Lua Nova I
Feitiço
Marina estava consultando Perla pela Internet a respeito de algumas dúvidas sobre o livro de magia que estava lendo. Priscila se aproximou e pediu que a prima a perguntasse se existisse algo capaz de conquistar um homem.
– É para o Gustavo? Ele não me parece tão difícil! – respondeu Marina. Mas, ao ver a cara de indigestão da prima, resolveu perguntar. Perla respondeu:
Isso não o conquista definitivamente, somente abre os sentidos dele para que se envolva com a mulher. Ele ficará à sua mercê, mas você deverá tratar de saber ser interessante, prender o olhar, a audição, o tato e o paladar dele sobre você.
Feitiço: Prepare uma água perfumada de rosas; em uma jarra de dois litros, coloque água pura de mina e pétalas de cerca de oito rosas vermelhas. Deixe na geladeira da primeira a última noite da lua crescente. Na primeira noite de lua cheia, lave os cabelos com leite de cabra, penteando-os durante todo o tempo. Após desembaraçar os fios, enxágue os cabelos e o corpo com a água de rosas. Nessa noite, você deverá encontrá-lo em lugar sossegado para que não haja interferência. Quando perceber que é o momento ideal, faça-o cheirar essência de baunilha. Isso desencadeará o feitiço.
Elas leram e ficaram alguns segundos sem dizer nada. Priscila ia dizer que isso era balela, mas sabia que a prima ficaria furiosa. O mais difícil seria fazê-lo encontrar com ela sozinho e exatamente na primeira noite de lua cheia. Priscila observou o movimento da prima. Marina pegou o calendário e verificou que a próxima lua era a crescente, daria tempo para iniciar o processo da água de rosas. Pensou e lembrou-se de que o primo fazia trilha de bicicleta todo fim de semana. Na certa, abastecia o cantil com água de mina.
– Vamos ter que pedir, eu acho que até que pagar, ao seu irmão para trazer água de mina para nós quando for fazer trilha. As rosas são fáceis de comprar. O leite de cabra você deverá procurar em alguma padaria – decidiu Marina.
– Isso não vai dar certo, Marina. Como eu vou fazê-lo sair comigo e exatamente nessa data?!
– Se tiver com medo, não vai funcionar, o principal do feitiço é o seu domínio da situação.
Domínio. Priscila pensava que, se conseguisse fazê-lo sair com ela, não precisaria mais do feitiço. Depois, pensou: já teve uma oportunidade antes. Ele a levou em casa depois da primeira vez que saíram juntos com seus amigos, mas não conseguiu nenhum beijo, nenhum sinal de que o conquistaria, só gentileza. "Se tivesse preparado o feitiço naquela noite, teria dado certo".
Olhos da Deusa
Acordar cedo no primeiro dia de aula sempre fora fácil para Rebeca, ela gostava do começo de qualquer coisa. A avó sempre dizia que a lua nova era tempo de recomeçar, do novo, de lançar sementes para realizar seus desejos. "Feliz coincidência começar o ano letivo com a lua nova" – pensou. Vestiu o uniforme e colocou os brincos que a avó lhe dera, estavam especialmente magnéticos naquela manhã.
Caio não estava animado. Sonhos confusos o consumiam toda noite. Rebeca percebeu a tensão do irmão enquanto caminhavam para o colégio. Ela pegou em sua mão e perguntou o que estava acontecendo.
– Acho que a Carol age de maneira estranha às vezes. Aliás, quase sempre... Ela é pouco carinhosa... É muito dispersa. É isso, nunca me dá realmente atenção. Está sempre prestando atenção no que acontece em volta, nunca em nós. Quer falar com outra pessoa, jogar algo, fumar – Caio parou o passo e olhou para a irmã. – Eu gostaria que ela se parecesse com você. Essa conversa que estamos tendo agora, por exemplo, ela jamais me escutaria assim. É tempo demais para ela suportar. Logo mudaria o assunto apontando algum carro que passou ou para conversar com outras pessoas.
