Capítulo VII: Menos de um segundo.
Assim que Dante acordou, a primeira coisa que ele fez foi puxar o machado e apontar para todos nós. Algo sobre "como eu sei que vocês são vocês e não ela?". O que quer que ela tenha feito com ele, com certeza deixou sequelas, e felizmente não é problema meu. Depois de longos minutos tentando convencer ele de que somos reais — atividade que eu decidi não participar, visto que meu tempo deveria ser gasto em coisas mais importantes do que ajudar um adolescente maluco —, nós nos direcionamos até o prédio em que Afrodite nos deixou.
Elegante, chique, no mínimo cinco estrelas por ser uma recomendação da deusa da beleza. Verdade seja dita: não me contentaria com menos. O filho do deus do sol merece algumas regalias de vez em quando, principalmente quando tenho uma década de pensão acumulada a receber do meu pai. Infelizmente, deixo avisado de antemão que não posso divulgar o nome, pois a placa de entrada com certeza não estava em uma língua que eu consiga compreender. Tanto faz, apenas saiba que é o único prédio moderno no meio do nada, não tem erro.
— Sem querer ser estraga prazeres, mas alguém aqui tem grana pra pagar um lugar desses?
Dante pergunta, e eu me sinto traído com a ideia de ter que gastar dinheiro com isso.
— A gente tem que pagar?
Ele me olha com a sobrancelha levantada, decidindo não me responder e apenas seguindo em frente. Canalha, eu ofendo-o em minha mente, cauteloso para não falar nada que me faça chegar perto demais do lado afiado do machado dele. Em silêncio, nós cinco entramos no "hotel", e de primeira me sinto em um paraíso (embora levemente gótico). A primeira sensação que me veio foi frio. Óbvio, ninguém gosta de muito frio, porém em casos médios assim eu até preferia. Depois de muito tempo vivendo em países quentes, você aprende a apreciar um bom ar condicionado.
Fora isso, vejo apenas uma recepção simples. Um balcão de madeira escura com uma campainha, algumas plantas — bem exóticas, e juro nunca ter visto nada parecido antes — e sofás, que agem como uma espécie de tentação. Durma aqui, Arthur, não se preocupe com um quarto. Eles pareciam dizer, porém eu resisto. Foi um dia cansativo: vi meus amigos batendo uns nos outros, voei até o prédio do segundo cara mais estiloso do acampamento e logo depois voei para o famoso "meio de lugar nenhum". Qualquer um passaria pela mesma vontade de deitar ali mesmo.
Tomando a frente, a olhudinha esquisita vai até o balcão e toca na campainha, que não faz som nenhum. Constrangedor. Eu penso, certo de que ela não sabia tocar uma simples campainha. Depois que ela bate várias vezes na coitada, uma voz se faz presente.
— Eu já ouvi! — um homem grita de longe. — Já estou indo, caramba!
Pela voz séria e respeitável, já imagino que espécime de homem estava prestes a aparecer. Mais uma vez minhas expectativas se mostram ser veneno auto-imposto, pois embora curiosa, a pessoa que aparece foi bem decepcionante se comparado ao que eu estava pensando. Em pulos curtos, uma caveira — sim, um crânio humano — começa a se aproximar de nós o mais rápido que consegue. Ao chegar na bancada, a caveira se esforça um pouco mais e pula até o topo.
— Hotel Morte Lenta, em que posso ajudá-los?
— Olha... — Dante diz, e nós quatro nos entreolhamos preocupados. Digo quatro pois a Alessandra não parecia ter ficado nem um pouco incomodada com o nome macabro do hotel. Esquisita. — Eu não sei se gosto muito desse nome.
— É tudo marketing, não se preocupe, amigão. — a voz dele parecia tão relaxada que eu não duvido que ele tenha feito um estudo sobre nomes de hotéis gerenciados por esqueletos. — Nossa maior atração é que uma vez já hospedamos um serial killer, e ele matou alguém aqui mesmo! Vocês querem o quarto dele?
— Só por curiosidade, foi você que morreu?
Dante questiona e eu me pego concordando com aquela pergunta. Haviam duas opções: primeira, ele poderia ter sido o serial killer. Segunda, ele poderia ter sido a vítima. Sem meio termo.
— Isso eu não posso contar. — a voz dele soa sinistra por um momento, e todos nós concordamos em não continuar essa linha de perguntas. — E então, vão querer quartos?
