04 | Dois Caras Numa Moto
Henri
10/01/2018
Quarta-Feira, 18:02
— Ótimo, agora você enlouqueceu de vez. — Fael cruzou os braços quando estacionei o carro no meio fio.
— Não enlouqueci não, Fael. Eu estou falando sério. — insisti, abaixando os óculos e espiando por uma fresta na janela. Nenhum sinal do maluco, ótimo.
Abri a porta, mas antes de sair do carro, ele segurou meu braço.
— Henri, é sério. Vamos pra casa, isso é loucura.
— Que loucura o quê, não dá pra ficar tranquilo com...
— Dá sim, botar seu pijaminha em casa, beber uma cerveja, comer pizza e assistir alguma série na Netflix!
— Fael, me escuta: eu tenho certeza de que é ele!
— Não, não tem. Só está maluco. Qual é, não tem a menor chance daquele cara ser aquele seu... "pompom raivoso" que você dizia. — bufei, afastando sua mão e descendo do carro.
Eu não sou maluco.
É só pra desencargo de consciência, eu preciso só ter certeza...
— Nem devem te receber agora, existem protocolos a se seguir, não... — Fael veio me seguindo e o ignorei caminhando até o portão, diferente de como era quando deixei o lugar, agora era um portão completamente fechado e não de grades. — Isso não vai dar certo.
— Relaxa, eu sei o que eu faço! — garanti, tocando a campainha.
— Eles não vão só abrir os braços pra você e te receber como se fosse alguém voltando pra casa, porra Henri! — se inclinou pra falar mais baixo. — Isso aqui é um orfanato, não uma igreja!
— Eu já disse, relaxa! — bufei, quando o portão se abriu e uma mulher na casa dos sessenta anos surgiu usando um uniforme branco e azul. Ela tinha uma expressão desconfiada, uma das mãos nas costas enquanto nos media de cima a baixo e ofereci meu melhor sorriso. — Oi, Didi! Eu sou... — vi seus olhos se arregalarem um pouco enquanto me analisava.
— Henri?! — exclamou com uma expressão de espanto e surpresa na face antes de um sorriso enorme surgir nos lábios, me puxando pra um abraço apertado.
É, parece que vou ser recebido de braços abertos sim.
Cadu
15/01/2018
Segunda-Feira, 15:28
Suspirei, deixando o prédio onde passei por outra entrevista invasiva.
Não é permitido questionar frequência de cios, quando mencionei que era proibido perante a lei questionarem isso, deram por encerrado a entrevista e disseram que me contatariam. Claro que vão contatar, no dia de São Nunca quem sabe.
Bufei, parando no ponto de ônibus. Hoje é o último dia para receber o acerto. Fui demitido sem justa causa e nem tirei férias ano passado, trabalhei quase três anos no escritório...
Enquanto pensava no futuro fim da minha miséria financeira, senti meu sangue gelar ao ver uma moto virar a rua.
É um talento natural do pobre.
Tem outras cinco pessoas no ponto comigo e todos tivemos a mesma reação: apertar a bolsa/mochila, nos entreolhar e até vi um se afastando do ponto quando o cara da moto começou a diminuir a velocidade, inclinando na nossa direção e por deus, não.
— Perdeu, não reage! Não reage! — é a porra de um assaltante.
Pobre drogado e vagabundo que gosta de atrasar o lado de outro pobre é a forma mais pura da filha da putagem. Enquanto pegava carteira, bolsa e celular de todo mundo, ele ficava apontando a merda de uma arma como se estivéssemos lutando pra não entregar nossos pertences e bufei, tirando o celular da mochila.
— Não, amigo, quero a mochila, passa essa porra!
— Cara, tem roupa aqui. Quer mesmo levar minhas cuecas? — questionei. Não tenho dinheiro pra comprar outra roupa. — Tenho o celular.
— Passa logo a porra da... — sacudia aquela arma e abri o zíper da mochila, puxando minhas roupas.
