08 | Enfim, Gente Outra Vez
Cadu
17/01/2018
Quarta-Feira, 08:48
Como Henrique escolheu o restaurante e disse que pagaria, nem fiz questão de pagar, um restaurante no quilo de vinte e oito reais, eu acho um absurdo.
Depois de almoçar, ele quis dar um passeio antes de voltar pra casa, eu disse que era uma péssima ideia, mas ele insistiu pois eu tinha de comprar algumas roupas e era ridículo ligar a máquina de lavar de dois em dois dias porque eu já não tinha o que vestir.
É ridículo mesmo, mas eu não tive tempo de verificar a situação do meu acerto e nem sei quanto tenho na conta de verdade.
Deveria verificar, mas não vou arriscar pegar o tablet na rua, até deixei ele no carro e como Henrique quis passear a pé, entrou em metade das lojas que viu e saiu pegando tudo quanto é roupa que via, pagando sem olhar preço e quando já tinha um monte de sacolas, me fez segurar elas enquanto entrava numa loja de sapatos.
Não entrei também, já estou cansado de ficar perambulando por aí, nem gosto de sair. Já estava até começando a chover de novo e entrei pra dentro da loja, vendo Henrique vir na minha direção.
— Eu ia te chamar agora, que bom que entrou. Já vai experimentando...
— Experimentando o quê?
— Qual carne é melhor, aqui vende carnes, não está vendo? — eita cavalo, trocou as ferraduras cedo.
— Não vou experimentar nada, nem deve ter meu número e eu sou um falido, não vou pagar trezentos reais num tênis, Charles.
— É Henri e eu vou pagar, anda, deve ter seu número sim! — e me puxou mais pra dentro segurando meu pulso, onde uma mulher sorria solicita nos esperando com umas quinze caixas de sapatos ao redor, alguns tênis fora da caixa, ele deve ter provado todos. — É um presente, vou te dar um desses, deixa de ser chato e aceita. Já está carregando minhas compras, pode considerar um agradecimento, que tal? — sorriu quase parecendo adorável.
— Por que eu segurei umas sacolas?
— Mas como você reclama hein, o que custa aceitar um presente? Finge que é presente de Natal atrasado.
— Não quero presente nenhum.
— Haja teimosia! Deixa de ser irritante, então vamos fazer uma troca? Assim está bom? Você faz o jantar hoje, que tal? Faz tempo que não como comida caseira e... sabe cozinhar, né?
— Sei. Mas eu não...
— Ótimo, senta aí e experimenta um ou dois tênis. — suspirei quando ele me empurrou pra me sentar, ignorando o que eu dizia. — Vai dizer quanto calça ou vou ter de te derrubar pra ver a sola do seu tênis? — seu olhar era intenso enquanto analisava meus pés, murmurando qual perna seria mais fácil de dar uma bicuda pra me derrubar e bufei, desistindo de contrariar esse idiota. Depois é só descontar do meu salário.
— ... Quarenta e sete.
— Isso moça, traz um quarENTA E SETE?! — seu tom subiu na última parte, me encarando com os olhos arregalados e dei de ombros. — Existe esse número? — e encarou a vendedora exasperado. — Que porra de pé é esse, uma lancha? — e olhou pros meus pés. — Usa um jet-ski de chinelo? Se ficar numa enchente, até flutua. Da pra surfar numa boa com essas pranchas. — E seguiu jogando todas as piadas possíveis sobre pés grandes enquanto a vendedora ia atrás do meu número.
As piadinhas dele não é nada que eu já não tenha ouvido, com onze anos já tinha um e setenta de altura, calçando quarenta e com quinze, já tinha um e oitenta e sete, o que tinham de apelido pra mim não era brincadeira e ainda adicionaram as piadinhas de inseticida. Graças as porradas do Sr. Novaes que não virei esses engraçadinhos do avesso e só aprendi a ignorar isso.
Mesmo quando a moça trouxe dois pares de tênis e um sapato social, ele não parou de lançar piadinhas, escolhi um tênis qualquer e ele foi lá pagar, vermelho de tanto rir das próprias piadas.
Até que o dia não está sendo tão ruim quanto de costume, vai ver é por ter o sortudo do Henrique por perto?
Peguei as sacolas e fui esperar na entrada, a chuva tinha engrossado e estava bem feio. Acho que não vai dar pra sair, o carro está há uns três quarteirões de distância e não estou a fim de correr o risco de ser atingido por um raio outra vez.
