoraçãozinha — Safira continuou reclamando do lugar —, pensei que teria aquelas pinturas nas paredes e tudo mais.
— Não devia ser uma tumba, era para uso particular — a espectro começou explicar —, por algum motivo foi terminada às pressas, não tiveram tempo para pintar paredes. — Atravessaram outra passagem e finalmente chegaram à última sala, a câmara do sarcófago. — A não ser, é claro, por essas aqui.
Era um recinto pequeno, as paredes repletas de desenhos e hieróglifos espalhados. Homens vestidos estranhamente, os quais eram venerados em sua época, deuses egípcios ilustravam a crença do lugar. Animais como escaravelhos, pássaros e lobos além de símbolos esquisitos, todos faziam parte das pinturas nas pedras.
— Agora sim parece uma tumba egípcia! — exclamou a senhorita, fitando cada mínimo desenho das rochas.
— Olha esse aqui. — Yara também analisava alguns e a moça foi até ela.
— Eles tinham umas crenças meio loucas, né? — opinou a jovem, mas as outras duas não se pronunciaram. — Por mais que seja tudo possível realmente, ainda é um pouco duvidoso: mulheres com asas, homens com cabeça de águia e leão, essa magia toda com múmias — terminou rindo e as guardiãs se entreolharam.
Aurora se encontrava próxima da tumba, uma caixa de pedra que estava no centro da pequena câmara, lacrada com um vidro que aparentava ser bastante resistente e contendo o sarcófago inteiramente de ouro.
— Cuidado com as coisas que você diz, Safira. — Yara advertiu séria.
— Tão dizendo que vocês acreditam nos deuses egípcios? — inquiriu ceticamente.
— Em deuses egípcios não... Astadeik, surat amun alhaya! — Tomando a atenção das outras duas, a espectro proferiu com um sotaque diferente, estirando suas palmas para o ataúde. Repentinamente, um portal escuro começou se formar dentro da tumba, sobre o sarcófago. Olhou para a garota com expressão convencida e misteriosa. — Ficou impactante, não foi?
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