Capítulo II: Galope
Deveria dar mais valor às profecias, elas sempre estiveram corretas...
Segui para a parte oeste do castelo, onde minha mãe observava as joias e decidia qual usaria em minha coroação. A Rainha Auriviana nunca foi do tipo de mulher que se contentava com pouco. Desde muito jovem, gostava de se embelezar com as mais belas pedras, presenteadas por seu pai, rei de um povo muito distante.
Aproximei-me da sala onde o joalheiro real mostrava tudo o que tinha de mais precioso para confeccionar as joias que minha mãe desejara.
— Essa me parece perfeita! — falou, segurando uma ametista com a mão esquerda.
— Mamãe! — chamei.
— Querida! O que estás fazendo por estes lados do castelo? Pensei que estivesses descansando. — Se aproximou.
— Fui ter com meu pai, queria conversar acerca de toda essa história de rainha. — Fiz uma pausa, sabendo que ela não gostava nada do meu posicionamento. — Ele pediu que viesse lhe chamar.
— Alteza. — O joalheiro se aproximou. — Se me permites, gostaria de saber quando virás para tratarmos da sua coroa.
— Não sei, talv...
— Amanhã mesmo! — Minha mãe esbravejou, com as mãos pelo ar, em sinal de afoiteza.
Eu não respondi, apenas sorri com um pouco de esmorecimento.
— Vistes Antero, mamãe?
— Seu irmão saiu com o curandeiro e o mago. Ficaram sabendo de um feiticeiro que está vendendo poções proibidas na Floresta Negra.
— Ora, e o que poderiam fazer a respeito? — indaguei.
— Eles querem saber se dentre as poções está a que tanto precisam para terminar a cura.
— Mas já não se vê a doença dos olhos há tempos. Não achas que temos assuntos mais importantes no momento?
— Querida, cuides de descansar para sua coroação e deixes o seu irmão trabalhar em suas funções.
— Mas, mamãe, eu...
— Nem mais uma palavra, Agnessa. — A Rainha Auriviana virou-se de costas. — Bom, acho que será esta! — bradou com regozijo, erguendo a pedra preciosa e entregando-a ao joalheiro, que se retirou após reverência. — Vamos, minha filha.
— Perdoe-me, mamãe. Mas acho que vou sair um pouco com Oliviana.
Descontente com o que disse, ela segurou em meu braço e me escrutinou com um olhar de fúria.
— Ordeno que voltes antes do jantar! Sabes como é perigoso cavalgar sozinha por estas horas.
— Terei todo cuidado.
Assim que deixamos aquela sala, minha mãe tomou rumo do lado norte, onde ficavam seus vestidos, era lá que ela e o papai sempre se encontravam. Eu saí pela lateral e fui até o estábulo caminhando e segurando as várias camadas de anágua.
Ah! Como eu amava andar sem preocupações pelas trilhas de pedra que cercavam meu lar.
Quando passei pelo grande portal de madeira, Oliviana, minha égua, relinchou alegre. Apressei-me em uma corrida até onde estava. Estiquei meu braço até alcançar sua cabeça e a acariciei.
— Princesa Agnessa! — O cuidador falou, surpreso em me ver ali, no momento em que o sol estava quase se pondo. — Perdoe-me, alteza. — Abaixou o olhar e prestou reverência.
— Já disse que não é necessário falar desta forma, Ícaro. — Sorri e voltei minha face a ele.
O cuidador e domador dos cavalos da realeza chamou minha atenção desde o primeiro momento em que o vi. Seu pai cuidava dos animais quando mais novo, e o rapaz seguiu seus passos. Foi ele quem me ensinou a montar, meu pai não queria permitir tal coisa, no entanto, com muita insistência acabou por aceitar. A dificuldade se dava apenas por minhas vestimentas pesadas, mas com a ajuda de Ícaro, conseguia subir e andar nos cavalos sem problema algum.
— Podes preparar Oliviana para mim, por gentileza? — pedi com delicadeza.
Com toda a sinceridade de meu coração, imaginei por muitas vezes como Ícaro seria um ótimo rei. Ele tinha tanto controle, era gentil, educado, determinado. Não sei se esse encantamento de minha parte devia-se também à beleza do jovem, que tinha músculos aparentes, olhos cor de mel e cabelos castanhos que emolduravam seu rosto, cansado pelo trabalho.
— Perdoe-me pela intromissão, princesa. Mas não achas que está tarde por demasiado para que deixes os territórios do castelo?
— Sim, mas eu preciso muito sair deste lugar um pouco. Toda esta coisa de rainha está me deixando enlouquecida — respondi.
— Bom, se é assim, eu gostaria de acompanhá-la. Poderia proteger-lhe se algo viesse a acontecer. Se tu o permitiste, é claro.
— Se não for atrapalhá-lo em suas tarefas ou em seu descanso. Sei que está quase na hora do jantar, não quero que tu sintas fome por minha causa.
— Ora, alteza. Não me incomoda em nada cavalgar contigo. Pelo contrário, ficaria honrado.
— Então, vamos. Só por favor, não me perguntes nada sobre a coroação no tempo em que estivermos juntos. Gostaria de imaginar que sou apenas uma princesa inocente que não precisa se preocupar com um reino inteiro antes de completar vinte anos.
— Como tu quiseres. Com licença, vou pegar a sela de Oliviana.
— Muito agradecida. — Sorri e me sentei em um pequeno banco de madeira para esperar que preparasse minha tão amada égua.
Algum tempo depois, os animais estavam prontos e nós saímos do estábulo. Do lado de fora, Ícaro me ajudou a montar. Segurou em minha cintura e me levantou com seus braços fortes. Depois montou no cavalo que lhe era estimado desde pequeno e nós começamos a cavalgar.
Saímos pelo grande portão e pegamos o caminho que levava à Floresta Negra. Senti a conexão com Oliviana que parecia mais humana que muitas pessoas com as quais eu convivi. Não dizia nada nos primeiros instantes, apenas apreciava o vento balançar meus cabelos. Ícaro me encarava algumas vezes com um sorriso largo, que eu correspondia canhestra.
— Princesa. — Ele puxou as rédeas de seu cavalo e eu fiz o mesmo com Oliviana. — Creio que deveríamos voltar — disse, observando a escuridão que se apoderava de tudo como trevas.
— Ora, estás com medo, domador? — desafiei.
— De forma alguma, alteza. Só imaginei que o rei Demétrio não gostaria nada de saber que estás aqui fora pela noite. Sabes de todos os perigos que rondam este lugar.
— Deixes de despautérios, Ícaro! Só mais uma milha, eu lhe peço encarecidamente.
— Quem sou eu para não atender a um pedido de vossa alteza? — Expirou, encarando o céu novamente e as estrelas que brotavam tímidas, enquanto eu acariciei a crina de Oliviana. — Só mais uma milha e voltamos — falou.
Eu sabia que tinha razão quanto ao perigo da noite fora das dependências do castelo.
— Por isso és meu favorito — falei, deixando-o um tanto acanhado.
Voltamos a galopar e a brisa do anoitecer banhava minha pele, a sensação de liberdade era a melhor que poderia ser sentida.
Era mágico, não pensar em mais nada, apenas nós e nossos animais contra o vento.
— Ícaro! — o chamei, fazendo minha égua andar mais devagar. — Vistes aquilo? — perguntei um pouco assustada, ao reparar silhuetas ao longe.
— O quê?
— Ali na frente. — Apontei, eram três homens montados, e um parecia carregar alguém com dificuldade de equilíbrio.
— Parece o...
— Antero! — O interrompi e acelerei o galope.
Aproximei-me dos homens e o domador veio logo atrás. Quando enfim estava com eles, percebi que não conhecia o moço que meu irmão carregava.
— Agnessa! O que fazes por aqui a essa hora? — Antero questionou.
— Vim cavalgar com Ícaro. O que estão fazendo? — inquiri aos dois que acompanhavam meu irmão.
— Estamos levando o feiticeiro para ser tratado no castelo. — Lorenzo, o curandeiro, respondeu.
Observei o tal homem atrás de meu irmão, parecia inquieto, porém não dizia uma palavra. Apenas respirava com dificuldade e mantinha as mãos na barriga.
— O que houve, alteza? — Ícaro perguntou.
— Ele está ferido, o encontramos assim. Precisamos deixá-lo são para que nos conte sobre suas poções — comentou Antero.
— Não achas arriscado, meu irmão? Digo, levar um desconhecido para dentro do nosso castelo pode trazer diversos infortúnios — repliquei.
— Ele ficará na masmorra, sendo cuidado dentro de uma das celas protegidas — manifestou-se Levi, o mago.
— Acho melhor andarmos depressa então, ele me parece à beira da morte. — Ícaro disse fazendo um gesto com a cabeça na direção do feiticeiro.
— Sim. Quanto mais rápido, melhor. — Antero respondeu.
— Se me permites, príncipe, eu tenho mais habilidade, poderia levá-lo na frente até o castelo — ofereceu o domador .
— Pois então Lorenzo e Levi vão lhe acompanhar para comunicar a meu pai sobre nossa decisão. Eu e Agnessa vamos atrás, sei que ela não gosta de correr para não esforçar demais Oliviana. — Meu irmão salientou.
— Tudo bem. Vamos — disse Ícaro, descendo de seu cavalo.
Os homens, com certa dificuldade, colocaram o feiticeiro junto ao cuidador que saiu em disparada acompanhado dos dois.
Os observamos ao longe, desaparecendo em meio a poeira.
— Com o domador outra vez, Agnessa?
— Não comeces com suas ideias estapafúrdias, Antero. Sabes que o papai não permitiria tal coisa.
— Mas nada impede que ele a deseje — comentou com um sorriso no canto dos lábios.
— De onde tiraste essas sandices, meu irmão?
— Ora, dessa sua expressão de apaixonada quando se fala dele. E da maneira com que cavalgas fazendo charme a todo momento para que Ícaro a note.
— Isso é loucura da vossa cabeça! — exclamei. — Vamos falar de coisas importantes. O que aconteceu com o feiticeiro?
— O que lhe disse, ele estava ferido quando o encontramos em sua cabana.
— Não mintas para mim! Sei que algo mais ocorreu. Estás cansado de saber que lhe conheço melhor que qualquer pessoa.
— Não quero lhe apavorar, Agnessa.
— Agora estou apavorada, por conta deste mistério!
Continuamos a cavalgar e meu irmão pensava em como me falar o que queria. Ensaiou por diversas vezes até soltar uma frase:
— Olha, ele pode ter mentido quanto a isso, e nem sabemos se é...
— Diga-me!!! Sem rodeios, Antero — ordenei.
— Ele estava falando algumas coisas, o mago acreditou ser uma profecia.
— Profecia?
— Sim, ele estava jogado no chão, dizendo que o trono estava cheio de espinhos e a próxima rainha sentiria a dor e o peso da coroa... da pior maneira possível.
Senti meu peito afundar como se me jogassem em um poço escuro. Queria fingir que estava bem com aquilo, porém nenhuma palavra saiu de meus lábios.
— Agnessa! — Meu irmão parou seu cavalo e eu me coloquei ao seu lado. — Escute-me, nada de ruim vai acontecer, estás me ouvindo? Nada!
— Mas Antero, e se for verdade?
— Eu estarei contigo em qualquer circunstância. — Estendeu a mão e tocou meu ombro. — Permaneças tranquila, vai ficar tudo bem.
Após essas palavras, senti que não teria paz um só minuto depois daquela maldita coroação. Desejava com avidez que minha intuição estivesse errada, porém muito em breve começariam as desgraças.
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