– Ela é assim. Dificilmente vai mudar. Mas será que você também não precisa parar de se prender aos defeitos e curtir o que gosta nela?
– Talvez nós não combinemos e ponto... – Caio abaixou a cabeça e segurou as alças da mochila que carregava nas costas. Rebeca também desconfiava disso, mas não queria falar. A única coisa que ainda podia fazer era escutar e tentar confortar.
Carol e Priscila conversavam na porta do colégio com agitação. Mal cumprimentavam as pessoas que conheciam. Quando os irmãos se aproximaram, Carol deu um beijo feroz, mas rápido em Caio e o fez abraçá-la pelas costas. Ele pareceu desanimado, pois já começara a ouvir aquele velho papo de garotas. Então, Priscila viu os brincos de Rebeca.
– Onde você conseguiu estes brincos?
– Minha avó me deu.
– Aquela sacerdotisa de quem estava lhe falando, Carol, estava usando um par igual a este. Ela disse que são Os Olhos da Deusa – Priscila fez uma pausa, aproximando-se de Rebeca para ver melhor os brincos. − Os da Perla são verdadeiros, estes devem ser falsos.
Todos ficaram incomodados com o desprezo de Priscila. Carol olhou Rebeca e apertou os lábios como quem demonstra sua decepção. Priscila percebeu o erro que cometeu.
– Desculpe, Rebeca, não quis ofender. Eu só disse que não são Olhos da Deusa, a não ser que sua avó seja bruxa – disse, encarando atentamente Rebeca.
− Do quê você está falando, Priscila?
− Desculpe, mas é segredo. Bem, posso te contar algumas coisas depois. Mas... Você teria alguma desconfiança de que sua avó tenha conhecimentos sobre bruxaria?
− Na verdade, ela é bem diferentona – disse Carol.
− Nada a ver, Carol! – disse Caio.
Naquele momento, o pensamento de Rebeca desviou-se para quando sua avó lhe deu os brincos como presentes de aniversário de 15 anos. Ela a chamou até um quarto vazio da casa e lhe entregou a joia dizendo: Minha querida, este presente pode não parecer tão interessante para você agora, pois ainda é uma menina. Não faça essa expressão, só digo isso porque já tive a sua idade e também porque sei que os jovens de hoje só dão valor ao que há de moderno. Abra a caixa. Veja: é uma joia antiga de prata, e estas duas pedras são mistérios. Eu ganhei de minha tia Clarice, a irmã mais jovem de minha mãe... Escute: é importante que você não a perca, um dia saberá seu valor. Jamais a empreste a alguém. Um dia, terá vontade de usá-la.
Rebeca lembrou-se de ter olhado longamente a joia. Ao contrário do que sua avó disse, ela se encantou com o presente de imediato. Era como ganhar um tesouro que passou por gerações na família.
– Rebeca! Estou falando com você! Não está me ouvindo!
– O que foi, Pri? – irritou-se Rebeca.
– Sua avó não disse como conseguiu esses brincos?
Rebeca fez um silêncio calmo, depois encarou Priscila e lhe respondeu com firmeza que sua avó teria os comprado há muitos anos. Priscila quis insistir na conversa, entretanto foi interrompida pela chegada de Miguel e Marcos.
– Vocês sempre andam em bando, não é? – Rebeca brincou com os rapazes para se desvencilhar de Priscila.
– Nós somos uma banda, esqueceu? Aliás, vamos marcar um ensaio amanhã, Caio, lá em casa, ok? – falou Marcos.
– Eu estou precisando mesmo de um novo estímulo – resmungou Caio.
Marcos acenou para uma garota que subia o morro em direção ao portão do colégio.
– É minha prima, Lavínia, que veio para a cidade estudar. Está morando com a minha avó.
