PREFÁCIO
Aquele lugar era muito bonito, embora eu não entenda o propósito de uma parede de vidro enorme, no topo de uma falésia de grande extensão. Ela era na cor esverdeada, meio espelhada e com uma altitude de mais de 150 metros. Ao menos era o que me parecia. Nunca fui boa em mensurações, talvez fosse até muito mais que isso. Era demasiadamente alto aquele lugar. Tanto que a ventania era estupenda, ensurdecedora até.
Parece que a muralha gigantesca foi construída com o propósito de ser um quebra-vento, mas, ainda assim, sem sentido algum para mim. E o mar parecia violento lá embaixo. Provavelmente uma queda ali levaria a morte por um ataque cardíaco antes mesmo do impacto.
Mesmo com todas essas observações negativas, havia beleza naquilo tudo. Era esquisito, porém, ver aquela paisagem não poderia deixar de pensar em quanto a natureza era interessante, diferente, única e misteriosa. É um lugar que qualquer pessoa poderia pensar: "este mundo não tem fim" ou "espero que este mundo nunca acabe", porque ali você certamente sentiria gratidão por existir e por ter conseguido admirar um lugar tão especial. Olhar uma foto nunca será a mesma coisa que vivenciar. Estar presente, sentir o vento querendo te levar para longe, como se quisesse que aquele lugar fosse intocável pelo ser humano, como se o vento fosse uma espécie de proteção, trazia uma sensação de estar no lugar certo, mas ao mesmo tempo de não pertencimento. Não sei. Só sei que era único e pacífico.
Em frente ao paredão de vidro existia uma espécie de passarela, onde possivelmente a ideia seria para que as pessoas pudessem passear e se deslumbrar com aquela imensidão de mar, correndo menos riscos do que se aventurando nas bordas do penhasco. Atrás daquilo tudo não havia construção. Apenas um terreno enorme, descampado, só com uma grama verde e algumas flores bem pequenas de cor branca e, lá muito longe, uma floresta, que fazia conexão com a falésia por uma pequena estrada. Um cenário até bonito. Talvez ficasse ainda mais bonito não fosse essa tal muralha de vidro, ou seja, o tal mirante.
Apesar de achar que a vidraça quebrava a beleza natural do local, dava também para sentir uma certa calmaria por trás do paredão. Era como se a pessoa se deslocasse de uma dimensão para outra apenas por se colocar atrás daquilo. A ventania praticamente acabou, o barulho do mar diminuiu, dava até para sentir menos frio.
Toda essa descrição seria normal se eu não estivesse naquele campo, colada ao muro de vidro em uma de suas extremidades, nua, toda suja de lama. E todo aquele peso de areia por cima de mim, ainda molhada, dificultando a minha marcha. Eu não sei como consegui chegar naquele lugar, simplesmente estava ali. A minha memória não colaborava muito. Mas senti falta de alguém. Passei alguns minutos avaliando tudo o que estava acontecendo comigo. Se qualquer outra pessoa estivesse em pânico, poderia até gritar, chorar ou desmaiar. Mas, no meu caso, depois de tudo o que eu vivi, estar ali mais parecia um dia comum. Eu já estava me acostumando com tudo o que estava me acontecendo e com o fato de que demoraria um pouco para que eu conseguisse encontrar calmaria na minha vida.
Sem entender como eu havia chegado ali, decidi caminhar para a outra ponta daquela estrutura, que era inclusive uma subida. Quem sabe estar na parte mais alta da falésia eu pudesse enxergar o outro lado daquela enorme forma geográfica, para tentar ver o encontro do mar com a rocha. Atrás de mim eu só conseguia ver rochas enormes, como um paredão, sendo impossível avistar qualquer coisa por trás. Só havia arribas fósseis e alguma vegetação rasteira sobre todo aquele lugar.
Então era isso, subida de um lado e nos outros pedras, mar e campo.
A opção mais rápida era seguir para a parte alta e ter uma primeira impressão do local. Quem sabe uma cidade eu poderia ver mais adiante? A floresta me parecia densa ao fundo e estava longe demais. Este caminho, com certeza, me pareceu mais fácil e mais próximo. Além disso, andar pelada colada a uma parede era bem menos exposição do que andar em um campo! Pudores ainda fazem parte de mim, vai que aparecesse alguém?
Até mesmo porque a cada passo que eu dava, tinha a sensação de que alguém estaria chegando. Isso me dava calafrios. Tentei relaxar, mas não consegui. E quando finalmente cheguei à metade do caminho, alguém apareceu atrás de mim e falou algo que eu não consegui entender. E, para minha surpresa, este alguém estava exatamente como eu, coberto de lama!
Era um homem aparentemente de meia idade. Mas ao contrário de mim, não tentou esconder suas partes íntimas, porque ele parecia estar vestido e mesmo debaixo de tanta lama, ainda assim, dava para ver sua roupa. Eu até tentei me esconder ao máximo, apesar de basicamente não ter sucesso com minha vergonha. E nem consegui falar ou pensar qualquer coisa!
Ele, por sua vez, assim que o vi, já elevou uma das mãos na tentativa de dizer que veio em paz. Ele estava hiperventilando. Imediatamente começou a falar que eu não precisava ter medo e que ele não tinha a intenção de me machucar.
Finalmente comecei a raciocinar, pois segundos atrás eu estava sozinha e aquele homem apareceu do nada! As perguntas que vieram à minha cabeça eram as mais óbvias possíveis.
- Quem é você? Como chegou aqui? Por que estamos assim??
- Não temos tempo para isso! Eles estão chegando, precisamos correr!!!
- Eles quem????????
- Os outros!
- Quem? Aqueles que estão subindo logo atrás de você? Mas parecem ser apenas uma criança e um adolescente!!! Espere um pouco! De onde eles vieram também? De onde nós viemos?
Os dois estavam vestidos normalmente, sem lama, logo não vieram do mesmo lugar que eu e o tal homem. A criança era negra, com um cabelo enorme, estilo black power, e de longe vi claramente que estava de camiseta, bermuda e tênis. Já o rapaz estava de calça jeans e camiseta. Assim que apareceram e nos viram, começaram a correr em nossa direção.
O homem que estava comigo, com o rosto transtornado em desespero, apenas teve tempo de gritar:
- Corra!!!!!
Eu não tinha opção para discutir! Apenas corri em direção ao topo daquela falésia sem olhar para trás. E ao chegar no fim da muralha, não tive muitas opções, pois era um precipício e só havia mar e mais pedras embaixo! Não haviam outras ilhas naquela direção, apenas o mar sem fim. Pensei em ir para a frente daquele grande espelho para tentar procurar uma descida até o mar, talvez algum esconderijo. Comecei a fazer o caminho oposto e descer pela passarela, mas não consegui achar nada. A realidade se instalou em mim por não ter escolhido desde o início a direção do campo. Talvez lá as opções de fuga fossem melhores.
O homem ficou na ponta, para retardar aqueles dois. Mas por que ele estava me protegendo? Quem ele era afinal?
E cada vez que eu retornava, olhava para baixo, ainda na esperança de achar alguma saída. Foi quando vi na outra ponta da muralha, que aquela criança, aparentemente de oito anos, havia retornado por trás da muralha, ou seja, eles nos encurralaram!
O adolescente já estava praticamente junto do homem e, embaixo, a criança corria ao meu alcance. Ou eu enfrentaria aquela situação ou pularia mais de 150 metros de altura, o que com certeza levaria à morte!
Quando olhei novamente para o homem, vi o adolescente o atacando após um salto incrível, deixando-o sem defesas e ao mesmo tempo parecia que aquele rapaz estava devorando o homem! Ele se transformou em um monstro. Tive tanto medo que não consegui olhar mais nada, pois já estava preocupada com a criança que já se aproximava de mim! Com certeza ela também era um monstro!
Foi uma cena de horror tão grande, que eu nunca tinha visto nada parecido, nem em filmes de terror.
E eu tive que fazer a única coisa que me veio à mente: suicídio!
Simplesmente me joguei do penhasco. Não pensei em argumentar com uma criança, não depois da cena do pobre homem diante daquele ser horrível. Além disso, aquele bicho iria atrás de mim de qualquer forma após finalizar com ele. Aquela criança era provavelmente igual àquele adolescente, um assassino, um bicho! Talvez a morte ao me chocar no mar fosse mais digna, mesmo que parecesse covarde.
Para meu azar, eu ainda assim não estaria livre naquela perseguição. O menino que aparecia ter apenas oito anos, também se jogou logo em seguida. E eu caía de costas para o mar, de frente para ele, que surpreendentemente estava chegando perto de mim! Ele parecia voar sobre mim. Eu fiquei horrorizada.
Eu só consegui gritar: "Não faça isso!" Mas ele já estava modificando o rosto, se transformando em um monstro com dentes enormes. Era uma coisa tão feia que estava pronto para arrancar minha cabeça em uma mordida.
Quando comecei a fechar os olhos para não ver o meu fim, vi que ele fez uma cara de susto olhando alguma coisa que vinha do mar. Ele soltou um grunhido alto, medonho. Mas eu não consegui me virar, estava sem controle. Acontecia tudo muito rápido. Eu não sabia dizer se era algo bom ou ruim, mas aquela coisa estava visivelmente com medo e tentando mudar de direção.
E foi então que deium pulo da cama sem fôlego! Desesperada para tentar controlar minha respiração.E ainda com a sensação do frio que batia nas minhas costas como se eu estivessede verdade naquela queda. Eu continuava sentindo toda a lama descolando do meucorpo à medida em que despencava, sentindo o vento em mim. Parecia que eu tinhaacabado de ser abduzida e não de ter acordado do pesadelo!
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