Capítulo V: Feitiço sombrio
O mal espreita através das sombras, e basta apenas uma brecha para que tome posse do que quer.
— Princesa... Princesa Agnessa! Está me ouvindo? Princesa, acorde!
— Hã... o que... o que aconteceu? — perguntei com a vista embaçada.
Percebi que estava nos braços de Ícaro, ele me encarava apavorado. Encontrava-me com metade do corpo no chão e a outra apoiada em seu colo.
— Vossa Alteza ficou pálida de repente, não respondia mais minhas perguntas e então desfaleceu, como se algo a tivesse atingido.
Comecei a recobrar a consciência, lembrei-me de adentrar o estábulo puxando Oliviana. Depois disso, lembrava apenas de ter a sensação que uma nuvem densa e escura preencheu minha alma, levando cada gota de luz presente em mim.
— Faz muito tempo? — perguntei lânguida, com uma das mãos na cabeça.
— Não, estava nesse momento pensando em carregar a senhorita até seus pais.
Fiz uma tentativa de me levantar. Ícaro me apoiou, no entanto, minha cabeça girou e eu novamente estava caída em seus braços.
— Acalme-se. — Ele acariciou minha face. — Fique tranquila, darei um jeito de levá-la.
O domador colocou as mãos sob minhas pernas com certa dificuldade por causa dos panos pesados do vestido. Me ergueu em seus braços e me carregou estábulo afora.
Eu, com o pouco de força que tinha, envolvi meus braços em seu pescoço e recostei a cabeça em seu ombro.
Algum tempo depois, senti passos correndo até nós, conhecia o barulho de tais sapatos.
— Agnessa! — Meu irmão gritou ao me ver carregada por Ícaro — O que houve? — perguntou enquanto o domador com toda a pressa me levava para dentro do castelo.
— Ela desmaiou, caiu no estábulo e não consegue ficar de pé — respondeu, sem deixar de caminhar e com a voz um tanto esforçada.
Apesar de mal, conseguia ouvir toda a conversa.
— Venha, por aqui. — Antero o guiou até seu quarto, que era bem mais perto que o meu.
O cuidador de cavalos me deixou sobre a cama macia de meu irmão, com cuidado.
— Meus pais estão no salão de baile dando as primeiras instruções aos criados para o dia da coroação. Vá até lá e os chame, por favor.
— Sim, Alteza. Com licença. — Ícaro saiu apressado.
— Minha irmã. — Antero se pôs ao meu lado, ajoelhado. — Tuas mãos estão tão frias — disse ao encostar seus dedos em minha pele.
Abri os olhos devagar e pude ver sua expressão de medo e desespero.
— Antero.
— Ag! Como estás?
— Eu... — Tossi, sem conseguir completar a fala.
— Sh! Não diga nada. O papai e a mamãe estão vindo. Só fique aqui comigo, está bem?
Aquilo nunca havia acontecido com a minha pessoa. Além de tudo, me sentia bem durante a cavalgada. Não era normal desmaiar daquela maneira, sem nenhuma premissa de que tal coisa fosse acontecer. Não houve indício, mal estar, apenas senti-me derrotada por aquela força estranha que já presumia de onde vinha.
— Minha filha! — Meu pai apareceu primeiro, correndo.
Ele se jogou junto de meu irmão, ao lado do leito:
— Pai. A mamãe...
— Está vindo, querida. Ela foi chamar Lorenzo e Levi. — O rei Demétrio respondeu.
— AAAAHH!!! — exclamei ao sentir uma pontada feroz em meu peito.
— AGNESSA! — Papai parecia aflito e temeroso.
— GIÓRGIO!!! — Meu irmão deixou o quarto, gritando pelo homem que detinha a maior confiança de meu pai.
Nesse momento minha mãe apareceu acompanhada do curandeiro e do mago. Ao ver o meu estado e ouvir meus gemidos de dor, seus olhos se encheram de pavor.
— Meu amor! — Aproximou-se. — Vai ficar tudo bem! Acalme-se.
Nem ela mesma acreditava em tais palavras, somente as dizia para tentar me convencer de que não iria morrer.
Lorenzo, o curandeiro, pediu para que eles se afastassem de mim. Em seguida sentou-se na beira da cama e pôs a mão em minha face, analisando meus olhos. Depois disso checou meus sinais vitais.
— Levi — chamou o nome do mago, que se encontrava no canto do quarto, junto de meu pai. — Veja. — Apontou para meu pescoço, afastando meus cabelos.
— Não me parece natural. — O mago aproximou a face de mim. — Rainha, tu sabes se a princesa mexeu com ervas mágicas ou teve contato com alguma poção?
— Ela mal sai de seu quarto. — Minha mãe respondeu.
— Presumo que seja algum tipo de feitiçaria, creio que posso curá-la com algumas plantas e poções que tenho em meu estoque — disse Levi.