Já sobrevivi duas vezes, na terceira sempre dá certo, vou morrer se for acertado uma terceira vez.
No instante que parei na entrada da loja, senti algo me empurrar por trás, tão forte que tropecei pela calçada, a chuva me pegando de uma vez e me virei pra brigar com Henrique (pois ele seria o único filho da puta a fazer isso), mas ele ainda estava lá no caixa, rindo e batendo papo com as vendedoras.
Não tinha ninguém além de mim na entrada e já estava entrando na loja quando ouvi o som de algo derrapando e olhei pro lado, um carro desgovernado vinha bem na minha direção.
Só tive tempo de saltar pro lado quando o carro bateu contra a entrada da loja e avançou alguns metros adentro, quebrando a vitrine, derrubando prateleiras até bater na parede. O alarme do carro soava, tinha sapato e vidro espalhados pra todos os lados, Henrique e as vendedoras lá dentro da loja estavam pálidos e apavorados, até berravam na hora da batida, mas agora estavam lá dentro, paralisados.
Não demorou pra esse acidente atrair curiosos, de lojas vizinhas, de carros que passavam e diminuíam a velocidade, pedestres que paravam pra ver a zona que essa loja virou e a esquisita sensação de que alguma coisa me empurrou pra ser atropelado no meio da calçada me fez ignorar o que devia ser feito agora.
Chamar uma ambulância pro motorista, a polícia, defesa civil, corpo de bombeiros, IML, SWAT, sei lá, qualquer coisa. Entrei na loja, tomando cuidado com os cacos de vidro e deixei as sacolas de roupas do Henrique no chão, me aproximando do banco do motorista, me inclinando pra ver através do vidro e franzi o cenho.
Estava vazio.
* * * (=^・ェ・^=) * * *
17/01/2018
Quarta-Feira, 18:42
— FINALMENTE EM CASA! — Henrique berrou, se arrastando pela sala.
Digo o mesmo.
Demorou um pouco pra resolver a situação lá no acidente e depois de sair com todas as compras, Henrique ainda me fez carregar mais um monte de caixas de sapatos. Henrique estava um pouco paranoico depois de sair da loja, até chegar no carro, não me soltou e ficou olhando ao redor preocupado de mais alguma coisa acontecer.
Até que aconteceu sim, mas não foi nada demais. Uma ratazana saltou do esgoto e veio cheia de sangue no zói querendo um pedaço de mim, mas é um bichinho do tamanho de um gato, uma bicuda e ela voou no meio da rua. Henrique estava apavorado, até pareceu chorar um pouquinho, mas tentou disfarçar, me arrastando pra chegarmos mais rápido no carro.
Quando chegamos no prédio, não quis entrar no elevador, me acompanhando nas escadas, o que levou quase meia hora já que a cada dois lances de escadas, ele parava pra tomar fôlego e descansar, no oitavo andar me ofereci pra carregar ele e as sacolas e ele aceitou.
O joguei no ombro como um saco de batatas e finalmente chegamos no décimo primeiro andar. O coloquei no chão e mesmo assim, ele agiu como se tivesse corrido pelas escadas, se arrastando pra dentro de casa, bufando e arfando exausto.
— Que dia longo... pensei que nunca acabaria... — avancei pra dentro do apartamento e ouvi som de vidro quebrando. Olhei pra trás, uma lâmpada perto da entrada caiu bem onde eu estava parado um segundo atrás. Não uma lâmpada pequena das normaizinhas, era uma daquelas grandes que mais parecem um lustre. Ah, mas isso aí já é sacanagem, eu que vou ter de limpar essa porra... — ... Cadu, você está bem? Não se machucou?
— Estou ótimo.
Claro que antes de voltar, passamos no mercado.
De manhã verifiquei a geladeira, não tem nada fresco aqui além de ter um monte de cervejas, nos armários só tem biscoitos recheados, salgadinhos e miojo. Então comprei algumas coisas pra preparar o jantar pra pagar pelo tênis que ele me deu. Meus braços devem tá cheio de marcas, carreguei tanta tralha, Henrique incluso, e esse sem vergonha ainda ousa reclamar de estar cansado.
— Vem aqui, vamos assinar a papelada que a Ester preparou ontem antes que mais alguma coisa ruim aconteça. Quanto antes terminarmos isso, mais rápido posso exigir meus direitos de senhorio.