— Tem roupas mesmo. Duas blusas, cueca e outra calça. E bala de menta. — sacudi as roupas na frente dele, meu tablet bem escondido no fundo da mochila. Isso aí eu saio no soco, mas não dou não. É o único presente do Sr. Novaes que não virou pó. — Meu apartamento pegou fogo, perdi o emprego e fui preso no meu aniversário, vai mesmo levar as cuecas de um mendigo? Já está levando meu celular, a única coisa que poderia usar pra continuar buscando emprego, vai atrasar lado de outro, eu hein! — ele não respondeu. Me encarou por alguns instantes, antes de fazer careta.
— Carai hein menó, vai se benzer... — jogou o celular de volta na minha mochila aberta. Não acredito que comovi um ladrão com meu desabafo indignado. — Isso é falta de Deus. Tudo posso naquele que me fortalece. — e acelerou.
Eu mereço...
Bufei, fechando minha mochila de volta, enfiando a mão no bolso da calça. Tirei as moedas e comecei a contar. Falta cinco centavos pra fechar a passagem, mas acho que posso pedir pro motorista relevar dessa vez. Quando cair meu acerto, vou poder sacar algum dinheiro pra pagar as passagens.
— Garoto... — ouvi um cara me chamando e me virei pra encará-lo. É um dos que foi assaltado também. Como não tem bolsa, perdeu só o celular. Ele me estendia uma nota de cinco.
— Não posso aceitar isso. — neguei, mas ele apenas colocou a nota na minha mão junto das moedas.
— Não precisa ter vergonha. Você é jovem. As coisas vão melhorar. — Bom... Já recusei uma vez e ele insistiu em me dar o dinheiro, eu que não vou recusar mais. Acenei, mesmo envergonhado.
— Obrigado. — falei e ele sorriu.
Eu não teria aceitado se soubesse que isso desencadearia uma cadeia de doações dos outros que também foram assaltados, eles me dando alguns centavos ou o que podiam antes do meu ônibus enfim chegar, mas suspirei aliviado quando ninguém mais subiu comigo.
Seria estranho ficar no mesmo ônibus com o pessoal que me tratou feito um mendigo pedinte pobre coitado.
* * * (=^・ェ・^=) * * *
Segunda-Feira, 16:22
Escapei de um assalto pra ser assaltado de novo, que delícia.
O cara que se sentou do meu lado no ônibus, anunciou o assalto antes de descer, mas pelo menos não quis levar minha mochila, deixou minhas cuecas em paz. Sem meu celular, o Sr. Demônio provavelmente vai entrar em curto-circuito por não conseguir me dar um esporro a cada dois dias.
Desci do ônibus considerando a rota mais rápida para a delegacia na qual fui preso antes, felizmente, é perto do hotel xexelento que estou me hospedando nesses dias.
Um miado que mais parecia um grasnado de corvo me fez parar, olhando para trás. Havia um gato preto estava sentado bem no meio da calçada, olhando na minha direção.
Senti calafrios ao lembrar do gato preto que me atacou nessa mesma calçada, naquela madrugada que a dona bruxa surgiu do além, me praguejou e voltou pro além feito assombração.
Me lembrei de tudo o que a dona bruxa disse e reparei que tudo estava estranhamente silencioso. Olhei ao redor, não vi ninguém pelas ruas e até os carros e ônibus que passavam na avenida desapareceram. Ergui o olhar pro céu, que antes era cinza e agora, estava vermelho e considerei que talvez eu esteja dormindo dentro do ônibus e agora estou tendo um sonho lúcido.
— Outra vez vagando por aqui, pirralho... — saltei de susto ao ouvir aquela bruxa desgraçada bem atrás de mim e a encarei, sentindo o coração quase explodindo no peito. — Gosta de ir onde não deve, hein?
— Eu... estou sonhando?
— Parece um sonho?
— Parece. — acenei e ela franziu o cenho, olhando ao redor, antes de bufar e sacudir a cabeça. — Vai... soltar umas frases de efeito e desaparecer misteriosamente outra vez, dona?
— Não. Vou desaparecer visivelmente bem na sua frente depois de falar exatamente o que um burro que nem você tem que fazer.
— Eu agradeço a consideração. — acenei satisfeito e ela revirou os olhos enquanto erguia o dedo ossudo na direção da delegacia.
— Vai ali, seu burro.
