Esclarecimento
Passou-se dois dias do meu exame e naquele mesmo momento marquei minha primeira consulta. Cheryl não saiu mais do meu lado e nem sei como agradecer por isso, mesmo tendo voltado a trabalhar tem me dado toda a atenção possível. A ruiva praticamente se mudou para meu apartamento, tudo bem, ela mora ao lado e é como se fosse praticamente a mesma coisa, mas agora ela dormia junto de mim.
— O que você comeu hoje, T?
Cheryl perguntou, parando ao meu lado. Estávamos as duas na emergência, mas com casos diferentes. A ruiva é uma grande e muito bem reconhecida cardiologista, nunca vi alguém tão focada em algo como ela.
— Comi uma fruta antes de sair, depois que acabar aqui vou almoçar.
Respondi vendo a mesma assentir e se afastar ao poucos para ir atender seu paciente. Suspirei, olhando minha planilha, era um garoto com o braço quebrado, já o atendi e deixei em observação com os residentes. Ah, minha época de residência, era tão boa, mas eu reclamava tanto. Agora as responsabilidades são maiores, os tempos são mais curtos e acredite, você não pode deixar de lado e passar para alguém.
Um sol quente bateu em meu rosto assim que sai ao ar livre, ainda estava dentro do hospital, mas em um local mais aberto e com ar puro. Eu estava me sentindo um pouco enjoada com todo o calor e o cheiro de comida que havia dentro do refeitório.
— Por que sentou aqui fora hoje?
Veronica foi a primeira a me achar, estava sem Betty e eu sabia que a loira estava em uma cirurgia. A olhei, a mesma sorria e parece uma mulher feliz para quem tem um casal de filhos. Sim, Betty fez inseminação e depois Veronica. Uma garotinha de cinco anos e um garotinho de três.
— Não estou me sentindo muito bem.
Dei de ombros.
— Vou avisar a Cheryl, ela estava te procurando.
Concordei, tentando colocar um pouco de comida em minha boca, mas parecia impossível. Havia tomado o remédio para enjoo, mas hoje está mais forte do que eu esperava, era como se meu estomago não fosse aceitar nada.
— Por que está aqui fora? – Cheryl fez a mesma pergunta que Veronica enquanto sentava ao meu lado. — Você está bem? Parece um pouco pálida.
— Estou um pouco enjoada, Cher.
Confessei, deitando minha cabeça em seu ombro.
— O que você tem, Topaz? Se vai morrer me fala logo para preparar a Betty.
Veronica usou um tom sério, isso me fez rir, mas não por muito tempo já que o enjoo ficou mais forte. Levantei correndo sabendo que não iria segurar mais e cheguei até a lixeira próxima, jogando tudo para fora. Mãos firmes seguraram meus cabelos, suspirei forçando para que saísse tudo de uma vez, mas a sensação passou. Quando me virei Cheryl tinha o olhar mais doce em minha direção, com um papel em mãos ela limpou minha boca e no momento me senti uma criança.
— Falei para não beber dia de semana.
Falou em um tom que todos a volta poderíamos ouvir, Cheryl sempre foi a mais esperta de nós três e quem soube esconder os segredos, essa mulher não se abala por nada.
— Obrigada, Cher.
Ela sorriu, minha mão deslizou para junto da sua por ainda estar um pouco tonta, mas assim que a ruiva se virou, uma presença ali não nos agrava nem um pouco.
Jason Blossom parecia observar tudo atentamente, havia uma bandeja em suas mãos com sua comida, percebi que fazia muito tempo que não o via, desde que o peguei na cama com outra. Me sinto um pouco pior ao lembrar que Cheryl não fala mais com o irmão, a mesma quantidade de tempo que eu, quase um mês. Pelo que sei, os dois se evitam ao máximo nos corredores e cirurgia, Jason devia me evitar também já que não o vejo em lugar algum.
— Está tudo bem?
Ousou perguntar e senti como se todos a nossa volta nos observassem. Os boatos correm por esse hospital e não é de hoje que todos sabem que os Blossom não tem se dado muito bem, o que eles não sabem é que a culpada sou eu. Apertei um pouco mais a mão de Cheryl na minha, tomando coragem para responde-lo.
— Tudo bem.
Forcei um sorriso em sua direção. A quem estou querendo enganar? Jason ainda tem um certo efeito sobre mim, ele foi meu primeiro em tudo e isso me marcou.
— Posso falar com você, Toni?
Pediu voltando a falar, agora quem apertava minha mão era Cheryl e seu olhar não saía do irmão, sem pronunciar nenhuma palavra parecia jogar todo seu ódio em cima do mesmo. Eu sabia que minha resposta iria magoar minha melhor amiga, mas eu precisava ouvi-lo, infelizmente eu tinha essa necessidade.
— Pode.
O toque da ruiva se desfez na mesma hora e ela que estava a minha frente, nem me olhou apenas saiu em disparada para qualquer lugar longe de mim. Soltei meu ar, o puxando de volta com tranquilidade para não surtar com essa situação toda. Será que Jason desconfia de algo? Cheryl vai voltar a falar comigo? Deus, porque logo comigo?!
— Toni.
Jason chamou minha atenção, estendendo uma das mãos enquanto a outra segurava sua bandeja. Aceitei seu toque, voltando para a mesma mesa de antes só que dessa vez sem Cheryl e Veronica que correu atrás da ruiva. Sentamos, Jason sentou no mesmo lugar que sua irmã e por vezes achava que os dois faziam de propósito.
— Você está bem? Eu não te vejo desde... – pausou me encarando. — Você sabe.
— É, eu sei.
Falava da noite em que o peguei com outra.
— Nem te pedi desculpas por aquilo, eu deveria...
— Jason, está tudo bem agora. – dei de ombros o interrompendo. — Quer falar mais alguma coisa?
— Só... – suspirou antes de continuar. — Cheryl não está falando comigo, acabei de encontrar o papai e ele vai dar um jantar hoje, seus pais também vão e você está convidada.
— Um jantar assim por nada?
Franzi a testa estranhando o convite.
— Parece que eles ficaram sabendo que eu e Cheryl brigamos, que nós terminamos... Enfim.
— Oh, ok. É um jantar de esclarecimento.
— Isso! O famoso jantar.
Nós rimos. Sempre acontecia, quando os Blossom ou os Topaz ficavam sabendo de algo ruim a nosso respeito faziam um jantar ou almoço para colocar as cartas na mesa. Só que dessa vez as cartas são bem mais pesadas, nem sei se Cheryl vai querer ir porque sabemos como funciona, é como se um por um tivesse a obrigação de se explicar.
— Você quer que eu avise, Cheryl, não é?
— Faria um grande favor já que até meu número está bloqueado.
Suspirei com a confissão, não seria sacrifício nenhum já que sou a causadora disso tudo. Apenas murmurei um “tudo bem” e caminhei de volta para dentro do hospital. Ainda sentia um gosto horrível em minha boca por conta do enjoo então, decidi ir até o banheiro para fazer minha higiene. O fiz, pensando em como chegar em Cheryl e explica-la que eu precisava falar com Jason, e que hoje tem um jantar de esclarecimento. Passei o resto do dia sem vê-la, Blossom quando não quer ver alguém sempre da um jeitinho, de verdade sinto como se ela conseguisse tudo que quer.
Quando acabou meu turno, sai do hospital a procura de um táxi já que minha carona sumiu. Estava esperando por algum, quando um carro vermelho muito conhecido por mim parou bem a minha frente, olhei para dentro e lá estava Cheryl, de óculos escuros e um bico nos lábios. Sorri negando e adentrei o automóvel, suspirando aliviada por finalmente sentar.
— Você sumiu.
Comentei quando a mesma deu partida, a ruiva não me encarava ou expressava emoção alguma parecia concentrada demais em dirigir, mas eu sabia que aquilo era cena. Uma coisa muito importante sobre minha melhor amiga: Quando ela estiver brava, tente falar o mínimo porque qualquer palavra pode desencadear a explosão que está guardada dentro da mesma.
— Ele só queria avisar que hoje terá um jantar de esclarecimento.
Aproveitei para falar quando estávamos em um semáforo, Cheryl virou sua cabeça em minha direção, seus lábios se abriram, mas se fecharam novamente e eu suspirei por quase arrancar uma palavra da mesma. Descansei minha mão em sua coxa, deslizando para cima e para baixo. Ela estava concentrada no trânsito novamente, mas eu sabia que ela me sentia e que eu queria que ficasse tudo bem entre nós.
Ao chegarmos em meu apartamento, Cheryl foi direto para o banho, sem trocar nenhuma palavra comigo. Era muito normal trocarmos roupas e até mesmo termos roupas uma da outra em nossos apartamentos, claramente convivemos muito juntas. Joguei meu corpo no sofá, cansada e aos poucos senti meus olhos pesarem, se fechando aos poucos.
— Toni.
Ouvi a voz de Cheryl bem fraca, resmunguei e virei meu corpo de barriga para cima, a ponta dos dedos da ruiva deslizaram por meu rosto. Abri os olhos aos poucos e a vi a cima de mim, apoiada no sofá enquanto mantinha um sorriso fraco.
— Tome um banho, vou preparar algo para comermos e depois vamos logo a esse maldito jantar.
Suas últimas palavras saíram entre dentes, minha melhor amiga foi se afastar, mas segurei sua mão a impedindo. Sabia que agora estava tudo bem entre nós e que ela entendia sobre Jason até porque a mesma sempre me entende, sempre sabe tudo sobre mim como ninguém.
— Você acha que devo contar?
Meu tom vacilou e Cheryl mordeu o lábio.
— Eu o odeio por toda essa situação, mas ele é o pai. – suspirou antes de continuar. — Provavelmente se ele assumir vai querer participar de tudo, principalmente da primeira consulta... Mas sabe que se ele for, eu não vou.
— Cheryl, você sabe que vai ser a madrinha, certo?
Arqueei as sobrancelhas.
— Mas ele é o pai.
Não entendi seu tom, havia desanimo, mágoa, desapontamento, era como se aquilo a machucasse mais do que qualquer coisa. Segurei mais firme sua mão, beijando as costas da mesma enquanto encarava seus olhos castanhos.
— Não me faça escolher entre vocês dois, por favor.
— Você sabe que eu jamais faria isso, mas tem que entender que não existe espaço para nós dois nisso. – aos poucos sua mão soltou da minha, uma forma de encerrar o assunto. — Tome um banho, T. Você precisa relaxar.
Concordei, realmente precisava relaxar para tomar essa decisão. Era claro que eu queria ter Jason ao meu lado na minha primeira ultrassom, mas não ter Cheryl como sempre? Essa com certeza pode ser a decisão mais difícil de toda minha vida. Nem quando tive que escolher minha especialidade em medicina senti tanto pavor com a consequência de minha escolha.
A água quente relaxou meu corpo, uma pena que minha mente estava a mil e não consegui a sossegar por um minuto se quer. Cheryl é minha melhor amiga, Jason é meu ex. Cheryl sempre esteve ao meu lado, Jason sempre me magoou. Pensando assim não parece difícil, mas pensando que o ruivo tem todos os direitos de pai, é quase impossível.
Quando sai do quarto já vestida, Cheryl me esperava sentada na cama e mexendo em seu celular. Digitava freneticamente, só podia estar falando com algum casinho seu, até mesmo poderia ser Heather. Sentei na cama com minhas costas encostada na cabeceira, puxei a bandeja que havia dois sanduíches, frutas e suco. Não a esperei me dar atenção, estava faminta demais.
— Decidiu?
Me encarou, pegando um morango e o colocando inteiro dentro da boca. A observei mastigar, não havia decidido nada até então, e nem iria. O melhor a se fazer é esperar ver como o clima estará durante o jantar, se for receptivo talvez seja a hora.
— Vou decidir na hora.
— Ok, vai perdoa-lo. – revirou os olhos. — Você vai sempre ser apaixonada pelo Jason mesmo.
— Cheryl?!
A repreendi por usar seu tom rude comigo.
— Desculpa, Toni. Faz o que bem entender. – levantou da cama com o celular em mãos. — Vou fumar antes de irmos, estarei lá embaixo te esperando.
E saiu depois de vestir um casaco de couro e pegar seu maço de cigarro. Outra coisa muito importante sobre Cheryl: Ela fuma para se acalmar, geralmente quando está irritada ou triste. Também ama uma bebida, algo que a mesma demorou um tempo para controlar a vontade de beber todos dias depois que viramos médicos.
Terminei de comer o mais rápido que consegui, o quanto mais ligeiro eu chegasse até lá embaixo era menos um cigarro que a ruiva fumaria. Sai sem casaco e assim que encontrei Cheryl perto de seu carro senti um vento frio percorrer minha espinha, me fazendo abraçar o próprio corpo. Os olhos da minha amiga se reviraram e prontamente, tirou sua jaqueta a colocando sobre meus ombros.
— Você nunca vai aprender a viver sem mim?
Brincou, abrindo a porta do carro para que eu adentrasse.
— Ainda não percebeu? – sentei no banco e encarei Cheryl que se escorou na porta. — Finjo não viver sem você para que não me troque por seus casinhos.
— Você sabe que eu nunca te trocaria por nenhuma delas.
Declarou, fechando a porta do carro e fazendo a volta para sentar no banco do motorista. Cheryl sorriu para mim antes de partir com o carro em direção a casa dos Blossom, por mais nervosa que estivesse, eu tinha que confessar que tinha certeza que a minha melhor amiga sempre estaria ali para segurar minha mão – independente da minha decisão, a mesma vai dizer que ficará tudo bem.
Assim que o carro da Blossom mais nova estacionou em frente a grande mansão, tremi. Minha mão automaticamente foi parar em sua coxa, um pedido mudo para que não saísse agora. Sua mão tocou a minha e nossos dedos se entrelaçaram.
— Cheryl, eu amo você, sabe disso.
Declarei sentindo o medo de perde-la me atormentar.
