Reencontro
Deposito de armas - Momentos no passado
É difícil saber exatamente quando começou ou quando terminou. Muitos motivos podem ter levado ao embate de clãs, assim como nada em especial pode tê-lo iniciado. O mistério não seria solucionado tão cedo.
Quando o negro e terrível véu da guerra passou por aquelas terras, mitos foram originados, e dos mitos, lendas e mais lendas surgiram. Saigai jamais silenciariam aquelas histórias. No entanto, uma dessas histórias não foi lembrada, na verdade, sequer foi reconhecida. Heroísmo e vitória não se encontravam aqui...
Solidão, desespero e miséria. Essas são as palavras mais adequadas.
Essa foi a origem de Shoya Aoi Bara. Aquele que mais sofreu...
Dentro da câmara, fria e empoeirada, um som ecoava. Eram notas que flutuavam, um contraste de serenidade ao ambiente. O flautista tocava tranquilamente, alheio de todo bombardeio que ressoavam do lado de fora. A fumaça esverdeada, viajava por todo o cenário, junto com uma orquestra de toses incessantes.
- Shoya! Presta atenção! Custe o que custar, proteja todas as crianças! Quando conseguirmos reforços, iremos tirar vocês daí! - Uma voz gritava do lado de fora, acompanhada pelos sons da tranca da porta se ativando e armas disparando, fazendo as paredes vibrarem. Os rostinhos preocupados dos menores estavam todos voltados para apenas uma figura.
Finalmente, o homem parou de tocar o instrumento e lançou um sorriso terno, enquanto aproveitava para engolir o sangue que banhava seu interior - O que há com vocês? Vamos, alguém sabe que música é essa? - desviando a atenção das crianças, começou outra sinfonia. As notas enchiam o espaço, uma barreira sonora.
Com olhos arregalados e corações acelerados, os pequenos começaram a relaxar. Se aproximavam, alguns até fechando os olhos, em breve momento de alívio. As tosses cessaram, mas às vezes, as crianças faziam caretas involuntárias e limpavam as línguas, tentando se livrar de um gosto esquisito.
O olhar de Shoya permaneceu vigilante, sempre voltado para a entrada, atento a qualquer sinal de perigo. Enquanto estivesse ali, essas crianças teriam um motivo para se sentirem seguras. Era a última linha de defesa. Nada, o faria abandonar seu posto.
Nas primeiras horas, o som do bombardeio e dos disparos ainda se mantinha, preenchendo a câmara com a cacofonia de guerra. Após duas horas, a intensidade começou a diminuir. Passaram-se três horas, e o barulho tornou-se esporádico, até que, eventualmente, cessou quase por completo. Um dia se passou. Depois dois dias, e então, no terceiro, o som da flauta, era a única coisa que ecoava ecoando solitário na escuridão. O único barulho que permanecia.
- Ah sim...Antes de qualquer coisa... Deixe-me certificar...só mais uma vez... - A voz, melancólica e trêmula, quebrava o ritmo da sinfonia, reverberando pelas paredes da caverna. - Alguém... ainda está vivo...? - O silêncio que seguiu sua pergunta era insuportável, um peso esmagador. Por algum motivo, resistiu por mais tempo que os demais, uma tortura sem igual. Sofrendo sem morrer.
O olho esquerdo tremia descontroladamente. Os lábios, queimados pelo ácido do vômito repetido, devido a substancia que o corroía lentamente. Os dedos cravavam no solo terroso, e seu grito altíssimo irrompeu, ecoando pela caverna. Com um movimento furioso, jogou sua flauta longe, lágrimas escorreram do rosto. Colidia a cabeça violentamente contra caixas, tentando se "vingar" de inimigos invisíveis. Atirava terra para todo lado.
Haviam lhe tirado tudo: sua missão, as pobres crianças, sua família. Não os perdoaria, nunca!
Socou a porta desesperadamente, até que os punhos se rasgassem, liberando o fluxo de sangue quente que escorria e misturava-se à terra. Cada pulsação de sangue que também escorria de suas narinas lembrava-o constantemente da aproximação da morte.
Estava preso, sozinho, sem chão...Naquela noite fria, uma determinação nascida do desespero e da dor, fez surgir um juramento solene.
Nem nos céus, nem na terra! Nem no lamento, nem no descanso! Eu vou fazê-los pagar! Vão sofrer o que eu sofri! Os condeno à desgraça! Os condeno à queda! Derrubarei um por um, mesmo depois do meu miserável fim !
Momentos atuais
Uma pressão intensa se instaurou na sala, como se o ar fosse comprimido por força invisível. Algo estranho expandia, uma luz nunca antes vista. Era uma rachadura no próprio tecido do mundo dos mortos, uma libertação. As almas aprisionadas, em cadeia, eram libertadas, emanando uma luminosidade etérea que iluminava cada canto da sala. A energia que irradiava era estável. Todas, ligadas àquela boneca.
Yochi estava estirada ao solo, sem forças, ferida. Seus cortes e contusões brilhavam sob a luz mística que preenchia o espaço. Ao seu redor, diversas crianças curiosas, seus olhares misturando espanto e admiração. Pequenos rostos pálidos e olhos brilhantes refletiam a luminosidade suave que emanava das almas libertadas.
