Capítulo X: Que haja fogo para um novo caminho.
Tava tudo errado. Primeiro eu erro a facada mais fácil da minha vida, depois sou jogado de um penhasco e desmaio sem conseguir fazer absolutamente nada no jogo. Como se não pudesse ser pior, assim que eu acordo tem uma bota holográfica na minha cabeça, e agora todo mundo que estava assistindo nossa partida fica me olhando de cara feia. Cara feia não, cara horrível. Eu já recebi olhares de julgamento antes, xingamentos como "ladrãozinho" ou até "vagabundo". Eu já estava acostumado com isso. Mesmo assim, aqueles olhares eram diferentes, eles me odiavam de verdade.
Eu fiz muita coisa, mas não aqui, não com eles, eu não mereço isso.
E piorando mais ainda a coisa, Dionísio entra em um estado de fúria e tenta matar a mademoiselle. Todo mundo tenta se mover. O filho dele, Getúlio, tenta se botar na frente, mas é puxado para o lado com vinhas. O cabeludo tenta usar a espada brilhante dele pra tentar cortar, só que ninguém consegue fazer nada. Somos forçados a ficar olhando para aquela cena, ela se debatendo e visivelmente perdendo a consciência.
— Quando eu tento ter uma família, seu pai amaldiçoa meu filho e minha mulher. — ele range os dentes e suas veias saltam. A raiva dele podia ser sentida no ar, junto com uma aura de insanidade. — Quando é a vez dele eu tenho que aceitar a criança dele no meu acampamento? A minha vontade era de te degolar na frente de todo mundo para fazer aquele rato sair do buraco que está.
Quando eu acho que era o fim dela, Quíron se aproxima trotando e cochicha algo no ouvido de Dionísio e ele a solta. Ela cai no chão beirando a inconsciência, segurando o pescoço e com sua expressão de medo nos avisando que ela ainda não conseguia respirar bem. Dionísio vai embora furioso, batendo os pés e removendo todas as vinhas no lugar.
A gente ajuda ela. No caso, a olhudinha ajuda, já ela era mais próxima. Algo em mim clica. Eu sinto os olhares me encarando como se fossem me atravessar. Dante, Alice e o cara do sobretudo dão um olhar meio desconfiado também, embora muito mais suportável. Eles sabiam de algo que eu não sabia, e quando esse algo é o suficiente para eu me sentir tão rejeitado em um lugar, então eu creio que tenho o direito de ficar bem chateado com isso.
— Aí, eu queria te pedir desculpas. — o cara da venda que me derrubou do penhasco se aproxima com um grande sorriso no rosto. Eu estava quase me perguntando se ele não estava vendo a situação. Seria uma pergunta bem idiota. — A gente não teve uma luta justa. Espero que tenha uma próxima vez!
Antes que eu responda, Dante se aproxima e passa um braço pelos meus ombros, me abraçando.
— Se liga, não fica incomodado com essa rapaziada não. Eles tão apontando a raiva deles pro lugar errado. — Dante diz ao ver a minha expressão. — Qualquer coisa eu te explico tudo direitinho depois.
Eu aceno com a cabeça para os dois, visto que — por incrível que pareça — eu não sabia o que falar agora. Surpreendente, né? Até as cabeças mais geniais ficam sem palavras às vezes. Enquanto eu procuro o que falar, de repente uma névoa se faz presente ao nosso redor. Parecia uma neblina comum, mas aos poucos ela cria uma coloração esverdeada que revela que ela não era nem um pouco normal, e imediatamente entra na fila de coisas bizarras de hoje. Sinceramente? Não chegava no top 5.
Como um míssil, uma mulher ruiva levita até a nossa direção (sim, levita). Ela se aproxima em um piscar de olhos, ergue sua cabeça para cima e começa a falar em um coro de mil vozes:
Um semideus, dos deuses antigos filho.
Fará os doze trabalhos, esse será seu desafio.
Se acabando em chamas o mundo estará.
Uma briga entre irmãos o destino selará.
Uma escolha difícil no fim terão que tomar.
