Capítulo IX : A Sombra
Calar-se, por muitas vezes é a melhor solução. Mesmo que isso sufoque sua alma...
Todos os olhares estavam apreensivos durante o almoço, meu pai mal tocou na carne, e eu mordiscava alguns legumes sem muito ânimo. Meu avô era o único que parecia não se importar com o clima estranho e comia como se não o fizesse há meses.
— Antero — chamei, assim que acabei minha refeição. — Encontre-me no lugar de sempre, depois, precisamos conversar.
— Claro, Ag. Aliás, já terminei também. Podemos ir agora. — Limpou a boca.
— Não acredito que farão uma cena de total desrespeito destas com vosso avô
— meu pai disse com descontentamento em sua entonação vocal.
— Deixe-os, Demétrio. Não quero que se sintam pressionados a nada — respondeu. — Podem ir, mas antes de saírem mais tarde, quero que os dois me levem até os cavalos. Sinto falta dos animais deste lugar.
— Claro, vovô. Será um prazer. — Sorri.
— Então, vamos, minha irmã? — Antero se levantou e voltou a cadeira em que estava sentado para o lugar. Fiz o mesmo.
— Com licença — disse. Prestei reverência e nós nos retiramos.
Fomos em direção a um dos corredores laterais, que dava acesso ao meu quarto. Caminhamos em silêncio por um tempo, até que decidi quebrá-lo.
— Antero, o que tu achas desta história da mamãe ir com o papai para Magnus Montis? Digo, será que vamos dar conta de tudo isso, sozinhos? — Gesticulei com as mãos para os lados.
— Tu serás a rainha de qualquer maneira. Acredito que a presença deles não irá afetar em nada o andamento do reino — respondeu.
Começamos a subir as escadas que levavam à enorme torre três, era lá que sempre tínhamos nossas conversas importantes. Longe de todos, com uma vista incrível do reino e também do povoado.
— Mas é que eu estava contando com a ajuda do papai, compreendes? Para aquela coisa...
— A chave da Aura?
— É! Sem ele aqui, como vou conseguir tocá-la?
— Ag, estás cansada de saber que a força que a fará tocar a chave está dentro de si mesma. Ninguém pode fazer isso por você.
— Mas uns conselhos seriam muito bem-vindos — retorqui.
Continuamos a subir. Quando enfim chegamos, respirei e observei toda aquela imensidão. Era esplêndido.
— Em pensar que em breve eu serei a rainha de tudo isso. Meu coração pesa sem nem mesmo chegar o dia do ato.
— Não te preocupes, Agnessa. Vai dar tudo certo — disse com uma expressão doce. Depois pegou minha mão e deu um beijo suave nela. — Minha irmã, eu queria aproveitar e conversar sobre uma assunto, creio que agora é uma hora oportuna.
— Diga-me. — Gesticulei com a cabeça, forçando o queixo para baixo e o encarando quase que de baixo para cima.
— É que... sabes que sou apaixonado por Venília e que sonho em tê-la comigo. Porém nossos pais não permitem que me case com a costureira. Pelo menos não enquanto eles são os líderes soberanos de Erysimun.
-— Já entendi o que queres! — exclamei em um tom preocupado, porém desfiz a encenação e sorri. — Claro, meu irmão. Como rainha eu permitirei que tu te cases com ela e traga-a para nosso castelo — completei.
— Jura? Mas, Agnessa, o pap...
— Ei! Tu mesmo me falaste que, depois da coroação, quem decidirá as coisas aqui será a rainha, no caso, eu. Então, sim! Eu permito e faço muito gosto do vosso casamento.
— Ai, Ag! — Me atacou com um abraço inesperado. — Tu não sabes como isso é importante para mim.
— Sei sim, meu irmão. — Encarei a parte de baixo do castelo, onde Ícaro acariciava um dos cavalos recém domados do reino e o levava para o campo. — Como sei...
— Agnessa, queres dizer-me algo? Precisas desabafar?
— Já disse tudo que me aflige sobre essa história de rainha — repliquei.
— Não falo sobre isso, quero saber sobre seus sentimentos. Sei que há algo diferente em ti, há muito tempo sinto que sua essência de criança se esvaiu. E isso só significa uma coisa, sabes muito bem o quê!
— Queres dizer que achas que estou apaixonada? Não acredito em tamanho descaramento de sua parte ao supor uma coisas destas. — Sacolejei a cabeça.
— Admita, Ag! Eu sei que sentes algo, por "tu sabes quem". — Apontou com a cabeça para o horizonte, onde a silhueta do domador desaparecia junto com o cavalo que levava.
— Me conheces melhor que eu mesma, não é mesmo? — disse, enquanto o vento bagunçava um pouco meus cabelos contra a face. — Ele é um homem muito bom, gentil, bonito... Mas eu não posso! — Balancei a cabeça, recuperando os sentidos. — Tenho que pensar em toda essa história de responsabilidades.
— Não podes sufocar o amor por muito tempo, Agnessa. Afinal, tu... — Parou de falar, de súbito, e arregalou os olhos. — Vistes aquilo? — Apontou para onde estava Ícaro.
— O quê? — Cerrei os olhos para observar, parecia haver alguém atrás dele, como uma sombra. — Eu falei, Antero! É a mesma coisa que vi enquanto íamos para o salão de bailes. Eu sabia! Temos que avisá-lo! — disse com a voz embargada e aflita.
— Não, acalme-se! Observe, a coisa desapareceu.
Realmente, não havia mais nada lá. Não era possível uma pessoa desaparecer daquela maneira. Eu fiquei paralisada de medo. Meu irmão tentava decifrar o que era aquele ser, e se realmente era um Cavaleiro das Sombras.
— Chame Lorenzo e Levi. Precisamos interrogar o feiticeiro... agora! — Fitei os olhos também surpresos e desesperados de meu irmão.
Descemos as escadas correndo, meu irmão me auxiliava segurando-me pelo braço. Tratei de pegar rapidamente o caminho até a entrada da masmorra enquanto Antero ia até a sala das poções, onde estavam o curandeiro e o mago. Eu sabia que algo de muito errado invadira o castelo, sabia que o terror sombrio já caminhava pelos corredores e que era apenas questão de tempo até que tomasse posse do que almejava.
Estava suada pela corrida e pelo temor, admito. Esperei que meu irmão chegasse com os dois homens que eram jovens, pouco mais velhos que nós. Mas tinham dons inimagináveis por qualquer um.
— Antero disse que tens pressa no interrogatório. — O curandeiro começou.
— Sim, Lorenzo. Nós temos — respondi.
— Vós ireis conosco? Ou preferistes ficar aqui em cima? — Levi então tomou a vez.
— Não, eu quero ir. Preciso saber de tudo que aquele homem tem a diz...
— AGNESSA! — Ouvi a voz de meu pai ressoar atrás de nós. — A senhorita não vai acompanhá-los.
— Mas, pai. Eu e Antero vimos uma coisa.
— Ag! — Meu irmão me repreendeu.
— Eu preciso dizer a eles, eles têm de saber! — retruquei nervosa.
— Não tenho nada que conversar, vós tendes de me obedecer. Nem tu, e nem teu irmão irão à masmorra interrogar o feiticeiro. Deixem isso nas mãos de Lorenzo e Levi.
— Pai! — chamei-o em súplica.
Meu peito ardia demasiadamente e meus olhos estavam em chamas.
— Queres ficar trancada em teu quarto? Não te esqueças que vós quereis ir ao povoado mais tarde, e que eu posso proibi-los com uma palavra apenas. Realmente desejas desacatar minhas ordens, Agnessa? — bradou com rispidez.
Engoli o choro com bastante dificuldade e encarei meu irmão que, com o olhar, pedia para que eu não me excedesse, eu sabia que era muito importante a visita ao povoado para ele. Então apenas me calei, meu coração era apenas raiva e desespero, mas eu me calei. O bem das pessoas a minha volta sempre foi maior que minhas próprias vontades, era desse modo que eu enxergava a vida.
Poderia abrir uma discussão terrível que culminaria na realização do meu desejo de presenciar o interrogatório, porém também acabaria com as nossas regalias momentâneas. Tendo em vista que meu pai poderia simplesmente dizer aos guardas que nos impedissem de sair, ou então pedir para que ficassem como nossas sombras, já que eu conhecia algumas passagens secretas que permitiriam uma fuga sorrateira durante a noite.
Molhei um pouco os lábios mordendo a parte inferior em seguida, criando forças para responder cordialmente:
— Não, papai. Eu... — Olhei para Antero e voltei a face ao meu progenitor. — Eu fui insensata, não deveria respondê-lo dessa forma e nem desobedecer vossas ordens. Perdoe-me. — Pisquei rapidamente e olhei para baixo. — Não vai se repetir. — Expirei.
— Espero que sejam verdadeiras tais palavras, Agnessa. E tu, Antero, eu confio muito em tua capacidade de ajudar sua irmã e auxiliá-la. — Caminhou até ele e segurou a gola de sua veste. — Não me faças perder esta confiança. — Ficou tão próximo de meu irmão que era possível que sentissem a respiração um do outro, em seguida o soltou enraivecido.
— Recomponham-se! Vosso avô os espera para irem juntos até o estábulo. Não demorem! — Virou-se de costas e andou a duros passos até desaparecer no imenso corredor.
— Venha aqui. — Antero me puxou e eu colei o ouvido direito em seu peito, enquanto me acalentava. — Não fiques entristecida. Estou aqui contigo. — Beijou o topo de minha cabeça.
— Então, nós vamos interrogar o feiticeiro. Mais tarde passamos todas as informações obtidas. — Levi falou, percebendo o quanto era importante para nós.
— Tudo bem, como vós acháreis melhor — falei, desvencilhando-me de meu irmão. — Vamos, Antero. Pelo menos conversar com o vovô não nos traz problemas.
Depois disso, Levi e Lorenzo desceram as escadas de acesso à masmorra e eu fui para a parte frontal do castelo, acompanhada de meu irmão. Ao chegarmos lá, encontramos nosso avô parado com uma postura invejável. Suas mãos estavam para trás e os cabelos grisalhos, ora ressaltados pelo brilho solar, perfeitamente alinhados em sua coroa dourada.
— Tu estavas chorando, querida? — perguntou, assim que nos aproximamos.
— Sim, vovô. Sou muito emotiva, Antero estava me contando uma história sobre um reino antigo, fiquei muito abalada — menti.
— Chorona como sua avó — zombou de uma maneira carinhosa.
Sorri em resposta.
— Vais adorar os cavalos. — Meu irmão disse, direcionando meu avô para uma caminhada até onde se encontravam os animais.
— Tenho certeza que sim — ele respondeu.
Fomos conversando até o estábulo, onde mostramos um a um todos os cavalos e éguas mais estimados de Erysimun.
— Percebe-se que são muito bem cuidados — comentou enquanto acariciava a crina de um puro sangue branco.
— Sim, Ícaro é muito bom no que faz - falei. — Por falar nele.
Apontei para a entrada, onde era possível avistar o domador chegando com o cavalo que levara para uma volta, momentos antes. Ele alocou o animal em uma das baias e se aproximou de nós.
— Rei Aurio! — Prestou reverência. — Que honra encontrá-lo aqui.
— Como vai, rapaz? — meu avô questionou com seu tom de voz ameno e aprazível.
— Muito bem, alteza.
— Ícaro, é... — Interrompi a conversa dos dois, sem pensar. — Antero e eu vamos ao povoado mais tarde, contudo, meu pai não permitiu que fôssemos sozinhos. Gostarias de nos acompanhar? — perguntei, meio sem jeito.
— Claro, princesa. Seria uma honra — replicou entusiasmado.
Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, envergonhada. Deixei então que os rapazes falassem sobre os cavalos, enquanto eu viajava em meus pensamentos sobre aquele passeio noturno, que certamente prometia mais que um abraço atrás da árvore. Ou pelo menos eu tinha esperanças.
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