Caio ficou olhando para a moça que ainda não estava nítida na sua visão devido à sua miopia. À medida que ela se aproximava, começou a notar seu andar delicado, seu cabelo castanho brilhando com o sol e seu sorriso discreto marcado por um batom rosado. Marcos a abraçou pelos ombros e a apresentou para os amigos.
– Minha prima Lavínia.
– Então, você é a prima de quem o Gustavo falou ontem? Prazer em conhecê-la – emendou rapidamente Priscila, como se fosse imprescindível tornar-se amiga da prima de Gustavo.
– Bem-vinda – completaram Rebeca e Carol.
Então, Rebeca viu Thaís se desviar de todos e atravessar sozinha os grandes portões de ferro negro do colégio. Correu atrás dela e a abraçou.
– Não nos viu ali fora? — Abriu um sorriso na esperança de descontrair Thaís — Uma prima de Marcos vai estudar conosco este ano.
Thaís parou num canto da rampa principal, olhou brevemente para a amiga tentando manter as lágrimas que pretendiam escorrer ainda intactas.
– Prefiro não me aproximar muito ainda, não vou ser boa companhia e posso deixar todo mundo constrangido com a minha tristeza.
Rebeca tomou fôlego, tinha medo de despertar ainda mais o sofrimento de Thaís. Mas não podia fingir que nada aconteceu.
– Você tem toda razão de estar triste, é muito recente ainda – Rebeca segurou as mãos de Thaís. − Escuta aqui: nós somos seus amigos, não se isole de nós. Você pode contar comigo em qualquer momento, alegre ou triste. Certo?
Thaís respondeu com um sorriso. Igor, que entrou no colégio pelo portão lateral, observou as duas conversando no alto da rampa que levava ao pátio superior do colégio. Ele ficou alguns segundos olhando para Thaís, tinha certeza que gostaria de estar mais próximo dela agora, mas não sabia como. As duas foram descendo a rampa devagar. No instante em que se cruzavam com Igor, o sino soou.
– Bem, acho que está na hora de sabermos qual será a nossa turma. Tomara que continue a mesma – falou Igor.
– Acho meio difícil, eles sempre fazem algumas trocas. Vamos ver! – completou Rebeca.
– Se eu estiver na sala de vocês, já é o suficiente para mim – respondeu Thaís.
Igor recebeu com esperança aquela fala de Thaís, mas provavelmente significaria apenas amizade. Os outros desceram a rampa em seguida. Caio prestava mais atenção em Lavínia do que em Carol, quase sem perceber o que estava fazendo. A prima de Marcos tinha um ar sério e um olhar arredio. Ela observava cada um do grupo, como se desconfiasse deles. Seus olhos se encontraram brevemente com os dele, ela esboçou um sorriso e ampliou o olhar para o imenso colégio antigo.
As chamadas das turmas eram feitas no pátio inferior. Enquanto eles desciam as escadarias, as turmas do último ano subiam. Um rapaz fixou o olhar em Rebeca e puxou levemente um de seus cachos para atrair sua atenção.
– Esse ano, você superou as expectativas, está ainda mais linda!
Rebeca se assustou, ele nunca tinha se comportado daquela maneira. No ano anterior, apenas fazia questão de cumprimentá-la e paquerá-la, mas aquilo era intimidador. Priscila assistiu à cena, então desceu com pressa as escadas a fim de se juntar a eles. Ela queria colocar lenha na fogueira para tirar qualquer possibilidade de que Rebeca atrapalhasse seu caminho até Gustavo.
– Está arrasando, Rebeca! Se eu fosse você, não perdia tempo, Rafael é bem gostosinho. É até o cara mais famosinho do colégio.
– Ele é um babaquinha — respondeu Rebeca.
–Se eu bem me lembro, você se divertia bastante por saber que ele estava interessado em você.
– Divertido sim, mas isso não faz dele interessante. Se você acha que vale a pena, invista você.
– Esses caras, quando chegam ao último ano, se sentem os donos do colégio, acham que têm direito a todas as garotas – desabafou Igor.
