Capítulo quarenta
Sofia
Sonhos diversos aconteceram durante a madrugada. O tema principal: perseguições. Estava sempre tentando fugir e cada vez que eu tinha um pesadelo, acordava assustada. Depois voltava a dormir. Só poderia ser resultado daquele acidente horrível e do remédio para dormir. Isso de certa forma era um consolo para mim, saber que todos os pesadelos não passavam de uma mistura ruim. O problema era que eu estava ficando incomodada com as cenas de perseguição que cada vez mais ficavam intensas e com um ar de maior periculosidade. Em um desses sonhos, eu já não estaria mais correndo e sim nadando e respirando na água enquanto tentava fugir de alguém ou de alguma coisa.
O problema era que em um determinado momento eu sufocava, como se do nada, eu perdesse a habilidade de respirar na água. E como estava fundo era desesperador querer chegar à superfície.
Acordei pingando de suor e sem fôlego! E mesmo com o ar-condicionado ao máximo, sentia um calor terrível. Não pensei duas vezes. Corri para o banheiro para tomar um banho gelado. E depois, vestida só de calcinha e sutiã, voltei ao quarto gelado. Eu sabia que a temperatura estava fria pois sentia sempre um impacto inicial. Liguei também o ventilador e troquei os lençóis da cama, pois estavam molhados do meu suor. Nunca suei tanto ao ponto de molhar lençóis. Eu deveria estar ficando muito doente. E sozinha, preocupava mais.
Pensei no Timmy. Eu não estava usando o anel. Achava que sem ele poderia pensar no Tim sem que ele soubesse. Ou talvez não sentiria nada do que eu estava sentindo. Quem sabe me tornar um pouco invisível. Não posso negar que tentava evitá-lo, mesmo com medo de estar fazendo a coisa errada. E voltava a dizer para mim mesma "Que diabos! Ele não é humano. Estou louca?". Talvez seja o calor dessa cidade, pensei. Ao menos eu tinha a certeza de que isso não era normal. E essa certeza estava começando a me irritar por ficar repetitiva em minha cabeça.
E se o que Tim me contou fosse verdade? Será que ele havia feito algo comigo? Meu corpo poderia muito bem começar a se comportar como o deles e estranhar algum local. Sabia que eles suportavam o frio, mas e quanto ao calor? O quanto é insuportável para eles? Comecei a lembrar de como Tim reagiu enquanto esteve comigo em São Paulo. Ele sentia calor? Eu não conseguia lembrar se ele se sentia desconfortável, mas lembrei que ele comentou que não suportava lugares quentes.
Enfim, desisti do assunto. Preferi ligar para uma amiga e depois visitá-la para tentar abstrair minha mente dessas ideias. Como eu morava perto, resolvi ir andando. E isso foi uma péssima escolha. Cheguei à casa da Clara molhada de suor. E não estava nem um pouco cansada! Ela pensou que eu tivesse ido até lá correndo, mas fui andando e extremamente devagar. O problema é que era um dia de sol. Inevitável não ficar com calor. Mas de qualquer forma, não justificava estar tão suada daquele jeito. Eu nunca havia ficado assim. E isso fez com que eu não me demorasse por lá. Estava desesperada por um ar-condicionado, coisa que na casa dela não tinha.
Dei uma desculpa qualquer para não a deixar preocupada. Apenas falei que esqueci de comprar um medicamento para meu gato e fui embora. Eu sou sincera, mas também muito educada. Eu jamais diria que a casa dela estava tão quente e abafada e que estava me deixando em desespero, até porque parecia que eu era a única incomodada, logo, nem ela e nem a casa dela eram responsáveis pelo motivo da minha agonia. Naquele momento, eu só conseguia pensar em uma câmara frigorífica. Acabei chegando ao prédio que morava com muito mais calor do que eu poderia imaginar.
O porteiro, assim que me viu, veio direto comentar o incidente na piscina. Disse que a mãe da criança desejava me agradecer, mas eu nunca respondia as ligações. Eu não estava muito interessada naquela conversa, mas saber que a criança não estava correndo risco de morte iminente foi um alívio.
E como eu previa, ela realmente fraturou alguns ossos da face e quebrou praticamente todos os dentes. Infelizmente fará muitas cirurgias para reparar tudo aquilo. Principalmente plásticas. Que drama para essa família! Desejei que isso não abalasse o emocional dela futuramente.
