Depois de navegarem durante algum tempo e ultrapassarem a brecha espaço-temporal, a porta se abriu na ponte de comando da Star Hunter. O capitão Kirubi começou a falar com Mirov, que estava sentado na cadeira de comando:

— Senhor, por que estamos viajando por uma ponte espaço temporal até uma constelação distante do sistema solar terrestre?

— Nós poderíamos nos transmutar e viver entre os terráqueos e ninguém nos reconheceria. Ficaríamos em paz e Merko jamais nos acharia — disse Radof, entrando na conversa.

O prepotente Mirov olhou-os com desprezo. Não aceitava ser questionado, mas precisava da ajuda de ambos naquele momento. Não podia desperdiçar seus peões durante aquela jogada. Por isso, respirou fundo para segurar a sua ira e respondeu, com o seu egocentrismo aflorando:

— Vocês creem que, depois de ser rei único e absoluto de um planeta, eu iria querer viver escondido na Terra, como um mero inseto para ser capturado ou pisoteado? — Ele começou a gargalhar, ao pensar naquela simples hipótese. — Eu, Mirov, não nasci para me entregar, mas sim para pisar na cabeça dos meus inimigos.

— Mas, senhor, o que pretende fazer? — Indagou Kirubi, levantando as sobrancelhas, desconfiado.

—Tenha calma, capitão e siga as coordenadas que determinei. Em poucas horas, chegaremos à constelação do Caçador de Órion, na Via-Láctea. Quando estivermos lá, permitirei que saibam qual é o meu plano.

O capitão olhou para Radof, cheio de dúvidas. Ambos não entenderam quais eram os objetivos reais de seu comandante, mas desconfiaram que alguma coisa ruim estava sendo arquitetada pela mente maquiavélica de Mirov.

Será que o rei está louco? — Pensaram. Mas do que adiantava tirarem aquela conclusão agora, já que não tinha mais como desistirem?

Enquanto todos descansavam e comemoravam o retorno da paz, Drako estava na base, pesquisando as últimas coordenadas de viagem da Star Hunter. Assim que pode, Merko foi atrás dele:

— Alguma novidade sobre Mirov? — Indagou assim que entrou na sala.

— Senhor, os sistemas de informação de todas as naves do planeta estão ligados ao grande computador central, localizado no prédio de Informática. Estou tentando acessar as coordenadas de destino da nave, mas isso vai demorar um pouco. O que consegui ver, até o momento, foi que minutos antes de fugirem, o servo do conselheiro, Radof, acessou a entrada do laboratório de genética do prédio científico. Acho interessante vermos os registros do que ele foi buscar lá.

— Obrigado, Drako. Suas informações são sempre muito úteis. Continue procurando e me avise sobre todas as novidades que tiver sobre Mirov — disse Merko, apreensivo — Eu vou ao prédio científico pessoalmente.

— Sim, senhor. Estaremos em contato.

Ao sair, Merko chamou Nícolas e Zara para o acompanharem. Ela, principalmente por ser especialista em Genética, e foram ao laboratório verificar o que Radof fora fazer lá antes de fugir. Enquanto iam para lá, Drako enviou para eles as gravações que as câmeras holográficas haviam capturado. A doutora conseguiu comparar, assim que chegaram, os últimos registros, e pôde perceber o que Radof havia retirado: materiais genéticos resultantes de pesquisas científicas. Ela ficou apavorada diante da hipótese de aquilo ser utilizado para fins escusos.

— Que é isso que ele veio buscar, Zara? — Perguntou Nícolas.

— Pelas locais que ele acessou, posso dizer que em parte são materiais que possibilitam a clonagem de habitantes do planeta Vida e, também, de répteis gigantes ou dinossauros, cuja manipulação havia sido proibida. Os animais que sobreviveram às experiências genéticas antes delas serem abolidas foram enviados para a Floresta Mutante e lá vivem até hoje, longe da sociedade.

— O que será que Mirov quer com isso? — Merko, indagou, preocupado.

— Não é boa coisa, disso nós podemos ter certeza — retrucou Nícolas com um semblante apreensivo.

— Vamos ver o que Drako descobre e uniremos as informações para montar este quebra-cabeça — concluiu Merko, antes de sair com eles.

Foi nessa hora que Drako chamou-o, telepaticamente, para conversarem na sala central de computadores do governo do planeta Vida.

Ele, Nícolas, Zara e Sivoc foram ao encontro de Drako, curiosos para saber algo a respeito do paradeiro do vilão.

— Consegui acessar as últimas coordenadas da nave de Mirov. Parece que o último destino foi a constelação do Cão Maior, no Caçador de Órion, no sistema solar de Sirius. Se o seguirmos, poderei definir melhor as coordenadas quando estivermos mais próximos. — Olhou para Nícolas antes de prosseguir — Você conhece esta Constelação, Nícolas?

— Sim. Este sistema se localiza ao sul das Três Marias: Mintaka, Alnilan e Alnitaka. Elas formam o cinturão da constelação de Órion, o caçador. Os cães maior e menor ajudavam o caçador, segundo a mitologia grega que era usada para dar nome às constelações e por isso se situam aos pés dele. Mas por que Mirov viajou para Sirius? — Indagou Nícolas, curioso.

— Gostei de ver que você está estudando Cosmologia na Terra. Entretanto, infelizmente, a pergunta sobre o paradeiro de Mirov eu não sei responder. — Drako retrucou.

— Por que ele iria até aquele sistema e não para a Terra para se esconder entre os seus habitantes? — Questionou Merko, curioso.

— Talvez o conselheiro Kenan possa nos responder. Vamos perguntar a ele. Como conselheiro, pode ter ouvido algo a respeito. Deve haver uma boa razão para isso — sugeriu Sivoc.

Os comandantes Sivoc e Merko foram procurar o conselheiro Kenan. Depois de explicarem toda a situação, Kenan pediu um tempo, pois iria reunir o Conselho Real para obter uma resposta satisfatória.

Horas depois ele voltou, encontrando todos ansiosos por uma solução.

— Eu me reuni com os cientistas especialistas em Física e Cosmologia, e também com outros conselheiros, e chegamos a uma conclusão muito intrigante: Mirov viajou até a constelação do Caçador de Órion porque ele sabia que de lá seria possível criar uma fenda espaço-temporal, ligando-a à Terra. Alguns de nossos ancestrais já haviam utilizado esta passagem para chegar ao passado do planeta Terra e, assim, acompanhar episódios importantes da história do homem monitorando estes acontecimentos para evitar catástrofes e mudanças drásticas no passado terrestre, o que nos afetaria. Como Conselheiro do rei, Mirov conhecia o projeto da arma conformadora de gravidade que nossos engenheiros inventaram, que usa energia eletromagnética para modificar as curvaturas gravitacionais, ou seja, são capazes de criar buracos de minhoca artificiais. Eu e Mirov estávamos envolvidos neste projeto. É um novo dispositivo que estava em uso experimental.

O Conselheiro respirou um pouco e continuou:

— Com isso, ele poderia criar portais que levariam a um lugar remoto do planeta Terra. No entanto, como ele não quis usar o portal de nossa lua até a órbita de Júpiter chegando ao tempo em que Nícolas nasceu, ele provavelmente quer chegar a outra época no passado terrestre, talvez nos primórdios do aparecimento do homem. Antes de chegarmos ao planeta Vida em Andrômeda, nossos antepassados estudaram e viajaram por todos os sistemas solares da Via-Láctea e descobrimos que os primeiros viajantes estelares que chegaram à Terra usaram um caminho que ligava o sistema solar terrestre às constelações do Caçador de Órion.

E continuou depois de pensar um pouco:

— Provavelmente, aproveitaram as forças das ondas gravitacionais da estrela binária Sirius para chegar à Terra com facilidade e estabelecer as sementes da civilização humana. O ex-conselheiro Mirov tinha este conhecimento e possuindo a arma capaz de formar fendas espaço-temporais deve querer aproveitar isso de algum modo.

— Vamos conversar e ponderar bastante sobre isso e nos reuniremos novamente para dar o próximo passo. Precisamos descobrir quais são as intenções reais de Mirov — disse Merko.

— Acabei de pensar em algo terrível — disse Sivoc, preocupado, em um rompante.

Todos se entreolharam e imaginaram curiosos o que o comandante da Science poderia ter em mente.

— Por favor, capitão Merko, me acompanhe — disse Sivoc, querendo conversar com o experiente comandante antes de comunicar as suas preocupações aos outros.

Merko e Sivoc conversaram em particular para em seguida levar as suas opiniões para Kenan e os outros conselheiros. Ficou decidido que Merko seria o interlocutor de tão insana novidade. Enquanto isso, Sivoc caminhava pelo hangar do ancoradouro central, perdido em pensamentos, até o momento em que Tibor o interpelou:

— Você pode me adiantar o que pensou e sobre o que conversaram? Qual é o perigo ao qual Mirov nos expõe, comandante?

— Prefiro que discutamos este assunto com os outros. Se o que estou pensando é a realidade, todos os habitantes do planeta Vida e da Terra, antigo lar da raça humana, correm perigo real e iminente.

Algum tempo depois, todos estavam reunidos em uma sala do Conselho Real, inclusive a rainha Isadora, que também foi convidada para participar da reunião, visto que Merko precisava de seu aval para tomar uma decisão que envolvia a vida de todos os seres humanos do passado e do futuro.

— Convoquei esta reunião, pois acho que sabemos quais são as intenções de Mirov. A julgar pelas suas atitudes no passado, acredito que estamos certos — disse Merko apreensivo.

— Por favor, comandante, diga logo o que vocês pensam — disse a rainha, curiosa.

— Antes preciso tirar uma dúvida. Zara, o que Mirov levou do laboratório de genética do Prédio Científico?

— Ele pegou materiais biológicos para clonar embriões dos seres humanos evoluídos do planeta Vida. O próprio Mirov ordenou que os engenheiros genéticos os preparassem em nosso laboratório, conforme descobrimos em nossa investigação. Ele também mandou que separassem amostras orgânicas de répteis agressivos resultantes das experiências genéticas malsucedidas, cujos cromossomos sofreram mutações diversas.

— Eu não sei ao certo. Sivoc chegou a esta conclusão e eu também desconfio que Mirov queira destruir os seres humanos do planeta Terra usando essas criaturas que ele pegou no laboratório, aqueles que chamamos de dinossauros ou répteis gigantes. Eu vi muitas destas feras na Floresta Mutante quando treinava os meus homens e acreditem... Não são coisas boas de se ver. Eles atacam com grande voracidade e são assassinos natos — revelou Merko, com um ar de preocupação.

— Ele também levou a arma de conformação gravitacional eletromagnética, segundo o que o conselheiro Kenan nos revelou. Um artefato para ser instalado nas naves de nossa frota, desenvolvido pelos engenheiros físico-nucleares — interrompeu Drako.

— Que desgraçado esse Mirov! E o que faz esta arma? — Perguntou Nícolas indignado.

— Drako, você poderia explicar melhor para todos nós entendermos? — Reiterou o capitão Merko.

— É claro, comandante. Ela consegue criar pontes espaço-temporais ou buracos de minhoca ligando sistemas solares e galáxias distantes. Com a velocidade de dobra de nossas naves, muitos lugares do universo ficariam acessíveis. Ao invés de esperarmos os movimentos estelares e galácticos formarem situações próprias à formação de pontes espaço-temporais, de acordo com as posições dos corpos celestes e seus movimentos, é possível deformar diretamente a gravidade com esta tecnologia inovadora. Mirov usou a arma para formar uma ponte entre nosso sistema solar e o sistema do Caçador de Órion.

— Somente os conselheiros reais e os cientistas que participaram desta experiência sabiam desta informação. O capitão Kirubi foi o primeiro comandante a usar esta arma para teste em suas missões. Logicamente, ele passou a informação para Mirov — comentou Kenan, dando assim a ligação que todos precisavam.

— O fato de levar materiais para clonar répteis monstruosos pode trazer consequências terríveis para a humanidade. Se ele os usar contra a raça humana, todos podem ser dizimados e poderíamos desaparecer da face do planeta Vida para sempre. Se a origem da vida fosse modificada, simplesmente não existiremos! Com a aniquilação da raça humana primordial, ele semearia os embriões dos seres evoluídos do planeta Vida na Terra, modificando todo o passado do homo sapiens — comentou Zara perplexa com a loucura do conselheiro Mirov.

— Precisamos segui-lo onde quer que ele esteja e evitar o pior — intercedeu Sivoc.

— Capitão Merko, você tem a minha autorização para usar todas as naves e soldados que forem necessários para realizar esta missão. O que o senhor acha, conselheiro Kenan? — Disse a rainha Isadora.

— Sem dúvida, Vossa Majestade. A situação pede providências imediatas. Já conhecemos a insanidade de Mirov e do que é capaz. Ele levou militares com grande conhecimento de viagem interestelar, robôs assassinos e cientistas genéticos. Certamente, tem planos perigosos. Concordo que nossa reação deve ser rápida. Segundo me informou o engenheiro chefe, temos mais um protótipo da arma de modificação gravitacional. Instalem-na em uma das naves, pois isso vai dar a vocês uma vantagem grande de tempo; a segunda nave poderá usar a passagem aberta pela primeira para penetrar no espaço profundo. Para isso deverão segui-los em direção à constelação de Órion e de lá, ao passado terrestre, assim como estão planejando os nossos inimigos.

Nícolas olhou para Zara, que tinha um semblante preocupado. Mal imaginava ele que a cientista ficara um pouco paralisada, tentando controlar os sintomas de sua ansiedade. Ela disfarçou para não chamar a atenção dos outros presentes na reunião, mas como esconder isso de seu marido? Nícolas parecia reconhecer em sua face pálida as reações que ela sentia.

— Está tudo bem, Zara?

Ela simplesmente assentiu com a cabeça. As decisões que deveriam tomar eram mais importantes que suas reações. Além disso, sabia que de algum modo, conseguiria resolve-las. O jovem entrou em seus pensamentos, telepaticamente, a fim de acalmá-la:

— Não se preocupe, Zara. Lorena e Sophia estão cuidando de Helen. Tudo será resolvido, logo estaremos de volta e juntos, ficaremos perto dela.

Merko e Sivoc foram incumbidos de comandar a missão. O primeiro passo seria perseguir Mirov e rastreá-lo até o passado longínquo do planeta Terra. Para isso, Drako iria com eles para auxiliar com seus conhecimentos de navegação. As naves Science e Chalenge I foram preparadas em tempo recorde, já que todos sabiam do tempo curto que possuíam. Os dois comandantes selecionaram os melhores militares da frota.

Nícolas e Zara resolveram ir com Merko. Outros militares com Crom completariam a equipe da nave. Tibor e Drako iriam na nave científica comandada por Sivoc. O desejo de todos era que Mirov não escapasse impune.

Os fugitivos entraram na passagem criada na rede espaço-temporal. O grande cruzador de batalha Star Hunter, comandado pelo capitão Kirubi, se aproximava do seu objetivo, a constelação Cão Maior, ao sul do cinturão de Órion. Mirov, que olhava tudo da escotilha na ponte de comando, sorria ao ver o grande berço de estrelas da Via-Láctea. Era o lugar onde a maior parte das estrelas da galáxia nascia.

Ele estava feliz. Havia escapado da armadilha que fora preparada para ele e seus planos estavam ocorrendo como desejava. Com a fuga bem-sucedida, se regozijava com a possibilidade de se vingar de seus inimigos. Os tripulantes seguiam cegamente o seu líder, embora não conhecessem a loucura do seu plano totalmente.

O coração dele estava cheio de ódio e este era o combustível da sua vingança. 

___________________________