Primeiro dia de Aula!
- Ok! Ela morreu....Foi divertido enquanto durou! - Yosuki proclamava, observando Yochi pálida estirada ao solo com os olhos revirados, tremendo em uma careta engraçada. As mãos do gigante começavam a se tornar translúcidas, logo o mundo dos mortos os chamaria novamente - Vejo vocês no outro mundo!
Enquanto isso, alguns pássaros curiosos pousavam na testa da garota e bicavam seus cabelos, como se estivessem tentando caçar minhocas no solo.
- Provavelmente, quanto maior a quantidade de almas, mais seu corpo sobrecarrega...- Yochitomo franzia o cenho diante da cena incomum - Hm, ela deve ter convocado espíritos demais, sem querer.
Mesmo sem a presença de pulmões, instintivamente, o homem assopra o rosto de sua filha, tentasse afastar o mal estar que a envolvia.
- Hohoho, olhe para ela! Essa cara me mata! - Kuzoe não conseguia conter a risada, seu senso de humor contrasta totalmente da situação. Esse vovô era realmente sem noção - Então, ela não pode chamar mais de um de nós por dia? Mas que chatice...!
- Exatamente - Yochitomo, nota que seu torso já havia desaparecido completamente - Bom, por sorte já ditamos para ela como as coisas funcionarão. Yosuki, meu irmão, sabe o que fazer agora. Você será o primeiro professor, cuide bem de minha filha!
- Pode deixar tampinha! - O gigante, cujo corpo agora se resumia apenas à cabeça flutuante, sorria bem animado - Te vejo amanhã, pirralha!
Todas as antigas almas foram mandadas de volta para seu reino, e o silêncio cai sobre a floresta, trazendo consigo uma serenidade tão profunda que até mesmo os animais parecem respeitar. O canto suave das aves e o sussurro do vento são os únicos sons que preenchem o ambiente. Sob a sombra das árvores, Yochi dormia tranquilamente, entregando-se ao sono profundo que a acompanha durante a tarde e ao longo de toda a noite.
O sol finalmente brilhava, pintando toda a zona com tons dourados e trazendo calor à floresta. Um bocejo escapava dos lábios da garota enquanto ela se espreguiçava e coçava os olhos. Apesar de já ter acordado há algum tempo, a sensação de cansaço ainda persistia.
Yochi havia montado uma pequena barraca portátil na clareira da floresta. Embora não fosse extravagante, era surpreendentemente confortável. Feita de lona resistente, a barraca tinha uma tonalidade verde-musgo que se misturava harmoniosamente com o ambiente natural ao seu redor. O interior era espaçoso o suficiente para abrigar uma cama improvisada de folhas secas e alguns travesseiros.
Indo até sua enorme mochila, retirava algumas roupas limpas e preparava uma infusão de chá para começar o dia. Pegou um pão recém-assado e apreciou o aroma delicioso que se espalhava pela clareira enquanto mordia. O som era a perfeita combinação entre a crocância da casca e a maciez do miolo.
Após o lanche matinal, catou seu diário e o levou debaixo do braço.
"Querido diário...
Não sei ao certo por onde começar, mas sinto que registrar meus pensamentos me ajudará a manter a noção do tempo e do meu percurso.
Estou numa fase da vida em que já sou considerada uma moça. Me chamo Yochitsune, mas atendo também por Yochi e atualmente, resido na floresta de ichi no tani, longe de qualquer civilização "
- Hm, será que eu...? - A borracha deslizava em algumas palavras e então um sopro expulsava os restos pelas páginas. Sua esquerda, prossegue as anotações.
"Eu não sei dá pra entender perfeitamente , mas preciso passar nesses testes com êxito. Não há espaço para fracassos.
Venho de uma linhagem de homens notáveis, porém, não herdei suas forças. Minha estatura não é nada demais, meu corpo é magro e franzino, e mal consigo correr por mais de cinco minutos.
Me pergunto que cara meus antecedentes fariam ao descobrir esses fatos..."
Escrever aquilo deixava um receio em sua pele. Ela assumiu aquela responsabilidade sem hesitar, agarrando firmemente seu dever imposto. No entanto, às vezes, o medo de falhar sussurrava.