Conversavam entre si, as vozes sussurrantes - Ah puxa, veja só... é uma menina!
- Ohh?! Ela não se veste como a gente... — comentou uma garotinha, tentando puxar delicadamente a manga da roupa de Yochi, mas a atravessando.
- Vocês pararam de sentir o gosto ruim? — perguntou outra criança, mexendo a boca.
- Quem será que é essa ai?
- O nome dela é Yochi Aoi Bara! - uma voz grossa ecoou na sala, captando imediatamente a atenção de todos. As pequeninas figuras se viraram para ver uma figura familiar se aproximando.
- Yosuki! - Exclamaram em uníssono. - Então foi você que veio nos tirar daqui, né?!
- Não...Foi ela... - continuou, com um sorriso terno, até emocionado. Olhava fixamente para a menina, orgulho era evidente - Sim! Alegrem-se! Essa garota é a Grande Yochitsune! - Dizer aquele nome nunca foi tão empolgante. A gargalhada característica ecoava. - A sua heroína!
As crianças olharam para Yochi com admiração renovada.
Então eu vou ser ela quando crescer! - disse uma garotinha, os olhos brilhando.
Não, nada disso! Vou ser eu! - retrucou outra
- Não! Você já quer ser a Momoko! Eu vou ser ela dessa vez! - ditou um menino em voz alta, até perceber os olhares estranhos de seus amigos. - Ahh... Tipo uma versão menino, é claro!
- Ahh bom! - A discussão não parava. - Exatamente por isso! É um menino! Então escolha outro!
- Aonde...está...? - A garota começou a se rastejar pelo solo, um feito inimaginável. Já era um milagre, só de estar viva. Seus dedos sujos e ensanguentados arranhavam o chão, deixando marcas de seu esforço - Shoya....?
De repente, uma melodia começou a se formar, vinda de longe. A música, inicialmente suave, gradualmente se tornava mais alta e envolvente. O som parecia preencher cada canto, trazendo a sensação de algo ancestral. Todos se viravam para a entrada, os olhares fixos na origem daquela melodia.
Lá estava ele, Shoya Aoi Bara, o guerreiro que mais sofreu. Seu semblante era solene, mas seus olhos brilhavam com uma luz profunda e intensa. Vestia a mesma armadura que o protegia em vida, agora reluzente e quase etérea sob a luz mística. A presença emanava autoridade silenciosa e um peso.
Caminhava com uma graça quase sobrenatural e a sinfonia, que antes enchia o ar, começou a diminuir de intensidade, dissipando-se como uma brisa suave.
- Você fez o impossível... - Sua voz ressoava com profundidade, reverberando nas paredes de pedra. - Tirou minha vingança de mim... e tomou para si...? - A caverna ficou em silêncio absoluto - Sabe que aqueles que assumem o ódio... nunca mais descansam, não sabe...?
Yochi não respondeu de imediato, permanecendo calada. Seus olhos, porém, revelavam a aceitação do peso que havia assumido - Não tenho...Escolhas.
- Bem... se esse é o caso... quero que me leve contigo...- A voz agora mais suave, quase paternal. Lentamente, repousou sua flauta no solo - Ah, minha amada aliada kanjō... agora...Pertence a ti - Tanto significava para ele e para aquelas crianças. - Com ela, você poderá realçar os sentimentos internos dos outros...
A garota esticava lentamente a mão, sentindo o calor quase palpável entre seus dedos trêmulos. As pontas de seus dedos finalmente se cravaram no material, uma sensação de firmeza e propósito tomando conta dela - Não importa o que aconteça... - a voz era um sussurro , carregado de uma força inabalável enquanto abraçava a flauta entre os seios. - Não vou permitir ser abatida... Nunca.
Shoya a olhava com surpresa, seus olhos refletindo uma mistura de admiração e perplexidade. Ela parecia tão frágil, tão estranha, e ainda assim, havia uma determinação feroz em seu olhar. Talvez fosse essa mesma inocência, essa crença ingênua na possibilidade de um futuro melhor, que o manteve vivo naquele dia. A capacidade de ver a luz mesmo na escuridão mais profunda.
- Então... assim o faça... - Ele não arrancaria essa chama dela, não extinguiria essa esperança. Era algo precioso, algo que ele havia perdido ao longo dos anos.
- Shoya! Meu caro amigo! - A voz firme de Yosuki ecoou, chamando a atenção do homem - Já é hora de levar as crianças até seus pais... Aliás, sobre Chigara...Ela deve estar louca pra te ver
Ao reconhecer o nome, a boca de Shoya se abriu em surpresa imediata - Tem razão...
- E outra, essa aí precisa descansar. Você deu um belo amasso na lataria dela. - A gargalhada de Yosuki ecoava pela caverna.
- Nada disso... - Contrariando os demais, Yochi forçava seus joelhos a se erguerem. Ainda tremia um pouco, mas a determinação em seus olhos era clara. O sangramento havia diminuído, e seu rosto agora estava marcado apenas por hematomas. Usando o antebraço, limpava o nariz. - Não temos tempo a perder...
