Capítulo vinte
Sofia
O quarto de Nicolle era enorme. Pelo pouco que vi da casa, deu para perceber que tudo ali era tamanho G. E que eles não eram nada simplórios. Também era notável que gostavam de tecnologia, já que o quarto de Nicolle tinha todos os eletrônicos lançados mais recentemente.
Nicolle parecia ser delicada, mas só na aparência. Deu logo para perceber que ela era uma mulher forte e decidida, porém um ser vivo de bom coração. Ela fez questão de olhar nas gavetas dela as melhores luvas para me emprestar. Isso foi gentileza da parte dela. Essas coisas tão banais me faziam pensar que ou eles eram estranhos demais em se preocupar comigo daquele jeito, quando se tinha uma intenção ruim como psicopatas ou, era porque aquilo tudo poderia ser de fato real, honesto. Minha cabeça latejava com ideias, possibilidades e dúvidas. Não era possível pessoas terem tanto interesse em alguém como eu, terem tanto trabalho em raptar uma pessoa do Brasil para um lugar tão longe, sendo que eu não era ninguém. Embora que eu pudesse, sei lá, estar no Chile ou Argentina. Lá tem lugares com neve. Mas mesmo assim, que loucura... Eu estava de fato em algum lugar com neve. E precisava ter certeza de como cheguei ali.
Depois de me mostrar como calçar as luvas, já que eu deveria colocar uma mais fina e logo depois outra por cima mais grossa, ela disse também que eu deveria retirar a mais grossa apenas para manusear algo que eu não estivesse conseguindo por causa da dificuldade mesmo com as luvas externas. E que eu não deveria retirar a luva mais fina, evitando contato direto com o frio para não correr o risco de queimaduras ou até necrose dos dedos. Será que estaria assim tão frio? Acho que eles estavam exagerando agora. Ela disse especificamente que eles não saberiam como meu corpo se acostumaria com mudanças repentinas de temperaturas tão distintas.
Quando perguntei se não faria falta para ela, ela simplesmente respondeu:
- Não precisamos de tanta proteção. Mas infelizmente temos que nos vestir para evitar especulações sobre nossa capacidade em resistir as baixas temperaturas. Você logo irá ficar assim também.
- Eu vou?
- É... eu quis dizer que... sei lá... Você pode se acostumar com o frio... Com o tempo.
Eu fiquei tentada em perguntar mais detalhes com relação a essa nova informação. Mas temi que ela não fosse querer responder as minhas perguntas, afinal, não a conheço o suficiente para conversas longas. Sem contar que ela poderia estar limitada a me responder alguma coisa. Nesse caso, preferi esperar o chefe da família e não pular hierarquias familiares. Comecei também a pensar que o conto de fadas já começava a entrar na parte sinistra. O pequeno detalhe: "resistência as baixas temperaturas". Mas que porra é essa? Pensei.
Não bastassem as luvas, ela ainda me trouxe uma boina de lã para usar sob o capuz do casaco. Porém, a parte que mais gostei foram as botas. Ela me trouxe botas lindas e confortáveis. Não estava dando muito certo usar as meias com o tenis.
Comecei a descer as escadas quase perdendo o equilíbrio com o peso dessas roupas. Claro, não era nada demais, porém não estou acostumada porque apesar de São Paulo fazer frio no inverno, não poderia ser tão frio quanto no Alasca. E eu não tinha muitas experiências com baixas temperaturas. O máximo que havia pego foi uns 5°C. Menos que isso, deveria começar a ser insuportável. Ao menos para mim.
***
Timmy
Eu não queria que tudo isso estivesse acontecendo com ela. Nada disso estava nos meus planos. Até me afastei. Juro que tentei. Eu não sei o que essa garota tem. Eu já pensei e repensei o motivo de eu estar interessado nela, saber sobre a vida dela e querer o bem estar de Sofia. Tudo o que eu pensava, desde as primeiras palavras trocadas, pareciam se encaixar exatamente com o que ela estava pensando no momento. Era como se eu estivesse conectado a ela e ela a mim, mas sem nenhum dos dois querer ou até se dar conta do que estava acontecendo. E então resolvi fazer aquele maldito teste. Ao longo da minha vida terrena eu conheci várias humanas. Nenhuma delas foi importante. Tudo o que eu fazia era sigiloso porque não queria me envolver. Embora das poucas vezes que estive acompanhado, sempre fora com alguma executiva ou a filha de algum empresário que eu mantinha contato profissional. Era difícil não conhecer humanas porque sempre existia alguém que me apresentava garotas interessadas em mim. Sempre fui discreto e isso chamava a atenção de todas.
Depois do que aconteceu com o Gabriel, eu achava que seria muita burrice fazer o mesmo que ele. Tentar um relacionamento. Não era opção para mim. Afinal, eu era diferente. Tinha um objetivo. Não existiam seres parecidos comigo aqui na Terra e eu não poderia voltar a um corpo que no fim das contas nunca tive. Apesar de conviver com os meus, do meu planeta de origem, eu sabia bem como eu deveria me parecer fisicamente. E não seria tão parecido com os humanos. E mesmo assim, com todo o contato que eu tinha com eles e sabendo da minha condição diferenciada dos seres humanos, eu sempre seria um ser complexo para ambos os planetas. Foi uma renúncia. Era para ser uma renúncia. Mas de tanto convier com esse corpo, confesso que gostei dele e até aprendi a apreciar os humanos. É natural a aceitação.
***
Sofia parecia estar de fato respondendo positivamente aos meus testes, embora lentamente. Eu sabia que a experiência não iria prejudica-la, no máximo transformá-la para melhor, mas nunca algo negativo. Eu me sentia culpado por não poder contar para ela. Gabriel estava indignado e eu nem sabia a razão para tanta rejeição. Era como se ele não quisesse que ninguém mais tentasse. Parecia que ele tinha certeza que tudo iria se repetir. Eu não podia culpá-lo por pensar assim. Eu também estava com medo. Meus pais pareciam estar em alerta. Nicolle me olhava com aquele olhar de indecisão, pois não sabia o que dizer.
Gabriel, sempre em desaprovação, mas isso era notável e ele era o único que demonstrava abertamente o que pensava. Até demais! Entendo ele. Tentou, não deu certo e achou que não deveríamos tentar. Eu ate concordei... Mas como pensar assim agora? De qualquer forma, eu sentia falta da opinião de mais alguém. Meus pais estavam preocupados, tanto comigo quanto com a Sofia. E isso era bastante humano, mesmo que eles não percebessem.
Era inegável o quanto éramos parecidos de fato, não só fisicamente, mas em todo o resto. Nós não entendíamos se era o DNA humano ou se por convirvermos tanto com eles que nos fazia entrar no mesmo ritmo. Era tudo tão natural, que eu desconfiava ser inerente ao nosso próprio DNA. E nem adiantava tentar não se comover com qualquer coisa vivida nesse planeta. Não dava. Aprendi com o nosso povo o quanto somos passivos, mas também o quanto somos indiferentes. É como se não houvessem sentimentos, porém uma noção do que é certo e errado. Uma espécie de ética.
Quando percebi que Sofia estava se sentindo melhor das dores, comecei a observá-la mais de perto. E ela continuava a ter um sono inquieto. Sentia uma energia estranha próximo a ela. Não era possível distinguir o que acontecia, pois a sensação era de haver um portal para outro planeta, exatamente onde ela se encontrava, só eu não conseguia enxerga-lo. A sensação era que ela estava entre dois mundos, prestes a sumir para sempre. Pedi para meus pais, por terem mais experiência, permanecerem próximos a Sofia. Eles também sentiam o mesmo e não conseguiam explicar. Acreditavam que talvez a nossa energia estivesse reverberando através dela. E mesmo assim, seria estranho porque ela era humana e humanos possuíam uma energia muito fraca.
Não senti uma conexão nos dias em que fiquei afastado, o que me fez entender que isso só acontecia quando estávamos de fato juntos. Eu podia observá-la, mas só quando estava perto que podia sentir uma espécie de laço entre nós. Eu ficava ansioso e preocupado quando não podia estar tão de olho nela. Quando ela decidiu voltar à capital, sabia que ela estava buscando por mim. Isso alegrou meu coração, pois ela decidiu voltar ao museu porque não conseguiu me esquecer. Ela queria respostas. Em qualquer outro caso, se um cara sumisse da vida dela, tenho certeza que ela não daria a mínima. Mas tantas coisas malucas, sim eu confesso, aconteceram entre nós, que ela decidiu me procurar.
E hoje estamos tão próximos, eu jurava que a conexão voltaria, mas está estranhamente nula. Até parece que ela está me bloqueando propositalmente. E ela está absurdamente calma e aceitando tudo com muita facilidade. Decidi não mentir, apesar que isso não seria opção mesmo. Ou talvez omitir, até onde ela conseguisse entender mais um pouco todas as coisas. Pedi ao meu pai que me deixasse conduzir com ela. Todos aceitaram falar a verdade, mas eles tinham medo da reação dela. Tanto temiam, que já estavam com um plano B, caso Sofia surtasse. Achávamos que seria normal essa reação vinda de qualquer ser humano. Mas Sofia estava diferente. Parecia corajosa. Realmente era.
E quando ela surgiu na sala, toda vestida para o inverno, notei a preocupação da Nicolle em protegê-la. Imediatamente agradeci por isso. Nicolle apenas balançou a cabeça positivamente. E a pergunta que todos se faziam: como uma humana está tão tranquila com toda essa situação?
**** E aí? Tá confuso? Eu também! Rsss
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro