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08 de setembro de 2024.
Quando Lilian me deixa em casa, a primeira coisa que faço é correr até a gaveta. Enfio a mão lá dentro e puxo todos os sete bilhetes já desgastados pelo tempo. Penso em queima-los, mas não posso.
Porque a policial estava errada.
Ele não está morto.
Porque, apesar dele estar enterrado na terra e mesmo que eu pudesse deixar de vê-lo em todas as pessoas... ainda o veria em mim.
Guardo novamente os papéis, um pouco amassados pelo aperto forte. Em vez disso, pego o frasco de remédios.
Estou na frente do espelho quando destampo a embalagem e coloco o comprimido branco na palma da mão. Vai curar as alucinações, mas só. Não há remédio capaz de apagar verdadeiramente tudo o que há dele em mim.
Toco a cicatriz no peito com os dedos frágeis. Lembro-me do sangue que ele drenou de mim com o tiro, da existência que quase me foi arrancada. Ironicamente, a pessoa que ele mais desejava matar foi a única vítima a escapar com vida.
E, então, ergo os olhos para o meu rosto.
Para o cabelo preto tingido, para as rugas que cortam minha pele. Mudei tanto de mim, mas não o suficiente.
Crio coragem para encontrar meus próprios olhos no espelho.
O verde das íris circula um anel acastanhado ao redor da pupila, formando um padrão inconfundível, do qual minha mente seria incapaz de esquecer-se enquanto a eternidade durar.
São os meus olhos. São os olhos dele. São os olhos de meus pesadelos, uma maldição da qual jamais poderei me livrar.
Sempre que estou aqui, parada, não consigo evitar de pensar demais nos e ses.
Se eu não tivesse feito ele ser expulso de casa por roubar o meu dinheiro. Se eu não o tivesse denunciado quando matou a nossa cachorrinha. Se eu tivesse sumido do mapa quando ele se tornou um criminoso. Se eu nunca tivesse entrado para a polícia.
Se eu não tivesse feito nada disso, talvez ele jamais teria sido preso. Ou jamais teria sido solto. Ou jamais teria assassinado brutalmente oito mulheres que se pareciam demais com a última lembrança que ele tinha de mim, só porque queria que eu as encontrasse.
Suspiro pesadamente quando seu contorno aparece atrás da minha imagem no espelho. Vejo os cinco buracos de balas em seu rosto e nossos olhos se encontram, cópias de um mesmo modelo.
Não sinto medo. Agora, sei que estou apenas alucinando. Mas sinto nojo e ódio em proporções tão enormes que desejo apenas desaparecer. Às vezes, sinto que gostaria de ter morrido com ele. A agonia de ser baleada é uma piada perto do que sinto sempre que me lembro do que alguém com quem compartilho o sangue causou.
Geralmente, prefiro a loucura. É mais fácil ser taxada de problemática do que encarar a verdade.
—O jogo já terminou, minha irmãzinha. – Ele diz, sorrindo.
Terminou, de fato. Mas, então, por que sua memória ainda me atormenta tanto assim?
Posiciono o comprimido sobre a língua e engulo com a saliva.
Fico parada na frente do espelho até que sua imagem desapareça, mas ainda ouço sua voz ao pé do ouvido.
—Não precisa sentir saudades, irmã. Você me verá de novo em breve.
E, então, vou me deitar.
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