O porteiro havia tomado a liberdade de dar meu número de telefone para a mãe da garotinha, que de fato entrou em contato comigo pouco tempo depois. Ela me contou uma versão muito louca da filha sobre o ocorrido. Eu estranhei tudo aquilo, mas neguei aquela história. E só falei que ela deveria estar delirando por causa dos anestésicos, ansiolíticos e sei lá mais que tipo de drogas estavam dando a ela!
Tudo isso estava me incomodando. Embora o calor tivesse roubado todos os meus pensamentos, já nem lembrava da garota até receber essas informações. E pensei em algo. Será que aquela "porção mágica" que Tim me deu para beber e o creme que Gabriel colocou nos meus pés fariam alguma diferença na garota?
Pior é que nem cheguei a ver como era o rosto da menina antes. E agora povoava na minha mente ela toda cheia de sangue e deformada. Não sei se teria maturidade para viver entre eles e em uma situação dessas, tendo em mãos algum medicamento potente, iria sempre querer ajudar... Provavelmente seria queimada na fogueira, iriam pensar que era bruxaria.
E meus pensamentos voltaram ao calor que eu sentia. Essa ida à casa da Clara me fez ficar tão calorenta que só nesse dia tomei uns seis banhos gelados. Passou dos limites do usual e me chamou atenção. A temperatura ambiente não estava tão quente assim para eu ficar sentindo como se estivesse no deserto do Saara, ao meio-dia e na pior época do ano. Pesquisei na internet e Maceió estava na casa dos 28°C, tudo normal. Tentei esquecer para sentir menos o calor.
Ar-condicionado ligado no máximo, Ziggy ao meu lado e eu já estava pronta para dormir. Tive preguiça de olhar na internet a previsão do tempo. Vai que a coisa fosse ficar pior no dia seguinte? Seria bom mesmo um dia de chuva. Só para refrescar um pouco. Comecei a sentir um conforto. O ar gelado fez-me bem. Consegui dormir tranquila.
Comecei a acreditar que essa onda de calor iria passar, finalmente.
Amarga ilusão. Acordei as cinco da manhã molhada de suor. Eu corri para a cozinha para tomar água, coloquei todos os gelos que tinha no freezer dentro de uma sacola plástica e fiquei passando pelo meu rosto e pescoço. Abri a porta da geladeira, puxei uma cadeira e me sentei bem em frente.
Eu estava com tanto calor que parecia que não tinha ar-condicionado no quarto. Desconfiei! Corri para o quarto, subi na cama para checar se o aparelho estava de fato estava funcionando. E mesmo que não estivesse, nada justificaria aquele meu suor excessivo senão febre alta.
Para a minha surpresa, nada de errado com o ar condicionado. Mas o calor do meu corpo era tão intenso, que deveria estar dominando todo o quarto. Pela lógica, o ar-condicionado nem chegaria a fazer efeito, pois o ar esquentava antes de ser recondicionado. Só poderia ser isso.
Em frente à geladeira comecei a tomar água geladíssima e esfregar gelo no meu corpo, que rapidamente derretia. Coloquei mais água nas cubas de gelo, mas sabia que aquilo iria demorar a congelar. Decidi esperar que o quarto voltasse a ficar frio. Nesse intervalo, tive uma ideia. Procurei o termômetro e coloquei na minha axila. Não era possível estar queimando em febre quando eu não me sentia mal, exceto o fato de ficar com muito calor ao ponto de quase sufocar.
Mas fora isso, eu não ficava cansada de forma alguma. Só com muito calor. E o fato de eu ficar sufocada, não me deixava desgastada ao ponto de alterar minha pressão sanguínea ou alterar qualquer sinal vital.
O termômetro marcou 36°C.
Repeti mais três vezes, sempre dando o mesmo resultado. Como era um termômetro digital, pensei que ele poderia estar quebrado. Então peguei o outro de mercúrio (sim, ainda tínhamos um antigo em casa). Resultado, 36°C. Temperatura normal. Não entendi. Isso não era possível. Como o termômetro marcaria tal coisa se eu emitia calor?
Eu peguei folhas de papel e comecei a me abanar. Fui para o quarto da minha mãe, fiquei em pé, por cima da cama com o ar-condicionado dela também no máximo do resfriamento, e com o ar gelado batendo no meu rosto, aquele vento frio e gostoso. Mas isso só dava um pequeno alívio. E só no rosto. Pensei que serviria como um calmante enquanto meu quarto voltava a resfriar.
A piscina do prédio só abriria a partir das oito horas da manhã. Tarde demais. Nesse horário já estaria batendo o sol quente, o que não adiantaria muito. Não resisti. Coloquei meu traje de banho e fui até a portaria.
Praticamente implorei para o porteiro liberar a piscina.
Ainda bem que ela já havia sido limpa e liberada para uso. Depois do que aconteceu, vi tantos avisos e restrições que faltou pouco para um adulto ter que estar acompanhado por outro adulto para fazer uso da piscina. Depois do ocorrido, se eu estivesse na posição de síndica provavelmente faria o mesmo.
O importante é que consegui. Entrei às seis horas da manhã. Duas horas antes do horário normal. É obvio que não fiz barulho para que os moradores que possuem apartamentos com suas janelas voltadas para a piscina não me vissem "quebrando regras". Pegaria muito mal.
Foi um santo remédio. A piscina não estava com a água quente, não batia sol onde eu estava e eu pude relaxar por algum tempo. Fiquei bem quietinha, sem fazer esforços, só mentalizando o poder da água em contato com a minha pele e me refrescando. Mais uma vez, senti a sensação de que mais alguém estaria ali comigo. Mas eu não via ninguém. Porém havia algo de errado com a água. Ela estava um pouco a minha frente se movendo de uma forma estranha.
Parecia ter alguém se movendo dentro da água em minha direção, vindo da parte rasa, produzindo pequenas ondas. Porém, em uma distância de seis metros, pareceu parar e do nada afundar. Senti um arrepio muito forte.
Percebi também que a água havia aumentado a temperatura. De fria, passou a ficar morna. Muito rapidamente. Imaginei que eu não estivesse com meu juízo em perfeita harmonia para ficar vendo coisas. E sentindo também!
Talvez fosse algum efeito da piscina. Talvez alguém tivesse ligado a bomba para encher mais um pouco. Preferi concentrar minhas ideias no calor que eu ainda estava sentindo. Logo esqueci essa cena. Eu não estou bem. Mas tentei criar um mantra dizendo exatamente o contrário.
Por causa dessa situação incômoda, eu tinha que ficar mergulhando o tempo todo, para manter pelo menos meus cabelos sempre molhados. As vezes eu ficava alguns segundos a mais nesses mergulhos, as vezes nadando pela piscina.
E à medida que as horas iam passando, mais e mais eu mergulhava.
Mergulhos cada vez mais demorados e mais tempo prendendo a respiração. Se eu iniciei com dois ou três segundos mergulhando, após trinta minutos nesse processo eu já estava ficando praticamente um minuto embaixo da água.
Em um determinado momento, tive uma crise de espirro. Como eu não queria fazer mais barulho do que estava fazendo, resolvi espirrar dentro da água, tentando abafar o barulho. Ideia estúpida, porque antes de espirrar a gente inspira para poder soltar o ar no espirro, não é?
Como fazer isso estando embaixo d'água? Um pouquinho trabalhoso espirrar sem puxar o ar, mas é possível, obviamente. De qualquer forma, depois de mais de quinze espirros consecutivos, eu já nem tinha controle sobre este processo e, assim, acabei esquecendo e inalando a água para depois espirrar. Incrivelmente, não doeram minhas narinas. A água entrou sem me incomodar. E entrou tanto pela boca quanto nariz. Normalmente, quando a água entra assim, a gente sente aquele incômodo. Chega a doer inclusive. Mas nada disso aconteceu comigo. Parecia a coisa mais natural do mundo.
Fiquei curiosa. E resolvi fazer um teste. Dei mais um mergulho e com o nariz mesmo, puxei a água, como se estivesse puxando o ar para respirar. Sem fazer esforço, devagar e calmo. Meu medo era passar mal, ter sensação de engasgo e acabar abrindo a boca e aspirar líquido e morrer por broncoaspiração. Só que nada disso aconteceu. De repente me vi por mais de um minuto embaixo da água. Mais de dois minutos. Quatro minutos e eu embaixo da água.
Sem encher a boca de ar, sem segurar a respiração, sem caretas, sem veias no pescoço enchendo em sinal do aumento da pressão sanguínea. Nada. Igualmente como na superfície eu estava respirando! Sentia um cheiro forte do cloro. E isso incomodava um pouco. Fiquei com medo de alguém me ver ali, respirando embaixo da água!
O que estaria acontecendo comigo? Veio-me à mente instantaneamente tudo o que vivi ao lado do Timmy e da família dele. Toda aquela história complicada de alienígenas. O que eles fizeram comigo? Essa transformação seria permanente?
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