Capítulo 18: O Apanhador de Sonhos
— Onde estou?
— O que está fazendo aí, garoto? Os fregueses não podem entrar nessa parte da loja. É exclusivo aos funcionários.
— Me desculpe. Só me responda uma coisa. Eu estou em Aca.L.An.Tu.S?
— Não, não. Você está na Travesseiros e Travessuras no Mercado Estelar em Devaneios. — soltou o atendente tirando o menino de trás do balcão. — Aca.L.An.Tu.S está no topo do monte! Por acaso você estuda lá?
— Sim. — mentiu Luquinha.
As explicações de Déda sobre como ele brincava com um ou outro brinquedo quando criança pararam de chamar a atenção de Cauã assim que ele viu a pessoa que menos desejava encontrar.
Ele sentiu um misto de raiva e alívio. Raiva porque odiava o Luquinha e alívio porque ele não era o único panqueca no Monte do Devaneio.
— Sarará. É você? — Luquinha soltou com um sorriso largo saindo pela portinhola do balcão da loja indo na direção do menino negro.
A reação de Luquinha ao encontrar Cauã foi totalmente inesperada, e o menino negro não sabia como retribuir aquele abraço apertado que estava recebendo de seu até então arqui-inimigo.
Déda ficou feliz por Cauã ter encontrado um "amigo", e Aracne logo percebeu que eles não eram tão amigos assim. O atendente respirou aliviado, pois Seu Limor Eufésio não estava lá para presenciar que um cliente havia entrado na área exclusiva dos funcionários. Ele até poderia perder o emprego caso o patrão tivesse visto aquilo.
— Estão todos preocupados com você em São José dos Campos, Sarará.
— Cauã! Meu nome é Cauã. — corrigiu o menino.
— Ok, Sarará. Sem formalidades. — insistiu Luquinha. — Que bom que te achei. Seus pais saíram por toda a cidade distribuindo isto a fim de achá-lo. — Luquinha retirou da mochila um panfleto com a foto de Cauã estampada.
GAROTO DESAPARECIDO EM 21/12/1994
ATENDE PELO NOME DE CAUÃ TRAVASSOS, NEGRO, 10 ANOS, CABELO AFRO COM UM
CACHO RUIVO ACIMA DA TESTA. POR FAVOR, NOS AJUDEM! ESTAMOS DESESPERADOS.
Ao ver aquilo, Cauã não aguentou de saudades dos pais e começou a chorar. Luquinha fez que ia abraçá-lo, mas o menino negro foi em direção de Aracne que o consolou. Aracne e Déda se apresentaram a Luquinha e disseram que ali não era o melhor lugar para conversarem, pois não queriam chamar a atenção de ninguém já que Cauã estava em situação irregular em Devaneios.
Os quatro saíram da Travesseiros e Travessuras direto para o Sebo nas Canelas. A expressão facial de Luquinha ao caminhar pelo Mercado Estelar foi impagável.
Dez minutos após a saída de Aracne e companhia, o proprietário da loja de brinquedos, Seu Limor Eufésio, chegou com seu chapéu coco e terno verde impecável que suavizavam o contorno saliente de sua barriga e seu corpo rotundo.
— Como estamos de movimento, Endro? — o dono da loja foi logo ajeitando a estrela no bolso de seu funcionário.
— Estamos bem, senhor. — sorriu o jovem atendente. — Mas o movimento será grande mesmo depois de amanhã, véspera do Natal.
— Muito bem. — Seu Limor Eufésio deu um tapinha de leve na face de Endro felicitando-o.
PAFT. PAFT. O atendente voltou a ouvir o mesmo barulho de antes vindo da área exclusiva aos funcionários. Ele ameaçou ir até lá, mas foi impedido.
— Não se preocupe, Endro. Olhe, temos um cliente na loja. Deixa que eu cuido do barulho. Pode ser algum gato que entrou pela janela. — soltou Seu Limor Eufésio apontando para o homem moreno em uma cadeira de rodas que havia acabado de entrar. O papai Noel de brinquedo dançou saudando-o.
Seu Limor viu Endro receber o cliente e passou pelo balcão da loja indo em direção à porta da área restrita aos funcionários. Ele entrou e, em seguida, trancou a porta atrás dele. Caminhou pela sala repleta de armários e parou diante de uma porta cuja placa dizia "almoxarifado" em kângelus. Alguns barulhos vinham de lá de dentro. E duas vozes também.
— Tem alguém aí fora?
— Oi? Alguém nos tire daqui.
A primeira voz parecia ser de uma menina, e a segunda de um menino.
— Cuidado, Tato. Você está esbarrando na minha asa.
— Me desculpe, Sofia. — Eric tomou cuidado, pois lá dentro não conseguia ver nada. — ALGUÉM NOS TIRE DAQUI, POR FAVOR.
O dono da Travesseiros e Travessuras simplesmente se aproximou da porta do almoxarifado e deu um sorriso maquiavélico. Fabulosamente sua aparência começou a mudar assim que o seu anel brilhou. O corpo rechonchudo e a calvície debaixo do chapéu coco deram lugar a um corpanzil esbelto e de cabelo castanho sob um fedora. O terno verde foi substituído por um preto cuja gravata listrada era na mesma cor. Ele ajeitou o bigode em estilo francês com as pontas dos dedos.
— SEU FOBERTO! — gritaram Eric e Sofia quando reconheceram o homem que abrira a porta e acendera a luz do escuro almoxarifado.
Cauã entrou primeiro no Sebo nas Canelas. Estava cabisbaixo e com o seu panfleto de desaparecido. Machado de Assis veio logo ao seu encontro, mas quando viu Luquinha entrando na loja, começou a ronronar como se o menino loiro não fosse bem-vindo.
— Xiiiiuuuu, Machado. Esse é o Luquinha. Um amigo panqueca de Cauã.
— Não, não, senhor. — Luquinha fez que ia corrigi-lo.
Cauã logo imaginou que o menino loiro iria dizer que eles não eram amigos, mas o comportamento estranho de Luquinha dizia que ele queria que todos ali pensassem que ele era o seu melhor amigo.
— Eu não sou um panqueca. Eu sou um fabuloso! — Luquinha soltou tirando de Aracne e Déda uma cara de espanto quando levantou a camiseta do uniforme e mostrou a tatuagem de asas que tinha nas costas.
"Aquilo lembrava muito a tatuagem de Custódio, ainda mais porque as asas eram negras também! Mas como podia aquilo ser verdade? Luquinha era um fabuloso, um anelar, um anjo" martelou na cabeça de Cauã várias vezes.
— Bem, sentem-se. — todos se acomodaram no sofá da sala de Déda. — Vou explicar a vocês tudo o que ocorreu. Até pouco tempo atrás eu achava que era apenas um panqueca. Descobri há pouco que sou um fabuloso graças ao tour até Aca.L.An.Tu.S. O mesmo tour que Cauã não conseguiu fazer porque tinha perdido o dente. Lá descobri como evocar a minha E.I e a capachotear.
— Como? Se o jogo de RPG dizia que as crianças visitantes que vão até Aca.Lan.Tu.S não conseguem se lembrar de nada do tour quando voltam para a casa?!? — soltou Cauã de forma ríspida.
— Calma, Sarar... — Luquinha hesitou ao ver a cara de reprovação de Cauã. — Calma, Cauã. Andei pensando no que fiz diferente durante o tour até a escola de anjos da guarda. Eu não bebi todo o suco de morango que eles servem no fim da visita. Deve ter sido isso que me possibilitou manter minhas memórias.
— Devem usar os morangos aquáticos do Lago Lete. — Déda pontuou para Aracne. — Eles causam amnésia.
— Enquanto estive lá, consegui ouvir a conversa do diretor Folco Lore com a Mestra Maria Posa, a Fada do Dente. Eles falaram de uma tal de urna que guarda o artefato milenar. E que ela provavelmente está com o filho de Pete Atlas cujo paradeiro foi detectado na nossa rua, Cauã, a Rua 17.
Os ouvidos de Déda e Aracne se aguçaram para a conversa. O menino loiro parecia realmente saber de muita coisa.
— Pelo que vi no jogo... — Luquinha disse tirando da mochila o jogo de RPG. — Pete Atlas foi um grande professor de Aca.L.An.Tu.S, e olhem para ele. — Luquinha disse apontando para a cartinha com um homem ruivo de veste verde e com um mafagafo roxo nas costas. — Ele era ruivo exatamente como a Sofia é. Ela até se parece um pouco com ele. Tem sardas e tudo mais. Então provavelmente Sofia deve ser a criança perdida, filha do Pete Atlas.
— Quem é Sofia? — indagou Aracne apreensiva.
— Nossa vizinha. — Cauã disse.
— Preciso ir até Aca.L.An.Tu.S para dizer isso aos Mestres Maria Posa e Folco Lore. — Luquinha soltou aliviado concluindo a sua linha de pensamento. Sua memória estava voltando.
— E onde essa garota está? — Aracne interveio.
— Em São José dos Campos na E.E.P.S.G Monteiro Lobato. Ela conseguiu evocar sua E.I hoje pela noite, digo manhã. Bem noite lá, manhã aqui.
Aracne sentiu uma ponta de esperança em seu coração. "Se essa tal de Sofia for realmente a filha de Pete Atlas e estiver com o artefato milenar, Cauã conseguirá facilmente ressuscitar Custódio e sair do Monte do Devaneio o mais rápido possível. A urna provavelmente está escondida no mundo dos panquecas, talvez na tal Rua 17", ela pensou.
No entanto, tudo parecia muito fácil, e Aracne se lembrou de que ainda precisava traduzir o diário de Pete Atlas para ter certeza por onde começar a procurar pelo artefato.
— Como você chegou até aqui, garoto? — indagou Déda ansioso.
— Capachoteei na Travesseiros e Travessuras.
— Como assim? "Capotei"? — soltou Cauã.
— Capachoteei! — Luquinha corrigiu. — O jogo de RPG tinha um tabuleiro que na verdade era um capacho, um tapete geográfico. De alguma forma o capacho gêmeo dele estava no almoxarifado daquela loja de brinquedos. Eric e Sofia, nossos vizinhos e colegas de escola, compraram o jogo de um tal de Seu Rober..., não, Fober...
— Foberto Ícelos. — Aracne o ajudou.
— Isso! E aí conclui pelo nome que ele é o professor de Sombração II de Aca.L.An.Tu.S. Foi na aula dele que eu aprendi sobre os capachos.
— Essa história de capachos está muito estranha. — Aracne interrompeu. — A Secretaria de Defesa Anelar controla o uso deles. Não dá para capachotear aqui e ali ao bel prazer. Esses tapetes devem ser falsificados.
— Então quer dizer que posso ir embora daqui se eu usar esse tal de capacho? Vamos correr lá para a Travesseiros e Travessuras e "capotar" em São José dos Campos. — soltou Cauã todo empolgado.
Cauã levantou rapidamente do sofá e, ao tentar desviar de Machado de Assis que estava aos seus pés, o menino pisou em falso e caiu no chão.
— Cauã, você está bem? — Aracne se aproximou.
O garoto levou um tempo para responder, mas gemeu dizendo que "sim". Aracne e Déda o acudiram. E Luquinha o observava de longe, pois o mafagafo não havia ido muito com a cara dele.
— Pisei em falso e aí caí. — Cauã conseguiu soltar uma frase completa para o alívio de Aracne. — Estou com saudade de casa.
— Let me see! Não é de hoje que você reclama desse tornozelo.
Ela checou se o menino havia quebrado o tornozelo ou qualquer outra parte do corpo, e a expressão que ficou no rosto dela fez todos pensarem que sim. O silêncio que se fez foi angustiante.
Aracne chamou Déda para dar uma olhada no tornozelo do menino, e a expressão no rosto dele não era nada feliz. Luquinha olhou também, mas só viu uma mancha branca do tamanho de uma uva. E não achou nada de grave naquilo. "Talvez micose", ele pensou.
— Isso é gravíssimo. — apontou Aracne perplexa para todos ali. — Cauã, você foi marcado pelo pesadelo sim! O ponto branco está aumentando e você está correndo o risco de perder essa perna! O pesadelo deve tê-lo tocado de alguma forma naquela caverna em que você entrou.
— O que é um pesadelo? — Luquinha quis saber.
— É um lobo albino de três rabos que se alimenta da alma das pessoas deixando-as doentes. Cauã foi atacado por um pesadelo. E não deve ter percebido que foi arranhado. Deve ter sido um arranhão tão insignificante que nem sequer o sentiu direito. No entanto, apenas o toque de um pesadelo é capaz de fazer uma pessoa adoecer. Se não cuidarmos disso, em pouco tempo você vai perder essa perna.
As palavras de Aracne foram severas e preocuparam a todos. Cauã ainda estava digerindo a quantidade de informações que tinha para processar quando Déda o pegou no colo e o colocou no sofá.
— Descanse aqui, Cauã. — Aracne pontuou séria. — Vou atrás do que preciso para fazer a única coisa que é capaz de afugentar as chagas do pesadelo: um apanhador de sonhos. Cuide dos dois, Déda. — ela encarou o sebista. — Vou até a PIN-LIN-PIN-PIN comprar coisas para fazer o apanhador e já aproveito e passo na Travesseiros e Travessuras para ver essa história de capacho, Luquinha.
— Como vieram parar aqui no almoxarifado da minha loja, meus queridos? — indagou Foberto Ícelos a Eric e Sofia.
Ele indicou duas cadeiras para os irmãos se sentarem na sala repleta de armários.
— O senhor não faz ideia do que aconteceu. Jogamos o jogo de RPG e... — Sofia começou.
— Um amigo nosso desapareceu. Outro ganhou asas e veio para cá usando o tabuleiro do jogo. Minha irmã se tornou uma fabulosa também, digo, meio fabulosa.... — Eric disse olhando para Sofia que o repreendeu tentando esconder aquilo que se mexia em suas costas. — Muita coisa fabulosa ocorreu, Seu Foberto!!!
A garota ruiva tinha apenas uma asa com penugens cinzas que batia esporadicamente em suas costas. Ela respirou fundo e disse a Foberto Ícelos que iria explicar como eles haviam chegado até ali.
Sofia iniciou contando sobre o acampamento na biblioteca da E.E.P.S.G Monteiro Lobato. E que havia conseguido evocar a sua E.I assim que completou onze anos. No banheiro da escola, sua E.I se chocou com o espelho e se dividiu em duas. Uma das partes ricocheteou em suas costas. E a outra desceu descarga abaixo, literalmente, ao se colidir com a água de um dos vasos sanitários. Era por tal motivo que ela só tinha uma asa. E mesmo que tivesse duas asas, a explicação que ela, Eric e Júlia tiveram que dar para a bibliotecária sobre o ocorrido não teria sido menos cabeluda.
Sofia terminou dizendo que sua colega Júlia decidiu ficar lá na biblioteca com Dona Lígia ajudando-a a pôr tudo no lugar enquanto ela e Eric usaram o capacho. Julia lhes contou exatamente como Luquinha fizera para usá-lo.
— Fico feliz que consegui vender o jogo de RPG para as crianças certas. — Foberto Ícelos soltou para Sofia e Eric.
— Como assim, Seu Foberto? — Sofia indagou. — Por que somos as crianças certas?
— Olhe para você... — ele hesitou um pouco para falar o nome dela, mas se recordava muito bem de suas feições sardentas.
— Sofia! — a menina o lembrou.
—... Sofia, algo me dizia que você era a criança perdida desde quando lhe vi da última vez. Você é, sem dúvida alguma, muito parecida com o seu pai, o mafagafologista Pete Atlas.
— Aquele que foi professor de Aca.L.An.Tu.S?
— Esse mesmo.
— Não pode ser! Meu pai era um caminhoneiro. — Sofia soltou. — Se bem que eu nunca o conheci.
— Nunca parou para se perguntar porque você não se parece nada com o seu irmão ou mesmo com a sua mãe, minha querida? — Foberto Ícelos fez os irmãos se questionarem mentalmente a respeito daquilo.
Eric e Sofia trocaram olhares repletos de significação. Eles se questionaram a respeito de serem legitimamente irmãos e sobre as fotos do homem que D. Márcia, a mãe dos dois, lhes mostrava alegando que ele era o pai deles. Um caminhoneiro que havia morrido em um acidente pouco antes de a menina nascer.
— Mas, crianças.... — Foberto Ícelos mal deu tempo para as crianças refletirem. — Por um acaso vocês não têm alguma caixa diferente ou mesmo uma urna estranha na casa de vocês?
— A única caixa estranha que tem lá em casa é a caixa de manicure da mamãe, né, Sofia.
— Tem certeza, crianças?
— C-Certeza, não. Por quê, Seu Foberto? — Sofia indagou.
— Há uma urna perdida. Ela contém um pequeno estilhaço de pedra que pode realizar o desejo de quem a possuir, seu nome é estilhaço da esperança. Também conhecida como artefato milenar. Mas ela não pode cair em mãos erradas, crianças. Aca.L.An.Tu.S procura pelo artefato desde quando ele sumiu com a morte de Pete Atlas.
— Se me ajudarem a achar o artefato milenar, posso ajudá-los a encontrar seus amigos! Como é mesmo o nome deles?
— Cauã, Cauã Travassos e Lucca Fernandes. — Sofia disparou aflita.
TOC. TOC. A conversa foi interrompida por Endro, o único atendente da loja que estava trabalhando naquele horário. Ele bateu à porta da sala de acesso exclusivo aos funcionários da Travesseiros e Travessuras, pois ela estava trancada.
— S-Seu Limor Eufésio, com licença. — Endro disse do lado de fora na área do balcão. — A senhorita Aracne está aqui e disse que gostaria de conversar com o senhor sobre um assunto particular.
As crianças se entreolharam tentando entender a quem o homem do outro lado da porta chamava de Limor Eufésio. Afinal de contas estavam ali na sala apenas Eric, Sofia e o Seu Foberto Ícelos.
— Diga a ela que não poderei atendê-la agora, Endro. Estou em reunião! — Foberto Ícelos respondeu para a surpresa das crianças. — V-vamos, crianças. Vamos capachotear na minha casa e depois vamos para Aca.L.An.Tu.S. Os amigos de vocês devem estar lá.
Os três foram direto para o almoxarifado. O capacho estava do outro lado da sala, e as crianças notaram que nele havia escrito o número 02.
— O que significa esse número, Seu Foberto?
— Você é bem esperta, hein, Sofia. Significa que esse capacho já foi usado duas vezes. Só restam mais três vezes. — Foberto Ícelos disse indicando para os dois limparem os pés logo.
ZUPT! ZUPT! As crianças capachotearam primeiro. Seu Foberto foi depois. ZUPT! Assim que ele sumiu, o número 05 apareceu no capacho que se desintegrou. Restou apenas em seu lugar uma marca retangular de queimado no chão.
ZUPT! ZUPT! ZUPT!
— Onde estamos? — Eric e Sofia indagaram quando capachotearam em uma sala cujas paredes lembravam as de uma caverna.
— Na mansão dos Oneiros! — Foberto Ícelos respondeu prontamente.
Dona Conceição, que sofria de insônia, levantou-se no meio da noite para buscar um chá na sala dos professores. Ao passar pela biblioteca, percebeu uma estranha movimentação. Ela foi até lá e bateu na porta. Dona Lígia atendeu com a porta entreaberta. Ela não podia abrir a porta por completo, havia muito ainda o que se limpar e dos alunos, restara apenas Júlia.
Com uma cara de sentimentos mistos, Dona Conceição alegou até que vira durante a noite luzes vindas da biblioteca como se fossem fogos de artifício da virada de ano. "Eu estava testando os pisca-piscas, a iluminação de natal, professora". Dona Lígia respondeu tentando despistá-la.
— E as crianças dormiram? — a professora com cara de sapo e bobs na cabeça perguntou tentando espiar pela fresta.
— Estão dormindo sim. Feito anjos! Ficaram brincando com um jogo de RPG e logo caíram no sono. Não quer que eu os acorde, né. — soltou Dona Lígia com um sorriso amarelado.
— Não, não. P-Precisa, não. — pontuou Dona Conceição indo embora.
Dona Lígia trancou a porta e respirou aliviada diante de Júlia que tomava conta do capacho no meio da biblioteca. Elas viram o número 3 escrito no canto do capacho e as duas desejaram que Eric, Sofia e Luquinha estivessem bem e que tivessem encontrado Cauã Travassos.
Aracne voltou das compras com a cara fechada e desapontada com o fora que levara de Seu Limor Eufésio. Ela havia sido sempre uma ótima anfitriã em todas as vezes que ele se hospedou na Pousada do Viajante e uma excelente tapeceira ao fazer os tapetes com as tramas que o dono da Travesseiros e Travessuras sempre exigia.
Ela não tinha muitos pedidos de encomendas de tapetes cujos desenhos eram definidos pelos clientes. Ela costumava ter freguesas, na sua maioria, fadas senhoras já aposentadas, que sempre compravam os tapetes que ela já havia bordado ou tecido. Seu Limor Eufésio era o único que exigia que ela fizesse o tapete exatamente como ele havia pedido.
Ao chegar na sala de estar da casa de Déda dentro do Sebo nas Canelas, ela encontrou Cauã repousando no sofá enquanto Machado de Assis dormia em seu colo. Déda e Luquinha conversavam.
— Bem, achei tudo o que eu precisava na PIN-LIN-PIN-PIN! — Aracne disse colocando sobre a mesinha de centro uma sacola.
De lá, ela tirou um galho maleável de araucária, pérolas perfuradas e tiras de couro. Ela sentou-se então em frente ao sofá. Os meninos passaram a observá-la como se ela fosse fazer algum encanto ou coisa do tipo. Aracne soltou o coque preso por três agulhas e deixou as longas madeixas castanhas caírem sobre os ombros. Ela arrancou três fios de seu cabelo e os emendou com uma habilidade incrível usando a agulha maior. Suas mãos não tremiam mais!
Em pouco tempo ela flexionou o galho e o prendeu deixando-o no formato de um aro. Então revestiu o aro com o couro e costurou nele vários fios em sua parte interna, tecendo uma trama tão bem elaborada e delicada que lembrava a teia de uma aranha. Para arrematar, Aracne costurou as pérolas na parte externa do aro em fios de cabelo formando algo como se fossem fileiras de miçangas.
— De acordo com a simbologia fabulosa, o aro representa a proteção, o couro de boi-bumbá, o sagrado, e as pérolas representam a pureza. A trama de fios em formato de lótus é uma armadilha para prender o pesadelo. Só está faltando o mais importante.
— O quê? — indagaram Cauã e Luquinha juntos.
— Penas de mafagafos. — Aracne soltou olhando para Machado de Assis que deu no pé e sumiu pelo sebo ao se mafagafar. — Sorte a nossa que temos algumas penas extras.
Aracne retirou a pena que trazia em sua veste, a que trazia em seu chapéu e as outras duas que ficavam na cartola que Saudade dera para Cauã. Ela arrematou as penas nas extremidades de cada fileira de pérola e em seguida ergueu o apanhador de sonhos no ar. Pronunciou palavras inaudíveis e foi até Cauã.
— Isso te protegerá de todo e qualquer pesadelo. — Aracne soltou amarrando o pequeno apanhador no tornozelo de Cauã. — A chaga do pesadelo desaparecerá em breve. Mas você não deve tirar isso daí por nada, até a mancha ter sumido totalmente, ok, Cauã?
A noite logo caiu, e Machado de Assis voltou a aparecer para comer. Déda ficou responsável por organizar um cômodo da casa para acolher seus convidados. Cauã e Luquinha dormiriam na cama de Déda. Ele, por sua vez, dormiria no chão em um velho colchão em seu quarto. Já Aracne exigiu que ela dormisse no sofá da sala, pois iria varar a noite traduzindo o diário de Pete Atlas.
E aí o que está achando? Ainha há muito por vir. Continue acompanhando a história de "Os Fabulosos" e não se esqueça de dar estrelas, comentar e seguir a gente. Tudo isso ajuda a divulgar o nosso trabalho.
Beijos
Luiz Horácio
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