Shoya sorriu genuinamente, seus olhos brilhavam - Eu sabia... estava certo sobre você, garota...- À medida que suas mãos começavam a se desfazer em partículas de luz, o sinal de sua libertação se tornava evidente. As crianças ao redor, livres e felizes, brincavam de pega-pega. O homem reverenciou com a cabeça, um último gesto de aprovação - Boa sorte... - murmurou antes de desaparecer completamente.
Ao fim, apenas Yochi e Yosuki, permaneceram. O silêncio era preenchido pela ressonância dos sons distantes das crianças que ecoavam.
- Você é uma maluca sabia? Tá igualzinha seu pai - O gigante murmurava - No entanto, não seja tola da próxima vez....Se o desafio for além do que pode suportar...Corra.
Yochi deu um pequeno sorriso - Ainda estou longe demais... muito caminho a percorrer... - Alongando as costas. Sentiu cada vértebra estalar, proporcionando um alívio bem-vindo após os intensos eventos. - E o senhor... Está afim de caçar algumas coisas usando o nosso novo brinquedo?
Yosuki abriu um sorriso largo, uma risada profunda ecoando de seu peito - Ah, finalmente está falando algo que preste!
Mundo das almas
Em meio à multidão que iniciavam mais um ciclo do dia pelo vilarejo, uma garotinha perdida esbarrava nas pessoas, alheia a tudo ao seu redor. Seu rosto era uma mistura de preocupação e desespero. Todos a conheciam por: Chigara, uma alma solitária que vagava sem rumo, sempre à procura de alguém.
Não tinha mãe e dependia dos outros, mas nem sempre foi assim. Ela era filha de ninguém menos que Shoya Aoi Bara, um general muito importante e amado. Sempre que sentia medo, pedia para seu pai ficar com ela, tocar flauta para que ela dormisse ou mesmo contar histórias que a confortassem. Tinham um juramento: nunca abandonariam um ao outro. Então, por que, após sua morte, ele não estava mais lá?
- Ei, viu meu pai? - perguntava a cada alma que passava, sua voz carregava esperança genuína.
- Agora não, querida, com licença - respondeu uma alma apressada, sem lhe dar atenção.
- Ei, viram meu pai? - insistia ela, seus olhos buscando desesperadamente.
- Cuidado, menina! - uma carroça passou apressada, deixando-a falando sozinha.
- Ei, eh... - tentou novamente, mas a resposta não veio. - Ah! Viu meu pai?
- Não, Chigara! Todo dia isso? Tenha paciência, menina! - uma alma mais velha repreendeu com sua voz cheia de irritação
A garota finalmente parou, suas pequenas mãos apertando o vestido. Sentou-se em uma das calçadas, sua voz trêmula enquanto murmurava para si mesma - ...É que eu queria falar com ele... - Ninguém estava prestando atenção para escutá-la.
Todos os dias eram assim, e isso já havia se repetido por longos anos. A esperança, uma chama tão fraca, parecia cada vez menor. Depois de tanto tempo, valia mesmo a pena? O destino, parecia dizer que: Sim.
Um pequeno assobio ecoou em sua orelha. Era uma melodia! Algo tão familiar que fez seu coração acelerar. De onde vinha? A pequena se ergueu e saiu à procura, seus passos rápidos e decididos. Primeiro se afastou da multidão, que parecia alheia ao som. Cada vez que se perdia, a melodia vinha novamente, como um farol a guiá-la. Mas não dava para saber de onde ou de quem era. A cada passo, mais e mais se afastava do vilarejo.
A emoção era tamanha que esbarrou em um caixote de frutas, derrubando todas ao solo - Foi mal! - Se desculpou imediatamente sem dar tempo para ouvir nada além da melodia. A perseguição continuou, até que finalmente chegava ao bosque. Era rodeado por colinas, e ao chegar ao topo de uma delas...A melodia parou - Droga!! Hm... pai??? É você?? - Gritou ao vazio, ecoando no horizonte.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, amplificando cada batida de seu coração acelerado pela corrida. Desamparada, lentamente se ajoelhou, as pequenas mãos apertavam o vestido. Era o peso da solidão mais uma vez.
-Não tem graça!! F-foi muito familiar... Eu jurei que... que era... - Sua voz soava como um sussurro entrecortado por soluços, o corpo frágil se contorcendo ao solo. A sensação esmagadora de que o mundo ao redor parecia ainda mais vazio e desolado.
Um leve sussurro quebrou o silêncio, uma voz suave que ecoou como um raio de luz na escuridão, logo atrás dela - Ah, com licença....Eu acho que... - A figura imponente saia de traz de uma moita, e se mostrava. Cabelos castanhos, caíam em ondas sobre seus ombros largos, e uma barba bem aparada que delineava seu queixo forte. Os olhos, de um azul profundo, brilhavam com amor e saudade, o assobio ainda pendente em seus lábios - Eu acho que vi ele sim...- Nem mesmo na morte...o laço entre um pai e sua filha, iria ser pedido.
"Você não tem mais que ir atrás de mim Chigara, eu estou bem aqui"
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