II - Espião do Planeta Terra
Helen, assustada com a hipótese que pairava em sua cabeça, foi até a janela. Passou a fitar o horizonte, em uma tentativa de disfarçar o que acontecia, e mergulhou na mente de sua avó. Sentiu a dor, as preocupações, a angústia e o sofrimento ao pensar em sua possível morte, a ameaça de ficar longe daqueles que amava.
Neste momento, Sophia a chamou, interrompendo a conexão:
— Helen!
A menina a fitou nos olhos.
— Está tudo bem, minha querida?
— Sim. Por um momento, viajei nos pensamentos com saudades dos meus pais e do vovô Merko.
A partir daquele momento, Helen percebeu o grande poder que tinha. Mas de forma alguma aquilo era um fardo, algo a se temer. O seu maior objetivo era ajudar aos seus e amor não causa fadiga. Ao contrário, ele sempre mostra que somos mais fortes que pensamos.
"Não se preocupe, vovó! Você vai ficar bem... esta doença vai passar."
— Ai meu Deus! Outra vez ouvi a voz de Helen dentro da minha cabeça.
A neta sorriu e disse:
— A senhora precisa descansar.
Lorena fitou nos olhos dela como se ficasse cheia de dúvidas em sua mente.
Isabelita e Sophia sorriram junto com Helen, achando engraçada, ao mesmo tempo que estranha a situação.
— Também acho que você precisa relaxar, minha sobrinha. Sua neta tem razão.
***
No aeroporto de San Jose, os tios de Lorena se despediram delas com fortes abraços. As três prometeram que voltariam assim que possível e seguiram viagem para a Califórnia.
Dentro do avião, Helen começou a treinar o seu poder para passar o tempo. Passou então a ler telepaticamente os pensamentos dos passageiros e percebeu a grande tensão que alguns sentiam durante a viagem.
Ela olhou para um senhor que estava três fileiras à frente e viu que ele colocara uma blusa sobre a cabeça. Em seguida abaixou, encostando-se ao banco da frente como se quisesse se isolar do mundo. A menina ouvia as palpitações daquele senhor como se o coração dele quisesse sair pela boca. E sem saber como, de alguma maneira absorveu aquela sensação de medo. Aquilo lhe fez mal.
— O que houve, Helen? Está tudo bem? — Indagou Sophia.
— Um pouco de mal-estar, mas já vai passar. Deve ser a altitude — respondeu a menina enquanto fitava o horizonte pela janela.
— Relaxe e descanse. Daqui a algumas horas estaremos em casa — sussurrou Sophia, que sorriu para passar uma sensação de tranquilidade.
— Estou com saudades do papai e da mamãe. Onde será que eles estão agora?
— Com certeza deve estar tudo bem — Sophia tentou consolar a menina.
Helen começou a percebeu que penetrar na mente dos outros e deparar com seus sentimentos podia ser mais doloroso que lidar com as suas próprias emoções. Com um semblante triste, olhou para a avó. Percebeu a tristeza de Lorena tão forte que parecia esmagá-la. Sentiu a falta de seus pais ali, naquele momento. Talvez eles pudessem ajudá-la.
Lorena pediu um analgésico à aeromoça e depois de ingeri-lo com um copo de água, encostou sua cabeça no apoio e voltou a pensar em Merko. Ansiava chegar rápido em casa e saber alguma notícia a respeito dos seus familiares, de alguma forma. Mesmo não se sentindo bem fisicamente, se sentia na obrigação de cuidar das meninas.
Enquanto isso, Sophia parecia olhar para a aeromoça que servia alguns lanches, mas seus pensamentos vagavam para longe. Precisamente para a sala de aula de sua universidade. Não via a hora de voltar ao curso que era o seu sonho desde a infância. Mas o que lhe deva mais saudades era o rapaz que conhecera, Hans Rethins. Alemão, loiro, de olhos verdes e aparência atlética, ele chamou a atenção de Sophia desde o primeiro dia em que o viu. Apesar de falar bem o inglês, ele tinha um sotaque que o destacava dentre os outros pesquisadores. Quando Sophia conversava com ele na universidade, percebia que todos os olhavam.
Hans era engenheiro e desenvolvia um projeto sobre inovações no campo da telescopia espacial, em conjunto com o Instituto de Cosmologia do Estado da Califórnia, mesmo lugar onde Nícolas, irmão de Sophia, trabalhava.
Com quase 30 anos, já sabia o que queria da vida. O rapaz sempre quis arrumar uma namorada, de preferência que fosse da área de engenharia, e Sophia era a pessoa com quem sempre sonhara. Apesar de ela ser mais jovem e estar apenas começando o curso, Hans se interessou por ela e seu coração dizia que era correspondido.
Eles já haviam saído juntos para assistir um filme, e justamente quando a relação parecia ir adiante, ela fora obrigada a viajar. Ambos se comunicavam por e-mails e pelas redes sociais, mas ela sabia que não havia nada melhor que os "olhos nos olhos" para que algo se desenvolvesse. Eles estavam há algum tempo sem se ver e Sophia sentia saudades.
Ela se lembrava sobre a última troca de mensagens entre eles:
"Querido Hans, estou com saudades e espero vê-lo em breve. Gostaria de estar aí, junto de você."
Ele respondeu:
"Volte logo para as aulas. Tudo aqui fica mais bonito com a sua presença. Sinto a sua falta".
"Voltarei em breve! Beijos".
No assento ao lado de Sophia, Helen tentava dormir um pouco, mas sua imaginação não deixava. Lembrava-se da viagem ao Japão que ganhara de presente de seus pais e as revelações que ocorreram naquele país.
Era difícil para ela acreditar em algo tão magnífico e surpreendente. O fato de ter viajado com a sua avó e a tia Sophia foi benéfico para ela, porque pôde ficar um pouco afastada de tudo e refletir sobre a vida.
Ela sabia que era diferente desde que começou a ouvir os pensamentos dos seus colegas de classe, mas ainda era apenas uma criança e não era fácil aceitar sua nova realidade.
Seu poder telecinético também a deixou impressionada. Ela podia mover os objetos com a força do pensamento e aquela explicação que lhe foi dada durante a viagem ao Japão era a mais plausível.
Não podia se esquecer daquela imagem de quando se transformou em uma extraterrestre. Ela lembrava nitidamente daquele dia.
"Mas e agora? Como vou lidar com tudo sozinha? Onde estão meus pais e o avô, que prometeram me ajudar a conviver com essa nova situação? Por onde andam aqueles que iriam me proteger?"
De repente, ela olhou para o reflexo na janela do avião para ver se ela estava com a aparência normal e passou os dedos sobre o vidro suavemente. Ao pensar que poderia estar na forma extraterrestre ali, naquele momento, o coração da menina disparou.
"Nem posso imaginar como seria se tivesse que viver para sempre naquele corpo em que me transformei no Japão. Meus colegas iam morrer de medo e eu não teria amigos".
No entanto, ela, ou melhor, nenhuma delas imaginava que suas preocupações eram mínimas perto do que as esperava.
***
Enquanto isso, em Los Angeles, Dargan, o espião de Mirov, continuava a acumular informações sobre a família de Merko, como lhe fora ordenado inicialmente. Ele havia assumido a forma do engenheiro alemão Hans Rethins, que trabalhava no mesmo lugar que Nícolas, justamente para poder vigiar o inimigo.
Assim que pode, investigou os cadastros do jovem no Instituto, e descobriu que ele se casou com Zara e tinham uma filha, Helen. Com os seus sobrenomes em mãos foi fácil encontrar Merko pelo sistema de navegação primitivo dos humanos, a internet, e ver que ele havia se casado com a mãe do rapaz, Lorena.
Ao assumir a forma do engenheiro germânico, Dargan congelou Hans para tomar o seu lugar e escondeu-o, sem imaginar que a filha de Lorena havia começado a namorar o verdadeiro dono da identidade que assumira. Mas assim que viu o primeiro e-mail de Sophia, viu ali uma oportunidade valiosa de prender os seus alvos em uma armadilha. Para sua plena satisfação, ela, junta com a mãe e Helen estavam voltando para casa.
Restava-lhe esperar o contato de Mirov para definir o próximo passo. O que ele não sabia era que o ex-monarca estava ocupado demais fugindo de seus perseguidores no passado terrestre, e por isso não dava notícias. Enquanto isso, o espião continuava de olho em tudo monitorando cada detalhe.
Enquanto aguardava um contato, fazia a sua parte no Instituto de Cosmologia da Califórnia. Era responsável pelos gigantescos telescópios que vasculhavam os céus em busca de informações sobre o cosmos. O objetivo da instituição era pesquisar os milhares de corpos celestes e encontrar planetas habitáveis, assim como comprovar o nascimento do Universo pelo Big-Bang.
Dargan era especialista em Cosmologia e usava as mais evoluídas tecnologias para navegar nos cruzadores de batalha espaciais. Ele havia levantado toda a vida pregressa de Hans e sabia tudo sobre o trabalho que ele desenvolvia. Como já dominava aqueles assuntos, bastou estudar mais sobre os projetos do alemão para assumir o lugar dele sem deixar suspeitas.
Infiltrado naquele lugar, ele sabia que encontraria Nícolas e, consequentemente, Merko. Por isso resolveu trabalhar no Instituto de Cosmologia, onde esperava ansioso por alguma notícia do terráqueo ou de sua família. Depois de pesquisar os arquivos do instituto, descobriu que o alemão também desenvolvia um projeto de pesquisa no setor de engenharia espacial do campus de uma Universidade e, mesmo sem desejar, teria de visitar o lugar e dar continuidade ao projeto para não chamar a atenção dos outros.
Durante a noite invadiu as casas da família de Nícolas e colocou algumas escutas e equipamentos que permitiria vê-los com hologramas. Também colocou rastreadores nos carros que estavam na garagem.
Mas todo o treinamento não o preparara para uma coisa que o deixaria fraco e indefeso: o coração. Um dia, enquanto trabalhava, conheceu uma bela jovem: Rachel. Ele ficou trêmulo com a presença daquela mulher desde que a viu pela primeira vez.
Aquele sentimento o deixou perdido. Não entendia como podia sentir atração por uma humana do passado. Mas era impossível resistir à voz dela, aos seus olhos e sorriso. Ela o fazia esquecer de tudo, até de Sophia, Nícolas e os outros humanos que deveria ludibriar. O espião estava experimentando o amor.
Por isso, assim que pode, se apresentou à moça morena.
— Olá, eu sou Hans, muito prazer em conhecê-la. No que eu puder ajudar é só falar — estava nervoso ao vê-la se aproximar para utilizar os sistemas de telescópios de seu departamento.
— Oi! Obrigado, sou Rachel, a nova estagiária aqui. Minhas funções de pesquisa ainda não estão bem definidas, mas com um pouco de ajuda dos colegas mais experientes conseguirei me engajar. Aprendo rápido, você vai ver. Agradeço no que puder me auxiliar — ela parecia muito empolgada ao conhecer o colega de trabalho.
E por que não deixar crescer um súbito interesse no homem de traços marcantes?
— Fique à vontade para me perguntar o que quiser, Rachel — retrucou o espião que, embora estivesse com as pernas bambas, achara um motivo a mais para ficar na Terra.
Esse foi o primeiro despertar que surgiu na mente dele. No fundo de sua alma, o espião estava gostando de morar na Terra. Tudo seria bem mais fácil se quisesse vestir a pele de um humano e viver uma vida comum, por ali. Ainda começou a perceber as muitas diversões que haviam neste planeta e tudo que poderia fazer com o que já sabia sobre o futuro da humanidade. Mas a sua mente, sempre tão prática e racional, sabia que ele precisaria retornar ao planeta Vida assim que a sua missão terminasse.
Qual das decisões tomaria? Dentro de si, o que venceria? Será que decidiria por permanecer aqui durante o resto de sua vida?
Depois de passados três dias da primeira troca de palavras, enquanto Dargan preparava os equipamentos de informática, alguém o interrompeu:
— Hans! Lembra-se de mim?
Como poderia se esquecer dela?
— Rachel, que bom a ver de novo. Posso ajudá-la de alguma forma?
— Só queria saber se você aceitaria tomar uma xícara de café comigo.
— Claro que sim! Vamos até a cafeteria que tem aqui ao lado. O café de lá é ótimo — disse Dargan, tão rápido que as palavras pareciam saltar de sua boca.
Os dois foram aproveitar a hora do lanche para se conhecerem melhor. Ela, com certeza, havia tornado o dia dele mais interessante.
Descobriu que Rachel era filha de pai americano e mãe colombiana. Seu pai era um coronel e servira na Colômbia em uma missão em que o exército americano ajudava o governo local a melhorar a inteligência militar.
Neste país, o pai conheceu a mãe de Rachel e se apaixonou perdidamente por ela. Casaram-se logo depois. De volta aos Estados Unidos, foram morar em Los Angeles, onde nasceu a linda filha que agora era uma dedicada física.
Rachel tinha 29 anos, sonhava fazer uma descoberta inédita sobre as estrelas e deixar os pais orgulhosos. Aquele era o lugar onde poderia realizar seu maior desejo.
O Instituto tinha os equipamentos de ponta e os melhores pesquisadores do mundo, que ali trabalhavam vindos de vários países a fim de compartilharem as suas descobertas. Era um lugar de referência mundial em pesquisas cósmicas.
Assim como Dargan se atraíra por ela, Rachel sentiu um fascínio forte pelo espião das estrelas. Na pele de Hans, ele aparentava ser um homem maduro como toda mulher sonha encontrar. Era um homem inteligente, como ela sabia apreciar. Por isso, Rachel encheu-se de coragem e resolveu convidá-lo para sair:
— Você gosta de burritos? Conheço um ótimo restaurante mexicano que serve uns deliciosos.
— Desculpe-me, Rachel, mas não sei o que são burritos.
— Já vi que você não é deste planeta — brincou, sem imaginar o quanto estava certa. — Quem não conhece os famosos burritos da Califórnia?
Dargan congelou ao ouvir aquilo. Será que ela descobriu minha identidade? Pensou, começando a suar, sem saber o que dizer.
Ela sentiu que a brincadeira o deixara nervoso e amenizou:
— Estou brincando com você, bobo. Acho que não se sentiu muito à vontade com minha sugestão. Se quiser comer outra coisa, tudo bem para mim.
— Não.... É que.... Eu pensei.... Bom, eu aceito o convite! Vamos sair para conhecer o tal burrito.
— Que bom. Tenho certeza que você vai gostar. Pode me pegar às 8 horas?
— Está bem. Pode me passar o seu endereço?
— 36, Rose Street. Não se esqueça, vejo você às oito. — Rachel respondeu com um sorriso sedutor.
Ele ficou olhando-a sair do laboratório e não acreditou que aquilo estava acontecendo. Pensou por um momento que não deveria namorar uma terráquea, mas ela era tão linda e o atraía tão fortemente. E antes que Sophia aparecesse, queria sair com alguém que fosse do seu gosto, não apenas mais uma missão.
"Não posso perder esta oportunidade", pensou o homem do espaço que pela primeira vez estava realmente atraído por aquela mulher.
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