Capítulo 7: O Guardião Tutelar
"Meu anjo da guarda que hoje e sempre nunca tarda, como uma armadura me guarde do mal em toda travessura!", suplicou Cauã pouco antes de adormecer. Ele costumava fazer aquela oração toda noite. Coisa que a avó lhe ensinara, contrariando a vontade dos pais que lhe diziam que anjos não existiam.
Algum tempo depois, o menino se viu levitando. Não sentia mais o calor do cobertor sobre a sua pele ou a maciez do colchão embaixo de seu corpo. Tentou tatear a cama, mas não sentiu nada em seus dedos. O susto veio quando ele abriu os olhos e se deparou com centenas de mariposas roxas que o carregavam por uma espécie de túnel de luz.
De repente, ele caiu sentado em um gramado fofo, e seus óculos foram projetados do rosto por causa da queda. Embora sua visão tivesse ficado um pouco embaçada, seus olhos ficaram maravilhados com o que estava vendo. Ainda havia luz do dia, e os raios de sol iluminavam um belo jardim repleto de uma flora exuberante que ele nunca havia visto antes. Próximo ao canteiro onde ele estava, havia um gramado com plantas cujas folhas verdes e compridas tinham nervuras violeta. Seus caules eram violeta também, e algumas das plantas tinham flores vermelhas enquanto outras possuíam até frutos que eram amarelados e carnudos. Cauã não reconhecera aquela espécie. Nunca a tinha visto no jardim da avó.
Ele apreciou a maciez do gramado e deitou-se de bruços para procurar os óculos entre aquelas plantas. Abrindo e fechando os braços e pernas várias vezes, o menino acabou deixando um formato de anjo sobre o gramado e sobre as plantas que foram esmagadas pelo seu peso.
— Achei! Ufa. — ele disse devolvendo os óculos ao rosto assim que se sentou.
Foi naquele exato momento que Cauã sentiu uma mordida e depois um beliscão no traseiro. Ele pulou de susto pensando se tratar de algum bicho, mas quando virou ficou boquiaberto.
Algumas das plantas sobre as quais ele havia sentado estavam se movendo. Duas delas, que eram repletas de flores vermelhas, começaram a se sacudir freneticamente. Em seguida levantaram-se do solo, expulsando punhados de terra ao seu redor. Cauã avistou suas raízes, que mais lembravam beterrabas graúdas, locomovendo-se por meio de pernas ramificadas e mexendo o que pareciam ser bracinhos. O menino apertou bem os olhos para enxergar e se espantou ao perceber que as raízes tinham feições humanas e que as folhas e flores eram, na verdade, suas cabeleiras. Por um instante ele achou que estava delirando, pois reconheceu a cara de sapo de Dona Conceição em uma das plantas. Coçou os olhos por debaixo dos óculos e notou na raiz da outra planta o bigode de morsa de Seu Walter.
— Preste atenção onde senta, menino. — soltou a planta que tinha na raiz rechonchuda uma penugem espessa logo acima da boca.
— Vai pisar na cabeça de outro, seu desavisado. — gritou a outra planta cujos membros inferiores lembravam as pernas varizentas de sua professora.
As plantas cavaram uma cova e se enterraram deixando na superfície apenas suas folhas e flores. Cauã saiu de perto, ainda mais quando viu outras plantas se mexendo. Decidiu acelerar os passos e meio tonto trombou em uma placa fincada ao solo que dizia em kângêlus: "Cuidado! Jardim de Beterráboras. Suas mordidas causam alucinações temporárias".
"Esse deve ser o nome dessas plantas doidas!" Cauã concluiu ao passar a mão no local da mordida tentando aliviar a dor. Ele sentiu uma tontura mais forte e precisou sentar-se, mas dessa vez ele tomou cuidado para não pisotear nenhuma beterrábora.
Sua tontura não demorou muito para passar, e ele se sentiu melhor para levantar. Vistoriou a área em volta e sentiu que estava bem. Conseguiu até observar o horizonte onde algo capturou-lhe o foco. Era uma nuvem volumosa em frente à entrada de uma caverna. "Sim, isso mesmo. Uma nuvem!" ele pensou certificando-se ao esfregar os olhos.
Cauã correu um pouco e logo se aproximou da nuvem. Quis tocá-la, é claro. E quando a apalpou, ela emitiu um balido estridente e saiu correndo. Ao observar melhor, o menino viu que se tratava de uma pequena ovelha que partiu em disparada para a caverna logo à frente.
Fez que ia seguir o animal, mas ficou com receio. A caverna não parecia ser muito bem iluminada. No entanto, decidiu entrar e começou a reparar nas paredes da caverna que eram muito úmidas. O cheiro lá dentro era de frescor, e ao observar bem, Cauã viu alguns cones pontudos e rochosos. Uns que pareciam que iam cair do teto e outros, que iam ser lançados do chão. Quando parou de observar as tais estalactites e estalagmites, Cauã avistou novamente a ovelha.
O animal seguiu por um caminho que dava em uma escada de pedra que subia para outro patamar. Ela pôs-se a correr mais rápido fugindo do menino até que, do nada, começou a queixar-se como se estivesse com medo de algo.
— Não tenha medo. — Cauã compadeceu-se. — Eu não vou te machucar. Mas acho que você está procurando uma saída pro lado errado. Parece haver uma por ali!
Cauã deu um passo em direção ao beco onde o animal empacara de medo. Conforme foi se aproximando, o menino começou a notar que a ovelha tinha olhos fixos em algo à frente dela, mas que não era ele. Antes de se virar e ver do que se tratava, Cauã sentiu um forte cheiro de azedo no ar. E depois ouviu um rosnar. Um não, dois.
Quando deu por si, Cauã viu o motivo do medo da ovelha. Havia dois enormes lobos albinos diante deles. Os lobos, que tinham cerca de um metro e meio cada, saíram das sombras, e seus olhos vermelhos cintilaram. Eles exibiam dentes pontiagudos e amarelados. Seus rabos se mexiam freneticamente. Cada um tinha três.
A ovelha se espremeu de medo na parede, e Cauã foi dando passos para trás conforme os bichos se aproximavam. O medo começou a tomar conta do menino ainda mais quando a ovelha começou a balir compulsivamente.
Cauã encostou na parede, e a ovelha se escondeu entre suas pernas. O tremelicar do animal agravava ainda mais o seu medo e ele sentiu suas pernas bambearem também. Os lobos foram aproximando-se mais e mais. O forte cheiro de azedo que saía de suas bocas era nauseante, e Cauã sentiu a janta falar com ele.
— Vão embora, cachorrinhos. Passa. — Cauã tentou interagir em um ato bobo de desespero.
Os lobos rosnaram e se colocaram em posição de ataque. Um de cada lado. E no meio estavam Cauã e a pobre ovelha cujo coração o menino podia sentir em suas pernas. Os lobos estavam apenas esperando o momento certo. Seus rosnados estavam mais audíveis, seus olhos mais brilhantes, seus hálitos mais nauseantes e seus dentes mais úmidos devido à baba que escorria de suas bocas.
Cauã sentiu medo e desejou estar fora daquele lugar. Apertando bem os olhos e com figas nos dedos, ele pediu em voz alta:
— Meu anjo da guarda que hoje e sempre nunca tarda, como uma armadura me guarde do mal em toda travessura!
Um forte clarão se fez iluminando toda aquela parte da caverna. Cauã não conseguiu ver o que era, só sentiu uma leve pressão no tornozelo direito. Mas a luz era tão forte que ofuscou a sua visão. Só ouviu choros caninos e passos. O coração da ovelha já não pulsava mais em sua perna, e o seu maior medo era os lobos ainda estarem ali diante dele.
— Pode abrir os olhos. Os pesadelos se foram! — disse uma voz calma.
Assim que a luminosidade diminuiu, Cauã viu em sua frente um jovem alto, com enormes asas negras e um longo cabelo loiro. Ele era bem alvo, tinha bigode e barba loiros e usava um terno azul. E em cima de sua cabeça havia uma auréola reluzente. Era de lá que vinha a luz que iluminava parcialmente todo o ambiente. Ao que tudo indicava, as preces do menino haviam sido atendidas.
— Q-Quem é você? — Cauã indagou ainda surpreso por tal aparição. Ele estava muito admirado com o ser de asas negras. E um tanto cego por causa do clarão de luz.
— Eu sou aquele para quem reza toda noite antes de dormir! Seu guardião tutelar, Custódio Narciso dos Santos! Seja bem-vindo ao Monte do Devaneio — disse estendendo a mão para o garoto em sinal de cumprimento.
— Então, o mundo dos fabulosos realmente existe. Não é apenas um jogo? — soltou Cauã animado tentando ver seu guardião no breu da caverna.
— É claro que existe! — Custódio pontuou sem demora direcionando o caminho. — Que jogo você está falando?
— O Fabulosos! O jogo que joguei ontem à tarde na escola.
Após seguirem por um túnel localizado no topo da escada dentro da caverna, os dois chegaram ao lado de fora. Não havia jardim nenhum naquele pedaço, apenas o início de uma vegetação bem diferente daquela onde Cauã havia caído. O garoto concluiu que possivelmente eles saíram para o outro lado da caverna. Algumas árvores e um gramado ralo faziam parte do cenário, e ao longe era possível avistar um abismo.
O campo de visão de Cauã não lhe permitia ver além dali. Então ele focou na figura de asas negras ao seu lado. A claridade lá fora lhe permitia ver com detalhes o seu guardião cujas asas repousavam sobre suas costas.
— Poxa, você é o meu anjo da guarda. Um fabuloso de verdade!!!! Igualzinho ao do jogo. — disse ao fitar o rosto barbudo do anjo e seus longos cabelos loiros.
— Mas que jogo é esse que você está falando, menino? — quis saber Custódio.
— O de RPG. O Fabulosos. Eu te escolhi lá para ser o meu anjo da guarda. Eu usei uma miniatura igualzinha a você. Só que no jogo você morr...
— Eu o quê?
— Você morria! — Cauã soltou timidamente.
— Joaninhas Barbadas!!!! — Custódio esboçou um espanto. — Bem, realmente nunca ouvi falar desse jogo aqui no Monte do Devaneio. É da Travesseiros e Travessuras?
— Deixa pra lá. Hmmm, na verdade, o jogo não é meu, sabe. Eu o roubei... mas vou devolvê-lo amanhã no acampamento da escola, ou o meu pai me mata.
— Você roubou um jogo? — dramatizou o anjo. — Vou contar tudo para o seu anjo da guarda.
— Ué, eu pensei que você fosse ele! — Cauã fez uma cara de estranhamento.
— Você já ouviu falar em ironia?
— Não. Quem é essa? Alguém que eu devesse conhecer?
— Esquece! — disse o anjo passando a mão no cabelo afro de Cauã.
— Mas, vem cá! Para onde estamos indo?
— Para o píer do Rio Aqueronte! É lá que está a Canoa Amarela do Caronte que o levará até a escola de anjos da guarda. Geralmente as mariposas da Fada do Dente deixam as crianças lá. Talvez elas tenham se enganado e o deixaram por aqui. Você veio aqui para o tour até Aca.L.An.Tu.S, né? Deixe-me ver sua janelinha.
— MAs e SE aqueLES lobos NOS seGUIrem? — Cauã disse abrindo e fechando a boca várias vezes. — E o que aconteceu com aquela pobre ovelha?
— Não se preocupe, estou aqui para protegê-lo! Ah, a ovelha fugiu a tempo. E aquelas criaturas albinas de três rabos são os pesadelos. Alimentam-se da alma dos seres vivos. Ainda bem que você me invocou. O Monte do Devaneio pode ser muito perigoso para uma criança sem um anjo da guarda.
— Eles quase me pegaram. Você chegou na hora certa. Eles iriam me devorar. — Cauã disse aliviado.
— Eles não devoram a carne, mas sim a alma. Quem é mordido por um pesadelo tem a alma dilacerada. O que sobra é um corpo que em seguida se evapora.
— Affffff. — Cauã se espantou. — Então, muito o-obrigado, Gus-tódio, por ter me salvado.
— De nada. E é Cus-custódio, menino. Não Gustódio.
— Ok. Vamos lá então pro píer do "Asqueroso" encontrar esse tal de "Carente" que você disse. Ele está bem?
— Píer de Aqueronte, menino. Rio Aqueronte. — disse Custódio corrigindo Cauã — E é Caronte, menino, não Carente. Ca-ron-te.
Os dois seguiram por uma subida íngreme de grama rala por cerca de uns dez minutos até encontrarem uma ponte em ruínas. Ela era de cordas e tinha alguns quilômetros de extensão logo à frente. Ela ficava em cima de um abismo que parecia não ter fim. Cauã ajeitou os óculos e se aproximou da beirada, mas recuou quando sentiu um frio na barriga. A partir daquele ponto, ele começou a sentir uma pressão nos ouvidos e colocou as mãos nas orelhas.
— É a pressão aqui de cima. Estamos subindo cada vez mais. Afaste-se, Cauã. — exclamou o anjo, abrindo em seguida suas longas asas negras que deviam ter quase dois metros de envergadura.
Aquilo era algo muito bonito de se ver, e Cauã ficou boquiaberto prestando atenção nos movimentos que as asas faziam. Primeiro, elas bateram calmamente, e Custódio foi tirando o par de botas do chão. Logo, as asas começaram a bater fortemente, e o anjo começou a voar em círculos em volta de Cauã que o observava de baixo. O gramado se mexia por causa do vento provocado pelas asas.
Quando alcançou uns quatro metros do chão, Custódio ouviu Cauã chamá-lo:
— Me levanta também! Eu sou levinho!
O anjo parou no ar e desceu com tudo na direção de Cauã como se fosse uma ave de rapina e o menino um ratinho. Cauã ficou um pouco cismado, pois o anjo estava se aproximando dele muito rápido. Tão rápido que Cauã achou que eles iriam colidir. Com medo, o menino se encolheu apertando os olhos. Só deu tempo de ele ver o seu anjo da guarda desviando-se e mergulhando no abismo.
— LEVANTE OS BRAÇOS E ME DÊ AS MÃOS! — logo Custódio gritou voltando para cima batendo as asas feito um cisne, mas com a leveza de um beija-flor.
Assim que mergulhou outra vez na direção do menino, Custódio o pegou pelas mãos. Cauã não sentia mais o gramado sob os seus pés. Seu medo aumentou, e ele fechou os olhos.
— Ah, vai dizer que você está com medinho, menino. — brincou o anjo olhando de cima para Cauã enquanto subiam mais e mais.
Cauã abriu devagarinho os olhos e quando olhou para baixo viu o quão alto estavam voando e o quão profundo deveria ser o abismo. Tentou, mas não conseguiu deixar de olhar para trás e viu todo aquele campo e a caverna distanciando-se. Tudo ficando minúsculo como uma mancha colorida ao longe. À sua frente avistou uma vegetação escura e mais adiante as águas de um rio.
— Cara, isso aqui é a melhor sensação do mundo! — Cauã soltou entusiasmado. Ele só ouvia o vento nas asas de seu anjo e o barulho do vácuo ao redor delas. No mais, parecia que o mundo havia parado e que ele tinha ido para o paraíso. Até a sensação de pressão nos ouvidos por causa da altitude havia diminuído.
Cauã pensou como Luquinha e todos os alunos da escola iriam morrer de inveja dele naquele momento. Nem o Hugo Augusto das histórias de leitura de Dona Conceição havia feito tal proeza. Se alguma palavra pudesse definir o que Cauã estava sentindo naquele momento, a melhor seria adrenalina.
Cauã manteve os olhos fechados e sentiu o vento bater em seu cabelo e toda a tranquilidade do mundo naquele voo. Queria que aquilo durasse uma eternidade.
— Posso te soltar? — a voz calma de Custódio interrompeu o pensamento de Cauã.
— N-NÃO. Você está maluco, cara? Me solta não. — disse debatendo as pernas.
Em pouco tempo, o menino se acalmou ao ver que já estavam aterrissando do outro lado da ponte em ruínas. Cauã sentiu os pés no gramado e ainda boquiaberto olhou para seu anjo que foi recolhendo suas longas asas que se alinharam em suas costas. Sobre seus cabelos loiros, sua auréola brilhava intensamente.
— Nossa. Podemos fazer isso de novo, hein?
— Não, senhor. Não tão já! — Custódio disse ajeitando as vestes e o cabelo. — Eu vim voando até a caverna e preciso descansar um pouco. Voar cansa, sabia?
Assim que se sentou na beirada do abismo, de forma extraordinária as asas do anjo sumiram quando ele disse algumas palavras que Cauã não entendeu muito bem.
— Cadê as suas asas?
— Eu as guardei! — Custódio soltou levantando as vestes pelas costas para mostrar ao menino de onde elas vinham.
— Elas sumiram das suas costas! Mas espere aí, uma enorme tatuagem em formato de asas de cisne está se formando nas suas costas! — disse Cauã impressionado.
— Pois é, as minhas asas são essa tatuagem. Quando nós fabulosos guardamos as asas, elas ficam em nossas costas em formato de tatuagem. Chamamos isso de camuflagem. É uma forma de protegermos as nossas identidades.
Sem saber o que falar, Cauã ficou ainda mais atônito quando Custódio olhou para a ponte de cordas alguns metros à sua frente. O menino pôs-se a observá-lo. Com pouco esforço, o anjo deu um estralo com a mão direita onde carregava um anel dourado no dedo anelar e disse "Pombinha branca, o que está fazendo?"
Cauã achou estranho ouvir seu anjo da guarda falando aquilo e prestou mais atenção. Seu anel brilhou levemente. Foi quando o guardião voltou a repetir, mas agora com ritmo "Pombinha branca, o que está fazendo? Lavando roupa pro casamento!"
De repente o anel brilhou intensamente, e nas mãos de Custódio apareceram um cachecol roxo e um chapéu fedora azul. O menino não quis acreditar em seus olhos.
— Como você fez isso, Custódio? — disse apontando para os objetos enquanto ameaçava sentar-se no gramado.
— Isso o quê?
— Essa mágica de fazer as roupas aparecerem!
— Ah, isso não é mágica. É uma graça! — disse o anjo enrolando o cachecol no pescoço e cobrindo a auréola com o chapéu.
Em seguida, Custódio começou a ajeitar seus fios de cabelo para dentro do fedora. E cantarolou "Se essa rua, se essa rua fosse minha", olhando para a ponte quebrada. O anel brilhou, e em pouco tempo todas as cordas da ponte destruída se refizeram em nós que se entrelaçaram uns aos outros e depois às tábuas de madeira que serviam como alicerce. Em menos de um minuto, no lugar da ponte destruída havia uma ponte novinha em folha. Cauã arregalou os olhos e antes mesmo de conseguir se sentar por completo no gramado, levantou-se admirado.
— Uau, que demais! Você consertou a ponte com um único feitiço.
— Já disse que é graça. Não chamamos isso de mágica, ou muito menos de feitiço, Cauã! Cônicos é que conjuram feitiços. Nós, anelares, emanamos graças!
— Peraí, agora eu fiquei confuso. Anelares? Cômicos? Não era fabulosos?
— Ah, tá. Joaninhas Barbadas!!! Deixe-me te explicar melhor, então. Os fabulosos são divididos em anelares e estelares. Os primeiros são os anjos porque usam anéis... — Custódio explicou enquanto Cauã balançava a cabeça. — e os últimos são os fadas porque usam colares com pingente de estrelas, ok.
— Hmmmm, mas não foi esse o nome que você disse por último! Você disse "cômicos"!
— Cônicos! — disse Custódio achando graça do erro de soletração.
— Isso! Cônicos!!! Quem são eles?
— Cônicos são os bru... — o anjo hesitou antes de continuar.
— Os bru... quem?
— Os bruxos. — disse o anjo em voz baixa.
— Ah, os BRUXOS!
— Não diga essa palavra! — soltou Custódio repreendendo Cauã. — Eles usam chapéus naquele formato e fazem feitiços com varinhas. Os cônicos não são mais considerados fabulosos no Brasil desde 1968. Mas quase não há nenhum cônico aqui. Cônicos não são bem-vindos no Monte do Devaneio! Nunca confie em um! Eles jogam sujo! Por isso não são mais considerados fabulosos. — disse com a cara fechada.
— Então somente os brux... — Cauã hesitou ao ver a cara de repressão de seu guardião — digo, somente os cônicos é que conjuram feitiços. E vocês, os anelares, emanam graças?
— Sim! Usamos nossos anéis para isso. E os estelares usam seus colares para fazer encantos. Não confunda os nomes dos poderes. Eu não gostaria de ter as minhas graças confundidas com feitiços baratos, menino.
— Entendi. Mas essas graças aí são tipo aquelas cantigas populares que aprendi na escola?
— Sim, são elas mesmo. Utilizamos as primeiras frases de cantigas populares para emanarmos as graças. "Pombinha branca, o que está fazendo?", por exemplo, é a graça que usamos para fazer roupas aparecerem. Já "Se essa rua fosse minha" é a graça do reparo.
— Hummm, então quer dizer que você é um anjo cheio de graça, Custódio? — soltou Cauã debochando.
— Sim, seu engraçadinho! Usamos as graças para fazer muita coisa aqui. Até para conseguir algumas guloseimas. "Borboletinha tá na cozinha, fazendo chocolate para a madrinha." — o anjo soltou fazendo um estralo rápido com a mão direita.
Uma cartela com cinco brigadeiros granulados apareceu no colo de Cauã. Havia um de cada cor: um marrom, um rosa, um azul, um verde e um amarelo.
— E essa cantiga é qual graça?
— A dos brigadeiros travessos! — riu Custódio.
O menino confirmou com o anjo se eles eram de verdade e se podia comê-los. Foi logo colocando o brigadeiro granulado marrom todo na boca. Imaginou que ele fosse de chocolate, mas logo percebeu que o sabor era outro.
— Baumilha. — ele concluiu. E assim que acabou de engolir, sentiu seus braços ficarem moles e depois as pernas e depois sua cabeça, e o menino se derreteu feito chocolate quente ali na grama. Depois de dez segundos, ele voltou ao normal um tanto assustado e pegou seu anjo rindo dele.
— São brigadeiros de traquinagem. Servem para pregar peças nas pessoas. — soltou o anjo rindo e espreguiçando-se ao sentar-se no gramado.
Cauã riu e olhou para os outros quatro brigadeiros e quis saber qual o sabor deles e o que faziam. Desconfiado e olhando de soslaio para o seu anjo, o menino pegou o brigadeiro rosa e deu uma mordidinha de leve só para sentir o sabor. "Hmmmm, morango" ele pensou. Como nada havia acontecido, ele resolveu terminar de comer o doce. E logo começou a se arrepender, pois seu corpo todo foi inchando, inchando e inchando até ele sair flutuando do chão feito um balão e se enroscar no arbusto mais próximo. Cauã maliciosamente pensou em dar um brigadeiro daqueles de morango para o Luquinha, que era alérgico ao sabor, só para ver aonde ele iria parar. Dez segundos depois, Cauã estava de volta ao seu formato de menino.
— Experimente o azul. — disse o anjo achando graça. — É um dos melhores. Mas tem que morder aos pouquinhos, ok.
Cauã deu uma mordidinha no brigadeiro azul. Tinha gosto de mirtilo e assim que engoliu, levou um choque. Com o susto, ele deixou o doce cair no chão, e o anjo "cascou o bico" de tanto rir. Cauã também achou graça e colocou o doce azul de uma vez na boca. E assim que acabou de engolir, o menino levou um choque que arrepiou todos os fios de seu cabelo afro, inclusive o cachinho vermelho. O anjo não se aguentou e se curvou abraçando o próprio abdômen que parecia doer de tanto que ele ria.
Dez segundos depois, Cauã voltou ao normal e ainda estava com vontade de comer os dois brigadeiros restantes: o verde e o amarelo. O verde era de limão azedo e assim que terminou de comê-lo, Cauã começou a fazer caretas sem conseguir parar. Sua cara se contorcia toda de forma elástica, e o anjo só se divertia.
Depois, Cauã comeu o amarelo que era de abacaxi e, para sua surpresa, nada aconteceu. Bem, não naquele instante, porque três minutos depois Cauã não conseguiu segurar e molhou toda a calça de seu pijama.
O menino ajeitou os óculos tentando disfarçar que não havia gostado muito daquele último brigadeiro, pois estava com vergonha de ter feito xixi nas calças na frente de seu anjo da guarda. "Como iria chegar até o píer com as calças molhadas?", ele pensou. Mas depois que os dez segundos se passaram, ele viu que tudo havia voltado ao normal e que ele estava seco e limpinho. O anjo nunca havia se divertido tanto com um panqueca.
— Esses doces são demais, Custódio. Eu iria usá-los várias vezes com as pessoas da minha escola. É claro que eu iria dar o brigadeiro amarelo para a Dona Conceição bem no início da aula de leitura. — riram os dois.
— Pronto. Já descansei. — soltou Custódio ajeitando as vestes, o cachecol e o chapéu. — Vamos?
E aí o que está achando? Ainha há muito por vir. Continue acompanhando a história de "Os Fabulosos" e não se esqueça de dar estrelas, comentar e seguir a gente. Tudo isso ajuda a divulgar o nosso trabalho.
Beijos
Luiz Horácio
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro