Capítulo um
Sofia
Passar os dias tentando ser produtiva de alguma forma poderia, quem sabe, salvar-me das minhas maiores fraquezas. O problema era que eu não conseguia enxergar onde eu estava sempre errando. Era preguiça de viver? Ou, seria eu uma pessoa cheia de dúvidas e sem iniciativa de nada? Faltava foco?
Conflito instalado.
Os filmes, as novelas, tudo o que eu via na TV, mostrava que nas noites solitárias a saída estaria sempre em uma garrafa de vinho e um cigarro mal fumado. Então me isolava naquele mudinho somente meu.
Nunca fumei dentro de casa. Escondia carteiras de cigarros. Eliminava todos os possíveis rastros de uma tentativa frustrada de um vício inexistente. Sem contar que a minha racionalidade sobre o mal que o cigarro traz à saúde sempre falou mais alto. E mesmo assim eu insistia. Após duas tragadas parecia que eu havia bebido toda a garrafa de vinho sem pausas.
Porém, o mais deprimente foi a tentativa de me afogar na visão depressiva de um estilo moderno, com sucessos efêmeros. A bebida não ultrapassava duas taças, da cartela de cigarro, apenas um cigarro a cada quatro ou cinco meses. Que fraude!
Eu pensei em ser atriz, mas não deu. Cantora, talvez. Ô inveja da Mariah Carey. Não consigo cantar, mas ao menos consegui enveredar de alguma forma para a música. Como? Usando meus ouvidos e dedos.
Um dos meus maiores devaneios era poder viajar sem preocupações financeiras, imaginando o quão maravilhoso seria poder ir para um determinado país, conhecer culturas e pessoas diferentes. Sem pressa. Sem hora para acabar. Acredito que fazer esse tipo de coisa com certeza era a melhor parte em ser rico. Não sei se eu ficaria entediada porque no fim das contas a melhor parte da viagem era ter meu lar para voltar!
Como não sou rica, imaginava que um dia iria fazer uma viagem dos sonhos, com dinheiro suficiente para conhecer tudo, tirando fotos dos pontos turísticos. Imaginação serve de consolo, às vezes, porém sem fotos minhas. Estou sempre esquisita nelas.
Esta era exatamente uma contradição da minha vida. Não tenho progresso em nada do que gostaria aos 30 anos. E o fato de ser considerada uma pessoa engraçada e sofrida ao mesmo tempo, piorava ainda mais a minha situação. Eu sempre estive na faixa do mais ou menos. Sendo mais pra menos. Toda a minha vida.
Todos muito preocupados comigo. Sempre querendo me ajudar. Mas nunca ninguém me perguntou o básico: "você está feliz?". Embora a pergunta seja assustadora, talvez eu não estivesse preparada para ouvi-la. Com certeza direi que tenho tudo o que preciso, que não sou uma pessoa amarga, que não estou doente da mente. Mas feliz? Felicidade é relativa. E não é egoísta, ou é?
Se na minha vidinha não houvesse a opção de um vinho de vez em quando, mesmo que aqueles bem baratinhos ou até mesmo uma bela xícara de café com leite, eu certamente estaria acabada. Mais ainda se não existisse música em minha vida.
Pelo menos as aulas de piano deram certo. E quando eu resolvia fazer o teatro, o meu teatro da vida, eu me vestia lindamente: tubinhos, saltos agulhas... Tudo isso para tocar, mesmo que apenas para mim. Tentei violão, mas eu forço demais as digitais e sentia dor quando colocava os dedos nas teclas no piano. Eu gosto mesmo é da leveza do piano. Não foi fácil aprender a tocar. Tive que me dedicar. Eu gostava fazer aulas de canto, na tentativa de coordenar o que eu tocava com a letra da música. E me perdia na melodia, esquecia minha voz porque só prestava atenção naquele som magnífico que saia do meu piano.
Esse instrumento, quando o martelo se afasta da corda imediatamente após ser tocada, deixando tudo vibrar livremente, sempre foi emocionante para mim. Cada pedacinho do piano é incrível. Como as cordas são dispostas, a estrutura inteira tem uma harmonia indescritível... Comparo com a perfeição do corpo humano. Eu passaria horas explicando cada pedacinho de um piano. Minha mãe sempre dizia "a única coisa que você conseguiu de fato aprender com maestria foi tocar piano, pena que não mostra a ninguém, nem ganha dinheiro com isso". Eu sempre fui tímida e talvez egoísta demais para dividir meus sentimentos jogados em uma composição. E tinha até medo de que alguém me entendesse totalmente através disso.
Talvez o passo mais difícil foi convencer a minha mãe a ocupar maior parte da sala de jantar com o meu piano. Tivemos que nos desfazer da grande mesa de jantar e ficar com uma bem pequena, de apenas quatro cadeiras. Comprar um piano foi fácil. Assim que fui demitida do meu último emprego, peguei toda a quantia e investi no meu instrumento. Eu já não aguentava mais ter que pagar por hora para tocar nas escolas de música. Ela quase pirou, mas acabou aceitando. Porém, tinha que ficar tocando para ela as músicas de Ray Conniff e de Richard Clayderman. Nada é de graça! Mas até que eu gostava, viu? Minha mãe sempre teve um bom gosto musical.
Viram o tanto de coisas que eu fazia para me sentir normal? Mas atire a primeira pedra quem nunca fez algo parecido!
De repente, fiquei com medo de toda essa divagação.
Eu não consigo nem me menosprezar com sucesso. Talvez os incensos fossem mais poderosos que eu. Afinal, eles eram fortes o suficiente para extrair aquele cheiro de depreciação mal sucedida do ambiente. Se é que tudo isso que eu fazia trazia uma conotação tão extraordinária quanto eu pensei que isso poderia causar em mim!
Pelo menos eu era boa em uma coisa: ter consciência desse fracasso.
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