— Me parou aqui pra me mandar ir exatamente pra onde eu estava indo antes? — ela ficou em silêncio, me encarando com aborrecimento.
Que bruxa grosseira! Não, mais importante que isso, desde o meu aniversário tudo ficou pior, se essa bruxa estiver falando a verdade, eu preciso encontrar alguém que pode dissipar essa maldição.
— Eu tentei te avisar. — ela disse de repente. — Você só me chamou de bruxa, salafrária e outras ofensas... — deu de ombros, semicerrando os olhos. Esses olhos brilhantes são bizarros. — E continua me ofendendo... — essa bruxa lê mentes? — Sim, eu "leio". — não acredito. — Não acredita em mim? Não importa. É simples: encontre seu oposto, uma alma pura e boa.
— Está dizendo que eu sou depravado e mal? — a velha ficou em silêncio, sem me responder e franzi o cenho, começando a duvidar do meu caráter.
Eu sou?
— O outro problema, terá de aprender a lidar com isso se não quiser morrer... — ela ainda não me respondeu e comecei a duvidar do meu próprio caráter. — E não volte aqui se não sabe sair sozinho, moleque.
— Aqui? Quer dizer, o sonho?
— Isso não é um sonho. — bufou, o gato preto subindo em seu ombro enquanto o branco sumia debaixo da saia do seu vestido. Coitado do bicho. Se a boca fede assim... — Eu ainda "leio" seus pensamentos. - desviei o olhar com a sensação esquisita de que estava fazendo algo errado enquanto ela bufava, cruzando os braços. — Leve esse pervertido de volta, Monstro. — ordenou olhando pra algo atrás de mim e observei com espanto seu corpo se desfazer em uma fumaça negra e afundar no chão, se fundindo com a sombra da parede e desaparecendo.
Dei a volta, considerando que estou ficando doido mesmo e paralisei ao ver um bicho gigante com pelagem branca bem atrás de mim.
Eu diria que é um gato, mas gatos não tem dois metros e meio de altura e nem quatro rabos. Além disso, ao invés de um par de olhos, ele tem três, cada um com uma orbe de cor diferente, me encarando de cima, a cabeça enorme bem na altura dos meus olhos. Isso sim é assustador. O bicho ergueu a pata, tocando no meu peito e me empurrou.
Cambaleei pra trás, tropeçando em algo e me apoiei contra uma grade pra não cair enquanto via o gato desaparecer, se desfazendo como fumaça. Um instante depois, o silêncio se desfez e tudo estava tão alto que cobri os ouvidos, atordoado, olhando ao redor. Havia pessoas indo e vindo pelas calçadas, carros e ônibus seguiam fazendo barulho na avenida e me senti tonto com a repentina quebra da calmaria que estava antes.
Respirei fundo, ainda apoiado contra a grade e encarei o céu, era cinzento, graças a deus.
Fiquei apoiado contra a grade, esperando meus joelhos pararem de tremer e resolvi focar no que interessa.
Eu nem escolhi como vou aproveitar minha aposentadoria, não posso só morrer assim.
Apressei o passo até a delegacia, mas mesmo depois de prestar queixa do assalto, esperando que essa velha não tenha me mandado pra cá à toa, nada aconteceu, nem vi ninguém que pareça tropeçar com boas notícias a cada quarteirão.
Até enrolei um pouco depois de abrir o boletim de ocorrência, mas depois disso, não tive escolhas senão deixar a delegacia, frustrado de novo, considerando que talvez, eu seja louco sim, por ter dado corda pra loucura da velha.
Parei de pensar sentindo meu estômago roncar, quase um grito de socorro. Faz dois dias que não como nada além de biscoitos entre correria e outra, preciso comer alguma coisa de verdade. Tipo uma coxinha. Preciso disso. De noite encomendo uma marmita e... Ah, eu não tenho mais celular.
De noite vou em algum lugar pra comer algo melhor.
Parei em uma lanchonete do outro lado da rua da delegacia, a moça me atendeu com um sorriso travado na cara, provavelmente por ter me visto tropeçando na calçada e quase caindo quando atravessei a rua. Até tentei comer, mas não tinha muito apetite, então paguei pelo que comprei e levei numa sacola.
Saí da loja, começando a atravessar a rua para ir até o motel horroroso que tô me hospedando, relembrando o que aquela dona bruxa disse.
Não tive sorte nenhuma indo na delegacia, na verdade o sistema caiu enquanto registravam o boletim de ocorrência e perdi mais tempo lá. Mesmo assim, não consigo de maneira nenhuma ignorar seus avisos sinistros. Eu vou morrer se não dissipar a suposta maldição que tenho, e pra dissipar ela, preciso encontrar alguém sortudo ou algo assim.
Como se fosse fácil... Talvez deva publicar um anúncio no jornal? Existe quem leia jornal físico hoje em dia? Além do Seu Antenor, é claro, toda vez que tinha folga, tinha de correr na banca pra comprar o jornalzinho dele ou ele não me deixava tocar nas broas que a dona Neusa fazia.
E o que publicaria? "Busco alguém sortudo para relação não física e sentimental, apenas quero sua sorte. Ofereço uma coxinha com catupiry como pagamento"? Acho que eu iria por esse tipo de anúncio se oferecessem uma empadinha de frango com azeitona.
Enquanto esperava o tráfego diminuir para conseguir atravessar a rua, observei por um instante a delegacia.
— Um pouco de sorte a minha bunda... — resmunguei, desviando o olhar para ambos os lados da rua.
Comecei a atravessar rápido quando não tinha nenhum sinal de carro à vista, mal cheguei do outro lado da rua e tropecei ao ver quem diabos saía da delegacia, uma loira alta com cabelo curtos o seguia, falando um monte.
É o tal Fonseca, burguês safado filho da puta.
Henri
Segunda-Feira, 17:42
No instante em que saí da delegacia, lá estava Letícia usando um terninho feminino e saltos, as mãos enfiadas no bolso.
Senti o nó no meu estômago se desfazer, o alívio por vê-la ali e não o papai quase me fazendo cair enquanto me apressava até ela, ansiando um abraço e uns tapinhas nas costas como consolo por ficar dezessete horas numa cela maldita. Estou me sentindo podre, só quero banho e cama agora.
Ainda bem que ela quem atendeu o telefonema, se fosse papai, já estaria rumo á casa dele agora mesmo, sem direito á contestação.
— Eu não acredito que exatas duas semanas depois de ir morar sozinho, conseguiu ser preso outra vez. — fiz careta, já recebendo um peteleco na testa. — Eu não vou confortar você dessa vez, Henri. Sorte a sua que papai saiu em uma viagem a trabalho e mamãe está ocupada com aquele projeto beneficente que a associação do bairro está organizando!
— Mas não foi minha culpa, Leti! Eu só...
— Não interessa, Henri! Como quer que confiem em você quando sai fazendo burrada cada vez que pisa fora de casa?! — exclamou e fiz bico, olhando pros meus sapatos. — Já é um adulto, deveria pesar as consequências das suas ações e não ser tão impulsivo.
Só saí pra me divertir um pouquinho e tentar descansar, não bebi uma gota de álcool, ainda nem era meia-noite, era show sertanejo ao vivo, nada demais ou obsceno! E eu estava feliz da vida com minha porção de batatas com bacon e minha coquinha, Daniel surgiu me xingando de puta, querendo me arrastar pra fora, xingou o Fael e a Manu que tentaram me defender e aí eu parti pra briga, ué!
Infelizmente a polícia já tinha sido acionada pelo barraco que ele fazia e o que viram foi eu agredindo aquele babaca!
Enquanto ouvia o sermão, tentei conter a vontade de chorar e engolir o bolo que subia pela garganta, até meus olhos ardiam com lágrimas irritantes quando senti que era observado. Ergui a cabeça, olhando ao redor até que o vi.
A razão da minha insônia, na mesma calçada que eu e alguns metros á frente, me olhando friamente. Podia sentir a irritação em seu olhar, aqueles olhos cinzentos que parecem ver minha alma e julga todos os pecados que já cometi.
Da primeira vez que o vi, na porta do meu apartamento, não consigo parar de pensar nisso. Tentei encontrar ele de várias formas, nunca pensei que seria tão difícil achar esse cara.