— Seus direitos só são válidos em horário de trabalho.
— Vem assinar a papelada.
— Deixa eu guardar essas coisas primeiro, que tal?
— Não, deixa essas sacolas aí e vem logo! — ele se sentou no chão, jogando uma pasta em cima da mesa de centro. — Cadê seus documentos? Certidão de nascimento, título de eleitor, comprovante de residência, identidade, RG, certificado de reservista... aliás, você devia ter sido aceito, não tem problema nenhum de saúde e é bem alto.
— Fui rejeitado pela minha altura.
— E isso é possível? — me encarou com uma sobrancelha arqueada e dei de ombros.
— Disseram "como vou te enfiar num tanque se é maior que ele?". — Henrique começou a rir, até jogando a cabeça pra trás, sua risada subindo num silvo alto e até ele se acalmar, me aproximei e me sentei no chão, esperando.
Eu nem queria servir mesmo, fiquei aliviado quando me dispensaram.
— Aconteceu tanta coisa hoje que fico surpreso que ainda está calmo...
— Você é quem está calmo demais.
— Não acabei ferido de verdade, além de alguns sustos, acho que estou bem, então é isso, vida que segue. — meu irmão ainda estaria surtando só de já começar ficando preso no elevador. — Vamos assinar logo essa papelada, já estou ficando faminto... — e começou a assinar usando meus documentos, me olhando divertido ao deslizar os documentos pela mesa na minha direção. — Lê direitinho e assi... — assinei deixando minha rubrica e devolvi pra ele. — Não vai ler?
— Eu estou precisando de dinheiro, assinaria um pacto até com Satanás se ele aparecesse na minha frente. — ele verificou a papelada tentando parecer sério, mas eu podia ver os cantos de sua boca se curvando para cima, tentando conter o riso.
Quando terminamos, ele endireitou a postura e ajeitou os óculos na face, a expressão séria.
— Tudo certo! Espero que possamos trabalhar bem um com o outro a partir de agora. — e estendeu a mão pra mim apertar, um sorriso profissional na cara.
Apertei só pra não deixar no vácuo e no instante que o toquei, senti um formigamento estranho na mão. A cara "profissional" dele vacilou por um instante e recuei a mão enquanto ele unia os dedos sob a mesa e arranhava a garganta.
Começou explicando o funcionamento do prédio, o elevador só funciona com um cartão de morador ou a liberação na portaria, além da porta que por fora só abre com um painel eletrônico e por dentro, somente com as chaves. Me estendeu um tablet e um celular pra usar, neles estavam cadastrados cartões pra usar no mercado próximo.
Havia um tal assistente virtual, Al, que faria encomendas de serviços ou consertos se fosse preciso, além de já fazer as compras na mercearia, eu preciso só ir lá pagar e buscar, além de verificar a qualidade das coisas e a validade.
Explicou a rotina que levaria, além do almoço pronto ás onze, não precisaria de outras refeições, mas considerando o quão magro está, acho que vai precisar de cinco refeições por dia pra ficar num peso saudável.
— Quando terminar a limpeza, é livre pra fazer o que quiser, eu não me importo contanto que não faça muito barulho. Se quiser um adiantamento do seu salário pra comprar alguma coisa... — sugeriu, me olhando como se quisesse e muito que eu pedisse um adiantamento, mas eu não vou pedir. Não preciso de adiantamento.
— Não preciso de empréstimos.
— Precisa sim. — acenou e sacudi a cabeça, negando.
— Não preciso. — me encarou em silêncio por um instante, antes de fazer careta.
— Se é assim que prefere, tudo bem. Quase esqueço de avisar, mas já sabe, sou escritor, minha inspiração vale dinheiro, ou seja, seu salário triplicado... — franzi o cenho, o encarando com desconfiança, tentando encontrar algum sinal de brincadeira ou ironia em sua expressão.
— Triplicado?
— É. Você disse que não aceitaria o dobro, então eu tripliquei. Está no contrato. — apontou e puxei a papelada que enfiei na mochila só pra conferir. E realmente estava. Eu vou receber três e seissentos de vale-refeição?
— Vai me pagar isso pra limpar seu apartamento e fazer almoço? — questionei e ele acenou.
