Capítulo 22: O Artefato Milenar
Os olhos azuis acinzentados de Morfeu Elísio encararam os recém-chegados.
Aracne, Foberto, Luquinha, Sofia e Cauã tentaram dar mais passos adiante, mas não conseguiram. Era como se estivessem presos na entrada daquele quarto repleto de cortinas pretas.
— Admiro a coragem e destreza de vocês por terem chegado até aqui! — Morfeu Elísio sorriu! — Mas daí não passarão!
— "ATIREI O PAU NO GATO". — Foberto Ícelos foi logo emanando uma graça para atingir o irmão.
A graça se chocou com uma espécie de campo de força e voltou na direção de Foberto Ícelos que só não foi atingido porque se abaixou. A porta atrás dele foi destroçada.
— Não adianta, irmão, Dona Aracne e companhia. Apenas assistam! Vocês estão prestes a testemunhar um momento histórico. Até que enfim, estou com o artefato milenar em mãos.
— Eu jamais deveria ter ouvido suas súplicas para eu voltar até aqui! — Foberto Ícelos lamentou.
— Obrigado, irmão. Sem você eu jamais teria conseguido resgatar o que Pete Atlas achou que conseguiria esconder! E pensar que papai sempre quis o artefato milenar para se tornar o anelar mais poderoso do mundo, mas foi morto por Folco Lore naquela disputa ridícula pela poltrona de número um de Aca.L.An.Tu.S.
— O nosso pai deixou o poder lhe subir à cabeça e começou a fazer barbaridades para ter o artefato milenar! E você está indo no mesmo caminho!
— Não ligue para ele, papai. — Morfeu conversou com a lápide. — Ele não sabe o que diz. Papai, você chegou bem perto de ser o anelar mais poderoso de todos, graças a mim, seu filho favorito. — Morfeu voltou a fitar Foberto. — Há mais de dez anos, eu descobri que Pete Atlas tinha ascendência cônica e que escondia um grande segredo: a posse do artefato milenar. Assim que contei para o nosso pai, ele acionou a ARCA para prender Pete Atlas.
— O quê? Você entregou o seu melhor amigo só porque queria o artefato milenar para agradar o papai? — Foberto Ícelos ficou perplexo.
— Hmmmm, tentei negociar com Pete Atlas a todo custo, mas o teimoso se recusava a me entregar o artefato. Poderíamos ter resolvido tudo de forma pacífica, como bons amigos, se ele tivesse colaborado. Talvez estivesse vivo até hoje.
— Não vai me dizer que... — Foberto Ícelos se mostrou preocupado.
— Calma, irmão querido. Você parece apressado. Relaxe, não há mais nada o que fazer! — Morfeu Elísio disse. — Bem, continuando... assim que a ARCA começou a persegui-lo, Pete Atlas fugiu de Aca.L.An.Tu.S e ninguém soube dele por mais de um ano.
Com muita atenção, Aracne e as crianças observavam a conversa dos irmãos Oneiros.
— No entanto, chegaram a mim boatos de que um homem de cabeça raspada, sem barba e sem sobrancelhas, chamado Policarpo Anésio Castro, estava hospedado na Pousada do Viajante, próxima à Mata do Assobio. Logo suspeitei da coincidência. P... A... C... Meu amigo Pete Atlas Canastra nunca foi bom para criar nomes. Eu o ajudei a nomear muitos mafagafos. — Morfeu Elísio soltou com deboche.
— Hunf! — Aracne o olhou com desprezo.
— Então fui à sua procura e decidi me hospedar lá como Romeu Felísio Noriose, mais um dos meus anagramas, além de Limor Eufésio Rosieno. Pode conferir no seu livro de registro, Aracne. — o professor de Graciologia disse em um tom provocativo.
A dona da pousada o olhou incrédula, e seus dedos tremeram de raiva. Ela estava ofegante e abriu sua bolsa para procurar algo.
— Logo descobri que Pete Atlas estava hospedado lá. Ele havia raspado a cabeleira e a barba ruivas para não chamar a atenção, mas eu o reconheceria até sob um disfarce. Em um daqueles dias, fiquei por horas à espreita dele em um quarto ao lado, mas ele não voltou. Deixei então um presentinho para ele na recepção, mas parece que ele nunca o pegou. Enfim, continuei procurando por ele nas redondezas e meses depois o encontrei carregando um baú. Assim que percebeu a minha presença, mesmo eu estando disfarçado, ele saiu correndo pelas ruas de Campos do Jordão. Eu o segui e duelamos no Morro do Elefante.
— Durante a festa à fantasia do Capivari de 1984. — Foberto Ícelos concluiu. — Foi naquela época que ele morreu.
— Bem observado, caro irmão! Pete Atlas disse que havia usado o artefato milenar para salvar a vida de uma criança cujo coração parara de bater. E que somente dali cinco anos o artefato milenar poderia voltar a ser usado! É claro que não acreditei. E aí duelamos. No entanto, ele conseguiu fugir com o baú. Então, enviei dois pesadelos no seu encalço.
— Foi você que matou Pete Atlas, então? — Foberto Ícelos indignou-se.
— Digamos que sim! É bom quando um anjo morre, pois todos os outros percebem que são mortais! Cheguei tarde demais até o local onde os pesadelos atacaram Pete Atlas. Só vi o corpo se desintegrando próximo aos trilhos do bonde. Em seguida, os pesadelos farejaram de onde Pete Atlas vinha vindo e cheguei até um bonde onde encontrei o baú. Nele, havia um pergaminho escrito por Pete Atlas que dava a um casal panqueca o direito de ficar com a criança. Desacreditei quando li "Cuidem da minha criança que é o recomeço da união entre os fabulosos". Até então, eu nem sabia que Pete Atlas tivera um filho. Enfim, o meu esforço havia sido em vão. Até que dez anos depois, aqui estou diante da criança perdida e em posse do estilhaço da Esfera de Todos os Bens, o estilhaço da esperança, o tão procurado artefato milenar. — Morfeu olhou primeiro para Sofia e depois para a urna dourada na mão de Eco.
A frieza de Morfeu estava chocando a todos. E paralisados ali, eles só conseguiam observar o professor de Graciologia arrumando os preparativos para o que parecia ser uma cerimônia sagrada. Aracne continuava sua busca por alguma coisa na bolsa.
— Bem, creio que vocês sabem que anelares não conseguem tocar na urna do artefato milenar, né. A urna está selada com um feitiço, e apenas descendentes de cônicos ou os próprios conseguem tocá-la e abri-la. Eis o motivo da presença de Eco aqui nos aposentos de papai. Embora seja analfabeta, ela tem sido de grande serventia. — Morfeu soltou, e Eco não se expressou muito. Parecia estar sedada.
— Quanta hipocrisia, Morfeu. Você e o papai caçando os cônicos por tanto tempo, e agora está fazendo uso dos serviços de um deles para ressuscitar aquele que sempre os odiou.
— Lá vai você começar com aquele papo chato de irmão mais velho. Digamos que uma troca de favores foi o suficiente para Eco me ajudar. Ela precisava se vingar de um ex-namorado que não via há muito tempo. E eu só precisava dar ao amado dela um motivo para aparecer. E para isso eu usei a guarda dele, ou seja, você, Cauã.
— Você quer dizer que Custódio e Eco namoravam, Morfeu? — soltou Cauã.
— Sim, mas ele a trocou por uma moça panqueca. O ciúme de Eco foi suficiente para que ela decidisse fazer esse acordo comigo.
— Você armou uma cilada para o meu guardião tutelar, então? — Cauã bravejou.
— Sim! Durante a noite do tour a Aca.L.An.Tu.S, eu roubei o seu dente, Cauã, bem quando as mariposas lhe carregavam sobre o jardim da minha irmã. — Morfeu tirou das vestes o dente e o jogou no chão. Cauã o fitou chocado. — Por isso você caiu lá. Como não conseguiu chegar até o píer do Aqueronte, você precisou invocar o seu anjo da guarda e Eco estava à espreita. Ah, se não fosse aquele seu vira-lata ter me mordido enquanto eu estava como Fada do Dente no seu quarto para conferir se você havia colocado o dente embaixo do travesseiro, tudo teria dado perfeitamente certo. — ele disse mostrando a mão esquerda que tinha uma cicatriz de mordida. — Mas dos males o menor.
— Seu monstro! — Cauã soltou.
— Inclusive eu atendi um chalefonema destinado a Fada do Dente na sala dos professores de Aca.L.An.Tu.S. Era a patética da minha irmã pedindo que as mariposas lhe levassem de volta para casa, garoto. Eu disse que ia enviar dezenas delas, mas não enviei! Sorte a sua de ter encontrado a Dona Aracne aí. Consequentemente, a Fada do Dente passou a ser investigada pela Secretaria Anelar de Defesa tendo suas atividades suspensas por tempo indeterminado.
— Então foi por isso que ela não nos visitou na biblioteca da escola! — Luquinha não se conteve.
— Estamos todos aqui por sua causa, seu MALDITO. — Cauã exclamou com raiva para Morfeu. — Eu achava que os cônicos, os bruxos... — ele disse aquela palavra sem medo. — ...eram seres cruéis, mas descobri que há anelares que podem ser da pior espécie.
— Você tem toda razão, Cauã. Meu pai e meu irmão são o melhor exemplo para isso. Morfeu aprendeu com o meu pai dois quebrantes. Um deles é o de ler a mente das pessoas. Ele só não está conseguindo ler as nossas mentes agora por causa do campo de força que ele criou para nos barrar. — Foberto Ícelos encarou o irmão. — E o segundo é o da...
— ... hipnose. — Morfeu completou.
— É assim que ele deve estar controlando aquela cônica ali!
— Aposto que você ainda não superou que papai teve me como seu maior discípulo, não é mesmo, meu irmão?
— Discípulo do mal, você quer dizer, meu irmão!
— Chega de conversa! Meu pai esperou longos dez anos por este momento. — Morfeu emanou uma graça que acendeu todas as velas do quarto. — "Brilha, brilha, estrelinha".
Não havia nada que Foberto, Luquinha, Sofia e Cauã pudessem fazer. Eles estavam se sentindo impotentes por estarem imobilizados ali diante do campo de força que os separava do restante do quarto. Aracne ainda se concentrava cabisbaixa folheando algo na bolsa.
Eco se posicionou em frente à lápide de Hypnos e levantou a urna prestes a tirar algo de suas vestes vermelhas.
— Wait! — Aracne interrompeu levantando a cabeça. — Morfeu, quando você falou do presente que deixara para Pete Atlas na pousada, você estava se referindo a um embrulho com papel preto?
— Que bom que ainda se lembra, Dona Aracne, você era tão novinha naquela época. Tinha o quê, nove, dez anos? Seus pais ainda eram os donos da pousada, não é mesmo? — Morfeu soltou para Aracne cujas expressões faciais estavam começando a preocupar todos.
— Yes. — ela fez uma pausa. — Pete Atlas nunca mais voltou à pousada, deixando seus pertences lá, mas...
— Mas? — Morfeu se interessou sinalizando para Eco aguardar um pouco para abrir a urna.
— Alguém voltou para buscar as coisas do mafagafologista.
— Quem?
— Oh, my... — Aracne se empalideceu. — Quando foi mesmo que você se hospedou lá?
— Em meados de fevereiro de 1984.
Ela retirou da bolsa um antigo livro de registro da pousada. A data na capa dizia que ele era de dez anos atrás. Aracne o folheou e parou na data mencionada por Morfeu. Ela leu em voz alta.
— 17/02/1984. Romeu Felísio Noriose, quarto 16. — ela continuou voltando as páginas. — 15/02/1984. Policarpo Anésio Castro, quarto 12. Diana Artémis da Mata, quarto 12. O mafagafologista não estava sozinho. Havia uma moça com ele. Foi ela que voltou para buscar os pertences de Pete Atlas. E minha mãe lhe entregou o embrulho.
— Ah, então está explicado por que Pete Atlas saiu ileso! — Morfeu disse com desdém.
— Ileso? O que havia no embrulho, Morfeu? — Aracne deixou o livro cair de tanto tremer.
— Um quebrante transmórfico! Quem o abrisse se tornaria um cachorro em vinte e quatro horas!
— A moça abriu! — os olhos de Aracne começaram a marejar. — E na época ela estava...
Cauã, Luquinha, Sofia e Foberto quiseram se aproximar de Aracne, mas não conseguiam desgrudar os pés do chão.
— O que que tinha a moça, Dona Aracne? — Foberto quis saber.
— Diana Artémis estava... grávida! — Aracne soltou sem piscar. — Ainda me lembro dela. Ela tinha uma mancha em formato de lua no pescoço.
— Hmmmm, devia ser uma cônica estúpida... — Morfeu não disfarçou um sorriso maléfico no rosto. — para se relacionar com um mezzo. Espero que ela tenha tido tempo de dar à luz antes de virar um cachorro.
— Você disse uma mancha em formato de lua, Aracne? — Cauã disse preocupado.
— Y-Yes, Cauã. Uma mancha em formato de lua no pescoço.
— Igual à da minha cachorra Luna! — Cauã disse com muito pesar na voz.
— Peraí! Não vai me dizer que aquela moça grávida era mulher de Pete Atlas e virou o vira-lata da casa do Sarará? — Luquinha pensou em voz alta.
— Não pode ser! — Sofia disse. — Muita coincidência! Cauã, desde quando você tinha a Luna?
— Meus pais sempre contaram que a Luna apareceu lá em casa depois da viagem de lua de mel que eles fizeram até Campos do Jordão.
— O que deve ter sido há mais de dez anos, não? — Sofia concluiu.
Cauã concordou. Sofia e Luquinha chegaram à conclusão de que a cadela não aparentava ter mais de dez anos. Parecia muito jovem, o que era atípico para um cachorro comum.
— Não poder ser! — Sofia não quis acreditar. — Meu pai foi morto, e a minha mãe transformada em cachorro por Morfeu. — C-Cadê a Luna, Cauã? — ela perguntou com os olhos marejados.
— Ela se foi! Enfrentou os pesadelos sozinha lá na sala, mas não resistiu. — Cauã abaixou a cabeça, e lágrimas vieram aos seus olhos.
— Oras, oras, a cadela estava por aqui? Parece que hoje é o dia de voltarmos há dez anos! Então, vamos retomar o que deveria ter ocorrido em tempos de outrora. — Morfeu soltou olhando para Eco.
A cônica retirou de sua veste vermelha uma flecha manchada de sangue que ela empunhou como se fosse uma varinha.
— Foi com aquela flecha que Eco atingiu o meu anjo da guarda. — Cauã soltou desesperado! — CADÊ O CUSTÓDIO, SUA BRUXA?
Eco o ignorou e apontou a varinha em formato de flecha para a urna dourada que segurava na outra mão.
— Cuidado! Assim que a urna se abrir, repita as minhas palavras. — exigiu Morfeu Elísio.
O professor de Graciologia respirou fundo e focou na cônica. Estava tudo pronto para que Hypnos fosse ressuscitado.
— Reviva, arcanjo. — Morfeu disse para que Eco repetisse.
— ...viva, ... anjo. — ela obedeceu.
— Não é isso! — Morfeu se mostrou impaciente. — Repita: REVIVA, ARCANJO!
— ...viva, ... anjo. — Eco repetiu para o desespero de Morfeu que só se tranquilizou ao ver a urna se abrindo.
Foberto, Aracne, Cauã, Luquinha e Sofia estavam atônitos com aquele momento. Haviam fracassado em resgatar o artefato milenar. Morfeu parecia ter triunfado. Muita expectativa e um silêncio absoluto tomaram conta daquele quarto sombrio que guardava a lápide de Hypnos Oneiros. Nem o TIC-TAC do relógio de Foberto Ícelos era mais ouvido. O professor fitou seus ponteiros e viu que o relógio de pulso havia parado.
— Meio dia! — Foberto cochichou perplexo, só esperando o pai se levantar da lápide.
No entanto, nada aconteceu e o silêncio foi quebrado por um Morfeu desapontado.
— NÃO HÁ NADA DENTRO DESSA MALDITA URNA!!! — ele gritou desesperado empurrando Eco e a urna dourada que caíram em cima de uma das cortinas pretas. — Sua bruxa estúpida, você falou as palavras erradas!!! Não sabe falar direito?
— Espere aí, Morfeu! — Sofia o encarou. — Vai dizer que você não sabia que Eco não fala como a gente? Ela só consegue repetir as duas sílabas finais das palavras que ouve!
— Do que está falando, menina ruiva? — Morfeu ficou desconcertado.
— Ele não devia saber, mesmo, Sofia. — Foberto sorriu de canto de boca. — Ele provavelmente nunca conversou com Eco por meio da voz. Ele deve ter lido a mente da cônica e depois feito o acordo com ela aproveitando-se de sua fragilidade. Ela deve ter se arrependido do que fez e ele então a hipnotizou. Assim como ele fazia com quem não gostava dele quando adolescente.
— FIQUE QUIETO, IRMÃO. A ÚNICA COISA QUE QUERO OUVIR É ONDE ESTÁ O ARTEFATO MILENAR! — Morfeu acariciou a lápide tentando conter o desespero. — Não pode ser, depois de todo esse tempo. O artefato pertence à urna, não há como separá-los.
— A não ser que ele tenha sido usado antes e guardado em outro local, meu irmão. — Foberto interveio.
— Yes! Guardado dentro do coração. — Aracne concluiu tendo epifanias sobre a receita de Pete Atlas. — Não o coração do vilarejo, mas o coração da criança perdida!
— Affffff, a menina ruiva. — Morfeu enfureceu-se. — Pete Atlas usou o artefato para lhe salvar! E o guardou em seu coração.
— Me salvar do quê? — Sofia colocou a mão no lado esquerdo do peito.
— Oras, para que você não morresse quando sua mãe se transformasse em um cachorro. — Luquinha exibiu-se.
— Vou ter que acabar com você, menina ruiva! — Morfeu soltou com rancor.
Sofia sentiu seu coração bater apertado e os dedos tremelicantes de alguém a tocaram no ombro. Era Aracne que trazia um sorriso de canto de boca.
— O que te faz pensar, Morfeu, que deixaremos você encostar nela? Você acha que tem certeza sobre tudo, mas está redondamente enganado. — Aracne encarou os olhos azuis acinzentados de Morfeu.
— O que está falando?
— Diana Artémis não poderia ser a mãe de Sofia!!!
Todos olharam surpresos para Aracne. Ela sabia de algo que ninguém mais sabia.
— Sorry, dear. Sofia, você não é a filha de Pete Atlas!
— Como não? Ela conseguiu tocar na urna do artefato milenar. — Morfeu soltou incrédulo.
— Não, não é ela! — Aracne sorriu para Sofia que respirou aliviada.
A menina ruiva não iria ter o fardo de ser filha de um dos homens mais caçados da História dos Fabulosos.
— Folco Lore, aquele velho idiota. Já deve estar gagá. Jurou ter pressentido uma E.I desabrochar na Rua 17. — Morfeu ficou enraivecido. — Se Sofia não é a criança perdida, quem poderá ser então? Não vai me dizer que é esse garoto loiro aí! — ele disse notando as asas negras nas costas de Luquinha.
Aracne, Foberto e Sofia fitaram Luquinha que foi logo se defendendo.
— N-Não, não sou eu não. Eu sou filho de Lorenzo Cincinato Fernandes. Não olhem para mim como se eu fosse filho de um mezzo! — Luquinha soltou desviando o olhar de todos até seus olhos encontrarem Cauã. — O-Olhem, o que está acontecendo com o Sarará?
O menino negro, que estava atrás de todos, parecia estar passando mal. Ele passou a sentir algo muito estranho, desde os dizeres de Eco. Seu coração parecia querer saltar para fora de seu peito.
— C-Cauã. — Aracne e Sofia lhe chamaram em vão. Ele nem sequer respondeu.
As palpitações foram aumentando progressivamente e de repente uma forte luz azul começou a emanar do lado esquerdo de seu peito. Logo seu corpo todo começou a brilhar. Aquilo chamou a atenção de todos.
— Como eu havia suspeitado desde o início, Cauã é o filho de Pete Atlas com Diana Artémis!!! Ela era negra! — Aracne colocou as mãos na cabeça e se emocionou.
— Desde o início? — Morfeu deu passos em direção ao campo de força.
— A princípio achei que Cauã fosse um garoto panqueca qualquer, mas logo passei a suspeitar que ele poderia ser a criança perdida. Era muita coisa para eu dar as costas para: a idade, a data de aniversário, o cacho ruivo, as feições e a resistência contra a chaga do pesadelo que em panquecas costuma se alastrar muito rápido. Aguardei e fui encaixando as peças do quebra-cabeça.
— Não me admira você tê-lo ajudado, então! — Morfeu rangeu os dentes. — Você tinha interesse em achar o artefato milenar também! Vai, Dona Arcane, confesse que você só ajudou o menino porque sabia que ele poderia te levar até o artefato milenar.
Aracne permaneceu em silêncio.
A cara que Morfeu fez ao ver o coração de Cauã emitir uma luz azul foi de incredibilidade, ainda mais quando ele viu o garoto começar a levitar no ar. Ele era o único que não estava mais preso à graça que segurava todos no chão. Aracne começou a chorar.
— Emane a sua E.I. — Sofia gritou para Cauã.
— Mas ele ainda não tem onze anos. Como vai conseguir fazer isso? — Luquinha cochichou com desdém para si próprio.
E assim Cauã o fez ao juntar as duas mãos e começar a repetir em voz baixa "Um ninho de mafagafos está cheio de mafagafinhos. Quem desmafagafar o ninho de mafagafos. Bom desmafagafador será".
De repente a luz concentrou-se em seu coração novamente, e uma explosão subiu ao teto. Era sua E.I.
Ela serpenteou pelas estalactites do quarto até se chocar com o campo de força e rompê-lo. A E.I de Cauã foi ganhando cada vez mais velocidade e se dirigiu rumo a Morfeu que foi atingido de jeito. O anelar transmórfico caiu desacordado no chão próximo às cortinas.
Aracne, Foberto, Luquinha e Sofia conseguiram se mexer novamente como se a E.I de Cauã tivesse quebrado a graça de Morfeu de vez. Em seguida, a E.I retornou em direção de Cauã e se chocou com muita força em suas costas enquanto ele ainda flutuava.
Todos olharam para cima, e a visão que tiveram foi a mais fabulosa de todas. Cauã ganhou duas asas brancas. Ainda pequenas e cobertas de penugens, mas importantíssimas em significado. E seu cacho vermelho aumentou em tamanho e brilho.
— Morfeu, você estava errado! — Foberto Ícelos soltou ao resgatar o dente de Cauã que estava próximo ao irmão desmaiado. — Quando Pete Atlas disse que usou o artefato milenar para salvar a vida de uma criança, ele estava se referindo ao próprio filho, o Cauã. Ele salvou o menino e escondeu em seu coração o artefato que acabou de ser ativado por Eco. Em vez de dizer "Reviva, Arcanjo", para ressuscitar o papai, ela disse "Viva, Anjo". Foi isso que possibilitou que Cauã emanasse a sua E.I. antes dos onze anos.
Luquinha olhava incrédulo para o professor que continou:
— A vida de Cauã foi o penúltimo desejo realizado pelo artefato milenar. E o desabrochar da E.I dele foi o último, meu irmão. O dia vinte e quatro de dezembro de 1994 às doze horas da manhã entrará para a História dos Fabulosos. O artefato milenar foi acionado. E isso acontecerá de novo, segundo Pete Atlas, somente daqui cinco anos. Nesse meio tempo, faremos de tudo para que pessoas como você, meu irmão, não ousem a se aproximar de Cauã. Quem poderia imaginar que um garoto negro com um cacho vermelho e com um nome indígena seria a criança perdida?
Naquele momento Cauã despencou lá de cima desacordado. Aracne se mostrou aflita. Ela soltou o coque e segurou a agulha maior na mão como se ela fosse uma varinha.
— "Cai-cai, balão. Cai-cai, balão. Aqui na minha mão!" — ela disse em voz alta acolhendo Cauã em seus braços. A queda do menino foi amortecida pelo poder de Aracne.
— Joaninhas Barbadas! — Foberto Ícelos ficou atônito e trocou olhares significativos com Sofia e Luquinha.
— Mas... ela tem uma varinha... — Luquinha não se segurou e foi logo comentando. — Ela não é fada. É uma brux... — Sofia tapou a boca de Luquinha antes que ele pudesse continuar.
Foberto pediu silêncio, e eles se aglomeraram em volta de Aracne que parecia não se importar com o fato de ela ter revelado a sua verdadeira identidade.
Ela só tinha olhos para Cauã, o "amaldiçoado anjo alquimista", filho de Pete Atlas. Seu nome se tornaria legendário e seria espalhado pelos quatro ventos que sopravam pelo mundo fabuloso. Cauã Nascimento Travassos. Ele era o filho de Pete Atlas Canastra e carregava em seu coração o artefato milenar! O estilhaço da pedra mais procurado em toda a história da humanidade. Sorte a do menino que apenas as pessoas naquele quarto sabiam daquilo!
E aí, o que está achando? Estamos chegando na reta final de "Os Fabulosos". Por favor, não se esqueça de dar estrelas, comentar e seguir a gente. Tudo isso ajuda a divulgar o nosso trabalho.
Beijos
Luiz Horácio
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