— Eu sei, T. Vai dar tudo certo.
Seus lábios entraram em contato com minha testa, suspirei assentindo. Por mais que em muitas vezes eu quisesse ouvir de Cheryl que ela também me amava, eu sabia que esse é seu maior bloqueio e que as três palavras não vinham, mas as demonstrava em atitudes porque nunca me senti amada por ninguém como por essa ruiva.
Assim que coloquei os pés dentro da casa, os Blossom me acolheram em abraços calorosos e os Topaz fizeram o mesmo com Cheryl, eles me pediram para nunca contar aos gêmeos, mas a mais nova sempre foi a preferida deles principalmente de minha mãe que a ama como se fosse filha.
— Barb, está cada vez mais linda!
Cheryl elogiou minha mãe, ela sabe muito bem como agradar Barbara Topaz, a mesma adora elogios e se sentir mais jovem do que sua própria idade. Não a julgo, pois no futuro posso ser assim também.
— Sempre muito galanteadora.
Mamãe riu junto de Cheryl, trocaram mais um abraço até que eu me aproximasse do casal. De relance pude ver Jason sentado no sofá e concentrado em seu celular. Minha mãe reclamou do quanto não me vê assim como papai que me encheu de beijos, nem me lembro de como se tornaram tão grudentos.
Sentamos todos, os mais velhos estavam de um lado da mesa do centro e nós os mais novos de outro. Infelizmente, eu estava em apenas um sofá em meio aos Blossom que nem se quer se olharam. Cheryl já tinha um copo de whisky com gelo em sua mão, me perguntei como a mesma o conseguiu tão rápido que nem percebi.
— Então, os boatos são verdadeiros...
Clifford começou os esclarecimentos mais rápido do que o esperado, minha mão deslizou pelo sofá e as pontas de meus dedos tocaram a perna de Cheryl, apenas um aviso de que eu estava ao seu lado.
— Vocês terminaram?
Antônio Topaz usou seu tom mais firme, encarando Jason que prontamente se ajeitou no sofá tendo uma postura mais reta. Uma pequena risada foi ouvida naquele silêncio constrangedor, olhei rapidamente para Cheryl que levantou as mãos em sinal de rendição.
— Terminamos, papai. – falei encarando o mais velho. — Esqueci de comunicar porque estava muito ocupada.
Justifiquei.
— E você, Jason. – Penélope chamou sua atenção. — Por que não contou?
— Provavelmente estava com medo de apanhar.
Cheryl mais uma vez fez questão de opinar, fazendo todos a encararem. A mesma tinha um sorriso debochado no rosto e com certeza estava adorando provocar o irmão.
— Tem como ficar calada?
Jason se alterou.
— Ok, eu quero saber o que está acontecendo aqui. Por que vocês dois não estão nem entrando em sala de cirurgia juntos?
Clifford mais uma vez indagou, senti um vazio ao meu lado e vi Cheryl se levantar, bebericando seu whisky. Ela ficou de pé, mas ainda por perto. Jason não falou nada e eu sei que nem falaria, é uma vergonha para ele falar a frente dos meus pais que me traiu.
— Nós brigamos.
A ruiva falou simplesmente, dando de ombros.
— Sem motivos?
Foi a vez de Penélope questionar, Cheryl me olhou suspirando. Eu sabia muito bem que ela estava tentando não me meter no assunto, silabei um “está tudo bem” em sua direção e a mesma respirou fundo. Não deixaria ser injustiçada sendo que a culpa é dos dois.
— Jason traiu a Toni.
Falou por fim.
— Jason o que?
Minha mãe foi a primeira a reagir e depois de dois segundos percebi que já estava sozinha no sofá, Jason levantou e foi até a irmã completamente irritado.
— Você tinha que contar, não é?
Apontou o dedo no rosto da gêmea.
— O que quer que eu faça? Que eu esconda suas merdas para sempre?
— Cheryl...
Chamei tentando acalma-la, mas a mesma não me ouviu aproximando-se mais do irmão e o dizendo tudo que vinha na mente. Sentia como se ele estivesse prestes a bater nela e ela nele, nossos pais os xingavam e uma confusão se formou em minha cabeça com o barulho dos dois brigando, nossos pais sem saber o que fazer, a decisão de contar ou não sobre o bebê. Contar, não contar, contar, não contar, contar, não con...
— Eu estou grávida!
Gritei em meio a sala, o silêncio foi tão enorme que juro ter ouvido minhas palavras ecoarem por toda a casa. Os mais velhos me encaravam sem saber o que dizer, Jason também não tinha reação enquanto Cheryl passava a mão em seu rosto parecendo tentar voltar a realidade. Então, respirei fundo e completei minha notícia:
— Estou grávida e é do Jason.
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