Ele me bloqueou no zap, não respondeu os e-mails e posso ter enviado muito mais do que devia, mas a culpa é dele por não responder nenhum!
Então fui até o endereço do currículo, encontrando só um lote onde um prédio foi recentemente demolido, pesquisei um pouco e descobri que pegou fogo ano passado.
Eu sei, posso ter parecido um pouco maluco psicótico obsessivo, mas quem não seria ao reencontrar um filho perdido por treze anos?
Seu olhar persistiu em mim só por um instante, antes de dar a volta sem o menor interesse, um aperto no peito só de imaginar ele sumindo de novo me fez ignorar o sermão da Leti e avançar em sua direção.
— CADU! — chamei e ele parou por um instante e olhou por cima do ombro, e pro meu desespero, disparou a correr, tão rápido que pensei que não alcançaria.
Acelerei ainda mais, meus óculos quase caindo e minha visão borrando por um momento e no instante em que ajeitei os óculos na cara, só tive tempo de ver uma parede (um peitoral gigante) bem diante do meu rosto antes de me chocar violentamente contra ele, o impulso nos fazendo cair, meu corpo aterrissando por cima do dele e por um momento, fiquei estático, surpreso com a queda até notar que ele estava imóvel.
Me ergui um pouco, encarando seu rosto e vi que estava apagado. Acho que ouvi algo bater forte contra o chão, será que bateu a cabeça? Ergui as mãos na mesma hora, erguendo um pouco sua cabeça e tocando na parte de trás, felizmente não vendo sangue algum, mas ele ainda não teve nenhuma reação.
Será que eu matei ele?
Me endireitei na mesma hora, o puxando pela gola da camisa e tentei sacudir, mas ele é muito pesado, nem se moveu.
— Cadu! Homem do céu, acorda! Isso não tem graça, não posso ter só te matado num esbarrãozinho desses... — ele realmente não tinha nenhuma reação, até a respiração parecia ter parado e no desespero, dei um tapa na cara dele. Nada. MEU DEUS! EU MATEI ELE! — CADU! ACORDA, CADU!
— Henri! Mal te tirei da delegacia e já está atacando outra pessoa?! — Leti veio ralhando quando o vi finalmente ter uma reação, piscando com força enquanto abria os olhos e piscava rápido, o olhar distante.
— O que está fazendo, desmaiando do nada! Faz parecer que eu te bati, idiota! — o sacudi de novo, aliviado por ele não ter morrido mesmo. — Anda, acorda! — o estapeei outra vez pra parar de lesar. — Eu disse...
— Qual é a tua, mano! — ele sentou de repente, me empurrando e caí sentado na calçada, meus fundilhos doendo com a queda enquanto ele me olhava ainda mais irritado. — O que é que 'cê quer? — nossa, que grosseiro! E eu aqui preocupado!
— Mas o que você está fazendo de repente, Henrique? — Leti passou por mim, estendendo a mão pra ajudar ele. — Você está bem? Se machucou? — vi como ele se levantava, parecendo tonto e ainda desnorteado e me pus de pé, encarando Leti irritado.
— Por que ajudou ele primeiro e não eu? — eu que sou seu irmão, mulher! Encarei o Cadu também. — E por que fugiu quando me viu?
— Por que correu atrás de mim quando me viu? — retorquiu na mesma hora, recuando e me olhando como se eu fosse louco, mas eu não sou.
— Porque você me ignorou quando me viu! — apontei em sua direção e ele encarou meu dedo como se quisesse quebrá-lo, o que me fez esconder as mãos nas costas.
— E por que diabos fingiria te conhecer se eu não gosto de você? — tá, é compreensível essa reação depois da entrevista, mas é impossível que ele realmente sinta isso.
Eu sou uma pessoa incrível, divertida, leal, sincera... Não tem como não gostarem de mim.
— Todo mundo gosta de mim.
— Henri... — Leti me chamou, mas a ignorei de novo.
