Lua cheia
Tarde de sol
Priscila reparava em Marina que manuseava suas pedras e cristais das mais variadas cores e formas. Sentia uma excitação estranha ao pensar em contar às amigas que foi convidada a participar de uma Irmandade misteriosa, entretanto, ao mesmo tempo sentia temorosa e intimidada quando se lembrava das cenas que vivenciou lá.
— Ao invés de ficar me observando, deveria me perguntar sobre essas pedras... — sugeriu Marina — Cada uma delas possui energias que nos auxilia e nos fortalece nas mais diferentes questões da vida.
— Como assim? — perguntou Priscila franzindo a testa e abanando a cabeça de forma ligeiramente ríspida.
Marina respirou fundo. Lembrou-se da grã-sacerdotisa lhe dizendo que Priscila deveria ser tratada como uma missão.
— Veja essa pedra! O nome dela é Agatha Fumê e poderia ser muito útil a você. Vá com ela nesse churrasco hoje — completou Marina colocando a pedra como um pingente de cordão.
Priscila observou aquela pedra e a julgou sem graça com sua coloração acinzentada e opaca. Entregou de volta a Marina fazendo uma careta de descontentamento.
— Por que você quer que eu use a mais feia! Eu te falei que o Gustavo vai estar no churrasco, quero impressioná-lo!
— Porque essa pedra te protege contra seus medos — Marina deu bastante ênfase a ultima palavras e aumentou o tom de voz para terminar a frase: — e estabiliza os seus sentimentos.
Priscila deu as costas para Marina como uma criança insatisfeita, pegou seu robe e entrou no banheiro. Antes de bater a porta resmungou:
— Eu não sou medrosa e nem desequilibrada.
***
Gustavo arrumava a mochila enquanto tentava pensar num jeito de perguntar ao irmão sobre Rebeca. Precisava saber se poderia se aproximar dela sem magoar o irmão. Não era uma pergunta fácil de ser feita. O mau humor dele parecia ter aumentado nos últimos meses.
− Fala, cara — resmungou Marcos.
− É sobre a Rebeca...
Miguel entrou de repente no quarto. Eles nem ao menos escutaram a campainha tocar e alguém deixa-lo entrar. Marcos apenas encarou o irmão com ar enigmático, o que fez com que Gustavo não levasse adiante a pergunta.
***
Thaís tremia silenciosamente por dentro. Não por causa de seu aniversário inoportuno, mas pela mudez da mãe. Ela olhava atentamente a filha mais nova, mais bela, mais obediente que poderia desejar. Sabia que ela estava completando dezesseis anos e tinha resguardado sua garganta por horas a fio a fim de ser capaz de falar com ela agora. Mas, antes, queria olhá-la, certificar-se de que fizera tudo o que pode para mantê-la sempre protegida. Mas, em pouco tempo, ela não estaria mais ali, não poderia dizer que rumo ela deveria tomar. Ela estaria sozinha, será que seria capaz de continuar no caminho certo?
– Thaís... Escute... – sua voz era rouca e falha − Eu fiz tudo para que fosse uma moça ajuizada... Nunca se esqueça de tudo o que eu lhe ensinei... Sobre discernir o certo e o errado...
– Eu sei, mamãe. Agora, é melhor não forçar tanto a voz.
– Jure! — Aquela voz tão fraca expandiu-se numa potência tão forte que fez Thaís tremer – Jure que nunca fará algo que eu reprovasse!
A garota estava com os olhos verdes vidrados nos olhos avermelhados da mãe moribunda.
– Jure! Eu estarei sempre vigiando você ao lado dos anjos do senhor. — A mulher agarrava a manga da blusa de sua filha, como se ela fosse a redenção final de qualquer de seus pecados.
Era para ser uma conversa sobre amadurecimento e disciplina, mas diante da dificuldade de falar, a mãe de Thaís, no auge de suas angústias, pressentindo a morte e o abandono da filha tão jovem, transformou aquela cena em drama e caos.
A respiração de Thaís ficou espremida, sufocada por um pedido que ela não sabia se seria capaz de cumprir. Às vezes, julgava a mãe tão contraditória em suas instruções. "Como eu poderei saber o que fazer se ela não estiver aqui para me dizer!", angustiou-se Thaís.