- Tsc! - Yochi olhava para o horizonte. O que era isso? Seu corpo estava pedindo para desistir? Sua mente sussurra querendo voltar para a segurança do templo? De jeito nenhum! Afinal, não estava fazendo aquilo por si mesma, mas sim por seus familiares, e principalmente por sua pobre mãe.
" Mas nada disso importa. Tenho uma pessoa que precisa de mim. E eu vou a seu encontro"
Após um longo suspiro, espiava o celular que Ginzu havia lhe dado. Eram exatas sete e meia. E sua primeira aula, estava pra começar -Mas já...? Certo, é hora de convoca-lo.- Enquanto se erguia, ela deixava seu diário de lado, mas continuava suas anotações na mente.
"Existe um fato sobre mim, que ainda não contei."
Suas mãos gentilmente, acolhiam um colar. Esse carregava o brasão da família, adornado em prata e algumas pedras preciosas que brilhavam.
"Eu consigo convocar espíritos do reino dos mortos. Consigo vê-los e ouvi-los....
Se quer saber a origem? Eu não sei. Na verdade, fui agraciada com isso antes mesmo de me conhecer como gente... Dizem que veio de um tal de 'Abe no Seimei'. Sinceramente, não tenho muita curiosidade..."
A garota ajoelhava-se com reverência diante de uma árvore majestosa, seus olhos cerrados em concentração enquanto recitava suavemente alguns poemas cerimoniais.
"Antes de começar, eu gosto de refletir um pouco sobre quem foi a pessoa em vida, é o que estou fazendo agora..."
Seus lábios assobiavam enquanto um pouco de vento escapava deles.
"Então assim que agradeço a sua vinda, eu pego o objeto que o liga nesse mundo e digo em alto e bom som!:"
- Com este colar em mãos! Brasão da família Aoi Bara! Eu suplico! Yosuki Aoi Bara! Venha ao meu chamado! - proclamava ela com determinação. Uma pressão estranha podia ser sentida no ar, e um aroma doce de rosas preenchia o local, enquanto o clima ao redor parecia esfriar rapidamente.
"Na noite passada, aprendi algo interessante. Quando chamar os espíritos, quanto menos específica, mais provável é que atraia todos os antigos donos do objeto de ligação. E foi por causa desse descuido, acabei convocando toda a minha família anteriormente. Isso me deixou exausta e tirou completamente minhas forças.
Por cautela, agora uso apenas o nome do morto em questão. Agora, será que devo chama-lo de tio??"
-Oh? Mas onde está...? - A garota olhava de um lado para o outro, notando que ninguém, ou aparentemente ninguém, veio ao seu encontro. Ela apenas agachava-se ao solo, ponderando - Como devo me portar na frente de um tio...?
- Aqui em cima, pirralha! - Uma voz firme soava, e então, ao olhar para cima, logo atrás dela, lá estava ele, Yosuki! O matador de bestas. Como um dia a terra permitiu que um monstro como aquele caminhasse sobre ela? Cabelos castanhos, barba longa, ombros largos! Tudo naquele homem lembrava um animal selvagem, como se um leão das montanhas tivesse sido transformado em homem. - Dessa vez você acertou então! Hahaha.
Yochi inflava as bochechas e revirava os olhos enquanto arrancava algumas gramas do solo - Eu não sabia que aquilo aconteceria...
O gigante cruzou os braços e balançou a cabeça em negação, lançando um olhar pensativo para a garota - Hmm, estou aqui pensando... Não podemos começar ainda
Os olhos da garota se arregalaram de surpresa - Oh? E por qual motivo??
- Deixa eu te perguntar baixinha. Qual é a sua dieta? O que você costuma comer? - Ok? Aquele tipo de pergunta não era o que a garota esperaria de um monstro. Na verdade, o olhando com essa perspectiva, ele mais se parecia algum tipo de especialista em saúde.
- Bem, de manhã, gosto de comer pão e tomar chá... E eu... - Yochi coçou a cabeça, tentando reunir seus pensamentos. - Depende muito, sabe?
O gigante assentiu, ouvindo atentamente - Está explicado! - suspirou, enquanto caminhava ao redor dela, coçando a barba. - Preste atenção! Seu sangue não é comum; você carrega o sangue da nossa linhagem. Portanto, comer como uma pessoa comum é o mesmo que se desnutrir. Esse é um dos motivos pelos quais você não sente nenhuma diferença entre ter ou não a descendência Aoi Bara. Suponho que, fisicamente, você é lamentavelmente fraca.
- Hm, sim senhor! - A garota o olhou com atenção, absorvendo as informações. Como não havia pensado nisso?
- É como alimentar um leão com pasto! Ele não cresce! Portanto, a partir de agora, quero que consuma em média cerca de 4000 calorias por dia. Isso é o que uma atleta profissional normalmente consome.
- Quatro....Mil.... Calorias? - Um suor formava pequenos riachos na testa da garota, que engolia em seco.
"Quatro mil calorias! Isso é o dobro, não o triplo do que eu como! E meus mantimentos? Se acabarem antes do tempo? O que eu faço?" - Seus pensamentos disparavam em um turbilhão .
- Tio... Quer dizer! Yosuki.... - Yochi ficava um tempo em silêncio, tentando encontrar as palavras certas, enquanto as borboletas no estômago faziam acrobacias. - E que... Não sei se meus suprimentos seriam o suficiente...
- Ora! Pra isso que serve a caça! - Yosuki gargalhava tão alto que parecia que o riso poderia sacudir as árvores ao redor. - A natureza é como um mercado! Um mercado gigante a qual você não precisa pagar nada! Apenas consumir e preservar! - Seu riso brilhava - Uma moça tão jovem e ainda não sabe caçar!? Nós vamos resolver isso!
- E que eu...Nunca....- Yochi gaguejava, incapaz de expressar sua inexperiência de forma clara diante do tio. As palavras saíam como grãos de areia através de um funil apertado. - Eu nunca...Machuquei nada na minha vida...
- Hm? O que disse? - Yosuki franzia as sobrancelhas, inclinando-se ligeiramente para ouvir melhor.
-Eu! nunca....Machuquei algo.....Na minha vida - Yochi repetiu, sua voz quase um sussurro.
Yosuki, ficou um segundo em silêncio e então suspirou, sentando-se no solo com um leve tremor. Sua expressão mudou de uma imponência para esforço, estava usando o máximo da capacidade da sua mente.
- Senhor Yosuki?....
- Senta aí! - O gigante não estava bravo, ao contrário, parecia preocupado. - Vamos pensar em alguma solução!
- Certo. Me desculpe mesmo....- A garota se sentava ao lado de seu tio, um tanto envergonhada pela sua falta de habilidade. - Eu queria dizer que-
- Um minuto! - Ele a interrompia e então finalmente fazia um sinal, como se a lâmpada acendesse em sua mente - Oh! Já sei! Vamos ir por progressão!
- Progressão? - Yochi coçava a própria nuca
- Começaremos com animais pequenos, como coelhos ou pássaros, que são mais fáceis de caçar e oferecem menos resistência. Assim, você poderá praticar suas habilidades sem correr grandes riscos. Com o tempo e a prática, você ganhará confiança e habilidade para lidar com presas maiores. É uma abordagem gradual, mas eficaz, para superar seu medo e desenvolver suas habilidades de caça. Perfeito! Assim será feito! - Yosuki explicava com entusiasmo - Agora vá pegar sua reserva de comida, vamos ver o que tem!
Tamanha era a certeza do homem, que a garota apenas acenava, tentando esconder sua ansiedade por trás de um gesto de concordância. Mas, no fundo, aquilo só a deixava mais receosa. Por que tudo tinha que ser tão difícil? A criação que recebera de Ginzu fora excelente, mas não a preparara para ser uma guerreira. Só de imaginar ver sangue ou ouvir os sons próximos à morte, ela sentia um calafrio percorrer sua espinha. E qual seria a textura da carne de um animal abatido?
- Bluew! - Um arrepio súbito cortou seus pensamentos, e ela rapidamente correu para uma moita, sentindo um enjoo se aproximar.
"É melhor... só não pensar nisso por enquanto..."
Enquanto retornava para sua barraca, passava por uma árvore frondosa onde um ninho estava cuidadosamente construído entre os galhos. Ali, um casal de pássaros estava cuidando de seus filhotes. Os pequenos e desajeitados, pareciam ansiosos e inseguros enquanto os pais os encorajavam a dar seu primeiro voo.
- Caramba...- A sua atenção foi totalmente voltada para aquilo.
Os pequenos, com suas penugens ainda macias e olhos brilhantes, emitiam pequenos piados nervosos enquanto se agitavam, indecisos sobre o momento certo para saltar. Os pais, com plumagens vibrantes e olhos atentos, continuavam a encorajá-los, movimentos de asas.
Finalmente tomaram coragem e uma um se lançou em queda livre. No início, seus movimentos eram desajeitados e incertos, Yochi, correu desesperadamente para alcançá-los - Cuidado!
A sorte sorriu para eles, os pequenos começaram a ganhar confiança, batendo as asas e planando em círculos e antes de tocar o solo, eles estavam...Voando!
- Ah...Graças aos deuses! - A garota soltou o folego que prendia e observou-os planarem graciosamente de volta para o ninho.
"Isso foi um sinal? Será que os divinos estão tentando me alertar algo? "
Os ventos sussurravam suavemente entre as folhas das árvores, criando uma melodia reconfortante e tranquilizadora. O som era um abraço suave da natureza, acalmando a sua mente e então logo ela já estaria em sua base improvisada.
- Espera...ai...- Suas sobrancelhas se contraem e seus olhos se cerravam.
Ao observar sua barraca, notou pequenos sinais de intrusão. A comida, cuidadosamente organizada em recipientes, não estava mais lá, algumas embalagens ligeiramente abertas. Marcas de pequenas pegadas na terra, sugeriam que alguém tinha passado por ali recentemente. Um leve cheiro de terra revolvida pairava no ar.
- Espero que me perdoe, minha donzela! Mas o grandioso Kouta está em uma missão de alto nivel!! - A voz fina anunciava.
Com um quimono esvoaçante e um ar de pompa, uma figura felina apareceu diante de Yochi. Seu pelo cinza prateado brilhava à luz do sol, contrastando com as orelhas pontudas que balançavam com cada movimento gracioso. Seus olhos azuis cintilavam com malícia enquanto ele mantinha uma postura de superioridade, mesmo em suas duas patas, como se fosse o rei do mundo. A pequena figura, não muito maior que um metro, carregava uma sacola cheia.
- Um gato falante??! - Sua voz quase falhava - Ei! Devolva meus suprimentos! S-seu! Ladrão de quatro patas!
- Nada disso! E não tenho quatro patas agora! - Ele esticava uma das perninhas com um ar de falsa dignidade - Agora, eu preciso mais do seus suprimentos do que você! Acredite! Manter esses músculos é muito difícil! - Tentava exibir seu pequeno peitoral, mas era claramente um gato meio barrigudinho.
Yochi cruzou os braços, lançando um olhar furioso para a figura - Isso é roubo! E você vai pagar caro por isso!
- Para humanos apenas! Na floresta não existem leis! E mesmo que existisse! - Kouta deu de ombros com desdém - Gatos não têm constituição nenhuma até onde eu saiba! Ha-ha-ha!
A bota da garota cravou no solo e ela correu com ódio em direção a ele, sem deixa-lo terminar.
- Sujou! - Kouta saltou entre as moitas, quase teve sua gola puxada, mas rapidamente ele a ultrapassou e deixava a língua exposta - Até uma outra vida, bleeeh!
Antes de partir, Yochi pegou um graveto próximo e o arremessou na direção do gato travesso, mas foi inútil, ele não estava mais lá.
- Mal...Dito! - O único som restante, era o da respiração ofegante da garota.
Em situações extremas, onde somos muito provocados, o certo é tentar se acalmar. Afinal, nossos impulsos nos levariam a fazer muitas loucuras! Yochi foi criada assim, pelo menos. Seus punhos se fechavam, os nós dos dedos ficando brancos de tensão. Ginzu não estava lá para impedir. Seria a primeira vez que ela se daria o luxo de jogar toda a ira em algumas palavrinhas...
- Gato filho dá.....!!
Dizem que naquele dia, por algum motivo, um eco estranhamente alto ecoou daquelas bandas. Aves voaram em desespero para o norte. E em meio a tantas superstições, uma duvida era deixada.
Seria algum animal novo, oculto entre os arbustos, ou apenas uma garota perdendo completamente a compostura?
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