1- Geestville
Enquanto visualizava os pinheiros passando pela janela do carro, eu estava ansiosa para chegar logo em meu destino. Era um novo recomeço, uma chance de escrever uma nova história. Após o acidente que tirou a vida de minha mãe, eu fiquei totalmente sem chão e não sabia o que fazer. Não queria ficar em casa, pois tudo me lembrava ela e eu não conseguia me concentrar em meus livros.
Meu pai até insistiu para eu passar uma temporada na casa dele, mas eu definitivamente não estava pronta para encarar o Dr. Heitor e minha madrasta interesseira. Então, após algumas pesquisas descobri um pequeno vilarejo no estado do Alasca. Era perfeito para o que queria. Um tempo para pensar e colocar as ideias em ordem. Eu precisava seguir em frente, mas não fazia ideia de como.
O táxi parou, chamando minha atenção, que estava perdida em pensamentos e nem se quer notei que havia chegado em meu destino. Após pagar o taxista e pegar minha única mala, me vi parada na frente da entrada do vilarejo que mais parecia ter saído de um filme medieval.
A cidade era rodeada por uma alta muralha e tinha um portão gigantesco, a qual eu encarava boquiaberta. O grande portão estava aberto e dali eu podia visualizar as pessoas circulando por ali e as casinhas rústicas.
Ah, eu estava louca para entrar e procurar logo a minha, pois estava muito frio e eu não via a hora de se deliciar com uma xícara de chocolate quente. Sem contar que havia sido uma longa viagem de Berlim até o Alasca.
Por isso, me forcei a arrastar minha mala em meio a neve. O que foi difícil, mas logo eu já estava circulando pelas ruas de paralelepípedos de Geestville. Olhei para o papel que segurava para verificar mais uma vez onde eu deveria ir para pegar as chaves da casa que aluguei, mas me assustei com o baque de esbarrar em alguém.
ㅡ Ah, me desculpe! ㅡ Disse com o sotaque carregado. Eu era péssima falando inglês, não faço ideia no que estava pensando quando decidi ir para os Estados Unidos.
ㅡ Tudo bem, não se preocupe. ㅡ Uma voz rouca respondeu e o encarei procurando seus olhos. Era uma mania. Eu não conseguia conversar com alguém sem encarar a pessoa nos olhos.
O rapaz não me encarou como gostaria, mas mesmo assim assenti pronta para deixar aquele estranho para trás. Mas antes deu o fazer, ele colocou novamente o capuz, escondendo seus fios negros e seguiu seu caminho.
Belo jeito de recomeçar, Daphne. Pensei enquanto retomava meu caminho rumo ao café que deveria estar próximo.
Ao entrar no estabelecimento fui recebida por uma lufada de ar quente assim que abri a porta. Respirei fundo fechando a porta atrás de mim, sentindo o cheiro de café torrado que emanava do lugar.
A atendente que estava atrás do balcão sorriu largamente ao me ver e me aproximei da mesma.
ㅡ Olá, eu sou Daphne Weber. Aluguei uma casa e disseram que deveria pegar as chaves aqui.
ㅡ Oh sim, claro. ㅡ Disse a moça já procurando algo embaixo do balcão. ㅡ A Sra. Kepner me avisou sobre isso. Aqui está! ㅡ Me estendeu o chaveiro e eu rapidamente peguei. ㅡ Gostaria de uma xícara de café?
Eu pensei em recusar e ir embora logo, mas uma bebida quente cairia muito bem naquele momento.
ㅡ Vocês servem Pharisaeer Kaffee*? ㅡ Perguntei para a atendente.
ㅡ Claro! ㅡ A moça sempre estava com um entusiasmo que não parecia ser dela, o que me fez pensar em como ela conseguia ser tão radiante daquele jeito.
ㅡ Me vê um então. Já estou aqui mesmo, não é? ㅡ Sorri fraco.
ㅡ Pode deixar. Sente-se, fique a vontade.
Assenti e fui me sentar em uma das mesas mais próximas. Enquanto esperava minha bebida, comecei a pesquisar em blogs sobre o vilarejo em que estava para tentar decidir o que faria a seguir.
Geestville não tinha muitos turistas, o que dificultou a minha busca, e os que falavam sobre o lugar diziam que tinham medo, pois parecia uma cidade fantasma. Por que eu não coloquei sentido nisso na época?
Em um dos blogs que visualizava, encontrei algo que prendeu minha atenção, então rapidamente abri o link. Havia até me esquecido que aquele era o Dia das Bruxas, e que os americanos gostavam de comemorar essa data.
Festival de halloween reúne culinária do mundo todo em um só lugar
Geestville, um pequeno vilarejo no Alasca presenteia a todos com um festival anual de halloween. Com direitos a fantasias e comidas temáticas!
O festival reúne comidas típicas do mundo todo e as “tematizam” para a data. Você não pode perder a chance de provar comidas do mundo inteiro!
O evento começa às 19:30 e as barracas são desmontadas em torno de umas 23:00. Então não se preocupe em chegar atrasado!
Para mais informações, consulte o site oficial da prefeitura e confira essa e outras atrações dessa vilazinha que encanta a todos os visitantes!
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Interrompi minha leitura quando notei a garçonete colocando uma xícara fumegante a minha frente.
ㅡ Obrigada. ㅡ disse. ㅡ Com licença, eu sou nova por aqui e fiquei sabendo sobre um festival de halloween. Sabe me dizer onde acontecerá?
Minha declaração fez o rosto da morena se iluminar e ela rapidamente assentiu.
ㅡ Claro. Na praça do centro. Não é difícil chegar lá, é só seguir as placas.
Apenas assenti e agradeci com um sorriso pela informação. A garçonete se afastou e eu me permiti pensar em algum novo projeto e por alguma razão, eu sentia que encontraria a inspiração que precisava naquele festival. Mal sabia eu que realmente iria encontrar a minha inspiração e conseguiria escrever o meu livro mais vendido de todos, mas isso me custaria toda a minha sanidade.
Assim que terminei meu café e eu segui o endereço anexado no papel que segurava, pois precisava me instalar antes de explorar aquele pequeno lugarzinho.
Sabe, pensando agora, eu realmente deveria estar já um pouco insana. No que eu estava pensando quando fui explorar aquele cubículo? Por que eu tinha que ir justo naquele lugar, naquele dia?
Talvez algumas coisas aconteçam exatamente como devem acontecer.
Ao chegar na casinha, não me surpreendi ao encontrar uma idêntica a todas as outras. Todas rústicas, pequenas e com números nas portas.
Abri a porta com o número quatro colada nela e adentrei o cômodo. A casinha era toda aconchegante e eu senti uma vontade imensa de ficar ali para sempre.
Talvez um dia eu ainda volte lá.
A sala era dividida com uma cozinha americana e os móveis eram todos em madeira rústica. A casa cheirava a limpeza e a fragrância de lavanda. A minha frente havia uma porta a qual deduzi ser o quarto, por isso me dirigi até ela.
Abri a porta e os móveis do quarto eram tão rústicos quanto tudo na casa e dei um sorriso involuntário ao notar um vaso de camélias brancas em cima da cômoda. Minhas preferidas.
Depois de arrumar tudo e tomar um banho, decidi finalmente andar pela cidade e quem sabe, encontrar algo para ir ao festival, pois não havia levado roupa para uma ocasião dessa.
Tranquei tudo e segui novamente pelas ruas de paralelepípedos de Geestville. Era impressionante aquele lugar. Parecia que realmente tinha saído de um filme ou um seriado. Não se via carros nas ruas, somente pessoas caminhando ou andando de bicicletas. Era fascinante.
Passei por uma loja de bugigangas e decidi entrar. Eu sempre gostei dessas coisas, mas também pensava em encontrar algo para alguma fantasia de hoje.
Quando abri a porta o sino tocou, chamando a atenção de uma idosa que estava arrumando algumas prateleiras.
ㅡ Oh, seja bem vinda! ㅡ Ela me encarou com aqueles olhos cinzas bondosos e me lançou um sorriso de orelha a orelha. ㅡ No que posso ajudar? Procura algo?
Fiquei um pouco sem graça então apenas sorri. ㅡ Na verdade, eu estou procurando algo que possa usar hoje a noite. Eu queria me fantasiar, mas não tenho criatividade.
ㅡ Qual seu nome, querida? ㅡ Ela perguntou de uma forma carinhosa.
ㅡ Daphne. Daphne Weber.
A senhora até então desconhecida, sorriu como se se lembrasse de algo. ㅡ Eu tenho algo perfeito para você.
E seguiu para os fundos, me deixando sozinha com as prateleiras. Andei pelo lugar, explorando os objetos e meus olhos se prenderam em um colar com uma pedra de um alaranjado impressionante.
ㅡ Essa é uma peça brasileira, o topázio imperial veio direto da cidade de Minas Gerais. Tem a cor dos olhos de Elijah. ㅡ A voz da senhora me assustou e me virei para ela com uma expressão confusa.
ㅡ Quem é Elijah?
A senhora me olhou de uma maneira enigmática e soltou um riso curto e baixinho.
ㅡ Fazia muito tempo que não via turistas em Geestville. ㅡ Ela disse. ㅡ Só quem nunca veio aqui para não saber sobre a lenda dos olhos de Elijah.
Ela colocou uma coroa de ramos em cima da bancada. Eu nem havia notado que ela segurava aquilo.
Ela vasculhou com os olhos uma estande de livros que estava próxima e tirou de lá um exemplar diferente de tudo que já tinha visto. Era grande e com a capa de couro. Havia somente o título em meio a alguns arabescos e meu me surpreendi ao notar que estava escrito em alemão.
Lendas.
Apenas isso. Uma única palavra. Franzi as sombrancelhas. Aquilo era bizarro.
A senhora abriu o livro e parecia procurar alguma página. Suas sombrancelhas estavam franzidas enquanto passava os olhos pelas linhas.
ㅡ Eu não sou muito fluente em alemão, então nunca sei direito onde está a página falando sobre a lenda. ㅡ Eu estava prestes a falar que eu era alemã, mas ela pareceu encontrar o que procurava. ㅡ Ah! Aqui está.
Ela me entregou o livro e fiquei fascinada pelo peso e pela caligrafia impecável que estava imposta. Um livro escrito a mão. Fascinante.
ㅡ Eu não sei se entende, mas... ㅡ Ela tentou dizer, mas eu a interrompi.
ㅡ Não se preocupe, sou fluente. ㅡ Ela sorriu e assentiu. Voltei meus olhos para as linhas e eu não me lembro bem de tudo que estava escrito, apenas onde falava sobre Elijah.
“Reza a lenda que o espírito do jovem Elijah ainda paira sobre a terra, e que todas as noites de halloween vaga pela cidade a procura de uma alma jovem para levar consigo. Ele apenas deseja fazer os outros sofrerem do mesmo modo que sofreu, e por isso com um único olhar te teletransporta para algo bem pior que a morte; seu maior pesadelo.”
Um arrepio me subiu a espinha ao ler aquele trecho. Eu nunca tive medo de mitos, pelo contrário, sempre gostei muito de ler esse tipo de coisa, mas aquilo me assustou de uma maneira inexplicável.
Talvez um presságio?
ㅡ É uma lenda muito temida em Geestville. A maioria das pessoas acreditam que é real. ㅡ Estendi o livro para ela guardar de volta e eu estava realmente interessada naquele assunto. ㅡ Eu mesmo acredito. ㅡ E então aqueles olhos bondosos se tornaram sombrios e amargurados. Eu nunca vou me esquecer aquele olhar, pois eu o vejo no espelho todos os dias. É isso que Elijah faz com as pessoas, tira o brilho delas.
ㅡ O que é isso? ㅡ Apontei para o ramo que ela trouxe. Eu queria mudar de assunto, aquilo estava me deixando um pouco transtornada.
E então os olhos da senhora vendedora voltaram a ter aquele brilho bondoso e ela rapidamente pegou o ramo.
ㅡ É uma coroa de louros. Existe um mito grego sobre Dafne e Apolo, onde Apolo estava apaixonado pela jovem Dafne em decorrência da fecha de Cupido. O mesmo lançou uma flecha na moça, fazendo ela o rejeitar e fugir sempre do deus mais belo de todos. Dafne cansada de fugir de Apolo, pediu para seu pai transformá-la em uma planta. Quando isso aconteceu, Apolo ficou arrasado e disse que sempre carregaria consigo um ramo de louro para sempre se lembrar de sua amada.
Ela me estendeu aquela coroa de louros e eu a peguei sentindo o cheiro agradável da erva.
ㅡ Eu já tinha ouvido falar mesmo. É uma história um tanto icônica, como a maioria dos mitos. ㅡ Ri e a senhora me acompanhou. ㅡ Mas obrigada, eu tive uma ideia para minha fantasia. ㅡ Lhe disse sorrindo.
ㅡ De nada, minha filha. Volte sempre.
ㅡ E quanto é? ㅡ Perguntei apontando a coroa em minhas mãos.
ㅡ Só cinco dólares.
Assenti e revirei minha bolsa em busca da minha carteira, mas meus olhos se prenderam novamente naquele colar. Era simplesmente lindo. A corrente prateada e o pingente alaranjado me chamava como se fosse um imã.
ㅡ Quanto é o colar? ㅡ Perguntei sem desviar os olhos da jóia.
Quando a encarei novamente percebi que a expressão da senhora, passou de séria, para preocupada.
ㅡ Gostou mesmo do colar?
Olhei novamente para a jóia com seu pingente chamativo antes de responder.
ㅡ É lindo.
A senhora foi até a pequena vitrine e tirou a peça de lá, me estendendo.
ㅡ É seu. ㅡ Ela disse um pouco nervosa, e eu estranhei na hora. Ela deve ter visto isso estampado na minha cara, já que tentou se justificar. ㅡ Eu não gosto dele. Me lembra coisas a qual quero esquecer.
Franzi as sombrancelhas e encarei a peça em suas mãos. Era simplesmente lindo, e eu não disfarçava o quanto estava fascinada.
ㅡ Vamos, pegue. É seu.
ㅡ Mas eu não posso aceitar.
A senhora pareceu realmente muito incomodada com o fato de eu não aceitar o presente.
ㅡ Ora, pegue. Não seja modesta.
ㅡ Desculpe, só não entendo. Parece ter algum tipo de valor e a senhora quer me dar ele?
A grisalha respirou fundo.
ㅡ A muitos anos atrás, Elijah tirou de mim o meu bem mais precioso. Meu único filho. E eu não suporto mais olhar para isso e me lembrar sempre disso. Eu nunca vi alguém gostar dessa peça antes, então por favor, aceite.
Me rendi e decidi aceitar. Me compadeci daquela mãe, mas uma perguntinha assolava em minha cabeça.
ㅡ Acha mesmo que ele quem levou seu filho? ㅡ Perguntei pegando a jóia.
ㅡ Eu tenho certeza. Eu sinto. Coisa de mãe, entenderá quando tiver o seu.
Ah, eu entendi muito bem, minha senhora. Eu só fui entender o que ela quis dizer cinco anos depois. Ah, se eu pudesse voltar no tempo. Jamais teria aceitado aquele presente, muito menos ido naquele festival maldido.
Jamais.
Após pagar a senhora vendedora, fui novamente para casa, dessa vez pegando um caminho diferente. Passei pelo centro onde aconteceria o festival e pude ver toda a estrutura sendo montada. Havia muitas pessoas circulando por ali, aparentemente atarefadas. No centro do vilarejo havia uma fonte que tinha uma plaquinha escrito “fonte dos desejos”. Ri baixinho vendo aquilo. Parecia que eu estava em uma história dos filmes da Disney.
Continuei meu caminho e não demorou muito para mim chegar em casa. Decidi que tinha sim a roupa apropriada e não quis comprar outra. Fui direto pegar o meu notebook. Eu estava com a droga daquele mito na cabeça e minha curiosidade queria muito saber quem era esse tal de Elijah e por que as pessoas o temiam tanto. Com base em que as pessoas passaram a acreditar em uma simples lenda?
Peguei o notebook, abri o navegador e busquei sobre os olhos de Elijah. Apareceu tanta coisa que eu realmente fiquei assustada. Havia relatos de pessoas que juravam que foram “levadas” por ele e outras que falavam ter visto ele abusando de uma mulher. Todas essas pessoas tiveram o mesmo destino: internadas em hospitais psiquiátricos.
Li um artigo que falava sobre uma mulher que afirmava que seu filho tinha sido levado por Elijah. Rapidamente me lembrei da senhora vendedora e senti meu peito apertar.
Eu passei horas lendo artigos sobre isso que nem me dei conta quando anoiteceu. Era hora de me arrumar para o festival.
Me levantei e fui tomar um banho. Após sair do banheiro, fui passar o meu vestido. Ele era simples, mas lindo. Branco, justo e na altura dos joelhos.
Eu queria ser uma deusa grega, porém de uma forma única, como se eu fosse uma deusa. Vesti meu vestido e fiz uma maquiagem simples. Calcei sandálias com tiras trançadas até quase o joelho. Eu definitivamente estava me sentindo uma deusa do Olimpo.
Peguei a coroa de louros e quando ia colocar na cabeça, vi o vaso com as camélias e tive uma idéia. Peguei as flores e trancei nos ramos de louros e gostei muito do resultado. Quando olhei no espelho, sorri orgulhosa e pensei em escrever um livro sobre mitologia grega. Nunca tinha me aventurado por esse universo fantástico, e talvez fosse uma boa idéia.
Chequei tudo novamente, e percebi que estava tudo ok. Eu quem estava sendo paranóica. Tranquei tudo e saí rumo ao centro com uma sensação se ansiedade. Eu estava sentindo que algo iria acontecer, mas naquele momento esperava que fosse algo bom.
Ah, como eu era ingênua.
Eu não estava indo para um simples festival. Estava indo para meu pior pesadelo, minha condenação, minha ruína.
Eu estava cantarolando pelas ruas de Geestville com um humor invejável. Mal sabia eu o que estava por vir. Mal sabia eu que jamais teria um humor daquele.
Pharisaeer Kaffee*: é um café alemão feito com duas doses de rum, duas e quatro doses de café torrado com açúcar e chantilly no topo
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