Lua Nova
A Estrela Cadente
Uma estrela cadente vermelho-púrpura atravessou o céu em grande velocidade. Em seu rastro, brilharam quatro estrelas. "Esse é o sinal, minha Grande Deusa, o presságio que eu aguardo há tantos anos. Ainda assim, meu coração aperta, Rebeca e Caio são tão jovens, e eu, talvez, já esteja ficando velha".
Estela sabia que esse momento chegaria, aguardou por isso desde que foi iniciada sacerdotisa e guardiã dos Olhos da Deusa. O que lhe doía era saber que sua neta Rebeca deveria começar a trilhar caminhos mais árduos e ocultos do que ela trilhou.
Mas Estela não podia fraquejar, tinha uma missão:guiar seus netos no penoso destino de atender ao desejo da Deusa. A lenda estava despertando, com força e poderes crescentes, mas Estela não sabia calcular a velocidade do tempo que teria para prepará-los. Sabia apenas que teria de estar atenta a cada sinal que a Deusa lhe enviasse.
Mas o presságio não fora tão simples quanto o esperado. Estela esperava que apenas tivesse que iniciar seus netos nas artes mágicas e revelar seus destinos. No entanto, aquele rastro marcado com quatro estrelas no céu, significava mais.
"Os seus mistérios são fonte de infinita sabedoria,minha Grande Mãe. Estarei sempre atenta às suas revelações. Minha intuiçãosopra sua voz ao meu ouvido, eu sempre te ouvi. Espero ter forças paracompreender e cumprir sem questionar o que deseja de mim. Rebeca e Caio são meustesouros que ofereço ao seu desejo para cumprir a lenda há tantos séculosesperada. Não posso vê-los mais como apenas dois jovens... Ela é sacerdotisa e guardiãe ele, um oniromante."
A lua crescente
O Início
Rebeca avistou sua avó de pé numa canoa no meio do lago. Assim, de longe, parecia mais jovem, cabelos longos e prateados, firmeza nas pernas equilibradas sobre a canoa, braços abertos riscando um arco invisível no céu.
Estela teve certeza de que não se enganara com o presságio. Avistara a neta na beira do lago alinhada perfeitamente com o sol, que se punha no horizonte, e a lua, riscada em seu fino traço crescente. O sol deixava aos poucos de governar sua jovem vida, enquanto a lua e os mistérios da Deusa lhe tomavam o lugar.
A luz do sol atravessou seu corpo e Rebeca sentiu sua energia irradiar. A lua brilhou sob a cabeça de sua avó. As pedras dos brincos que Rebeca usava brilharam tanto, que ela mesma pôde perceber. Mas era tudo tão misteriosamente incompreensível que Rebeca nem conseguiu se mover.
Quando Estela chegou à beira do lago e pegou nas mãos da neta, Rebeca tinha uma infinidade de perguntas: "Que pedras são essas escondidas num brinco que emitem uma luz tão intensa? O que é essa energia circulando dentro de mim?". Mas ela não teve tempo nem de começar, Estela colocou sua mão sob seu coração disparado:
− A passagem para a vida adulta é uma jornada espinhosa. Para você, minha querida, o destino reservou mais. A Grande Deusa através da lua e da natureza favorece seu amadurecimento, é sua aliada. Você sabe usar as energias de cada um deles ao seu favor, faz isso desde muito pequenina comigo. Lembre-se disso. Essas pedras são seus amuletos, deve usá-los e também protegê-los.
Rebeca precisava entender aquela fala que parecia mais um jogo de enigmas. Mas Estela sinalizou um 'não' com a cabeça. Ela escorregou as mãos sobre seus cabelos e sorriu.
− Cada lição tem sua hora e você já avançou muito sem perceber. Há muitas respostas dentro de você, use a sua intuição. Essa é a lição a qual precisa se dedicar agora. As outras respostas virão em breve.