— Escuta aqui, Carlos Eduardo, eu fiz o favor de te contratar, sabe o quão difícil é ser contratado por mim? E então apenas ignora o exame médico e não responde qualquer ligação ou e-mail, quem você acha que é?! — apoiei as mãos na cintura e vi ele me encarar por um instante, antes de soltar um riso incrédulo, baixo e suave, um som que fez uma coisa esquisita se revirar na minha barriga. Deve ser gases. — Muito bom que já está aqui, vamos agora fazer os exames e resolver a papelada da contratação, você começa amanhã. — quanto antes assinar a papelada, mais rápido terei ele preso comigo, assim não vai poder fugir de novo.
— Qual o seu problema? — arqueou ambas as sobrancelhas, que sumiram no meio da franja que cobria a testa. — Eu não vou...
— Eu não tenho problema nenhum. Não sabe o quão difícil foi te encontrar, tem uma infinidade de Carlos Eduardo's por aí. Não te achei no face, nem no Twitter, nem no insta, está vivendo numa caverna? — virei noites revirando as redes sociais, até obriguei o Fael e a Manu a me ajudarem, prometi pagar lanches nas sextas pelos próximos dois meses!
— E por que não contrata outro? Eu já disse, não quero mais a vaga. — bufou, cruzando os braços e vi como a camisa se apertava em seus braços, eita que isso. Já não basta ser do tamanho de uma porta, tem que ser marombado também? — Que é? — desviei o olhar, certo de que encarei demais e encarei seus olhos, ali estava aquela frieza de dar calafrios, minha barriga fazendo aqueles gorgolejos esquisitos de novo.
É fome, não comi nada o dia todo.
— Realmente não lembra de mim? — busquei em seus olhos algum sinal de reconhecimento, mas tudo o que encontrei foi um olhar vago, como se estivesse olhando para um estranho.
— Sim, eu lembro. Te vi quarta passada me chamando de pobre, patético, péssimo em tudo e a decepção para os meus pais que eu nem tenho. E feio. — é, óbvio que não lembra. Mudei muito nos últimos treze anos...
— Não é isso. Desde que disse algo sobre orfanato, fiquei pensando que com certeza te vi em outro lugar. Eu sou o Henrique. — apontei pra mim mesmo, tendo certeza de que isso seria suficiente pra ele me reconhecer, mas seu olhar foi ficando cada vez mais frio, pude ver a paciência se esgotando em sua expressão e comecei a me sentir desolado. Será que esqueceu? Ou... não é ele?
— Do que diabos está falando?
— E-eu ia te contratar só pra ter certeza, mas você saiu quase fugindo e ignorou todas as ligações... — ergui os óculos, talvez minha cara sardenta o lembre de alguma coisa e vi quando seu olhar mudou um pouco, menos frio, mais irritado. Tá, acho que não lembra ainda e parece pronto pra me dar um soco. — Eu também fui adotado, sabia? Então tinha um pivete no orfanato que me seguia, me chamando de capeta e eu sempre roubava a carne do prato dele. — falei rápido, tentando trazer alguma lembrança dos velhos tempos na cabeça dele.
Ele finalmente pareceu me reconhecer, os músculos de sua mandíbula se contraíram enquanto espremia os lábios, o olhar tão frio que encolhi, recuando um pouco ao sentir o ar se tornando frio.
— ... Henri? — a maneira como disse meu nome fez um arrepio correr pelo meu corpo inteiro.
Havia um pouco de surpresa misturado com irritação em sua voz, uma combinação que me deixou tenso. É, não está tão animado quando pensei que estaria.
A Autora tem algo à dizer:
Letícia Valença Fonseca
Irmã mais velha de Henri, é a única filha biológica da mãe de Henri, uma ômega comum. Leticia é uma alfa dominante e tem essência de âmbar e patchouli, sua atitude levemente agressiva com Cadu pode sim significar que o reconhece como alfa. Eles não se bicam.
Sendo a mais velha, logicamente seria herdeira dos negócios da família que tem forte influência no meio farmacêutico e científico, mas ela prefere algo mais emocionante. Para fugir dos negócios da família, até se mudou para o Rio e entrou na carreira militar, se tornando Capitã de Pelotão do BOPE. Ela já realizou diversas missões internacionais e nacionais, ganhando medalhas e honrarias dessas nações.
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