Capítulo III: Operação Salva Semideus
Se me permitem dizer, se existe uma coisa que eu gosto mais do que jogar futebol, com certeza essa coisa são as folgas. E hoje com certeza não foi um dia chato, já que eu estava com a minha melhor amiga e com o cartão black sem limites de Nova Roma. Aparentemente, ser filha de Ártemis vinha com grandes privilégios, pois a todo lugar que Alessa passava, ela recebia coisas de graça. Isso veio a calhar quando se tratava de Briar, que havia comido tanto que estava andando a passos lentos, reclamando a cada cinco segundos que "estava muito enjoada", mas não parava de comer mesmo assim.
Felizmente, a gula não é meu pecado capital.
Eu particularmente foquei nas livrarias e algumas lojas de tecnologia, me imaginando com aquilo tudo em mãos e sorrindo sozinho com a ideia. Não, o meu pecado não é ganância, não tente adivinhar só com isso. Depois da Briar falir algumas lojas com o estômago sem fundo dela, nós três fomos até o fliperama e ficamos lá por boas horas, jogando alguns jogos competitivos — exceto Guitar Hero, porque aparentemente Alessandra era algum tipo de prodígio nesse jogo, e ser amassado ficava chato depois de certo ponto — e alguns mais casuais. Quando saímos, já haviam passado da metade do dia, aproximadamente umas três ou quatro horas da tarde.
Agora estávamos reunidos na praça do shopping de Nova Roma, sentados em um banco e quietos por alguns minutos. Briar estava ouvindo música com Alessandra — pois aparentemente ambas compartilham um gosto musical bem único — enquanto eu estava apenas reparando nos meus arredores. Eu não me considero um cara "extremamente detalhista" ou algo assim, eu só... bem, digamos que quando meu instinto diz algo, eu geralmente ouço. Como eu vim percebendo faz algumas horas, a cidade estava simplesmente vazia demais. De início tudo bem, poderia ser algum evento ou algo do tipo, mas agora? Nada explica isso, e pelo que eu ouvi da história, algumas coisas complicadas já aconteceram por aqui, embora eles não contem exatamente o quê.
— Será que tá tendo algum tipo de evacuação e a gente não sabe?
Eu comento em busca de entender o que minhas duas companheiras diriam sobre a situação, especialmente a filha de Ártemis, que deveria saber algo.
— Bem, se é esse o caso, acho que a gente tá morto, né? — Briar complementa com certa ingenuidade e mal percebe Alessandra ficando pálida ao lado dela, arregalando os olhos. — Ou sei lá, é algo com o pessoal do acampamento. A gente não costuma participar disso, esqueceu?
— É Bri, eu sei, eu só tô estranhando demais. Geralmente a Ártemis diria algo, ou o pessoal do orfanato diria em nome dela. — eu digo e suspiro curioso, novamente com aquela péssima sensação dentro de mim. Em minha defesa, desde que entramos no shopping Alessandra tinha a mesma expressão, porém eu não sei se é apenas a fobia social dela ou se ela tem o mesmo pressentimento. Dito isso, eu tive uma ideia: — Alessandra, você viu a sua mãe hoje?
Novamente, ela apenas discorda com a cabeça, porém dessa vez um pouco mais preocupada.
— Tá, Briar, esse é um ótimo motivo para a gente ir atrás dela em algum lugar.
— Você tem razão, a senhora Ártemis não costuma ficar fora por tanto tempo. — Briar complementa enquanto nós três nos levantamos do banco. — Alessandra, você sabe onde procurar ela?
A garota faz um "joinha" com uma das mãos e nos leva para fora do shopping. Enquanto caminhamos pelas ruas de Nova Roma com certa precaução, o silêncio no nosso grupo se torna ainda mais presente, deixando bem claro para nosso trio que todos estávamos pensando a mesma coisa: tem alguma coisa acontecendo, e não parecia bom. Quando chegamos no distrito residencial da cidade, Alessandra nos direciona até um dos complexos de apartamentos, e devo dizer, era mais simples do que eu imaginava.
Não me levem a mal, eu não esperava que ela fosse morar em uma mansão exagerada com pilares de ouro ou algo assim e... ok, eu admito, eu pensava isso. Não, vocês não podem me culpar por isso, olha pra ela! Ela é filha de uma das pessoas mais importantes da cidade — se não a mais importante. É loucura demais pensar que ela seria algum tipo de herdeira de uma fortuna multimilionária? Eu não acho.
Ao entrarmos no prédio, subimos os lances de escadas até o quinto andar, e eu percebo cada vez mais o quanto Ártemis, o marido e Alessandra viviam humildemente. Era um dos prédios mais afastados e menos destacáveis, sinceramente, eu conseguia respeitar isso. A casa deles em si era agradável só de olhar, e ao tentar passar pela porta, a garota nos para e aponta para os nossos sapatos com uma expressão bem séria. Tiramos nossos calçados e os deixamos no tapete antes de entrar, e logo de cara tenho uma ideia de como seria a vida ali.
Na sala tinha uma televisão grande, porém não imensa, as paredes eram de cores suaves e semelhantes ao que se acharia na natureza. Várias plantas adornavam o local em todos os cômodos, e a cozinha ficava de frente para a sala, separada apenas por um balcão. Na estante principal tinham várias fotos de família, algumas tendo Alessandra como uma recém nascida e passando o tempo até uma foto que parecia bem atual. Um detalhe curioso que percebo é o cabelo da garota, que em uma das fotos está com as mechas vermelhas, outra foto tem as mesmas mechas em azul. A maioria está em dourado, então a única conclusão que tiro é que ela gosta muito de pintar o cabelo.
Inevitavelmente eu percebi que estava com um sorriso no rosto, de certa forma contente com o quanto aquela família parecia feliz. Eu não tive isso, mas se fosse pra eu ter no futuro, eu gostaria que fosse algo mais ou menos assim. Enquanto a nossa anfitriã corre de um lado para o outro, batendo três vezes em cada porta antes de passar, eu exploro um pouco mais o ambiente. Uma das portas logo ao lado da sala dava acesso ao que parecia ser um tipo de quartinho da bagunça, porém estava cheio até o teto de instrumentos musicais.
Baterias, guitarras, violões, vários instrumentos, e todos no plural. Se eu não soubesse melhor, acreditaria que Ártemis e o marido são parte de uma banda famosa.
— Você se preocupa muito com não incomodar, né?
Um dos comentários de Briar faz com que eu preste atenção nas duas, e eu vejo Alessandra concordando visivelmente confusa, provavelmente acreditando que todo mundo fazia esse tipo de coisa. Pelo quanto eu conheço da Briar, vejo que ela estava falando qualquer coisa que poderia levar a um assunto maior, pois ela fez exatamente isso comigo. Ah, Alexandre, o que é um hat trick? Ou quais eram as funções dos jogadores, como zagueiros e laterais. Papo furado, eu pensei na primeira vez que ouvi ela perguntando, mas percebi depois que ela realmente prestava atenção.
E pessoalmente? Ela conquistou minha atenção quando perguntou a história do Vasco da Gama. Depois disso o progresso foi até que suave, e em pouquíssimo tempo nossa amizade progrediu ao ponto atual. Infelizmente para ela, não sei se ela conseguiria fazer o mesmo com Alessandra, muito pelo importante detalhe da garota não falar.
— Você devia perguntar sobre música.
— Quê? — Briar questiona confusa. — Pra Alessa? Por que?
— Parece que é o único assunto que cativa ela de verdade. — eu comento enquanto gesticulo para a tonelada de instrumentos ao nosso lado. Vendo isso, Briar parece concordar. — Boa sorte com a parte de se comunicar, inclusive.
Antes que ela pudesse continuar, Alessandra saiu de um dos quartos com uma expressão que me assustou no momento que a vi. Ela estava pálida, mais do que o normal, e parecia estar suando mesmo que o ambiente esteja frio. Na verdade, o ambiente estava anormalmente frio. Alessandra arregala os olhos quando nos vê e começa a andar em nossa direção, passando por nós e olhando para os lados como se estivesse procurando alguma coisa.
— Alessa? Você tá bem?
Briar pergunta cautelosa, visivelmente hesitando em se aproximar.
— É, Alessandra, o que tá rolando?
Ela ignora nossas perguntas e continua procurando algo, porém repentinamente põe as mãos nos ouvidos e fecha os olhos com força, como se algum som muito alto estivesse incomodando ela. A cada segundo naquela casa, o frio parecia se fazer mais presente, e em pouquíssimo tempo eu já estava esfregando as minhas mãos para não tremer pela baixa temperatura repentina. E como se não fosse o bastante, ouço o primeiro som que Alessandra já emitiu na nossa frente: um grunhido de dor. Ela parecia estar apertando os próprios ouvidos com muita força, e assim que eu tento me aproximar, ela põe a mão por baixo de sua jaqueta metade preta e metade roxa, puxando de lá uma adaga.
Olhando para nós enquanto suor pingava de seu rosto, ela aponta a lâmina para nós e imediatamente nós dois recuamos com as mãos para cima, incertos do que estava acontecendo.
— Opa, opa, Alessandra, calma aí!
Eu tento apaziguar a situação e me boto na frente da Briar, tentando não assustar a pessoa com a faca na minha frente. O que quer que esteja acontecendo, ela parecia tão assustada quanto a gente, e eu não sei se ela simplesmente tentaria nos matar assim.
— At... atrá...
Ela abre a boca e nos surpreende com palavras. Bem, meias-palavras, mas ainda assim já era mais do que eu esperava ouvir hoje. E quando eu começo a tentar entender o que ela disse, minha mente é lenta demais para entender que ela não estava apontando a faca pra gente, e sim para algo atrás. Sentindo meus instintos à flor da pele, eu seguro Briar pelo braço e pulo para frente de vez, arrastando-a a tempo de ver uma lâmina passando bem onde ela estava. Quando consigo ficar de pé novamente, vejo o que estava se esgueirando.
Era uma criatura, uma verdadeira criatura. Parecia um humano, e era dos pés até os ombros, porém o que estava acima disso com certeza não devia estar lá. Seus dentes afiados são a primeira coisa que vejo, pois estavam brilhando em visível animação, como se estivesse ansioso para arrancar nossa carne com aquelas presas longas e afiadas. O resto de seu rosto é exatamente o de um lobo: focinho avantajado, orelhas pontudas e olhos avermelhados como sangue. Briar, ao ver o mesmo que eu, imediatamente trava, e apenas eu e Alessandra nos posicionamos ao lado um do outro, percebendo que aquela criatura não estava sozinha.
Havia no mínimo cinco ali, e apenas três de nós. A qualquer momento uma das criaturas pularia para quebrar a nossa formação, e depois disso eu duvido que conseguiria me defender. O ambiente emanava uma energia que mesmo não tendo sentido pessoalmente antes, eu identifiquei que se tratava de morte. É, eu não esperava ser dilacerado por lobisomens hoje, mas acho que tem jeitos piores de morrer. E sinceramente, se eu desse um jeito de enrolar eles até as outras duas fugirem, eu seria um super herói.
Já pensaram? Uma estátua de Alexandre Nero Mattos no centro de Nova Roma, mostrando seus bíceps definidos e esse sorriso canalha que eu fui agraciado desde que nasci? Ah, o mundo não perdia por esperar. Quase como se me chamando para auxiliar nessa missão, alguma coisa no meu bolso se faz presente, esquentando e rompendo um pouco do frio absurdo do lugar, e quando eu estava prestes a pegar para entender o que era, algo mais acontece.
Nos pegando pelas costas e puxando para baixo, Alessandra nos joga no chão a tempo de vermos cinco flechas atravessando as paredes e transformando os lobisomens em pó. Não, eu não estava exagerando, eles simplesmente viraram fumaça dourada assim que a flecha fez contato com eles. Não que eu tenha visto quando isso aconteceu, mas esse foi o resultado final com toda certeza. Com um grande sorriso, a garota de cabelo preto e dourado se vira para a porta, e de lá sai a pessoa mais irada que já vi em toda a minha vida.
Vestida em uma armadura prateada e reluzente, Ártemis aparece com seu arco também prateado. Ela estava com seu longo cabelo preso e trançado, e tudo em sua aura exclamava "eu estou aqui, e eu vou resolver tudo". Ela brilhava como a lua, e por um momento eu pude acreditar que ela realmente era a verdadeira deusa Ártemis. Olhando preocupada para a filha, ela se aproxima e imediatamente eu pude sentir que o lugar perdeu completamente aquele aspecto gélido cruel de antes, e agora o frio parecia aconchegante e convidativo, como se todo o ambiente fosse um templo sagrado.
— Alessa, escuta com atenção, eles já chegaram aqui e eu não consegui impedir. — ela diz enquanto repousa a mão no rosto da filha, acariciando-a em um gesto de conforto. — Eu vou te mandar para um lugar, e você tem que achar o pinheiro mais alto que conseguir, ok?
— M-mãe, eu...
— Se você chegar nele, você estará segura. Protege eles dois, filha,
Antes que Alessandra pudesse dizer mais algo, Ártemis sorri e tira a mão do rosto da filha, logo depois um poodle preto aparece e pula nos nossos pés, distorcendo as sombras abaixo e nos fazendo mergulhar nelas. Enquanto eu sinto minhas pernas afundando, a última coisa que vejo é o rosto desesperado de Alessandra e o brilho ofuscante que sai das mãos de sua mãe, apontando em direção a mais criaturas que estavam invadindo o apartamento.
Quando finalmente sinto que mergulhei completamente, tudo fica preto.
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