***
Igor marcou o churrasco prometido assim que Priscila voltou de viagem, na verdade, escolheu a data do aniversário de Thaís. Sabia que não seria fácil convencê-la a deixar a mãe por uma tarde de diversão. Mas como era uma data especial, poderia ter mais chances dela aceitar.
Rebeca também não se conformava em deixá-la para trás. Pensava que poderia ser um refresco aos dias sufocantes que ela passava. Na primeira tentativa, Thaís não atendeu ao telefone. Quase uma hora depois, quando já estava pronta para sair, tentou mais uma vez. A mãe de Thaís foi enfática ao ordenar que ela atendesse a ligação, afinal era preciso receber as felicitações dos amigos. A menina obedeceu aflita:
– Obrigada, amiga... Não, eu não posso ir... Eu estou no hospital...
– Thaís! O que a Rebeca quer?
– Nada, mamãe. Só está dizendo que o pessoal está indo para a casa do Igor.
– Você vai com eles... — A mãe se esforçou em dizer.
– Não, mãe, eu vou ficar com a senhora. Não quero ir.
– Eu sei... o que é melhor... para você... é seu aniversário...
Thaís ficou parada e muda. Raramente se opusera a uma ordem de sua mãe. Sentia o sufocamento daquele quarto e, ao mesmo tempo, o remorso por se sentir assim. Seu pai se levantou da cadeira e pegou em seu braço:
– Sua mãe tem razão. Peça bênção a ela e venha. Eu vou te levar até a casa do Igor. Também não quero que passe seu aniversário trancada aqui, não há necessidade.
***
Quando ela chegou à casa do amigo, um vento refrescante roçou seu corpo. A alegria de ver os amigos brincando na piscina, a luz do sol brilhando sob a água, o perfume das flores do jardim era tudo o que seu coração mais buscava. Mas uma nuvem escondeu o sol por alguns longos segundos e aquela tristeza e culpa por deixar a mãe atravessou seu coração.
– Amiga! Você veio! – Rebeca a abraçou e dissipou aquela sensação ruim.
Em seguida, vieram todos, quase formando uma fila para abraçar a garota. Miguel saiu da piscina apressado e a apertou sem cerimônia com o corpo molhado.
– Você está muito molhado! — reclamou Thaís sorrindo e fechando os olhos como se concentrasse naquele abraço.
"Que abraço bom..." a voz de Thaís sussurrou na cabeça de Miguel. Ele ficou atordoado sem saber se ela disse aquilo em voz alta ou se ele captou seu pensamento, ou se era imaginação dele. Ela sempre fora tão inatingível.
Então Igor interveio e a pegou pela mão.
– Vem comigo, eu te acompanho até o quarto de hospedes para vestir um biquíni.
Igor era um verdadeiro cavalheiro, estava sempre tentando agradá-la de todas as formas. Ela adorava sua companhia, sua amizade. Mas Miguel era capaz de lhe causar certo arrepio, provocar certo descompasso. Eles eram tipos tão opostos...
Ninguém tocou no assunto da doença. Na verdade, pareciam ter acertado um pacto de silêncio. E foi assim que ela se soltou. Ela estava tão leve que se deixava levar por qualquer bobagem. Talvez estivesse apenas cumprindo as ordens de seus pais.
Enquanto isso, Priscila investia na sedução a Gustavo. Ela tentava mantê-lo sob sua custódia. Rebeca observava apenas à distância. Era estranho porque queria estar perto dele, mas só conseguia estar longe. A inibição dela tomava conta cada vez que se aproximavam.
– Você está olhando muito para aquele lado. Eu perdi alguma coisa? – tentou Thaís quando teve oportunidade.
– É que... Eu acho que estou a fim do Gustavo...
– Sério? – perguntou Igor, colocando-se no meio das espreguiçadeiras ocupadas pelas duas garotas.
– Ei! Escutando conversa dos outros? Que coisa mais feia! – reclamou Rebeca.
– Ah! Quer dizer que não ia me contar? Achei que eu fosse seu melhor amigo.
– Esse posto é meu! – contrariou Thaís.
Dentro da piscina, Priscila contava a Carol e Caio sobre a casa da praia.
− Vem cá, Gustavo − chamou Priscila segurando seu braço e oferecendo seu melhor sorriso. − O carnaval na casa de praia da minha família está marcado. Já combinei com os meus pais. Eles vão organizar uma van para caber todo mundo na viagem.