O Olimpo salvar ou a ele se juntar.
Oh oh! Péssimo sinal! Essa é a sensação que eu tenho ao olhar para a expressão dos veteranos do acampamento, que olham um para o outro com preocupação. Eu não sou bem um expert nesse tipo de coisa, mas eu já vi minha cota de filmes e gente estranha no Brooklyn o suficiente para saber que parecia ser algum tipo de profecia. Pensando o mesmo que todos aqui, Briar olha para Dante com medo. Uma briga entre irmãos com certeza não era a melhor frase para se ter em uma profecia em um lugar com irmãos.
Felizmente, sou filho único! Essa é uma boa notícia, né?
Assim que a mulher vai embora da mesma forma que chegou: em um piscar de olhos, eu decido que aquela era a minha deixa também. Sem criar muito alarde, eu me afasto, procurando algum lugar longe de todo mundo. Eu precisava pensar um pouco sobre os meus problemas, e existiam problemas mais importantes para o resto do pessoal. Chocante: não é tudo sobre mim. Esse é outro dos meus ótimos traços, humildade.
Quando eu acho que estou sozinho, me sento em uma rocha e brinco com uma pequena pedra, jogando ela para cima e para baixo repetidas vezes. Eu nunca conheci o meu pai, e todo mundo me odiava nesse acampamento assim que descobriram que eu era filho dele. O mais perto de uma figura paterna que eu tinha era o Alemão, e ele era o tipo de cara que dizia coisas como "tu trabalha pra mim e eu te dou um teto e comida". O teto era feito de papelão, a comida era fria. Entre todas as pessoas que ficaram por um tempo em minha vida, Alemão era quem me tratava o mais perto de bem que eu conheço.
Perdido em meus pensamentos, eu só percebo que não estava sozinho quando sinto uma mão em meu ombro. Pulando para trás e quase caindo da rocha, a pessoa ao meu lado me ajuda a não cair. Era Noah, o cara da venda que eu nem consegui acertar antes. Ele levanta as mãos para simbolizar que não representava nenhuma ameaça, como se eu fosse um animal selvagem.
— Kuta, eu preciso falar com você.
Ele diz e eu não vejo problemas com isso. Claro, eu queria ficar sozinho por um tempo, mas se ele precisava falar comigo, então o que eu posso fazer?
— Diz aí.
— Sobre agora há pouco, eu percebi que você ficou bem mal com o jeito que os outros estavam te olhando, né? — ele diz e eu preciso me controlar para não revirar os olhos. Era o mesmo papo do outro cara. — O Dante já falou isso, mas não leva a mal, tem toda uma história com Hermes e...
— É, ele falou que tinha. — eu interrompi ele. Eu não quero ser grosso, só deixar claro. — Relaxa, eu já tô acostumado com as pessoas me olhando estranho na rua, isso é rotina pra mim. Seria bom saber o que tá rolando dessa vez, no caso.
— Olha, eu tô aqui no acampamento faz uma semana só, mas eu acho que sei o suficiente pra te contar o que aconteceu no Olimpo, tudo certo pra você?
Eu concordei, e depois disso foram dez longos minutos de uma história não muito detalhada sobre o que aconteceu nos últimos vinte anos. Resumidamente, a geração passada de semideuses tinha se envolvido com todo tipo de guerra: contra o titã Cronos, contra Gaia, e a última dessas guerras foi a mais complicada de todas. Eles lutaram contra o próprio Urano, e claro que só semideuses não dariam conta disso. O Olimpo inteiro se envolveu, mas eles perderam a luta. Um cara que fez os doze trabalhos de Hércules e acabou virando um deus, Tristan, reuniu a essência dos deuses que foram derrotados e com isso eles acabaram vencendo.
No fim de tudo, um Novo Olimpo foi criado. Um filho de Poseidon pegou a essência dele e virou o novo Poseidon, e a mesma coisa aconteceu com todos os outros deuses: seus poderes foram tomados pelo mais forte de seus filhos. Quando um dos gêmeos Stoll — que eram filhos de Hermes — foram tomar o poder de seu pai, um semideus que estava invisível invadiu o local e tomou o poder para si. O nome dele era Nolan Osborn, o meu pai. Para completar, o novo Hermes decidiu seguir carreira solo: ele não faz parte do Novo Olimpo, e em vez disso trabalha sozinho.
Eu conseguia me identificar com isso. Esse sentimento de ter a própria liberdade, mas ao mesmo tempo...
— É, deu pra entender o porquê de ninguém gostar desse cara.
— Não é como se ele tivesse feito algo ruim depois de ter roubado o poder, mas o pessoal ficou bem revoltado depois disso. — Noah parece incerto em falar isso, como se estivesse preocupado em ofender meu pai e por tabela me ofender. — Então... não é com você, sabe? E de qualquer jeito, você não vai estar sozinho, eu vou te proteger.
— Você vai me proteger? — eu pergunto suspeito, visto que a gente mal se conhecia e ele já estava falando algo assim. — Você não me deve nada, cara.
— Não é como se eu tivesse tanta escolha. Todos os filhos do meu pai tem que jurar lealdade a um deus do Olimpo e proteger os filhos dele. Sendo assim, eu meio que sou seu guardião.
Um guardião de filhos de deuses do Olimpo. Eu nunca ouvi falar de um deus assim, e eu não faço ideia do porquê ele iria me proteger. Se ele é leal ao meu pai, então ele estava no mesmo barco que eu. Que azar, Noah.
— Quem é teu pai?
— Você não conhece. O nome dele é Eósforo, o deus do blablabla basicamente. Ninguém liga, mas aparentemente sempre que um aparece significa que algo muito ruim está prestes a acontecer. — ele sorri enquanto fala, mas eu consigo perceber que ele não está nem um pouco feliz. — Então, eu vou proteger você, logo você não tá sozinho.
— Deixa disso, Noah, tu é muito legal. Você vendado conseguiu bater de frente com o Dante e me derrubou em uma só.
Claro, eu falei isso pra confortar ele, mas eu realmente acreditava nisso. Se um cara bate de frente com os mais fortes enquanto venda os olhos, significa que ele era maluco ou perigoso. No caso de Noah, ele era esse último, indicado por como as minhas costas estão se sentindo até agora depois de ser arremessado de um penhasco. De repente, eu sabia exatamente o que precisava fazer, e eu acho que agradeço Noah por isso.
— Ai, eu vou fazer uma parada, pode ir voltando pro acampamento se quiser.
Eu digo e ele entende que eu preciso de um momento. Determinado, eu vou até o meio das árvores e junto o máximo de lenha possível. Com uns truques que aprendi por ter passado muito frio nessa vida, eu consigo acender uma fogueira improvisada, e eu sinto que se me focasse o suficiente, conseguiria ver o meu reflexo nas chamas. Se eu quisesse viver nesse mundo, aceitar ser um filho de um deus traidor, eu teria que recomeçar do zero. Não como quem eu era antes, mas agora como Kuta.
Pegando o único documento nesse mundo que ainda consta meu antigo nome, eu estendo ele sobre as chamas e vejo o papel lentamente sendo incinerado. Eu fico por lá por um bom tempo, talvez meia hora, talvez mais. Não faço isso com pressa, eu observo o fogo até o papel restante ficar tão pequeno que eu sou forçado a jogar ele inteiro na fogueira. E rápido assim, não existiam mais vestígios da minha existência.
Eu poderia seguir o meu caminho, ser quem quiser e...
E o fogo está se mexendo. Ótimo. Não do jeito normal, porém de uma forma esquisita, como se ele estivesse se debatendo, e como um ser humano racional, eu recuo até uma distância que eu considero segura: perto o suficiente para ver o que está acontecendo, longe o suficiente para me dar uma vantagem caso eu precise correr. Diante dos meus olhos, uma silhueta vai se formando no fogo, e essa silhueta vagarosamente cria uma forma humana. Era um homem alto, não, enorme. Ele tinha pele morena, cabelo grisalho em um corte curto e penteado para trás. Esse homem vestia um terno bem, bem chique, e em seu pulso estava um relógio que com certeza valia mais dinheiro do que eu veria em toda a minha vida.
Puxando um charuto e dando um trago, eu por pouco vejo um símbolo no bolso de seu terno: uma bota com asas, o símbolo de Hermes.
— Montecristo número 2, não tem melhor.
Ele diz enquanto parece saborear o aroma forte do charuto, e a sua voz era tão poderosa que eu sentia como se meu ouvido fosse explodir. Se meu ouvido não explodisse, então meu coração explodiria, pois ele acelerou tanto em tão pouco tempo que eu não duvidaria se isso fosse princípio de um ataque cardíaco. Eu simplesmente não sabia o que fazer. Quando você encontra seu pai — que é um deus, a propósito — no meio do nada, logo depois de descobrir que ele está sendo procurado por todos os outros deuses, então o que você faria nessa situação?
Eu não sei você, leitor, mas eu corri até ele e com toda a emoção que estava no momento, lancei o soco mais forte de toda a minha vida. O resultado? Ele segura a minha mão e não move um único centímetro para trás, logo depois me derrubando no chão como se eu fosse uma folha de papel. Normalmente eu não iria admitir isso para ninguém, e eu iria odiar que alguém me visse assim, mas no momento eu estava jogado no chão e chorando como uma criança. Era patético, e eu daria risada de qualquer outra pessoa naquela situação, mas eu estava com tanta raiva, eu tinha tanta coisa na minha mente que pouco me importava para como eu parecia.
— Isso é jeito de tratar seu velho, moleque?
Não sobram dúvidas: esse era o meu pai, o traidor do Olimpo e o cara que jogou o filho no chão em uma porrada só assim que viu ele. A gente não se parecia muito em aparência, mas em personalidade? Eu faria exatamente isso.
— Por que você tá aqui? — eu faço a pergunta que mais me parece certa, e em vez de ficar deitado eu me sento, secando as lágrimas em uma tentativa de parecer menos fraco do que eu me sinto nesse momento. De repente, aquela pergunta não parecia ser a "primeira pergunta certa". — Por que você veio me ver agora?
Na verdade, eu nunca acharia a primeira pergunta que mais se encaixa com a situação. Eu tinha perguntas demais, e eu queria a resposta de todas com a mesma prioridade. Essa sensação era terrível.
— Parece que Eósforo tem mais influência sobre mim do que eu gostaria de admitir. — ele dá mais um trago no charuto e me olha dos pés à cabeça. Eu não fazia ideia do que ele estava pensando, seus jeitos eram impossíveis de tentar entender. — Quem imaginaria que ele faria isso?
Ele ri e eu sinto a raiva crescendo. Ele estava ignorando as minhas perguntas e soltando frases aleatórias, sendo que eu definitivamente não estava nem aí para a influência de Eósforo sobre ele.
— O que eles falaram de você, é verdade? Que você é um traidor.
— Não, moleque, eu sou bem pior do que tudo que você ouviu de mim. — sua voz carregava orgulho, e eu sinto que vejo a sombra de um sorriso em seu rosto. — Quando você estiver aqui por tempo o suficiente, aí talvez você vai entender o tipo de pessoa que eu sou.
— Por que você fez isso?
Ele se aproxima de mim sem pressa nenhuma, como se fosse o dono de todo tempo do mundo. Se abaixando lentamente, ele apaga o charuto no chão e estala os dedos. Depois disso, o charuto não estava mais lá. Hermes me encara com aquela mesma expressão de antes. Eu acho que não era mais tão certo dizer que eu não sabia o que ele expressava, já que eu tive uma certeza: ele emanava puro poder.
— Eu fiz isso porque eu sempre fui assim, moleque. Desde o momento em que eu nasci, bem antes de virar um deus. Esse pessoal que acredita em destino, que vive a vida em função de uma maldita profecia para regrar tudo? São todos idiotas.
— E por que você me abandonou? Você sabe pelo que eu passei?
— Ah, eu sei bem, e não foi nem um por cento do que você teria passado caso eu tivesse continuado na sua vida. Você é o filho de um traidor, e imagino que os campistas daqui tenham te dado um gostinho do que isso significa, né? Se você ficasse comigo, então os deuses iriam me encontrar, e você poderia até acabar virando refém dessa história, ou coisa pior, que nem o que Dionísio quase fez com aquela sua amiguinha. — ele fala com uma certa rispidez. Mesmo que tudo que ele estivesse falando fosse extremamente cruel, ele não parecia ter medo de nada do que disse, ao ponto em que até eu estava quase concordando. — E não é como se eu tivesse te deixado sozinho, moleque, eu deixei um sátiro com você. Qual que era o apelido dele mesmo? Alemão?
Alemão. O Alemão trabalhava para o meu pai. Aquilo me deixa com emoções bem conflitantes, mas em geral eu sinto a minha vida virando de ponta cabeça. Era bom saber que meu pai tinha botado alguém pra cuidar de mim, só que eu me sinto mal por terem mentido pra mim tanto tempo assim. Ele sempre esteve lá, viu tudo o que eu passei nas ruas e não impediu. Eu entendi o ponto de acabar tomando o fogo cruzado entre os deuses, e eu não queria acabar passando pela mesma coisa que a mademoiselle.
— Ele não era o mais talentoso dos sátiros, nem perto disso. Só que ele era o mais confiável, sabe por quê, moleque? Porque ele tinha uma regra clara: pelo preço certo, ele faria qualquer coisa. Todo mundo sempre vai querer algo nessa vida, ninguém vai fazer nenhuma bondade pra você de graça assim, isso é algo que você tem que aprender. — sua voz mostrava que ele sabia exatamente do que estava falando, como se tivesse vivido isso centenas de vezes antes. A visão de mundo dele era terrível, mas nada na minha vida me mostrou que ele estava errado. — Acabou que o Alemão mordeu mais do que conseguia engolir, e acabou morrendo. Mesmo assim, ele fez exatamente o que foi pago pra fazer?
— Ele morreu por minha causa?
— Aquela briga de gangues? Tudo mentira, seu cheiro estava forte demais, os monstros te acharam e você estava vulnerável.
— O Alemão... ele... — isso não entra bem na minha cabeça. O Alemão tinha morrido pra me proteger, lutando contra aquelas criaturas. Claro, eu não tive escolha, e ele sabia exatamente o que estava fazendo, mas eu ainda me sinto um pouco culpado. — Eu não...
— Escuta aqui, moleque. Eu te dei liberdade, te deixei viver no mundo real pra você saber exatamente como as coisas são. — ele se levanta e arruma o terno, tirando os amassos que ficaram por estar agachado. — E agora eu vou te deixar viver no mundo da fantasia, vivendo essa ilusão de ser um herói e lutar pelo Olimpo. Só que eu não vou te obrigar a ficar, é sua escolha.
— Eu posso ir embora se quiser?
— Fique à vontade, é o que eu quero pra você. Nunca quis que tivesse que seguir o mesmo destino que o meu, forçado a lutar por esses deuses de nariz empinado que comandam tudo no conforto do Olimpo. Ao contrário de mim, você tem uma escolha, e eu não poderia desejar nada melhor para um filho meu. — por uma fração de segundo, eu vejo um pouco de compaixão em seu olhar, como eu esperaria que um pai olhasse para seu filho. Logo após isso ele volta para a sua mesma pose de antes. — Kuta, eu estou fazendo algo bem grande, algo que vai trazer liberdade verdadeira para todos os semideuses. Quando chegar a hora, você vai ter que escolher, e nesse momento eu confio em você pra tomar a decisão certa. Você é filho meu, então é esperto.
— Você sequer se importa comigo? — eu pergunto mesmo imaginando a resposta que ele daria. A minha vida inteira sem aparecer, mesmo que ele tenha os próprios motivos, e agora ele faz um monólogo sobre seus planos e sobre como ele odeia os deuses? — Ou só com seus planos?
— Eu já disse que não sou como os outros deuses, pirralho, eu não abandonaria você.
Ele tira um cartão do bolso e me entrega. O cartão era como se fosse o contato dele, com a frente sendo completamente dourada, exceto por botas de prata — seu símbolo. O verso estava completamente vazio, sem detalhe nem nada. Design terrível.
— Quando você precisar, queima isso e eu apareço pra te dar uma mãozinha. — ele vira de costas e caminha até o fogo novamente. Eu tento impedir chamando seu nome, porém ele não para. — Te vejo por aí.
E logo depois ele me chama pelo meu outro nome. Não, ainda não é a hora de revelar. Eu fico sentado no mesmo lugar por vários minutos, processando tudo aquilo e ligando todos os pontos da minha vida. Tudo faz sentido, de certa forma, e é bem melhor saber da verdade (mesmo que ela seja uma merda, com todo respeito). Eu acho que ficar no acampamento não seria uma má ideia, mesmo que eu ainda vá ser odiado. Mesmo assim, é como Noah disse: eu não estava sozinho. Eu ponho o cartão no bolso e me preparo para ir embora, porém um pequeno detalhe chama a minha atenção.
No meio das árvores, um orbe de luz flutua de um lado para o outro, como se estivesse me chamando. Crente que não poderia ser um mal sinal, eu começo a seguir ele, e a cada passo que eu dou em sua direção ele vai mais para longe. Vendo isso, eu corro, determinado a alcançar o orbe custe o que custar, e em pouco tempo eu percebo que fui tão longe que já estava de volta ao acampamento, especificamente onde ficam os dormitórios — ou cabanas. O orbe para em cima de uma delas, porém é uma mais afastada, longe das demais e com um detalhe único a ela: estava completamente destruída.
Nenhum pilar seu permanecia de pé. Era como se toda a madeira, pedra e qualquer outro material que tivesse sido usado para construir isso tivesse se rompido. A estrutura inteira estava enterrada em um buraco, o orbe paira por alguns segundos antes de afundar no chão. A esse ponto eu acreditava fielmente que ele estava me guiando a algo, logo eu me aproximo de onde ele afundou e começo a escavar. Madeira atrás de madeira, pedra atrás de pedra e quando finalmente anoitece, eu vejo algo diferente.
Como uma ironia do destino, eu vejo um cofre arranhado. Ele era semelhante ao cofre que eu tinha tentado invadir, e parecia até que ele tinha sido colocado ali para zombar de mim. Diferente do outro, no entanto, esse aqui tinha um cadeado que estava prestes a rachar por estar enferrujado. Sacando a espada que tinha ficado comigo após o caça-bandeiras, eu uso o punhal para acertar o cadeado com força, quebrando-o imediatamente. Abrindo um pouco mais de espaço, eu abro a porta do cofre e vejo dentro dele um único objeto.
Era uma espada. Sua lâmina curvava na ponta e era somente um pouco mais longa do que a que eu estava empunhando. O detalhe mais impressionante era a sua construção: era feita de um misto de bronze e ferro, como se os dois materiais estivessem se misturando ao longo de toda a lâmina, sem se fundir em momento algum. Uma voz ressoa na minha cabeça quando eu a olho, e assim que a pego em mãos, sussurros tomam conta da minha mente.
Eram incompreensíveis, eu não entendi uma palavra sequer, e antes que eu pudesse me focar em entender algo, os sussurros param. Mesmo com isso, eu sinto que aquela espada seria importante, eu não conseguia me forçar a deixá-la lá. E quando eu vejo um símbolo no meio das ruínas, vejo que aquela era a cabana de Hermes, agora destruída. Me levanto e saio de lá, encontrando uma determinação em mim que eu não sabia que existia. Meu pai diz que quer me dar liberdade e a opção de escolher o que eu quero, né?
Bem, em minhas mãos estava o seu primeiro presente: uma lâmina, e com ela eu iria seguir o meu próprio caminho.
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