Dia de Folga
No vasto mundo dos mortos, há uma realidade notavelmente semelhante à dos vivos, embora marcada por uma beleza extrema e pela ausência de necessidades básicas. Nesse plano, a fome, a sede, o cansaço — tudo isso desaparece. Nem mesmo o sono ou o exercício são necessários. No entanto, curiosamente, algumas almas persistem em manter seus hábitos terrenos. Se você percorrer os jardins intermináveis e as pequenas vilas, poderá testemunhar almas colhendo frutos ou até mesmo fumando! Parece que, mesmo após a morte, nossas essências permanecem
Os Yokais, seres superiores que transitam entre os dois planos, enfeitam os céus com seus voos, deslizam pelas águas e percorrem os gramados com leveza. Estas criaturas abençoadas muitas vezes servem como guias tanto para os vivos quanto para os mortos. Hoje, eles parecem relaxados, adormecidos sob o brilho celestial do firmamento.
No âmbito desse mundo vasto e etéreo, erguem-se as "Casas". Sim, este é o seu nome.
As Casas representam o quão grandiosa uma linhagem foi em vida. Mas não se trata de dinheiro, terras ou poder. No mundo dos mortos, o que verdadeiramente enaltece uma Casa é o quanto os vivos se recordam dela.
Entre todas as casas modestas ou magníficas, uma delas, entre as colinas, destaca-se imponente como uma fortaleza encantada. Rodeada por um jardim exuberante de rosas azuladas, suas pétalas parecem capturar a luz lunar, emitindo um brilho etéreo e misterioso. As paredes de madeira maciça exibem entalhes elaborados, contando histórias antigas em cada detalhe. O telhado, perfeitamente triangular, se ergue como uma coroa majestosa sobre a estrutura. Velas adornam as mesas de mogno polido, cujas pernas esculpidas são uma obra de arte por si só. Ao redor, cadeiras estofadas com tecidos suntuosos aguardam os convidados, enquanto tapeçarias antigas adornam as paredes.
Este é o lar dos Aoi Bara, uma família que, segundo as lendas, foi uma das primeiras a habitar Kurama. Seu legado é inegável; todos que pisam no território situado entre o Mar Tigre e o Mar Piramidal conhecem seu nome.
Muitos se perguntam, no entanto, o que estariam fazendo os grandes heróis neste exato momento.
Entre o salão e a grandiosa forja, encontrava-se a imponente sala de reunião. Livros meticulosamente organizados preenchiam as prateleiras, enquanto bancos largos se alinhavam em fileiras até o centro, onde destacavam-se cinco imponentes poltronas em um palco elevado. Ali, todos os membros da família estavam reunidos, homens e mulheres de diferentes idades, sentados em respeitoso silêncio. Quando ecoavam os passos, todos se erguiam, aguardando com reverência a chegada dos cinco grandes. Eram os juízes da família, os pilares de tudo que representavam.
Os cinco anciãos tomavam seus lugares nas poltronas, emanando autoridade e sabedoria. Com suas presenças imponentes, iniciava-se a reunião.
- Primeiramente, muito obrigado a todos os presentes! - Ditava Kozue, o grande patriarca, aquele que treinou a última geração e pai do pai dos três irmãos líderes. - Hoje viemos apenas para nos atualizar sobre a operação "Revanche Suicida!"
- O que? O que esse imbecil está falando? - Uma das anciãs, tida como Aya, cochichava com Reinah, que estava ao seu lado. - Tínhamos um nome para a operação ou ele inventou?
Reinah, ainda posturado, não sabia onde esconder o rosto. - Ele acabou de inventar esse nome...
- Muito bem! Vamos chamar o nosso chefe de operações! Yochitomo Aoi Bara! Venha pra cá! - Kozue olhava para a plateia, mas o silêncio era a única resposta. - Hm? Alguém tá vendo ele aí? Yochitomo? Está dormindo?!
Como sempre, Kazumi, o mais mal-humorado entre os demais, bufava e batia o pé inquieto. - Ah, vai logo com isso, seu idiota! Eu não tenho o dia todo!
- Ahn?! Mas precisamos dele! Ou você espera que eu tenha decorado o texto onde ele tinha que explicar o nosso novo plano?! - O que era para ser um sussurro baixo, na verdade, foi até bem alto. Dava para ouvir da plateia.