− Bacana. Vou tentar adiantar o estudo para poder ir.
− É muita zoeira lá! Bloquinhos, praia, festas com bebida liberada. É para curtir geral! − disse Carol.
− Zoeira − bufou Caio, contrariado.
Priscila começou a discutir com Caio sobre "deixar Carol em paz". Gustavo sentiu mal-estar com o rumo da conversa. Discutir sobre o relacionamento dos outros não lhe agradava.
− Você não acha uma babaquice esse ciúmes e implicância do Caio, Gustavo? — inquiriu Priscila.
– Isso aí é problema deles. Eu vou ali e depois a gente se fala.
Ele saiu da piscina sob o olhar contrariado de Priscila. Observou primeiro o irmão, que conversava calorosamente com Miguel. Então, tomou impulso na direção de Rebeca.
– Eu não sou correspondida − disse Rebeca.
– Bem-vinda ao clube! – provocou Igor, encarando Thaís.
A garota se surpreendeu, pois nunca o vira tão ousado. Então, desviou seu olhar de Igor, dando de cara com Gustavo. Na mesma hora, pegou no braço da amiga, antes que ela desse a entender qual seria a motivação do assunto. Rebeca tomou um susto tão grande que se levantou da espreguiçadeira, sentando-se rapidamente em uma de suas pontas.
– Desculpe, eu estou atrapalhando? A conversa aqui parecia tão animada – falou Gustavo, surpreso com a atitude de Rebeca.
– Que isso, cara! Senta aí – falou Igor apontando para a espreguiçadeira de Rebeca.
Os dois estavam a poucos centímetros um do outro, olhando-se de esgueira.
– Nós falávamos sobre esse Igor diferente! Nunca o vimos tão... Sei lá... Descontraído? Ele está cheio de gracinhas hoje – brincou Thaís.
– Pois você também é uma gracinha! Aliás, eu trouxe uma caipirinha para cada uma. Eu mesmo fiz, garanto que é a melhor que já tomaram.
– Então é isso! Andou bebendo caipirinha? – falou Rebeca. − Está explicado!
As garotas provaram a bebida. Rebeca deu uma golada vasta e Thaís uma bicadinha tímida. As reações só poderiam ser diferentes.
– Está bom mesmo. Pode abrir um bar! – comentou Rebeca.
– Eu gostei, Igor. Mas não vou beber... É melhor...
Ninguém a questionou.
– Quer provar, Gustavo? – ofereceu Rebeca. Ele aceitou e sorriu, aprovando a bebida.
– Se gostou, pode ficar com a minha – falou Thaís.
– Eu quero. Valeu.
– Acho que você deveria passar mais protetor solar, Rebeca. Está bem vermelha – zombou Igor, apontando para a face da amiga.
– Ei! Você está irreconhecível! O que fez com o meu amigo? Devolva-o!
– Sai desse corpo que não te pertence! – disse Thaís, sacudindo-o.
Rebeca estava encabulada, o comentário de Igor só fez piorar a situação. Nesse instante, Miguel e Marcos se aproximaram do grupo.
– Não está bebendo a caipirinha que o Igor fez para você, Thaís? – perguntou Miguel, deixando um riso espremido nos lábios. – Eu ia mesmo te avisar que ele tinha colocado alguma poção mágica na sua bebida.
– A Thaís tem escudo antipoção do amor – soltou Marcos.
Gustavo, prevendo certo mal-estar devido ao comentário carrancudo do irmão, encenou:
– Que porcaria é essa, cara? Então é por isso que eu estou doido para agarrar o Igor? Que troço sinistro!
Todos gargalhavam. Gustavo se levantou e travou uma luta contra o próprio corpo que ia em direção a Igor.
– Sai fora, cara! – disse Igor. − Beije a Rebeca! Isso vai quebrar a magia da poção.
Ele não pensou duas vezes. E antes que a própria Rebeca pudesse digerir a provocação de Igor, Gustavo já estava encurvado sobre ela. Os olhares perdidos entre a boca e os olhos um do outro. Os corações pulsando pelo mesmo desejo.
– Que palhaçada é essa? – gritou Priscila enquanto saía desesperada da piscina.
− Que histeria, Priscila − disse Marcos.
Gustavo ergueu-se. Todo mundo se assustou com a reação da garota. Apenas Miguel se divertia até que Marcos também não resistiu e gargalhou. Igor resolveu desviar o assunto:
– Que tal a gente jogar um vôlei na piscina? Alguém me ajuda a buscar a rede? – Gustavo se prontificou e, por isso, não viu o olhar odioso de Priscila:
– Vamos bater o time: eu e você – determinou a garota para Rebeca.
Não que Priscila já tivesse clareza do que estava acontecendo, mas aquela cena a incomodara. Afinal, tinha dado um aviso bem claro de que Gustavo era seu. Ela propôs par ou ímpar. Priscila ganhou e começou escolhendo o óbvio para o seu time: Gustavo.
Mas algo já estava rolando entre Rebeca e Gustavo. Havia atração entre peles e olhares, por isso, bastou que eles se encontrassem na rede. Rebeca tentando controlar o olhar, e ele tentando controlar as mãos. A toda hora, tocava barriga, braços e mãos dela.
− Isso é falta, sabia? − falou ela em tom baixo e irônico.
− Quais são as regras desse jogo? — respondeu ele desmanchando o sorriso e se aproximando mais dela.
Priscila levantou a bola para Gustavo, que não prestava atenção no jogo e deixou-a cair sem cortar.
− Que droga, Gustavo! − gritou Priscila sem disfarçar a insatisfação. Foi preciso que Carol alertasse em seu ouvido para que ela não extrapolasse.
Rebeca ficou constrangida, talvez Priscila tivesse gostando muito dele. Então, não seria correto nutrir aquela paquera. Seus pensamentos questionavam seu desejo, seria correto abandonar o que sentia por causa de Priscila?
Miguel tentava se concentrar no jogo, mas observava Thaís no outro lado da rede de vôlei tão inatingível quanto sempre foi. "Eu devo estar maluco, eu não escutei o pensamento dela... Isso é impossível!", pensou decidido a esquecer essa alucinação.
Quando o sol já se punha no horizonte, deixando a paisagem avermelhada, Rebeca e Thaís conversavam no parapeito do murinho que expandia uma bela vista do horizonte, enquanto esperavam pelos outros para irem embora.
– Eu gostei do nosso dia – falou Thaís, sentindo um alívio inesperado.
– Se não fossem as maluquices de Priscila, teria sido quase perfeito.
– Bem... Ele certamente teria te beijado — provocou Thaís.
– Não. — Rebeca sacudiu a cabeça tentando não fantasiar um romance. — Ele só estava zoando.
– Ah, Rebeca! Se fosse assim, a Priscila não teria dado aquele ataque, não é?
Rebeca deu as costas para o sol, encontrando a imensa lua cheia no céu. Sem compreender porque, a imagem da avó dentro da canoa sob o lago do sítio lampejou na sua mente.O astro brilhava intensamente. Naquele instante, ela sentiu um arrepio subir pela sua espinha. Algo estranho veio a sua consciência de forma assertiva. Ainda duvidava que fosse capaz de traduzir aquilo, mas as palavras lhe saíram da boca sem pensar.
– Algo me diz que enfrentaremos acasos inesperados... Alguma coisa que não saberemos controlar.
– Ai, que fala angustiante... Eu nunca te ouvir dizer esse tipo de coisa – assustou-se Thaís, que encarava a lua sendo encoberta por uma nuvem veloz. − É um presságio?
– Será que eu sou capaz? A minha avó sempre foi intuitiva... Sempre pressentiu as coisas corretamente. Ela simplesmente olha para a lua e faz uma revelação. O que eu acabei de sentir agora não tem explicação racional.
Thaís ficou inquieta. A morte certamente era algo incontrolável. Lembrou-se de sua mãe naquele estado quase terminal e principalmente de seu pedido sombrio. No entanto, o destino podia ser ainda mais ardiloso com ela.
– Thaís... A minha avó diz que, haja o que houver, nós sempre podemos escolher. Mesmo diante da fatalidade, podemos fazer escolhas para dominar nosso destino.
– Você acredita nisso?
– Bem... Talvez eu ainda não tenha colocado isso à prova na minha vida – a lua voltou a aparecer no céu, Rebeca a encarou – será que esse momento está próximo?
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