Capítulo vinte e um
Sofia
Finalmente, cheguei até a sala de estar. Todos estavam confortavelmente sentados. Timmy e Gabriel no sofá, Peter em uma poltrona e Kate ao seu lado, sentada no braço da poltrona, abraçada a ele. Uma cena típica familiar, de seres humanos normais. Quando apareci, todos pararam para me olhar.
E se estivessem filmando iriam comprovar o quanto eu estava vermelha de vergonha. Nos EUA é tradição a jovem ao se formar, passar por esse ritual de descer as escadas, tirar foto e sair para o famoso baile de formatura do colegial. Eu me senti exatamente nessa cena. Só faltou estar de vestido e o Tim estar me esperando com uma flor para colocar no meu braço. Nunca me senti tão ridícula.
Mal pensei nessa cena e ele prontamente levantou-se do sofá e veio ao meu encontro. Agradeceu a irmã por me emprestar as roupas e ensaiou falar alguma coisa para mim sobre as minhas vestes. Obviamente que o impedi.
- Não precisa falar nada. Não estou acostumada a usar roupas de frio assim. Agradeço a gentileza de qualquer forma – Falei isso e depois me arrependi pelo meu tom frio e sem querer comentários sobre o assunto.
Ele riu e fez um gesto de que estaria passando o zíper na boca. E pensei nos meus amigos gays que sempre faziam o mesmo, e bateu uma saudade deles. Mas o Timmy também conseguia ser ridicularmente engraçado e isso era novidade para mim. Até me senti mais confiante. Não era uma situação comum. Todos eram estranhos. Eles estavam vestidos de capa de humanos. E eu me sentindo em um labirinto sem saber se existia uma saída de verdade.
Confesso que fiquei arrependendida depois de ter impedido o Timmy de me elogiar. Que mania feminista de evitar elogios dos homens é essa? Por isso que eles em sua maioria não são mais delicados conosco! O fato de exigir direitos iguais não os impedem de continuar nos tratanto com delicadeza... Divagações.
O ambiente ajudou a me sentir um pouco mais calma. Era uma sala ampla, muito clara. Móveis modernos, porém nada muito escuro. Eles faziam um misto de branco com cor de madeira clara. Algumas plantas, jarros grandes e pasmem, fotos de todos eles como uma família tradicional! Vários porta-retratos. Tudo muito normal. Eu pensei que iríamos sair naquele momento, mas o Peter chamou todos para a cozinha para tomarmos um belo café da manhã. Eu estava ansiosa para ver a neve, me decepcionei por uns segundos. Afinal, eu era a única toda preparada para sair!
Eu estava me sentindo uma criança. Fiz de tudo para não demonstrar nenhum sinal de frustração. E acho que consegui, pois não fizeram comentários.
Sobre a cozinha, achei um espetáculo! E não resisti o comentário:
- Nossa, mas que cozinha fantástica!
- Ah, finalmente alguém que aprecia a arte de cozinhar! – Disse Kate entusiasmada.
- Verdade, eu gosto mesmo. Acho o máximo. Adoro cozinhar para as pessoas e gosto de ver a reação delas quando comem algo diferente. Mas...
Parece que eles estavam lendo meus pensamentos, pois todos se olharam e começaram a rir. Até que Gabriel resolveu falar:
- Sofia, nós comemos as mesmas comidas que vocês humanos comem. Como já dissemos, somos geneticamente modificados. Nossos corpos são idênticos aos de vocês. Talvez mais resistentes. Você irá entender aos poucos. Não tem esse negócio de não comer, não beber ou de beber sangue. Ah, e podemos ir para o sol também!!
Eu sei! Vi Timmy comendo! Foi até engraçadinho o que ele falou, embora ele tenha falado sério e com ironias, mas eu fiquei presa somente a parte do "aos poucos". Esta frase não me soou agradável. Esse negócio de aprender devagar não é comigo. Sou muito impaciente para ir devagar. Preciso saber tudo de uma vez só. Para que ficar esperando?
- Sofia, vamos então nos organizar. Quero fazer compras dos ingredientes que você quiser! Vamos preparar as comidas que está acostumada a comer.
O que a faz pensar que eu vou passar tanto tempo aqui?
- Kate, ela também precisa conhecer nossa tudo por aqui, como a nossa cultura, por exemplo, e não só nossa casa! Menos empolgação ou irá assustá-la com essa mania de querer comer tudo o que é diferente! – disse Peter.