— Foi o que você pediu, então é, eu vou. Na verdade, meu pai vai. Ele quem quis botar alguém aqui, então ele que pague o salário, ué. O que foi? É pouco pra você? — arqueei uma sobrancelha, uma parte incrédulo por ele ser fácil assim e outra parte impressionado por ele nem se ligar que eu só estava zoando. — Que cara é essa? Foi você quem pediu.
— Eu estava zoando.
— Você não riu, achei que estava falando bem sério.
— Você é idiota?
— Não é como se fosse fazer falta, então tanto faz. Voltando ao que interessa, não me chame a menos que seja urgente, me faz perder a concentração na escrita.
— Mais alguma coisa?
— Hm... ah! Sim, é que se você não me avisar que o almoço está pronto, vou morrer de fome.
— É pra incomodar ou não?
— Sobre comida, sempre. Visitas, ligações, incêndio, assalto, assassino em série, promoção do mercado ou qualquer coisa insignificante do tipo, não. — fiquei esperando ele dizer que estava brincando, mas no silencio que ficou ele continuou sério, antes de arregalar levemente os olhos e acrescentar: — E fofoca. Fofoca pode. Me acorde a hora que for se tiver uma fofoca boa, e daí que eu não conheço quem tá no meio? Comida e fofoca sim, qualquer outra coisa, não, entendeu?
— Entendi.
— Ótimo! É só isso, não sou muito exigente, viu?
— Aham, onde é pra deixar essas sacolas?
— No seu guarda-roupa. — sorriu de forma descarada e fiquei em silêncio, o encarando. — Não se preocupe, peguei roupas bem grandes, devem te servir, e os sapatos, pedi todos do seu número. O que foi?
— Um jantar não vale isso tudo. — comecei e ele arqueou as sobrancelhas uma, duas, três vezes, até ficar irritante e bufei, me levantando pra ir limpar a lâmpada que caiu na entrada e fazer logo o jantar só pra não ter que continuar lidando com ele.
Peguei as sacolas de compras e segui pra cozinha, voltando pra limpar a sala com uma pá e uma vassoura.
Comprei coisas pra fazer o jantar e pra fazer o almoço amanhã e nem acredito que até arroz tive de comprar pois nesse lugar não tem nada.
Não gosto de tempero pronto, então além de comprar um monte de temperos, comprei alho e sal pra fazer o tempero do jeito que eu gosto.
Então depois de fazer o tempero, deixar o alho refogar, lavar o arroz, colocar o feijão pra cozinhar e começar temperar o bife com meu tempero caseiro pra deixar marinando um pouquinho, separei algumas batatas pra cozinhar e fazer purê. Até leite e manteiga precisei comprar, além de um refrigerante porque só tem cerveja nessa casa.
Henrique estava sentado na mesa da copa, usando um notebook e vez ou outra podia sentir ele me encarando e não importa o quanto eu pense, minha comida não vale aquele monte de roupas e sapatos. Ele está sendo muito generoso. Muito generoso mesmo.
Se tem uma coisa que eu aprendi nesses anos todos, é que bondade demais até um santo desconfia, sempre tem alguma coisa em troca...
O encarei com desconfiança, mas ele já estava me encarando e quando nossos olhos se encontraram, ele entrou em pânico, olhando pra todo canto e voltando a encarar a tela do computador.
Hmm... que suspeito...
Apesar de demorar um pouco pro jantar sair, quando servi a mesa da copa mesmo, Henrique já estava sentado ali segurando garfo e faca e esperando a comida com tanta expectativa que me vi num episódio daqueles programas de jurados que humilham a comida do participante por ter sido servida num prato quadrado e não em um redondo.
Esperei ele provar a primeira garfada, vendo ele arregalar os olhos surpreso, antes de soltar um suspiro/gemido e se remexer numa dancinha esquisita e erguia o polegar, acenando feliz.
— Eu achei que ia morrer de fome antes de você finalmente me alimentar! É muito bom, ainda bem que te atropelei na delegacia! — e voltou a encher a boca, as bochechas inchando até parecer um hamster.
Não sentia muita fome, minha cabeça está doendo desde o fim da tarde e vai piorando com o tempo, por isso durmo cedo antes que fique insuportável. E já passou da hora que costumo dormir, já é quase dez da noite. Por isso jantei rápido e comecei a organizar a cozinha pra quando Henrique terminar de comer.
Nem estou com paciência pra falar das roupas e dos sapatos, levei tudo pro quarto que vou usar por enquanto, amanhã vejo o que ele comprou exatamente. Busquei o conjunto reserva de roupas na mochila pra tomar banho quando vi Henrique se aproximando pelo corredor.
— Eu ia te chamar pra beber. Tenho muitas cervejas. — sorriu, começando a invadir meu espaço e recuei, ele parando e me olhando confuso por um instante antes de voltar a sorrir. — Vamos beber, Carlos.
— Qual parte do "eu não bebo" está difícil de entender?
— É só uma cervejinha.
— Nem se fosse em miniatura, eu não bebo Charles.
— Mas é só uma...
— Espera, vou procurar alguma coisa pra eu desenhar. — já ia voltar pro quarto quando ele riu, me segurando.
— É brincadeira, eu já entendi! Quanto estresse... — tá, eu tô sendo bem grosso enquanto ele está só sendo legal o dia todo. Ou a maior parte do dia e foi um dia bem horroroso desde de manhã.
— Me desculpa. — suspirei, vendo ele sorrir, aqueles dentinhos de coelho surgindo enquanto acenava. — Não devia ser grosseiro assim. Eu tenho enxaqueca se eu não durmo cedo, foi mal.
— Está com enxaqueca? - seu sorriso sumiu quando seus olhos se arregalaram um pouco e acenei, soltando um bocejo. — É muito forte? — sacudi a cabeça, ajeitando a toalha no ombro.
— Se já terminou de jantar, deixa a louça na pia, vou lavar depois que sair do banho...
— Eu já lavei. Acho que tenho remédio pra enxaqueca, pode tomar antes de deitar. — e se enfiou no quarto dele, mandando esperar e me apoiei contra a parede do corredor, vendo ele sumir dentro do quarto, voltando segundos depois com uma cartela de comprimidos pela metade. — Se não melhorar, é melhor ir ao médico.
Acenei, pegando a cartela e segui pro banheiro no final do corredor.
Apesar da enxaqueca e do meu nariz ter sangrado um pouco durante o banho, saí do banheiro renovado, finalmente me sentindo completamente limpo depois de fazer a droga da barba, como se fosse gente outra vez e segui pra cozinha pra ter certeza do que Henrique falou.
Já estava terminando de organizar o que ele bagunçou quando ele entrou na cozinha falando alguma coisa e berrou, me fazendo saltar de susto e olhar ao redor alarmado.
— Q-quem é...?! — já ia apontando pra mim exaltado e franzi o cenho.
— Qual é, só fiz a barba. — falei e ele arregalou os olhos, cobrindo a boca e se encolhendo contra a parede. — Não estava tão ruim assim, para de exagero. — resmunguei, pegando os panos de pratos que usei pra cozinhar e entrei na área de serviço, onde os joguei num cesto menor. Quando voltei, Henrique parecia distraído olhado pro chão, mordiscando o lábio inferior. — Vai mesmo ficar aí?
— Quase me mata de susto e diz isso como se não fosse nada? — me encarou, mas desviou o olhar logo em seguida, cerrando os lábios e seguiu pra fora da cozinha. — Parece outra pessoa sem a barba, sabia? — me encarou de novo do meio da sala e apaguei a luz da cozinha.
— Deveria deixar a barba então? — e me encarou de volta, os olhos no meu queixo enquanto cerrava os lábios e por fim sacudiu a cabeça antes de sussurrar alguma coisa. — Quê?
— Eu disse que não, fica melhor sem. Se bem que se fizer um cavanhaque... — seu tom foi diminuindo e franzi o cenho.
Uma vez tentei fazer um bigodinho fininho e o Sr. Demônio me chamou de maconheiro vagabundo. Nem risco na sobrancelha ele deixa e quase tem um piripaque só de eu mencionar algo como tatuagem ou piercing.
— Vou pensar nisso. — e ele acenou, espremendo os lábios outra vez, me encarando como se nunca tivesse me visto.
Como não disse mais nada, segui pro corredor, sentindo as veias das têmporas até pulsando de tanta dor.
Amanhã vou acordar bem cedo, fazer uma faxina nesse apartamento empoeirado, lavar tudo o que tiver que lavar, até as janelas cheias de marcas, está um horror aquilo ali.
Depois de tomar o remédio, me ajeitei na cama pra dormir e independentemente do quão horrível, desastroso e apocalíptico fosse meu dia, como sempre, não me custou nenhum pouco ser levado por Morfeu pra terra dos sonhos.
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