Capítulo 4
CILO - Distrito 7
As maçãs no distrito 7 são melhores do que parecem. Por fora são escuras e amassadas, mas por dentro são suculentas e uma das melhores recordações de infância que Cilo tem é o momento em que trinca uma maçã e o fresco sumo escorre por entre os seus lábios de criança rebelde. Apesar do distrito dele não ser o da Agricultura, como o 11, nos vastos campos cobertos de árvores existem algumas macieiras, as quais Cilo e alguns dos seus amigos assaltam, como se fosse um castelo ou, por vezes, um prédio do Capitólio.
- O que fazemos?
A verdade é que agora as maçãs iriam determinar a vida dos dois tributos do distrito 7.
- Não te lembras mesmo da diferença? Cor, tamanho... Nada?
Cilo fecha uma vez mais os olhos, tentando recordar-se do treino, dias antes. Durante a semana dedicada à preparação para os Jogos, havia passado pela estação dos alimentos. Algumas maçãs eram venenosas e outras eram comestíveis.
- Estamos aqui há horas. Já é quase de noite e estou cheia de fome. Cada vez fico mais tentada a comer algo do salão.
A referência ao banquete ensanguentado no interior da mansão branca faz o estômago dele revirar.
- Vamos deixar as maçãs aqui escondidas. Se alguém as comer durante a noite e aparecer morto no chão, já sabemos qual maçã está boa e qual não está.
Já sem muitas energias, Kath concorda como aliado e voltam para dentro de casa. Com o final da tarde, os tributos aliados que tinham entrado na mansão vermelha não tinham saído. No entanto, o som do canhão soou duas vezes e sendo que eram 5 tributos e outros dois que haviam entrado antes, ou eles tinham acampado lá dentro ou saído pelas traseiras.
- Achas que há algum grupo ou alguém a ir de casa em casa à procura de tributos? O outro grupo parecia estar inclinado para isso mas pararam na segunda casa.- Kath fala devagar e com a voz arrastada.
Com a noite, o ambiente fica mais frio. Os Criadores dos Jogos têm total controlo da arena, podiam fazer a noite chegar mais depressa, tornar a noite gelada ou o dia extremamente quente. Mas não é o caso da mansão branca. Assim que Cilo entrou pela porta, o ar ficou automaticamente mais frio.
- Temos que nos aquecer quando chegarmos ao andar de cima. Tenho um saco de cama, somos capazes de nos aquecer um pouco.
Uma hora depois Cilo acorda, ainda extremamente sonolento e quase sem se mover. Os dedos das mãos mal se movem e a custo abre os olhos.
- Kath... - o jovem finalmente percebe o que está a acontecer. – Kath, temos que sair...
Quando vira a aliada, observa com horror a face branca e os lábios roxos. Receoso que esteja morta, Cilo levanta-se e arrasta a Katherine até ao andar de baixo, protegendo a cabeça dela ao descer as escadas.
"Estou quase. Não posso morrer assim."
O susto acaba quando chegam por fim às traseiras da mansão e o calor da noite os envolve num cobertor acolhedor. As suas mãos, antes imóveis agora estão mais quentes. Teria ficado igual a Katherine se não tivesse feito tanto esforço a arrastá-la.
- O que se passa? Estou com frio. – Kath abraça Cilo com a maior força que consegue para poder receber o calor corporal do tributo.
- A mansão. Durante a noite fica extremamente frio, não podemos ficar a dormir lá dentro.
As horas passam e eles decidem dormir no meio dos arbustos no jardim da mansão. A noite está quente o que os ajuda a aquecer. Por sorte Katherine não tinha morrido.
DIA 2
No dia seguinte, acordam cedo e preparam-se para sair daquela mansão invernal.
- Temos de arranjar água.
A hora de ignorar a inexistência de água acabou. Cilo sabe que precisam de achar uma fonte de água potável ou então não irão sobreviver ao terceiro dia que se aproxima a passos largos. Até mesmo neste segundo dia, se entrarem em confronto com alguém, a probabilidade de serem mortos é elevada.
"Temos que nos mover."
Ambos decidem abandonar a segurança temporária da casa branca e decidem arriscar atravessar o bosque na direção da casa azul, do outro lado da rua, à esquerda da casa.
- Afastamo-nos do outro grupo de 5 e quem sabe, aproximamo-nos da água.
Sorrateiramente, os jovens abrem de novo o buraco na vedação e saem para o desconhecido. Ambos caminham em silêncio, evitando pisar ramos ou folhas secas. A cada passo que dão a mansão branca começa a desaparecer, revelando apenas o topo do telhado, como se estivesse a espreitar por entre a copa das árvores.
- Vamos aproximarmo-nos da estrada, aqui é apenas árvores. – Cilo agarra na mão de Kath, viram para o lado direito e seguem de volta para a estrada, não muito longe de onde se situavam. Por fim largam as mãos e observam com espanto uma fonte de água.
- Conseguimos. – murmura aliviada Katherine.
A fonte estava colada à parede do muro da casa azul. Tinha um telhado de telhas alaranjadas e dois pedaços de madeira escura a segurar o mesmo. A água escorria de uma reentrância do interior da parede, através da pedra polida, caindo dentro do retangular poço.
- Não completamente...- Cilo observava com desgosto a fonte. A escassos metros deles estava a fonte que salvaria as suas vidas mas também com ela estava o tributo do distrito 9. Não muito mais velho que o próprio Cilo mas igualmente ou mais perigoso.
- Ele tem um machado, ali encostado à fonte. Achas que consegues apanhá-lo e matá-lo?
Cilo não o sabia. A oportunidade escapava a cada segundo que mais se demoravam. Por um lado, podiam esperar até ele se ir embora mas por outro, a dada altura ele teria que morrer e se morresse agora, era menos um no seu caminho. Mas Cilo não era assim.
- Vamos esperar. Ele deve estar a acabar de encher as garrafas, a seguir vamos nós.
Kath senta-se, descontente com a decisão do colega. Sabe que é a melhor opção, ou pelo menos a mais segura mas não o admite. Poucos minutos depois observam o rapaz a aproximar-se, infelizmente, do arbusto onde os dois tributos se encontravam. Kath faz sinal com os olhos, informando que terão que o atacar quando este passar por eles. Cilo pede para que ela aguarde, quem sabe ele passe por eles sem notar a sua presença.
"Por favor Katherine, não estragues isto."
Por sorte o tributo passa ao lado do arbusto. O seu ângulo de visão não deve ter reparo nos dois vultos que se escondiam nas sombras. Assim que ele se afasta e desaparece no bosque, os dois correm até à fonte e enchem a garrafa. Enquanto Kath bebe a água, Cilo lava a cara, tira a camisola e lava os sovacos e o peito, trocando de posição com Kath em poucos segundos.
- Estamos a descoberto, se alguém estiver na casa azul de certeza que nos vai ver. O mesmo para quem passar ali na rua.
- Temos que vir aqui, não podemos simplesmente evitar correr riscos. Com água seremos capazes de sobreviver mais algum tempo.
Nada mais dizem até estarem saciados e prontos a recomeçar a caminhar. Kath pede para voltarem para a floresta e procurarem o tributo. Eles precisam de uma arma o quanto antes e ele é uma presa fácil. Cilo discorda mas após muita insistência lá acede ao pedido da morena.
Dez minutos dentro do bosque e começam a ouvir vozes. Afinal não é apenas uma pessoa, há mais. Ambos sabem o que fazer. Correm um pouco mais em frente e de seguida trepam cada um a uma árvore, ficando frente a frente. O facto de não serem muito altas e terem alguns ramos "aqui e ali", permitem aos tributos do distrito das árvores fixarem-se numa posição vantajosa e longe de ataques hostis.
Passados outros cinco minutos, vêm emergir da vegetação alta o mesmo rapaz que tinham visto na fonte e uma jovem ruiva. Observam-nos enquanto correm na direção da casa branca, assustados com algo. A ruiva ainda olha para trás mas rapidamente se foca no caminho em frente, desaparecendo tão depressa como apareceu.
Através dos sinais que aprenderam no seu distrito para evitarem denunciar a sua posição ao caçarem, os jovens comunicam-se através de gestos e sem fazerem um único barulho.
"Perigo?"
"Não sei. Mantêm-te aí."
Cilo aguarda silenciosamente mas o seu coração parece um tambor prestes a explodir do seu peito. O jovem ainda pousa a mão no peito na esperança do silenciar, sem sucesso. Por fim, a espera termina quando emerge da vegetação onde outrora passaram os dois aliados, uma jovem de cabelo azul, provavelmente alguma tinta ou corante, alta, talvez da altura de Katherine.
- Epá, eles correm mesmo bem. Até mesmo a gorda.
Inicialmente, Cilo achava que ela estaria a falar com alguém mas ela estava sozinha.
"Uma louca, talvez."
A misteriosa caçadora de tributos pousa a espada e encosta-se na árvore de Katherine, abre a pequena mochila que trazia às costas e bebe água do seu cantil.
"Peço por tudo para que ela não fique aqui a descansar. Por favor..."
Quando a rapariga se levanta, Cilo consegue ver o número da sua camisola. Distrito 4. O tributo do distrito dela tinha morrido no dia anterior. Por sorte, a tributo afasta-se, voltando a correr na direção da ruiva e do miúdo. É a chance de Cilo e Kath descerem da árvore e fugirem na direção oposta.
ALEXANDER – Distrito 9
15 minutos antes
Alexander regressava com as 3 garrafas de água cheias, contente por ter encontrado uma fonte de água potável. Talvez tenha sido um erro beber da fonte antes sequer de confirmar se não estava envenenada mas a sede e a gula foram mais fortes. Ainda pensou deixar Rubi beber primeiro a água e caso ela morresse saberia se era potável.
"Não lhe posso fazer isso. Acho que não sou capaz."
A verdade é que Alexander era demasiado inocente e preocupado com os outros para sequer pensar em matar alguém. Enquanto caminha de volta para o acampamento, a sua memória retrocede até ao ano anterior, uma semana antes da morte do seu irmão mais novo.
Flashback
- Mãe, apenas consegui trazer isto. Desculpa.- o jovem Alexander, na altura com 14 anos, estende o saco para a mãe que vagarosamente inspeciona o conteúdo, evitando chorar.
- Não há problema querido, fizeste o melhor possível.
Alex nada diz. Dirige-se para o quarto onde o irmão doente está. Era a segunda semana que ele estava com febre e a cada dia que passava a sua magreza era mais visível por entre as roupas esfarrapadas. Era inverno e o frio constante que rondava a casa era incansável, desgastando não só o irmão como o resto da família.
- Vai tudo ficar bem, eu prometo. – Alex sabia que as coisas no distrito 9 não eram fáceis. O mercado tinha sido fechado temporariamente devido a alguns ataques de origens desconhecidas e a única comida que ele trazia para casa, como único coletor, eram alguns grãos que roubava de algumas pessoas na rua. Devido à sua rapidez, ainda não tinha sido apanhado.
Uma semana depois o seu irmão morria de fome, frio ou talvez doença mas tinha sido o culpado. A mãe insistia que não, mas o jovem loiro sabia que era sua culpa. Podia ter roubado mais, arriscado mais mas em vez disso decidiu jogar pelo seguro e evitar ser apanhado. Salvar a sua pele antes de salvar a do seu irmão. A partir daquele dia, todas as noites Alexander ouvia as palavras do já falecido pai a ecoarem na sua cabeça, dizendo-lhe para proteger a família e nunca deixar que o seu irmão mais novo entrasse nos Jogos da Fome.
Presente
- Cheguei! – Alex pousa as garrafas de água junto a uma árvore, na qual se encontra Rubi deitada. – Encontrei uma fonte junto à mansão azul. É potável.
- Obrigado Alex. Descansa um pouco, estás a precisar. – a ruiva bebe sofregamente de uma garrafa, fazendo o conteúdo chegar a meio.
Os dois tributos sentam-se lado a lado e trocam algumas ideias sobre os Jogos e que perigos existem. Alex gosta de Rubi. Não apenas por não ser tão ameaçadora mas por ter sido caridosa com ele e mesmo numa arena onde a morte é predominante, a jovem com nome de pedra preciosa continua a ter boas maneiras como "obrigada" ou "se faz favor". A sua mãe tinha dito que os habitantes dos distritos mais ricos, como o 1, 2 e 4 eram convencidos, profissionais que treinavam desde pequenos. Iam nos décimo oitavos Jogos da Fome e já havia academias que preparavam as crianças para lutar.
- Achas que há alguma animal mutante, como no ano passado?
Rubi era diferente. E Alexander estava feliz por a ter conhecido.
- Ora ora, o que temos aqui?
A pergunta de Rubi fica no ar e uma nova pergunta proveniente de uma voz desconhecida invade o pequeno acampamento deles como um tsunami. Os aliados levantam-se rapidamente enquanto surge da vegetação do outro lado da clareira o corpo de uma jovem de cabelo azul e que mal passava das orelhas. Os seus olhos castanho escuros fixam-se em Rubi por uns segundos e em seguida, fixam-se no pobre Alex.
- Uma gorda e um bebé. Vai ser fácil.
Ela aproxima-se devagar. Sabe que está em vantagem. As armas deles estão mais perto dela do que deles e ela tem uma espada na mão, pronta a ser usada ao mínimo movimento. Alex acredita que vai morrer mas Rubi tem outros planos, surpreendendo não só a ele mas à tributo hostil do distrito 4.
- Apanha o que conseguires e foge!
Quando se tinham levantado, Rubi tinha apanhado duas mãos cheias de terra e escondido atrás das costas. Assim que gritou para Alex fugir, arremessou a terra diretamente nos olhos da rapariga.
- Corre para a esquerda!
Enquanto a inimiga se recompunha, Rubi pega numa pedra e lança contra ela que por sorte acertou no seu peito, arrancando o ar dos pulmões da desconhecida. A jovem de cabelo azul dobra-se, tropeça nos próprios pés e cai para trás, atordoada.
Sem mais demoras, com a rapidez e furtividade de Alex, os dois aliados recuperam grande parte dos mantimentos e a espada de Rubi. O jovem vê tudo a acontecer numa fração de segundos, como se um filme passasse em alta velocidade pelos seus olhos. Ao desviar-se de uma árvore lembra-se do machado que tinha ficado no acampamento.
- Temos que ir buscar o machado!
- Não há tempo Alex, temos de correr. Vá lá!
Correm mais uns metros, desviando-se das árvores e afastando a vegetação alta que lhes chega à anca. Escaparam por pouco à morte. Perderam uma arma e alguns alimentos mas nada de grave.
- Não sei como o fizeste mas uau!
- Foi sorte apenas. – Rubi sorri enquanto correm em direção desconhecida, imaginando que Neil, o seu mentor, estará contente por ela ter escapado com vida ao seu primeiro combate.
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