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Chuva

Olhei para a chuva que hoje caía sobre a terra, sobre as ruas asfaltadas, deixando seus tons negros desbotados um pouco mais escuros e aparentes.

Olhei para as gotas que se espatifavam no chão, em um impiedoso e literalmente frio, massacre. Escorregando das inexistentes mãos das nuvens. Se  assim como o tempo, que sutilmente me abandona sem se virar em minha direção. Sem um adeus ou ínfima fração de remorso.

Queria correr na chuva e gritar para ninguém em especial, talvez para o ser - doce, calmo, feliz - que vive dentro do meu peito, mas ele está sepultado tão fundo em mim que provavelmente não me ouviria.

Olhei o céu, que exibia suas vestes brancas, acinzentadas, pálidas como se temerosas e assustadas. Presas aos céus mesmo quando sua essência é tão livre, tão leve.

O céu me olhou de volta, era sério e irônico, triste e sábio. Era tudo, era o que eu quisesse que fosse. Afinal, são meus olhos que os veem, é minha mente que dicerne e assimila.

Olhei para a correnteza da enxurrada. Pensei ter visto algo em suas águas turvas. Pensei ter escutado um grito em seu ressoar. Minha alma também está como ela; turva de pensamentos que nem eu compreendo. Em pensamentos que tenho medo de compreender.

Olho para minha pele, arrepiada e com os pelos eriçados por causa do vento frio que carrega a chuva com seu hálito fresco. O mesmo vento me lembra de histórias infantis sobre lobos, porcos preguiçosos e casas mal feitas.

Pobre do lobo, que apenas queria garantir seu sustento, esvaido todo o ar de seus pulmões em uma súplica muda ao mundo. Mas o mundo, como sempre, ignorou sua dor. Ignorou que seus amigos e companheiros de alcatéia precisam comer também para sobreviver, precisam caçar para que os pequeninos cresçam fortes e carreguem sua herança.

Nós comemos porcos, nós os enganamos e os criamos, os alimentamos como se realmente nos importássemos com eles. Os matamos e os comemos como se existissem para nos satisfazer. Como simples objetos.

O único animal "racional" que existe não se importa com o fato de que indiretamente depende dos seres que tanto julga inferiores para sobreviver.

Não, ele não importa, ele quebra, porque acha que o universo é seu bronquedo não tão particular. Ele mata, porque os outros, todos menos eles próprios, são descartáveis. Ele despreza, porque apenas ele precisa de atenção e de despertar a compaixão alheia quando se sente triste e derrotado.

Mas bem, por que estamos falando, por que estou falando de lobos, homens e etc, se antes falávamos de chuva? Não sei, como a própria chuva os pensamentos foram caindo e se juntando em enxurradas pelas valetas da minha mente. Quem vai entender?

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