- A cultura do peixe e do fast food? Sofia, por favor, dispense esta alimentação! – disse Nicolle, provavelmente confessando que não gosta do estilo de vida dos EUA e gostando do interesse da mãe.
Desta vez, foi a minha vez de rir. Mas fui gentil com todos, embora continuasse estranhando todos eles ao meu redor, conversando e descontraindo. Se eles eram ruins, como acreditar? Eu estava começando a ficar encantada com o interesse em mim e a simpatia. Porque isso é até uma característica do nordestino, aliás, do brasileiro. E não sei de onde vem isso neles, se faz parte deles ou se aprenderam a serem assim conosco. Porque se eles pegam o jeito das pessoas que eles convivem, não são tão calorosos assim. Já acredito que eles falam a verdade, porém preciso de provas. Até lá, sigo retribuindo a simpatia:
- Será um prazer!
Kate bateu palmas de felicidade.
Após uma refeição animada, chegou a hora de sairmos para conhecermos a cidade. Aliás, para mim seria fantástico conhecer outro país! E não me contive, revelei baixinho ao Tim que estava ansiosa para conhecer todas as redondezas de onde ele morava. Tudo aquilo, as florestas, a neve...
Eles moravam um pouco distante da cidade. Um detalhe um tanto quanto óbvio, se eu fosse só um pouquinho diferente, iria querer ter uma vida com discrição. O pior era que a casa deles era em uma parte mais alta nas montanhas, em um local ainda mais gelado e mais propicio aos ventos frios. O que aumentaria demais a sensação de congelamento instantâneo. Ao menos para mim, que estava completamente fora do contexto.
E isso realmente fez a diferença. A primeira parte do meu corpo a sentir o intenso frio foi a ponta do nariz. Depois foi a vez dos dedos das mãos. A única parte que estava exposta era o meu rosto, que logo começou a ficar rosada. Mas tentei resistir e não parecer que estava sentindo tanto frio assim. Eu queria ser durona. Sempre fui assim, de não desistir tão fácil dos desafios mais idiotas possíveis.
Dentro da casa estava frio, mas não como do lado de fora. Acho que por causa do vento.
Gabriel e Nicolle saíram pela garagem para pegar os carros. Eu, Tim e os pais dele saímos pela porta da frente da casa, pois eles queriam me mostrar toda a visão principal da casa. E que entrada principal! A propriedade tinha um campo aberto, coberto de gelo a frente da casa. Eles falaram que toda a parte em frente era na verdade um pequeno lago. Eu achei super interessante, pois normalmente as pessoas tinham jardins, chafariz, estátuas. Mas eles tinham simplesmente um pequeno lago. Não tão pequeno, na verdade acredito que tinha mais ou menos duas vezes o tamanho do campo de futebol do estádio do Maracanã no Rio de Janeiro.
Qualquer carro que entrasse na propriedade deles, obrigatoriamente, deveria fazer a volta nesse lago, entre coníferas, para então chegar até os portões da casa. E por fora do território, só se via essas grandes árvores. Era simplesmente lindo tudo aquilo. Eu estava deslumbrada. Imaginei que no período de verão aquela cena ficaria igualmente linda.
Peter explicou que o lago tinha um propósito: no inverno, ficava congelado, exatamente como estava naquele momento. E assim, eles teriam a própria patinação no gelo. Entre outras coisas. Só que essas outras coisas ele não explicou.
Independente disso eu adorei aquela informação! E fiquei na expectativa de poder patinar, já que a única vez que fiz isso foi na infância, dentro do shopping da minha cidade, quando eles fizeram uma pista de patinação artificial. E era super desconfortável, pois estávamos entre lojas e a praça da alimentação, ao invés de estarmos ao ar livre. Quem nunca morreu de vergonha em tomar um tombo na frente de tantos estranhos?
Antes dos irmãos do Timmy pararem os carros na nossa frente, eu já estava tremendo de frio. Meus dentes estavam batendo e já nem sentia mais as pontadas de dor na pouca pele que estava exposta, pois já estavam dormentes. Eu estava super bem dez minutos antes e não entendi todo aquele frio intenso. Meu rosto inteiro estava sem sensibilidade e acho que a minha última expressão facial acabara de ficar congelada. Provavelmente eu teria a mesma cara por algumas horas. Eu não conseguia parar de fazer um comparativo. Era como se eu estivesse com as mãos dentro de um recipiente cheio de água e muito gelo. Eu já não via a hora de entrar no carro para me aquecer ou voltar para a casa e pedir que ligassem todos os aquecedores e ainda acendessem a lareira!