*
Quando Rebeca deitou-se naquela noite, seu corpo pulsava diferente. Desde que voltara, naquela tarde, do sítio da avó, tentava reordenar tudo o que poderia servir de luz sobre aquele mistério. Folheava seu antigo e fiel diário. Ela começou a ler trechos que escrevera há anos e dos quais nem se lembrava mais:
"Vovó me levou até uma clareira na floresta. Deixamos os sapatos debaixo de uma árvore. Ela pediu que eu me sentasse. Eu já conseguia perceber sozinha quando a regra do silêncio deveria ser usada. Eu não perguntei, mesmo que quisesse saber exatamente o que ela pretendia ali. Ela traçou um círculo em torno de nós com seu punhal, que chama de Athame. Sentou-se à frente de mim. Pediu que eu fechasse os olhos. Cantarolou algo que eu não conseguia compreender. Depois, pediu que eu escutasse com muita atenção todos os sons à nossa volta, separasse um som do outro, tentasse decifrar de onde veio. Apreender sua beleza, as notas, as mudanças no tom, a distância que estavam de nós."
Rebeca sorriu. Pulou algumas páginas de seu diário e encontrou o relato sobre quando despertou, pela primeira vez, sua curiosidade sobre quem seria aquela tal: Grande Deusa. A entidade feminina de quem sua mãe não gostava, mas de quem sua avó tanto falava.
"Ela é a senhora do amor. Ela sabe sobre todos os mistérios e tem o dom da magia – disse Estela e, em seguida, apontou para lua cheia no céu – cada fase da lua é uma face da Deusa.
Naquela noite, mamãe enfureceu – na verdade, sua amargura sempre fora constante. Não queria que aprendêssemos sobre as crenças da vovó que, até então, para mim, não passavam de uma fantasia. Mas todos os fins de semanas, férias, feriados eu estava lá, vivendo e aprendendo cada vez mais sobre magia."
De repente, os pensamentos de Rebeca foram interrompidos, o celular apitou uma mensagem de Priscila, uma amiga da escola:
"Oi Beca, estou viajando amanhã cedo para a casa dos meus tios, não consegui convencer meus pais em adiar a viagem. Enfim, não vou à festa do Igor. Mas lá na capital sempre tem algo muito melhor a fazer, sabe bem de quem eu estou falando. Estou planejando uma despedida bombástica para o André. Além do mais, lá é civilização, bebê!
Detalhe importante: soube que o irmão mais velho do Marcos vai à festa amanhã. Avise sua querida amiga, a sedutora Thaís, que ele já está na minha lista. Em breve, aquele gato vai comer na minha mão! Te vejo na segunda! Bjs."
— Sedutora é você! Fala que vai sair com o André e coloca todos os caras na sua lista! – Rebeca respondeu em áudio a Priscila.
Largou o celular na cama. Olhou para uma das fotos no mural: ela, Thaís e Igor, amigos inseparáveis. Igor olhava para Thaís na foto, um olhar carregado de arrebatamento. Era inegável que a beleza de Thaís arrancasse olhares desejosos dos rapazes logo de cara. Os cabelos com longas ondas douradas e os olhos esverdeados estreitos e puxados. O rosto alongado, o nariz afilado e o queixo pequeno. Tudo harmoniosamente delicado.
A sinceridade impulsiva de Priscila era sua velha conhecida. Rebeca sorriu porque ela era divertida, não era uma amiga tão próxima quanto Thaís, mas era companhia para festas e momentos de descontração. Ainda não conhecia o tal irmão de Marcos. Sabia apenas que ele era uns dois anos mais velho. Parece que tinha acabado de terminar um relacionamento longo. Estava em busca de novas companhias, por isso, saiu com a galera.
Rebeca voltou a se concentrar nas enigmáticas revelações da avó. Ela pegou os brincos com as pedras misteriosas que sua avó lhe deu, e chamou de amuletos. Então, debruçou-se à janela e viu que lá no céu brilhava a lua crescente. Tantas dores pesavam sobre seus ombros: a depressão da mãe, a ausência do pai, o sofrimento do irmãoe a tristeza de Thaís diante da morte iminente da mãe. Desejava um pouco de frescor para aliviar. Como a pele queimada que anseia pela brisa.
− Então, Senhora do amor, você e meus amuletos poderiam me proporcionar, além dessa passagem mais misteriosa para a vida adulta, alguém que me ame e que eu possa amar? — pediu divertindo-se.
**
Thaís esperou a irmã dormir para pegar seu diário escondido em cima do armário. A todo instante, precisava bolar um novo esconderijo, pois desconfiava que sua irmã o levava para sua mãe ler.
Elas já a vigiavam todo o tempo, até seus pensamentos queriam controlar. "Essa é uma idade perigosa", dizia sua mãe. Thaís sabia que sua irmã só fazia isso para desviar o olhar de sua mãe para a outra, um olhar castrador. A doença da mãe já estava no centro de tudo. Ela acreditava que lhe restava pouco tempo, por isso queria prender as filhas no mais puro cristal.
Mas a garota só queria poder desabafar em paz. Nunca foi boa com as palavras, sempre fugiu de confidências. Nem à sua melhor amiga, Rebeca, era capaz de falar muito. Rebeca respeitava o seu silêncio, desviava para assuntos mais leves ou só falava de si, sem esperar que Thaís fizesse o mesmo. O que Thaís gostava mesmo era da solidão e de mergulhar em seus livros, em estórias que não podia viver. Naquele momento, ou melhor, naqueles dias, desejava mesmo era estar fora dali, ser livre para criar suas próprias fantasias e talvez vivê-las.
A cirurgia da mãe estava marcada para dali a poucos dias, e todos já sabiam que essa era a última tentativa para salvar sua vida. Por isso, o ar estava mais denso, os olhares mais pesados, os ombros doloridos e as vozes amargas. Thaís viu a estrela cadente riscar o céu. O desejo saltou à consciência sem censura.
"Eu só quero fechar os olhos e viver outra vida, ser livre. Me perdoe, mãe, mas todos aqui estão cada vez mais sem vida. Isso é horrível, mas estou adoecendo com você. Eu sei que só quer o meu bem, mas dói. Eu tenho sonhos, será tão errado sonhar?Há algo que pulsa dentro de mim, estranho a todo o resto que é só obediência. Já me dói a dor de sua falta, quem vai me despertar dessa rebeldia quando você se for? Você diz para eu mirar no seu exemplo, ser uma mulher digna... Isso me assusta, uma vida assim tão empobrecida e solitária... Mas quem serei eu sem você para me guiar?"
A noite quente esfriou por uma brisa que não deveria estar ali. Tão antagônicos quanto o desejo e a culpa que lutavam dentro do peito de Thaís. Mas o pedido estava feito e a lenda misteriosa acabava de despertar.
O silêncio da casa foi quebrado pelo barulho na fechadura da porta. Seu pai estava de volta. Thaís suspirou. Poderia ser a oportunidade de sair um pouco de casa, sem sentir tanto pesar no coração. Provavelmente o pai passaria uns dias sem pegar estrada e Thaís poderia sair e viver como seus amigos.
***
Caio estava deitado no banco de trás de um carro, sabia disso porque via o banco da frente e sentia a textura do couro sob seu rosto. Não conseguia se mover. Não havia cordas ou outra coisa que o impedisse, era seu corpo que estava paralisado, só os olhos se moviam.
Então, uma mulher virou-se para trás. Só era possível ver seus lábios pintados com batom vermelho, todo o resto era sombra. Um perfume adocicado foi misturando-se ao odor do cigarro que ela baforou. O perfume e a fumaça invadiram seu pulmão tomando o lugar do oxigênio. Caio sufocou. Por mais que tentasse, não conseguia respirar. A visão turvou-se até ficar um breu completo, então despertou.
− Foi um sonho, foi um sonho... – repetia, enquanto buscava ar. Aos poucos o cheiro dos lençóis recém-lavados de sua cama sobressaía.
Aquele sonho, repetido tantas vezes, ficava cada vez mais real. Por vezes, questionava se era um sonho ou uma memória que pulsava. Aquilo lhe dava mais angústia. Levantou-se e foi ao banheiro lavar o rosto na tentativa de expulsar aquela sensação ruim, mas viu a porta do quarto dos pais entreaberta. A mãe sozinha na cama, encolhida como um feto. Aquele sofrimento torturante que ecoou em seus pensamentos:
"Se eu pudesse fazer meu pai entender a dor que nos causa esse abandono. A tristeza que domina essa casa há tanto tempo. As últimas lembranças felizes ao seu lado foram há tantos anos, eu ainda tão pequeno, colado nele. Íamos a tantos lugares juntos, por onde quer que ele fosse. Agora, só resta a frieza e a ausência. E a dor latente de ver minha mãe chorar a cada noite que ele desaparece sem dar notícias."
Demorou, mas caiu em um sono profundo e sem perturbações. Toda vez que tinha um sonho tão forte e real, caía em completa exaustão. Por vezes, nem se lembrava dele depois.
****
Miguel atravessou um portal fechado por uma cortina de cetim roxa, que ficava no fundo de um boteco 'copo-sujo'. Ele se lembrou da primeira vez em que esteve lá. "A fumaça densa dos cigarros me lembrou de um filme de gângster. O que logo passou porque era apenas um bando de viciados". Sempre escolhia a mesa que estivesse abrindo aquele instante, não estava ali para observar, mas para ganhar. Luis, seu padrasto, deu tapinhas nas suas costas quando saíram de lá pela primeira vez:
− Eu sabia que não me decepcionaria. Você tem um talento raro para o pôquer.
Na verdade, era um talento estranho. Parecia poder ler as expressões dos rostos e disfarçar seus sentimentos. Luis percebera isso desde cedo e soube estimular, ou melhor, aliciar. Miguel cresceu aprendendo a estratégia e o blefe que o favorecia.
− Eu te ensinei tudo o que sei sobre o pôquer, mas você foi além.
− Isso é fácil, Luis! – respondeu Miguel, retribuindo os tapinhas nas costas. – Já escutei você sendo chamado de viciado.
Aquela noite não seria diferente. Sairia de lá levando alguma grana e com um sorriso no canto dos lábios. "Nós vamos ganhar muito mais, em breve." Pensou Luis, sem se importar com os riscos e com os danos que sabia que Miguel sofreria.
À medida que estimulava seu talento, sua habilidade fortaleceria em poder e perigo. Miguel via aquela habilidade apenas como um dom, uma percepção aguçada. Mas Luís sabia que ela estava apenas começando a se desenvolver.
Em um canto do salão, um sujeito observava Miguel com atenção e, ao final, acenou afirmativamente para seu padrasto.
O ano letivo começaria em alguns dias. E a inquietação já invadira a vida desses amigos. As faces da Deusa regiam seus destinos através das fases da lua. A cada mudança de lua haveria mudanças drásticas em suas vidas. Logo a inquietação daria lugar a duelos por poder, entre desejo e medo, pela verdade. A lenda estava despertando e ninguém sabia ao certo qual o real desejo da Grande Deusa.
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Olá leitores queridos!
Ás vezes, as maiores batalhas são dentro de nós. Essa história, em parte, é inspirada na minha adolescência, em outra parte, nos meus devaneios daquela época.
A magia traz mais intensidade e mistério à história.
Deixe seu voto!
Me conte o que você já deduziu desses mistérios!
Torne essa escritora mais feliz e desejosa de escrever! <3
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