– Você tem razão. Esse aí, então, é o pior deles – completou Thaís.
– Vocês são muito bobinhos, a Rebeca deveria é tirar proveito da situação. Curtir a oportunidade de ficar popular.
Rebeca suspirou e virou os olhos para cima, então Priscila levantou os ombros e se afastou do trio.
– Priscila cismou comigo, está cada vez pior — comentou com Thaís e Igor.
A Irmã Superiora pediu silêncio ao microfone para anunciar a lista de nomes para cada turma e interrompeu as conversas.
Intervalo
O sino soou para informar o término da primeira aula de cinquenta minutos. Carol foi até o corredor junto com Rebeca, enquanto Thaís e Igor conversavam com outros colegas dentro da sala. Carol olhou para a porta de madeira escura do outro lado do corredor esperando que se abrisse. Rebeca se perguntava se Carol queria ver Caio ou os colegas da antiga turma.
– Que saco ser trocada de turma! Bem, parece que eles vão ter duas aulas corridas de matemática agora.
– É o que parece – completou Rebeca. Decidiu aproveitar a oportunidade para perguntar: – Carol, a Priscila pareceu tão estranha comigo, está acontecendo alguma coisa?
Carol ficou em silêncio. Aquele era um assunto delicado. Afinal, era amiga das duas e não queria interferir na história. Mas em seguida, resolveu falar, não era afeita a meias palavras.
– Está rolando alguma coisa com você em relação ao Gustavo? Desculpe, eu não quis me meter, mas já que tocou no assunto.
– Como assim? A Priscila desconfia que eu esteja afim dele?
– Se você não quiser me falar nada, ok. Mas deu para notar em alguns momentos, rolou tipo uma paquera...
– Então, ela está desconfiada dele ou de mim?
– Na verdade, ela acha que ele pode estar ficando interessado em você. Mas, em minha opinião, é fantasia dela, não tem nada a ver. Mas ela pirou com a brincadeira dele de te beijar no churrasco. Daí ela ficou cismada que você estaria provocando essa sedução.
Rebeca refletiu, nunca fora a grande amiga de Priscila. Entretanto, aquilo tudo poderia não ser tão correto, pois foi ela quem se interessou por ele primeiro. "Será que não estou agindo com lealdade? Será que as cartas do tarô me alertaram para isso?"
Carol não pretendia tomar partido, até porque tinha seus próprios problemas amorosos para resolver. Mas sabia que Priscila, mais do que interessada em Gustavo, não gostava de perder.
– Priscila não reage bem quando desconfia das pessoas. Ela é sincera demais, não disfarça. E está apostando todas as fichas no Gustavo. Não vai desistir.
− Ela acha que homem é igual boi em pasto: só marcar a ferro que pertence a ela.
− Pelo jeito, ela não se enganou com a desconfiança – disse Carol.
Rebeca se retraiu, estava falando demais, nem sabia se aquilo era tão sério, poderia passar a qualquer momento. E Gustavo poderia querer ficar com Priscila e ponto.
− Eu não sei no que isso vai dar... Mas, se você também estiver gostando dele, eu não vou contar para ela nem vou fazer torcida para uma ou outra — completou Carol.
− Eu sei. Obrigada. Eu só queria que fosse mais simples e que eu não tivesse que lidar com essas picuinhas dela.
− Verdade, você tem razão. Aliás, picuinha é o que não nos falta utilmente. Eu estou meio cansada da forma que o Caio me critica, me vigia. Eu não estou entendendo, ele me conheceu e se apaixonou por mim do jeito que eu sou, daí agora vai ficar querendo me podar? Isso já está ficando cansativo, na verdade, isso é péssimo. Eu gosto muito dele... Só que uma hora posso não suportar.
Rebeca não soube o que responder, pois o descompasso entre os dois estava claro. Carol parecia também não estar querendo resposta alguma, apenas colocar para fora o que a machucava.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro