Sangue se Paga com Sangue
A cada passada de algodão sobre o ferimento, a sobrancelha do gigante tremia um pouco, mesmo que não perdesse a compostura. Dessa vez, vestido com roupas simples: uma camisa de linho e calças de algodão, repousava sobre uma poltrona. Quem cuidava de seus ferimentos era Chikako, dona daquele pequeno apartamento.
O lugar era aconchegante, decorado com móveis de madeira escura e almofadas coloridas. Livros estavam empilhados em uma estante no canto, e uma mesinha de centro estava repleta de revistas e uma pequena planta. A luz suave de um abajur preenchia o espaço, criando uma atmosfera íntima e acolhedora.
Chikako, com seus cabelos soltos, vestia um vestido leve e floral que roçava suavemente contra sua pele enquanto se movia. Trabalhava com cuidado, seus dedos delicados e ágeis, sempre mantendo uma expressão de concentração.
- Hm, então eles não aceitaram, certo? - A garota não parecia chateada, apenas neutra enquanto mantinha a delicadeza em seus dedos. - Bom, não é culpa deles... Acho que, a essa altura, tudo é um perigo em potencial.
- Até você com essa historia? Não existe perigo nenhum para os Aoi Bara. Isso é apenas frescura de meus irmãos...- A semblante mal humorado do homem apenas se fez mais aparente - Já enfrentamos todos os tipos de adversidades, tão quão ataques no passado...Se kurama ainda é nosso lar, é porque nenhum desses avanços foi efetivo!
- Você não ficou sabendo? - Segurava o rosto do gigante, enquanto assoprava sutilmente seu ferimento.
- É a segunda vez que me dizem algo assim. O que diabos está acontecendo afinal?! - Após alguns segundos, a garota o soltava e então dava alguns passos para trás, limpando as mãos e guardando todo o kit usado.
- Os noticiários dizem que um navio militar de Kurama, localizado na divisa, foi destruído gratuitamente pelo exército Saigalita. Obviamente isso levantou alerta geral... Mas nem o imperador de Saigai, nem mesmo o exército deram detalhes do motivo... Agora, suspeita-se que eles estejam vindo...
- Vindo? São ridículos então! No mar, nenhum dos cinco países tem poderio militar para fazer frente ao de Kurama, isso até mesmo ignorando a nossa família!
- Então... essa é a parte tensa... - A garota puxava um jornal da bolsa e o abria nos noticiários - Dá uma olhada
Assim que o gigante batia o olho, um pequeno suor escorria de seu rosto:
Saigai pode estar vindo do fundo do mar! Seria esse o início de uma guerra?
Foi notificado alguns sinais suspeitos vindos de uma profundidade de 10.000 metros abaixo do nível do mar. Especialistas afirmam que essas anomalias são provavelmente causadas por algum tipo de submarino!
Engolindo em seco, Yosuki suspirou e olhou para o lado. Aquilo realmente não estava em seus planos. Afinal de contas, o que diabos queriam ali? Mesmo que estivesse sozinho, teria que reagir a qualquer ataque! Agora, tinha duas coisas para pensar ao mesmo tempo. Seus olhos encontraram os de Chikako.
Como se lesse sua mente, a garota sorriu - Eu sei... Eu sei... Você quer que eu me cuide, não é? - As mãos foram aos bolsos e sua coluna inclinou-se um pouco - Não precisa se preocupar com isso... Afinal de contas, uma jornalista como eu sabe bem aonde se esconder em situações críticas. Sabia que uma vez eu consegui registrar um conflito entre a polícia e um grupo de milicianos? Foi tenso! Mas a adrenalina me deixa doidinha.
- Chikako... - A seriedade na voz de Yosuki fez com que ela prestasse atenção em silêncio. - O que pode acontecer... Não se trata só da guerra... - O homem olhou para as próprias mãos. - Antes eu não tinha me tocado... Mas agora... Se Saigai realmente atacar... Aqueles caras vão vir com eles...
- Caras? - Chikako perguntou em um sussurro.
- E se eles vierem... Isso sim pode ser uma ameaça sem tamanho... - O gigante suspirava e andava freneticamente. Nunca antes o viu tão tenso. - Já faz tanto tempo... Por que quebrariam o pacto?
- Pacto? Dá pra me explicar melhor? E olha, você tá suando muito, tem certeza que está bem? - A garota o abanava com um pequeno lenço, mas logo teve seu braço contido por ele.
- A família Taira...Não foi a primeira vez que nos enfrentamos.... Mas depois do acordo de paz... Eu não achei que... - Seu maxilar se contraiu - Desgraçados!
Em situações de guerra, tememos a devastação iminente: as incontáveis mortes, o pavor dos tiros e explosões, a luz vibrante de uma bomba aérea, os jatos, os canhões... Mas nada disso preocupava aquele homem. No entanto, uma família, essa sim o perturbava. O quão temíveis eram aqueles de nome Taira?
- Shhh... - A voz da garota ressoava suavemente, enquanto ela o acalmava com um toque delicado de seus lábios sobre os dele. - Não importa o que ocorra daqui para frente... Estaremos juntos, certo? Você não tem que ter medo de nada...
Yosuki respirou fundo, sendo puxado de volta de seus pensamentos. - Tem razão... Hm... Você tem toda razão...
Ela se erguia e caminhava até a geladeira, abrindo-a para pegar uma garrafa. O líquido âmbar refletia a luz suave, prometendo um calor imediato e reconfortante - O que me diz? Não posso competir com aquele vinho...Mas eu me garanto com isso aqui...
-Ah... Eu não acredito... Você aprendeu a beber direito? - Yosuki sorria de maneira debochada. - Pra quem só tomava refrigerantes... Até que cresceu bastante.
-O que esperava? Aprendi com você! - Chikako sorriu, despejando a bebida em dois copos e logo se sentando na perna de seu parceiro - Sabe, depois que tudo isso acabar, o que pretende?
- Eu pensei muito nisso ontem...E eu quero pedir sua mão...Digo sem muito mistério nem nada...Eu quero apenas...Ficar com você aqui. Independente se meus familiares aprovam ou não. - Enquanto bebia o liquido, sentia o gosto magnifico que estava em sua boca. O seu enorme indicador, gentilmente tocou o colar que deu para ela. Aquela era a flecha quebrada, o rito de confiança que fizeram naquele jardim.
- Ainda fico um pouco mal de acabar afastando você de sua família... Mas acho que vão te perdoar... - A garota deixou o licor de lado um pouco, apenas para abraçá-lo. - E sim, vai ser incrível quando me pedir em casamento...
- Chikako...- Os olhos do gigante se arregalavam
- Imagina como seria nossos filhos?
- Chikako....
- Precisaríamos de uma casa maior você não acha?
-Ei ...- A pergunta de Yosuki interrompeu seus devaneios, seu tom de voz carregado de uma estranha preocupação. - É normal...Sentir... Um gosto um pouco amargo no fundo...?
- Gosto amargo? Como assim? Deixa eu ver! - Chikako se ergueu e pegou a garrafa, conferindo as datas e ingredientes. - Engraçado... Normalmente licores são apenas doces...
Yosuki tentou conter uma tosse frenética com a mão. Quando finalmente afastou a mão de sua boca... era sangue.
A primeira coisa óbvia a pensar foi que algum inimigo tivesse invadido a casa de sua namorada e colocado algum tipo de veneno naquela bebida! Era óbvio, não era? Mas, por que ela não bebeu nem um gole de seu copo?
O som do relógio ecoava em um "tik tak" incessante. A garota ainda estava de costas, negando-se a se virar.
Ele tentou reprimir o pânico crescente, buscando outras explicações. Talvez a bebida estivesse estragada, talvez algum ingrediente estivesse contaminado. Mas ele sabia que isso era improvável.
Seu olhar recaía sobre Chikako novamente. Ela ainda estava de costas, cada vez mais suspeita. Ele queria acreditar que era coincidência, que ela não havia tomado um gole apenas por distração. Talvez ela não estivesse com sede. Talvez estivesse guardando o copo para depois.
Mas a ausência de qualquer reação dela, a maneira como permanecia imóvel, o silêncio que se alongava... tudo isso começava a pesar em sua mente, afundando-o mais na desconfiança. As possibilidades que ele tentava desesperadamente afastar voltavam com força total.
- ... Entendi... - O gigante se erguia, mas logo suas pernas cederam ao solo, fazendo-o ter que se apoiar na mesa. A fraqueza se espalhava por seu corpo, cada músculo lutando contra a inércia que começava a dominá-lo.
Chikako permanecia imóvel por um momento, como se estivesse tentando decidir o próximo passo. Finalmente, ela se virou lentamente, seus olhos encontrando os de Yosuki com uma expressão que ele não conseguia decifrar. - Apenas me diz... por que fez isso? Alguém te ameaçou? - Ainda sim, ele tentou buscar algum fio, só um mísero fio de redenção, algo que fizesse parecer menos pior. - Ou... Talvez estivesse precisando de dinheiro...
- Yosuki... Você foi honesto comigo naquele dia, então, irei retribuir... - Gentilmente, a garota se aproximava, removendo os óculos, depois o colar e por fim a peruca negra que usava. Seus cabelos reais eram esverdeados, como uma folha. Ao vê-los cair no solo, yosuki sentiu um golpe mais profundo que o veneno em suas veias. Ela segurava sua cabeça e a deitava em suas pernas enquanto fazia carícias em sua barba. - Meu nome é Aiko, a mamba-negra... prodígio da arte Yamauba...- Enquanto os gemidos de dor escapavam dos lábios do homem, ela lentamente os tocou com o indicador. - Shhh... Se morrer agora não ouvirá tudo...
Yosuki lutava para continuar consciente, seus órgãos colapsavam. Sangue era expelido de sua boca enquanto se engasgava. Alguns pingos voavam em direção à bochecha da menina, que apenas mantinha a mesma expressão.
- O clã Taira pagou o equivalente a quatrocentos milhões... apenas pela sua morte. Dá pra acreditar? Você era o que eles mais temiam. Dá até pra imaginar o motivo, não é? Quem daria conta de um poderoso herói como você? Passei um mês estudando todos os tipos de veneno...Parece que consegui finalmente algo que fizesse efeito...Depois daqui, vou vender um pouco para eles e ai...Bem, vou sumir...Eu prometo...
Lágrimas escorriam dos olhos do gigante, que lamentavelmente não podia mais falar.
- Oh... Não chore... Ei... Assim eu fico... - Gentilmente, ela limpava seus olhos. - Eu juro que não foi pessoal... E sério, eu te acho um cara incrível... Mas... Esse é meu trabalho...Não se culpe...
O som do relógio continuava a ecoar, o "tik tak" marcando cada segundo que passava, cada batida do coração de Yosuki que se tornava mais fraca. Ele tentou fixar o olhar em Aiko, buscando alguma emoção verdadeira por trás daquela fachada calma e profissional. Mas tudo o que encontrou foi uma determinação fria, uma aceitação do papel que ela desempenhava.
A respiração dele se tornava cada vez mais irregular, e ele sabia que não tinha muito tempo. Fechando os olhos, ele tentou lembrar dos momentos bons, dos sorrisos e risos que compartilharam, das promessas feitas sob o céu estrelado. Mas tudo parecia distante agora, uma vida que escorria entre seus dedos.
Aiko observava enquanto a vida deixava os olhos. Sua expressão permaneceu impassível, mas um leve tremor percorreu suas mãos - Descanse em paz, Yosuki... - sussurrou, fechava os olhos dele suavemente.
Floresta de Ichi No Tani - Momentos atuais
Sentada sobre as rochas...Lá estava ela.
Tudo foi um plano. Yochi não se orgulhava do que havia feito. A ideia era simples: permitir que o espírito de seu tio possuísse seu corpo para que depois, ela pudesse ver suas lembranças. Esperava vislumbrar aventuras heroicas, interações entre Yosuki e seu pai, ou até mesmo entender melhor o rigoroso treinamento que ele havia recebido. Mas o que viu foi longe demais...
A sensação era avassaladora, uma queimação intensa ao peito, semelhante a que sentiu quando Ginzu contou sobre a morte de seu pai.
O som do coração de Yosuki parando, ecoava em sua cabeça, assim como o sorriso cínico daquela mulher e o incessante "tik tak" do relógio.
Animais ao redor corriam desesperadamente, sentindo uma sensação opressora. A garota se contorcia, apertando os dedos uns contra os outros, como se estrangulasse algo invisível. Os dentes cerrados em expressão de pura animosidade, a mandíbula tensionada. A respiração irregular, cada exalação era uma onda de sentimento destrutivo. O olhar completamente arregalado, enquanto seus cabelos se agitavam com a brisa sombria. O silêncio era rompido apenas pelos sussurros aterrorizantes do vento.
O fio entre justiça e vingança... é tão tênue...
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