— Há como saber o que causou isso? — Meu pai perguntou, enquanto os outros no local me olhavam com medo e pena.
— No momento, não. Mas acredito que amanhã pela manhã obteremos respostas sólidas — o mago respondeu. — Lorenzo, pode me ajudar por favor? — chamou o curandeiro.
Os dois deixaram os aposentos de Antero e seguiram para o quarto de Levi, onde tudo que usava para feitiços e magia ficava.
Meu irmão retornou desassossegado, na companhia de Giórgio que, ao me ver, ficou paralisado.
— Rei Demétrio, o que houve com a princesa? — questionou enquanto observava Antero se aproximar de mim novamente.
— Levi disse que parece um encantamento ou algo assim — meu pai respondeu, com rouquidão.
Ficaram ali, então, observando eu me contorcer sobre a cama. Eu sentia coisas estranhas por todo meu corpo. Parecia que algo muito forte tomava conta de mim, não me recordava de ter tocado em algo que fosse perigoso, afinal, sempre tentei me manter longe de tudo que pudesse resultar em tragédia.
Lorenzo e Levi enfim retornaram.
— Preciso que se retirem! — disse o curandeiro, enquanto colocava alguns pergaminhos e recipientes de vidro e metal sobre a mesa, onde meu irmão fazia suas anotações.
— Mas eu quero permanecer ao lado de minha filha. — Meu pai esbravejou, gesticulando em sinal de ordem.
— Sinto muito, precisamos ficar sozinhos com a princesa.
Percebi uma silhueta do lado de fora, era Ícaro, que observava toda a cena ao lado da porta. Talvez não tivesse coragem de entrar, ou medo de meus pais o expulsarem. Parecia estar aflito, e quando nossos olhares se encontraram, senti o medo emanar de suas pupilas.
— Por favor, saiam! — Lorenzo foi mais firme dessa vez.
— Tudo bem. Vamos, Auriviana. Antero, meu filho, venha! — O rei ordenou ao meu irmão que se recusava a sair. — E tu, por favor, salve minha filha. — direcionou o olhar a Levi, que anuiu movimentando a cabeça.
Ouvi a porta bater, era ensurdecedor. Tudo parecia mais alto.
Depois de saírem, notei que Levi e Lorenzo se entreolharam e fizeram um gesto, o qual não sei distinguir.
O mago se colocou de pé ao lado da cama com um recipiente em mãos.
— Hic magnus malum tollitur — falou, ao destampar o frasco, que continha um líquido esverdeado.
Em seguida, o curandeiro, que estava sentado ao lado de meu corpo, abriu minha boca e, usando o indicador, salpicou minha língua com uma espécie de pó escuro.
— Pronto, pode prosseguir — disse Lorenzo ao mago, que esperava com o líquido em mãos.
Ele se posicionou inclinado e passou o polegar embebido na poção sobre meu pescoço, onde uma veia quase saltava para fora de minha pele. Eu podia sentir cada parte do tecido se esticar.
Assim que tive contato com aquela água de cor verde, algo parecia querer sair, como se o mal não suportasse mais habitar meu corpo. O curandeiro me apoiou enquanto eu tossia incontrolavelmente. O mago puxou o urinol de meu irmão que ficava embaixo da cama e eu inclinei meu corpo para frente, sentindo um ardor imensurável no peito.
— Vamos, Alteza. Força, precisa expulsar isso de dentro de ti! — Levi falava, de pé, enquanto Lorenzo mantinha as mãos em meu cabelo, segurando-o para que não caísse sobre minha face voltada para o chão.
Subitamente um mar de coisas ruins passou por minha garganta e eu coloquei tudo para fora. Tinha um aspecto consistente, parecia sangue, porém seu tom era mais fechado. O gosto era pior que de qualquer veneno. Assim que tudo aquilo saiu de meu corpo, direto ao recipiente no chão, Lorenzo jogou o mesmo pó que passara em minha língua, sobre aquele líquido rubro.
— Pronto, tu ficarás bem agora, princesa. — Levi falou, enquanto Lorenzo me ajudava a limpar a boca com um pouco de água e um pano que trouxeram junto com todas as outras coisas.
O mago então tampou os frascos e guardou os pergaminhos.
— Fique aqui com ela, irei chamar o rei. — Ele se retirou enquanto eu, sem entender muito bem o que havia se passado, tomava um pouco de água.
— Como se sente, alteza? Consegues falar? — O curandeiro perguntou, ainda sentado ao meu lado, me auxiliando.
— Bem... bem melhor, Lorenzo. — Tossi. — Sabes o que aconteceu?
— Creio que Levi tem algumas teorias, no entanto não sei se ele as revelará agora. Acredito que dirá em algum momento oportuno.
Minha cabeça girava com toda aquela situação, e um pensamento não deixava minha mente: Aquilo ela obra do feiticeiro, e eu deveria descobrir suas intenções.
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