Tim perguntou ao Gabriel porque eles demoraram tanto e ele limitou-se a responder que estavam percebendo a presença de alguns ursos próximos da propriedade e se eles estivessem certos disso, eu poderia querer ver alguns.
- Imagina se ela iria querer ver algum urso! – disse Kate.
- Urso? Sério? E era dos brancos? – perguntei animada ainda conseguindo falar alguma coisa.
- Não, marrom – respondeu Nicolle rindo.
- Era para ser branco? – perguntou Tim interessado ou achando graça a minha pergunta.
- É que sempre os achei tão lindos! Acho-os perfeitos para lugares frios e com muita neve, pois nem contrastam com a cor e realmente parecem fazer parte disso... ah, sei lá! Só acho fofo.
- Te garanto que você não acharia isso se estivesse frente a frente com um deles na neve! - Respondeu Nicolle – Mas posso te levar para ver um que não vai te representar risco algum. Lá no aeroporto de Anchorage tem um em exposição, ele foi um dos maiores vistos, foi morto aqui no Alasca, na região noroeste do país.
Todos riram. Mas quis ficar com a última palavra sobre esse assunto:
- Eu se-sei que-que não de-deve ser seguro, ma-mas me-mesmo assim e-eles são tão bo-bonito-tos! E agrade-ço a opor-tunida-de Nicol-le, talvez se-ja de fato a me-lhor forma de che-gar perto de um ur-so!! Aceito!
E toda essa conversa estava demorando muito e eu já não conseguia mais controlar minha boca que tremia tanto que esta última frase quase não saiu de tanto que gaguejei. A tremedeira do frio era incontrolável. Então Tim disse:
- Pessoal, hoje é realmente um dos dias mais frios desse inverno. Sairemos amanhã se a temperatura aumentar. Se ela ficar aqui fora mais quinze minutos, vai ter uma hipotermia ou vai gangrenar algum membro.
Todos concordaram, mas não ficaram tristes, ao contrário de mim. Eu estava morrendo de vontade de sair, mas o frio estava tão intenso que minha ansiedade deixava de existir dando espaço à ideia de voltar para dentro daquela casa quentinha.
Acredito que foi o vento. Provavelmente isso estaria intensificando ainda mais o frio. Sem contar que há pouco tempo eu estava por baixo de edredons quentinhos e vesti muita roupa que esquentava ainda mais. Naturalmente, o ar livre não seria tão interessante se eu não pudesse aproveitá-lo.
Quando retornei para dentro da casa, senti que a temperatura estava mais agradável, mas ainda continuei sentindo muito frio. Acho até que demorou demais para eu conseguir controlar minhas tremedeiras. A medida em que eu me concentrava no calor do meu corpo e no poder daquelas roupas, eu começava a me aquecer e sentir menos frio. Só rezava para esquecer esta sensação tão irritante e dolorosa. Só lembrava da casa do meu irmão no interior de São Paulo, no Brasil. As vezes o frio era tanto que eu achava que estava mais frio dentro de casa do que fora. Muitas vezes passava o dia inteiro e mal me alimentava ou bebia água. Fazia de tudo para ficar embaixo do edredon o dia inteiro. Não tínhamos aquecedor na casa. Já quando morei na capital, quando o dia esfriava demais eu tinha que colocar um mini aquecedor dentro do banheiro. Era impossível ficar pelada ou sair do banho sem estar com o banheiro quente.
E acho que eu não pude evitar isso, era notável minha decepção. A minha sorte é que Tim segurou minha mão no hall de entrada, enquanto todos se dirigiam para outros cômodos da casa. Ele queria que ficássemos a sós. Tentei disfarçar a decepção, pois achei que eles ficariam conosco e eu poderia saber um pouco mais deles. Mas como todos saíram eu resolvi dar toda a minha atenção aquele homem lindo ao meu lado, mas que claramente não queria me contar tudo o que estava acontecendo comigo.
- Você ainda não conheceu o meu quarto. Quer conhecer agora?
- Verdade! Não deu tempo. É claro que quero.
- Prometo que não tenho segundas intenções. Podemos aproveitar o dia para assistirmos um filme ou ouvir músicas...
- Ou conversar.
****
Pelo jeito ela quer saber mais sobre tudo o que está acontecendo... muito mais do que o romance! Será que ela vai deixar esse sentimento e atração que sente pelo Timmy em função da racionalidade?
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