- Mas essa não é sua obrigação!? Você é o patriarca ou o quê?! - Kazumi respondia igualmente alto.
- Ah, é verdade! Bem, nesse caso... - Kozue hesitou, tentando encontrar as palavras certas
Antes que Kozue pudesse prosseguir, a porta de entrada foi aberta de repente, e lá estava ele: o último líder do clã, seu neto com maior potencial! Um homem alto, cabelos sedosos pretos, barba volumosa e olhos selvagens.
Ele lentamente adentrou ao lado de uma figura estranha, na verdade uma garota baixa, envolta em um grande manto. Não pertencia à família, e só pela expressão pálida e olheiras marcantes, era nítido que Yochitomo foi longe demais para encontrá-la.
Finalmente, eu consegui... - Ele tomava a iniciativa. - Fui para o norte em busca dessa paranormal... Ela em vida conseguia ver e pressentir almas. Mas diferente de minha filha, ela trabalhava aprisionando maus espíritos e os mandando de volta ao mundo espiritual... Apresente-se ao conselho, por favor...
À frente de todos, a pequena figura retirava seu capuz, revelando seu rosto estranho: olhos grandes e esbugalhados, rosto magro e cabelos pretos oleosos.
- Prazer... Me chamo Hali...- disse ela, sua voz sussurrante ecoando pelo salão. O conselho, quase que uniformemente, se curvava em sua direção para ouvir seus sussurros baixos.
- Hali, diz poder nos revelar uma forma concreta de podermos interagir no mundo dos vivos, mesmo mortos...- Prosseguiu Yochitomo
Hibiki, a sem olhos, era a primeira a dizer - Interagir com o mundo dos vivos? Poderia nos explicar melhor por gentileza querida?
A garota acenou com a cabeça e deu alguns passos à frente. Enquanto isso, Kazumi levava a mão à espada em sua cintura, demonstrando cautela.
-Está com medo, Kazumi...? - ironizou Reinah.
- "Precaução" e "medo" não significam a mesma coisa... - retrucou o general com firmeza..
A garota começava a ditar, sua voz tão baixa que era necessário muita atenção para captar tudo. - Quando morremos... perdemos contato físico com o mundo dos vivos... Não podemos interagir com nenhum objeto ou pessoa... Mas isso, creio que já saibam... No entanto, durante toda minha profissão, notei que esse conceito é totalmente equivocado...
Hali puxava um artefato do bolso. Era uma bolha, algo que refletia imagens enquanto ela explicava. - No mundo, existem materiais que podem coexistir com o metafísico... Assim como ocorre nos eventos conhecidos como poltergeist. - Uma imagem representava uma sala vazia, mas objetos sendo atirados violentamente em várias direções. Era claro que quem os movia era uma alma perdida.
- Entre os objetos, temos a madeira como principal meio de contato... Em seguida, metais... E por fim..." A imagem travava enquanto a alma erguia um prato. - Vidro e espelhos... Claro que não são todas as almas que conseguem fazer feitos como esses... Mas, dada a magnitude dos demais aqui presentes... Seria possível que interagissem com o físico...
Na mesma hora, Aya arregalava os olhos, uma vaga lembrança de suas aventuras no deserto a faziam recordar de algo - Os bonecos... de palha...
Yochitomo virou-se para a anciã com interesse. - O que disse?
Aya respirou fundo, remexendo em suas memórias. - Durante minhas expedições no deserto... Encontrei uma vila. Se não me engano, chamavam-se 'Pobarakas'. Em uma noite, os vi fazendo um ritual em meio a uma fogueira. Um boneco de palha estava inerte à frente dos demais. Eles dançavam e jogavam moedas... Foi então que, em meio à festa, aquele boneco se ergueu e dançou junto com os demais. Eu até cogitei que fosse falso... Mas mais tarde, o boneco entrou na fogueira e queimou até virar cinzas... Nenhum humano se vestiu daquilo..."
Hali acenava com a cabeça, absorvendo as informações. - Palha... Sim, isso também serve...
- Em poucas palavras - ditava Yochtomo para os demais - Usaremos esse artefato para elevar o nível de nosso treinamento para a recém-chegada Yochitsune.
A atmosfera na sala parecia carregar-se com uma certa incertesa. Os membros do Conselho trocavam olhares significativos, alguns com expressões de curiosidade, outros com certa apreensão.
Finalmente, todos se levantaram de seus assentos até uma pequena sala adjacente. O silêncio solene que pairava no ar dava lugar a um murmúrio de expectativa enquanto os anciões deixava a sala de reunião.
Entre os faltosos daquela manha, estava Yosuki. No caso, ele tinha permissão pra faltar, afinal tinha o dever duro de treinar a ultima esperança do clã, então era até justificável, correto?
Bom, na verdade, ele relaxava sob a sombra da árvore, desfrutando de um momento de pausa merecida. Com uma cerveja gelada em uma das mãos e um espeto repleto de carne assada na outra, apenas refletindo sossegado.
"A essa altura... Creio que a pirralha ainda não encontrou nada para comer...", murmurava consigo mesmo entre mordidas generosas na carne suculenta.
"Será que eu vou mesmo ter que ir lá ensiná-la a fazer o básico? Desculpe, Yochitomo, mas sua filha teve uma educação muito leve... Eu duvido que alguém tenha elevado a voz com ela na vida! É vida boa demais para o meu gosto!", resmungava, lembrando-se dos princípios rígidos que seu pai lhes impusera. "Tá com fome? Vai caçar sua comida! Tá com sede? Procure um lago! Se vira! E se fosse nossa mãe então? O tanto de tapas que já levei na orelha!", finalizava, com uma risada resignada.
A voz misteriosa interrompeu os devaneios de Yosuki, ecoando da densa floresta próxima.
- Hm, mas que bonito... - provocou a voz, revelando-se como a de Takume, irmão do gigante. - Todo mundo na reunião e você aqui tirando folga
Surpreso, Yosuki virou-se na direção da voz. - Oh? Takume, é você...? - respondeu, com um sorriso malicioso. - Achei que fosse uma bela moça, com essa sua vozinha suspeita...
Takume soltou um grunhido de desdém. - Ah, engula mil agulhas!
O gigante se contorcia em uma gargalhada estrondosa, abraçando o próprio abdômen enquanto se deleitava com a brincadeira.
- Mas falando sério, como está sendo? Ela está se saindo bem? - indagou Takume,
- Yosuki parou por um momento, refletindo sobre a pergunta. - Se quer saber... Ela tem muito o que aprender ainda. Acho que muito mais que o básico... Me lembra até você, sabia?
Takume levantou uma sobrancelha, curioso - Hm? Eu?
- Não me venha se fazer de desentendido! Haha. Quando éramos moleques, toda vez que eu mexia com você, você corria para o vovô ou para o Yochitomo! Era péssimo em tudo que fazia!
Takume desviou o olhar para um lago próximo, contemplando seu reflexo na água calma. Um sorriso nostálgico se formou em seus lábios. De fato, eram boas lembranças.
- Viu só? Se até eu consegui... Por que ela não?
- Esse não é o problema, meu irmão... Mas sim a responsabilidade que ela está assumindo. Vai além de ser boa em algo ou não... Ela tem que ser a melhor...- refletiu, revelando uma preocupação mais profunda.
Takume balançou a cabeça, mantendo um semblante tranquilo. - Ainda acho que precisa ter paciência.
Sem perceberem, uma figura infantil se escondia por detrás de um tronco, curiosa e tímida enquanto fitava os dois irmãos. Seus olhos eram grandes, seus cabelos castanho-claros caíam em cachos soltos ao redor do rosto. Vestia um vestido, um pouco sujo de terra, e segurava um pequeno ursinho de pelúcia desgastado, abraçado contra o peito.
- Oh... Se não é a pequena Chigara... - O gigante se erguia, um sorriso gentil em seu rosto. - O que faz aqui? Se perdeu?
- E-eh... Na verdade... - A garota pensava um pouco, mordendo levemente o lábio inferior antes de finalmente tomar coragem. - Meu papai já veio?
Aquilo era recorrente. Sempre, independente do dia ou hora, a mesma garota vinha, de familiar para familiar, perguntar exatamente o mesmo. Era um mistério, afinal, seu pai era ninguém menos que Shoya Aoi Bara, um dos líderes de frente na guerra.
- Oh, querida... Provavelmente ele está a caminho... Alguns demoram mais que outros, mas fique tranquila. - O pugilista dragão tentou acalmar os ânimos da menina, sua voz suave e reconfortante.
- Ah, sim... Tudo bem então... - Meio cabisbaixa, Chigara se retirou após uma reverência, seus passos leves ecoando.
- Quanto tempo ela faz isso mesmo? - Perguntou Yosuki, observando a pequena figura se afastar.
- Dez anos aproximadamente... - respondeu seu irmão, um suspiro de melancolia escapando de seus lábios.
- Será que ele ainda está vivo? - Yosuki murmurou, a dúvida pesando em sua voz.
- Duvido muito...Mas nem todas as almas vem de imediato para o mundo dos mortos...Então, talvez ele deva estar em processo...Bom, seja como for, vamos continuar cuidando dela. Deve ter sido difícil tudo isso...
Antes que pudesse dizer algo, o gigante notava que suas mãos brilhavam intensamente, irradiando uma aura dourada que contrastava com sua pele robusta. Aquilo tinha um único significado - Yochi...tá me chamando...
- Muito bem, nos falamos depois então. Diga a ela que mandei um abraço.
- Hehe, sem chances tampinha... - Enquanto a visão de Yosuki se tornava branca, ele sentia seu corpo sendo puxado para outra realidade. Era até bonito o túnel da vida e da morte. Cores vibrantes, astrais e um som sutil de magia preenchiam o ambiente, o que criava uma sensação de transcendência. Todo o processo não demorava muito, cerca de um a dois minutos.
"Me pergunto o que aquela fedelha deve ter pego... Um esquilo? Não, ela não ia dar conta nem comigo... Provavelmente pegou algo mais fácil... Frutas ou, na melhor das hipóteses, teve que comer minhocas."
O homem sorria ao notar que pouco a pouco se materializava ao solo, prevendo e relembrando a textura da terra sob seus pés e a brisa suave.
"Bom, se ela não tiver pego nada, é hora de ser o tio legal e dar algumas lições. Como por exemplo: 'Oh, não se preocupe! Até mesmo no fracasso há uma lição!'"
Os sons dos grilos ecoavam em seus ouvidos, enquanto ele observava atentamente a paisagem da floresta se revelar, cada detalhe se destacando com nitidez, desde as folhas das árvores até as pequenas criaturas que habitavam o chão da floresta. A luz da lua estava forte aquele dia.
"Não, muito superficial! Eu não sou nenhum tipo de psicólogo! Nada disso! Se ela não tiver pego nada, serei firme! Bom, vamos ver o que essa pirralha fez para o jantar..."
- Ah, oi tio! - A voz sutil da garota ecoava, quebrando o silêncio da floresta. - Deu certo...
Quando somos surpreendidos por algo, tendemos a flexionar os músculos faciais ao máximo. Uma das principais mudanças ocorre nos olhos. Se abrem com espanto, refletindo toda a incredulidade do momento. Essa reação não pode ser amenizada com sorrisos sem graça ou frases feitas como "Ah não, eu nem assustei". Principalmente, se forem testemunhadas por outras pessoas.
São muitos os exemplos de situações que nos causam surpresa, seja medo, espanto ou até mesmo descobrir que uma festa surpresa foi organizada em nosso nome. No entanto, em meio a todos esses exemplos, nada poderia ter provocado uma reação mais genuína em Yosuki, o caçador de bestas.
Mal conseguia acreditar no que via. Seus olhos se arregalaram em surpresa, seus músculos faciais se contraíram involuntariamente, revelando sua verdadeira reação diante da cena inusitada.
Diante dos seus olhos, a garota não só havia caçado um peixe gigante, como também inventara toda uma variedade de pratos elaborados com ele. Sopas, peixe assado, peixe frito, casquinha de peixe e muitas outras ideias criativas. Mas o mais impressionante era que ela praticamente devorara metade das refeições ali mesmo, à mesa.
- Hm, me perdoe pela bagunça... Eu fiquei com fome... Aí fiz como o senhor me disse... - A garota repetia, saboreando mais um pouco do caldo. - Se o senhor estivesse vivo, eu juro que oferecia um pouco, tá uma delícia...
- Como...? - Yosuki mal conseguia formular a pergunta, ainda atordoado com a situação.
- Oh? Bom, na verdade eu achei alguns temperos prontos. O senhor Nobu me ensinou um pouco sobre receitas. Aí eu peguei a carne e...
- Não! Como você... pescou isso? - A ansiedade na voz de Yosuki era evidente.
- Ah... Bem... - Yochi sorria genuinamente, colocando um pouco da língua para fora em um gesto descontraído. - Eu trapaceei um pouquinho...
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