— Qual o valor de uma noite aqui?
Kaizer pergunta.
— Cinquenta.
— Cinquenta o quê? — o filho de Atena soa indignado. — Bananas? Maçãs?
— Dracmas, garoto, não é óbvio?
— E isso é por cabeça ou por quarto? — Kaizer continua, sempre detalhista. Um estereótipo de um filho da "deusa da sabedoria", e olha que eu nunca tinha conhecido um antes. — E se for por quarto, quantas pessoas cabem em um quarto? E...
— Pera, pera, pera! Vamos com calma, amigão. — a caveira suspira, cansada. Claramente por drama, considerando uma falta notável de pulmões. — Esse valor é por quarto, e sobre sua segunda pergunta... Bem, se vocês desmembrarem uns aos outros, cabem todos em um quarto só.
— Acho que vamos ficar com um quarto só.
O nosso líder responde, e a caveira abre a boca, esperando. Aproveitando a deixa, Alessandra tira a bolsa de dracmas de sua mochila e conta cinquenta moedas, colocando-as no crânio. Ele as mastiga — e elas simplesmente somem, sem explicação — e após isso ele parece satisfeito.
— O quarto de vocês é o número um! — sua voz soa bem mais feliz. Quem não adoraria comer cinquenta moedas de ouro? Eu respondo: eu não adoraria. — Meu amigo vai levar vocês.
De trás de nós e sem fazer nenhum som, um esqueleto sem cabeça se faz presente, e todos parecem pensar a mesma coisa nesse momento. Isso, claro, após eu e Briar nos recuperarmos do susto que tomamos ao ver o defunto furtivo.
— Vocês dois nunca pensaram em fazer um megazord?
Dante pergunta, e eu seguro a risada com muita dificuldade. Meu medo era de que se ele sentisse que eu estava zombando dele, minha noite seria bem menos pacífica.
— Um mega o quê?
— Zord.
— Megazord? — nosso anfitrião soa tão confuso quanto um idoso soaria ao ouvir essa palavra. — O que em nome de Hades é isso?
— Ah, cê sabe, junta a sua cabeça e o corpo dele, entende?
— Hm... entendo. Bom, não funcionaria, longa história. — pela carga de emoções sentidas na voz da caveira, eu não duvido por um instante de que tenha uma história bem complexa por trás disso. — A propósito, onde estão meus modos? Meu nome é Minos, podem me chamar caso precisem de alguma coisa. Mesmo que tenham várias celebridades hospedadas aqui, ainda devo ter um tempo para cuidar de vocês.
Nós agradecemos e pegamos a chave, porém ele tem um último recado.
— Ah, e você, garotinha do cabelo colorido. Pra você é por conta da casa. — ele abre a boca novamente e uma chave dourada se faz presente. Sem duvidar nem um pouco das intenções dele, Alessandra pega a chave com um grande sorriso. Esquisita e ingenua. — Um quarto só seu, cortesia nossa.
— Ei... meu pai é namorado do seu chefe, eu não ganho nada não?
Pergunto indignado. Tem que ter algum mimo para o afiliado do patrão, não? Mesmo que ele talvez tenha me amaldiçoado por eu sequer existir.
— Shiu, garoto! Se eu fosse você não comentaria isso com ele. — eu sinto como se Minos estivesse tapando minha boca com uma mão invisível. — Caso algum dia você veja ele cara a cara, nunca, em hipótese nenhuma, fale sobre isso, entendeu? Assunto proibido, pelo seu próprio bem.
— É, Arthur, eu acho que eles se divorciaram.
Briar sussurra ao meu lado. Eu levanto a sobrancelha, confuso.
— Você não é muito esperto, né? — Minos revira seus olhos inexistentes, decepcionado. — Diz ai, garoto, você tem uma mãe?
— Tinha.
— Eis a sua resposta.
Uma imensidão de pensamentos cruzam a minha mente nesse momento, um de cada vez, cortando cada linha de raciocínio pela metade. Tudo que eu entendi foi: tem a grande possibilidade de Hades ter matado a minha mãe. Se Minos quis dizer isso como um aviso para "se aconteceu com sua mãe, acontece com você", então não serviu para me intimidar, e sim para me enfurecer. A minha mãe. A pessoa que eu mais amo nesse mundo, punida pela raiva de um deus imbecil desses? E tudo por culpa do meu pai, que não impediu o próprio marido egoísta?
Babacas, todos eles. Eu sabia que os deuses não eram os mais prestativos, nem os mais corretos moralmente. Mas isso? Sem que percebesse, eu já estava rangendo os dentes e contando os dias para ver Hades pessoalmente.
— Ah... posso recusar?
A voz irritante de Alessandra me traz de volta dos meus pensamentos, apenas para me lembrar de mais um detalhe. E cá estava a filha do homem que matou a minha mãe, vivendo a vida sem nenhuma maldição, sem sofrer nenhuma consequência, protegida até o fim. Uma parte minha sabia que não era culpa dela, já que ela nem ao menos conhecia Hades, porém outro lado meu — um lado do qual não me orgulho muito — sentia raiva dela.
— Pode, mas é só uma cortesia, nada demais.
— Eu gosto de cortesias.
— Então tá jóia! — Minos responde contente. — Tudo pela filha do patrão.
Ao entender quem era o mencionado "patrão", Alessandra suspira e abaixa a cabeça, derrotada e sussurrando "eles não entendem". Abram os portões da coitadolandia, pois lá vem a maior coitada do acampamento meio-sangue! De certa forma, eu estava contente que ela dormiria separada do resto de nós, pois caso contrário, eu falaria poucas e boas para ela. Seria uma conversa enriquecedora e longa? Não, provavelmente não, já que noventa por cento do tempo eu falaria e ela apenas ouviria, e eu acho que isso seria demais para mim.
Antes de nos separarmos, Alessandra entrega algumas moedas para Kaizer, e ambos conversam sobre algo chamado "mensagem de Iris". Besteirinha mágica, bla bla bla, conversa de gente chata e sem sal. Minha mente se esforça para pular essa conversa, e quando percebo, estamos caminhando para um lugar muito mais interessante: o refeitório. Infelizmente, a comida servida era algo entre "lodo" e "lixo da esquina". Deve ser uma iguaria para os mortos, embora não tanto para os vivos. De repente, eu já sentia que odiava esse hotel e gostaria de sair daqui o mais rápido possível. Você me paga, Afrodite.
Como segunda opção, decidimos voltar ao quarto e comer comida enlatada, o que francamente era bem triste considerando que estávamos em um hotel. Já que aparentemente fogões não haviam chegado ao submundo ainda, nos contentamos com esquentar a comida usando a adaga de fogo da Briar. Processo simples, embora demorado: botar duas latas em cima da adaga e esperar. Nesse momento me senti mais próximo do Kuta do que gostaria de admitir, e aceito que é uma vida que eu jamais desejaria ter. Claro, nada nesse grupo poderia ser normal, seria demais para nós.
Portanto, em uma sacada de gênio, Briar decidiu pegar a lata quente de vez, esquecendo o detalhe de que ela mesma era responsável por esquentar a comida. O resultado? Uma mão queimada, e não era uma queimadura bonita, com certeza. Perdido nos confins do Kansas, preso com a filha do homem que matou a minha mãe, comendo comida enlatada que foi aquecida por uma adaga mágica, cercado de idiotas e eu nem ao menos tenho um prato? Não, impossível. Sem falar nada, me levanto e vou até o refeitório, pego um dos pratos que estava cheio de "comida" podre, jogo-a no lixo — enquanto seguro o vômito, por conta do cheiro forte — e limpo ele completamente usando a pia do banheiro. Quando esse processo acaba, abro o meu primeiro sorriso em horas, e nesse momento eu percebo:
Se eu estava sorrindo por ter um prato limpo, então tem algo muito errado comigo.
— E então... Arthur... — Briar fala com um clássico tom de "papo furado a caminho". — Você tá bem? Desde que falaram de Hades você ficou meio... estranho.
— Tudo certo.
Respondo sem querer elaborar muito. Claro que não estava tudo certo, porém eu não gostaria de ser o estraga prazeres do recinto, já que qualquer mínima reclamação aqui destruiria o resquício que temos de bom humor. Ainda assim, uma parte minha gosta dela ter notado como eu estava. Não é como se eu ligasse muito para isso, mas... ok, eu ligo um pouco.
— Você acha que ele tem algo a ver com essa história? — ela continua as perguntas. — Digo, sobre a missão e tudo mais? Ele pode ter prendido Atena.
— Não quero ofender o pai de ninguém. — digo enquanto lanço o olhar mais "quero ofender o seu pai" que consigo expressar na direção de Alessandra, que não parece perceber nada de diferente. — Mas é bem possível que ele tenha envolvimento nisso. Afrodite disse que um semideus estava por trás do sequestro dela, e esse semideus pode ser o culpado que buscamos. Agora... se ao menos houvesse um semideus que tivesse envolvimento com Hades...
Lentamente, nós quatro olhamos para Alessandra, que percebe os nossos olhares e apenas abre um leve sorriso, levantando um dedão para nós. Quando tento entender o porquê dessa reação dela, vejo que a mesma estava de fone desde o início da conversa, provavelmente escutando música em um volume mais alto do que conseguimos produzir mesmo se todos gritassem ao mesmo tempo. Eu reviro os olhos e solto um grunhido.
— Bem, já que não temos muitas pistas ainda, o que acham de irmos dormir, hein? — Briar diz enquanto boceja e se levanta. Aos poucos, os bocejos se espalharam entre o grupo, e eu me lembro do quão contagioso eles são. — Amanhã temos que ir pra Las Vegas, deve ser uma viagem chaaaata e loooonga...
— Voar de pássaro é chato pra você?
Dante pergunta enquanto coça os olhos, visivelmente cansado.
— Quando eles derrubam a gente... — eu respondo no lugar de Briar. — Bem, não nos derrubaram, mas chegaram bem perto.
Quase que totalmente silencioso, Kaizer sai do quarto, sussurrando apenas "já volto!" enquanto fecha a porta. Dando de ombros e decidindo que aquele problema caia na categoria "não é meu", me deito na cama e me sinto um rei naquele momento, ou ao menos me sentiria se eu não estivesse furioso até agora. Como eu pretendo conseguir dormir no hotel de Hades? Enquanto todos os meus colegas se preparam para deitar, Kaizer retorna, aparentemente animado.
— Eu tenho duas notícias! Primeiro a boa. Pessoal, consegui informação bem útil sobre a missão. — ele diz e eu fico surpreso. Realmente, esses filhos de Atena são sabidinhos. — E a notícia ruim é: eu gastei todas as moedas que você me deu, Alessandra.
— O que?
Ela pergunta confusa.
— É, eu precisei, a informação não era grátis e...
— Você gastou todas as moedas?
Alessandra corta a explicação de Kaizer, ainda visivelmente chocada pela notícia.
— Gastei, o preço era um pouco alto e...
— Mas... — ela diz como se tivesse perdido um milhão de dólares, e eu me questiono quantas dracmas Kaizer gastou nessa busca por informações. Talvez ele não fosse tão sabidinho assim, porém eu prefiro acreditar que Alessandra é apenas uma garota mimada e reclamona. Torço por você, Kaizer! — Por que todas as moedas?
— Hm... — Kaizer coça a própria nuca, olha de um lado ao outro da sala e logo depois fingiu uma tosse. — Haha!
Ele solta uma risada falsa e desconfortável, sendo encarado por todos da sala ao mesmo tempo. A conclusão era unânime, mesmo que em silêncio: Kaizer gastou mais do que devia, e eu preciso aprender a não apostar nas pessoas do meu grupo. Derrotada, Alessandra aceita que estamos um pouco mais próximos da falência, e Kaizer nos reúne para contar o que ouviu da boca esqueletal de Minos. Aparentemente, um dos hóspedes estava agindo de forma estranha, falando coisas que levou o nosso anfitrião ossudo a acreditar que ele poderia ter algo a ver com o sequestro de Atena.
— Uma missão de tocaia? — Briar fala um pouco mais alto do que deveria, forçando Dante a cobrir a boca dela com sua mão. — Ah, desculpa. É que isso é muito legal, sempre quis fazer uma!
— Mais ou menos isso aí mesmo. — Kaizer responde. — Só que eu não sou muito bom em me esconder.
— A Alessa é!
Briar aponta, e até eu sou forçado a concordar. Ela era tão boa em esconder que às vezes eu sinto que ela está escondendo uma personalidade de verdade por trás dessa atitude de porta ambulante. Orgulhosa, a garota concorda com a cabeça e abre um sorriso.
— Então é esse o plano. Alessandra, você vai até o último quarto e a gente te dá cobertura. Tenta procurar alguma pista, sacou?
Ela responde levantando o dedão.
— Eu tenho uma ideia melhor. — digo enquanto cruzo os braços. — Esse hotel é basicamente dela, gente, é só ela pedir a chave para o recepcionista.
— O hotel não é meu.
— Ai, garota, é quase seu. O recepcionista gosta muito de você, cortesias e tudo mais, lembra? — respondo enquanto reviro os olhos. Todo mundo sabe que o hotel não é seu, Alessa, isso é só uma forma de expressão! — Você entendeu o que eu quis dizer.
— Mas... eu fico com vergonha...
— O Arthur tá certo, Alessa. A gente precisa de pistas para encontrar a mãe do Kaizer, lembra? — Briar me apoia, e isso faz com que ela suba um pouco na minha avaliação. Eu ainda não perdôo ela pela briga de antes, porém estava mais disposto a deixar isso se tornar águas passadas. — Relaxa, a gente vai com você.
Incerta, Alessandra sai do nosso quarto e vai até a recepção. Após alguns minutos, ela volta tão cabisbaixa que parecia ter perdido um milhão de... espera, não é possível.
— Eu consegui a chave. — ela diz enquanto mostra a mencionada chave. — Mas eu gastei mais moedas que o Kaizer.
— Ahh, foi mesmo? — Kaizer pergunta sarcasticamente, e a garota concorda com a cabeça, evidentemente magoada pela situação. — Puxa vida Alessa, mas eu achei que você era melhor nisso, o que aconteceu?
— Eu... não quero falar sobre.
— Alessandra, quantas moedas ainda temos?
Pergunto receoso, afinal, poderíamos estar mais perto de zero do que eu gostaria que estivéssemos, após tantos gastos desnecessários. A moral? Mortos conseguem ser mais gananciosos e golpistas do que os vivos, por alguma razão inexplicável. Olhando para cima e sussurrando números por alguns segundos, Alessandra eventualmente estala os dedos e olha para mim.
— Novecentos e dezoito dracmas restantes na bolsa.
— Novecentos e dezoito? Pelo amor de De- dos deuses, garota! Estamos ricos!
— N-não, Arthur... dinheiro acaba rápido. — ela diz enquanto amarra a bolsa com toda a sua habilidade e a guarda na mochila novamente. — Meu pai sempre disse isso. Ele também diz que eu preciso ser mão de vaca, mas eu não sei o que isso significa.
— E vaca tem mão?
Briar questiona.
— Exato! Vacas não tem mão, isso não faz sentido.
Antes que Kaizer tivesse um ataque cardíaco — o que estava prestes a acontecer, pois ele estava quase tremendo por conta da conversa que estava ouvindo — eu e Dante convidamos novamente o grupo a nos retirar do quarto. Após nos reorganizarmos, vamos até o fim do corredor. Quarto treze, o número do azar, que ótimo! Certamente isso era uma boa ideia, claro que não tem nenhum perigo mortal do outro lado dessa porta. Tomando a frente, Alessandra se aproxima da porta e encosta o ouvido nela, fazendo uma expressão de confusão.
Logo depois disso, ela coloca o olho na fechadura, e por um minuto inteiro fica alternando entre ouvir e olhar. Ao fim desse longo minuto, ela sussurra algo para Briar, que por sua vez inicia um jogo de telefone sem fio improvisado. Infelizmente, creio que tenhamos perdido a mensagem original no meio do caminho, pois o que chega até mim é: "tem velha bruxa lá dentro". Eu duvido que tenha uma velha bruxa lá? Não, nem um pouco, porém algo soa errado nisso. Tomando a linha de frente, Dante toma a chave da mão de Alessandra e abre a porta.
— Serviço de quarto!
Ele diz, e assim que gira a maçaneta, entendemos a confusão de Alessandra. O quarto estava puro breu, exceto por velas roxas iluminando o lugar (suponho que essas sejam as velhas bruxas). Fora isso, o único som audível era de respiração ofegante, como a de um atleta após correr por uma hora sem parar, ou algo mais próximo da morte por cansaço do que isso. Kaizer puxa a lanterna, e isso nos permite ver um líquido roxo brilhante ao lado da cama e botas na ponta. Alessandra entra no quarto também, porém dá a volta para averiguar o que estava deitado no chão.
Quando a curiosidade vence de mim, me aproximo bem a tempo de ver Alessandra cutucando a criatura no chão com a ponta de sua foice. Assim que ela o faz, a criatura para de se debater e fica travada no chão. Péssimo, péssimo sinal.
— Senhor...?
— Ou senhora!
Dante chama novamente e Briar complementa, sem resultado.
— É, acho que nosso trabalho aqui acabou, vamos voltar. — ele diz enquanto cutuca novamente a criatura com a parte cega de seu machado. — Não tem como interrogar bicho morto.
— Não tá morto, Dante, e a gente já está aqui, precisamos investigar melhor!
Briar insiste, muito para a infelicidade de seu irmão, que evidentemente não consegue encontrar a força dentro de si para negar um pedido tão honesto quanto o de investigar uma criatura se debatendo no chão. Que lindo o amor entre irmãos, juntos até em escolhas idiotas! Desconsiderem que eu era um dos mais próximos do perigo, visto que isso afetaria muito a minha posição em criticar a decisão deles de continuar aqui. Bem, era um perigo até que razoável se for comparado ao dragão ou a cobra gigante que nos perseguiu.
Parecia até mesmo um ser humano. Clinicamente próximo da morte, com a pele esverdeada e um olhar de mil jardas, porém era humanóide o suficiente para eu não sentir tanto medo. A única coisa que entregava sua verdadeira origem eram seus olhos, que claramente não eram humanos.
— Aí, amigão, você sabe alguma coisa sobre Atena?
Kaizer interroga, e isso causa a primeira e única reação que vimos na criatura. Ela imediatamente fica de pé, como se estivesse flutuando até essa posição, e logo depois fica de costas. Se isso não era uma cena de terror óbvia, eu não sei o que é, e nesse momento eu me sinto o protagonista idiota que morreria por uma decisão burra. Todos nós recuamos um passo para trás, pois além de levantar como um vampiro, a criatura também era enorme, contando com mais de dois metros de altura agora que estava de pé.
— E então, Atena? Alguma coisa?
Kaizer tenta novamente, e a cena a seguir é tão familiar que me causa deja vu. Mesmo de costas para nós, a cabeça do monstro vira 180 graus imediatamente, soltando um som de ossos se partindo. Ele encara Kaizer friamente, e eu juro que sinto todos os nossos corações pulando uma batida. Quando entendemos o que estava acontecendo, já era tarde demais. O monstro avança em Kaizer em um piscar de olhos, agarrando-o pelo pescoço e levantando o garoto como se ele não pesasse nada. Seus olhos monstruosos começam a brilhar com uma chama roxa, e de sua boca escorre um líquido com a mesma coloração.
— Atena, pai de todos. Atena, salvar!
Ele grita enquanto sufoca Kaizer. Ao mesmo tempo, Alessandra, Briar e Dante avançam no monstro, atacando seu braço com suas armas. O machado de Dante parece ser o mais efetivo, o que acaba agindo contra eles. Assim que ele puxa a sua arma de volta, um grande corte se abre na criatura, e aquele líquido roxo respinga nos dois filhos de Ares. Felizmente, eles agem por instinto, esquivando da maior parte do líquido. Algumas gotas ainda acertam eles, causando queimaduras que poderiam ser bem piores caso eles não tivessem reagido tão bem.
— Labirinto, Cáucaso, Atena, fogo!
O monstro continua gritando, e aos poucos Kaizer vai ficando sem ar, mesmo com o fluxo constante de cortes na criatura. Furioso, Dante ergueu seu machado acima de sua cabeça, descendo ele com toda a sua força na direção do pescoço da criatura, decepando-a imediatamente. Por um segundo, o corpo continua agarrando Kaizer, porém ele eventualmente cede também. A cabeça dele rola pelo chão, sem deixar de encarar o filho de Atena. A chama em seus olhos se apaga, e ele abre a boca novamente.
— Hefesto. — a voz fraca da criatura se esforça para soltar palavras que ele nem deveria ser capaz de proferir. — Encontre... Hefesto.
Enquanto as veias em sua cabeça começam a brilhar cada vez mais forte em uma coloração roxa, vejo o sangue que ele deixou derramar causando chamas ao contato. Assustado, percebo que o corpo dele ainda continua de pé, e brilha assim como a sua cabeça. O brilho fica mais forte a cada segundo que passa, e eu percebo que estava perto demais dele. Esse foi o meu maior erro, e talvez me custasse tudo, pois o que acontece depois surpreende a todos nós.
A criatura explode em um inferno de chamas roxas, e mesmo em meio a essa luz ofuscante, minha visão escurece de vez.
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