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CAPÍTULO TRÊS - A POETA, A VILÃ E A COR DO ANO DE 2004

(LIVRO I - OS QUE DESEJAM O PARAÍSO)


AQUELA TARDE ANGÉLICA, a professora de Educação Física, decidira que as turmas inaugurariam alguns aparelhos recém adquiridos. O colchão e as traves de salto em altura, eram resultado de um abaixo-assinado do atual Grêmio estudantil para que a escola investisse em materiais diferenciados, a começar pelo que, segundo o próprio Grêmio estudantil era uma exigência da maioria: Educação física de verdade. Isso significava basicamente propostas de exercícios e práticas esportivas que não fossem, tão somente, a velha bola de capotão e metade da quadra para quem quisesse simplesmente existir. A confusão da qual Flamarion tirara proveito, teve início no instante em que a professora mandou que fizessem uma fila. O garoto cedeu seu lugar a futuros atletas do salto em altura, discretamente, e faltando pouco para o fim da aula, nem chegara a experimentar a sensação de queda, o colchão visguento contra as costas, tampouco correu o risco de ser mais um a receber tragicomicamente um golpe da barra de fibra de vidro na boca. O acidentado em questão era um garoto a quem os colegas  chamavam de Pernalonga, mais pelos dentes de coelho, que pelo comprimento das pernas ou jargões do tipo "O que é que há velhinho?", a coincidência fez com que o acidente com o sarrafo desencadeasse na semanas seguintes uma série de comentários maldosos. Pernalonga foi levado para a enfermaria com parte do dente repousando sobre a palma da mão, trêmula. Os demais passavam ao largo do colchão e das traves, no caminho de volta ao pátio, toda a parafernália de salto em altura aos sentidos de Flamarion, ao conferir uma última vez antes de passar pela entrada, tinha aquela coisa, aquela memória que ele sabia ser um cheiro e um gosto algo de plástico quente e cola, embora ele nunca houvesse experimentado cola ou comido plástico, não saberia explicar. E acontecia também quando deparava-se com cores escuras e quentes, vermelho e alguns tons de marrom. O garoto nunca tentara descrever o que sentia, talvez porque não soubesse o que aquilo significava. Fora assim com Mika, ao vê-la pela primeira vez, a mochila vermelha saindo pela porta de correr segundos antes de ele trocar de turno com o tio caçula. O vermelho no paladar. E sem a supervisão do tio, descobriria que a menina da mochila vermelha tinha alugado, no nome do pai, um filme que assistiria algumas vezes antes de trocarem as primeiras palavras.

Donnie Darko.

É que eu acho interessante", disse ele à Mikaela, mais tarde, no corredor, "pensar que vocês têm, tipo, uma tradição" E ficou de pé de um salto, a jaqueta escorregando pesadamente às costas, "Ahm... é difícil hoje, tipo, ninguém parece muito animado pra fazer esse..."

"É que tradições precisam nascer de pessoas que sejam no mínimo como eu e... Eu..." A menina disse abruptamente passando um braço roliço e pálido pela manga da jaqueta do garoto. "É bonitona, hein?"

"Até parece..."

"Se não... Se não quiser eu..."

"N-não, a jaqueta era do meu tio – pausa para meter a unha do indicador na lateral do polegar, era o que ele fazia quando contava uma mentira – eu estava falando do quanto você é convencida".

"Pena... Fico melhor que você nela" ela fala lança uma piscadela e distribui poses a lá Vogue subindo em um dos bancos-nichos que shorts de tactel, o garoto sabia, não protegiam da superfície gélida "Vai dizer que você não acha que eu dou pro gasto no quesito tradição?"

"Eu pr-prefi-ro n-não opinar-r..." O garoto diz, fingia tiritar de frio.

"Isso vale a jaqueta então..." outra piscadela "Ah, nossa, esse é um patch do coelho do Donnie Darko ou não é?", disse esticando o jeans do bolso para ver melhor "Seu tio viu Donnie Darko?"
"Eu mostrei pra ele", a unha contra o polegar.
"Esse filme é foda, eu e o 13 ficamos até altas horas conversando depois que a gente viu... O nome do clube, inclusive, 28 —, no filme faltam 28 dias pro fim do mundo. Ah, responda rápido, você acha a destruição é uma forma de criação?"
"Ahm, eu..."
"Bééé! Acabou o tempo".
"Mas você..."
"É uma coisa que você precisa ter na ponta da língua Mário", ela fala e desliza após um salto cuidadoso, erguendo um joelho; os cadarços do All Star desamarrados. "Faz essa, vai", foi a vez de ele lançar uma expressão simulada de desagrado, gostava que ela usasse o nome pelo qual o chamou ao apresentá-lo à mãe, porque achava que Flamarion era, na verdade, um apelido.

"Esse é o Mário", ela disse quando no cruzamento, logo após a aula de matemática com a Mulher-cratera (Mika projetava a voz ao dizer "Muuulheeer-craaatera!" ou só Elenira, a professora de matemática cujas bochechas há muito tempo sofreram de acne severa e agora na meia-idade ela parecia uma bergamota), pouco antes de o garoto cronometrar o tempo até em casa, um sedã prata emparelhou e baixando o vidro do carona fez surgir a face lânguida de uma mulher que olhando dele para Mika exalou um "Ora, ora" por uma boquinha quase sem lábios.

"Minha mãe", a garota disse na ocasião, soando como uma pergunta, embora seus gestos demonstrassem o contrário.

"Lili" a mulher de face lânguida fala, agora com o canto dos olhos enrugados ao fazer surgir um sorriso igualmente pequeno e estender a mão esquerda pela janela.

O mal entendido seria consertado no dia seguinte, no decorrer de uma atividade sobre o quão humilhante era a facilidade com que substantivos em inglês viravam verbos e adjetivos e vice-versa e uma explicação que não aconteceu, exceto na cabeça do garoto.
"Sabem como responder a chamada, certo?" Era uma pergunta retórica. "Amanda" a professora soou uns sei lá quantos decibéis acima do recomendado por especialistas, um cachorro latiu ao longe.

"Aqui".

"Good afternoon, Amanda, in English, please".

"Eu disse".

A movimentação de cabeças e os risos contidos enchiam a sala como o torvelinho de água cinza em um balde ao lado de uma máquina de lavar. A professora fitou a menina por cima das lentes sujas dos óculos bifocais. "Não minha querida, não disse".

Alguém gritou "Brappa-Lotch" e então de novo e mais alto "Brappa-Lotch!"

"Vai teacher, a senhora já viu que ela está aí", uma outra aluna falou "é só seguir..."

"Brappa-Lotch!"

"O que é isso aí atrás?"

"Brappa-Lotch professora, a senhora não conhece?"

"Queridinho – pausa para que ela pousasse a caneta sobre a lista e ajeitasse os óculos – vamos sentando que eu preciso ver quem está aqui".

"Isso é comigo Ícaro?", perguntou uma quarta voz feminina.

"Teacher", era a mesma aluna da primeira suplica "Yasmin, here, o.k.?"

"Mikaela, here!" Mika disse de repente.

"Fla...Marion, here!"

"Então não é um apelido?"

O garoto fez que não.

Sequencialmente a conversa soou menos traumatizante que de todas as outras vezes nas quais teve de explicar que seu nome era uma homenagem a um avô paterno, aparentemente famoso; Flamarion I e que os jogos de Pokémon criados por Satoshi Tajiri datavam da década de 1990, logo o Flamarion de seu avô não era em razão da evolução do tipo fogo do Eevee.

"Eu sou Flamarion IV"

"O seu pai é Flamarion III?"

"E meu avô Flamarion II e o pai dele Flamarion I".

"Que louco!" Mika exclamou e voltou-se para a menina da quarta voz que ameaçava o garoto magricela;

"Brappa-Lotch!"

"Se for comigo eu vou aí e você vai ver".

"Ei, menino..." a mesa muito próxima à lousa, impossibilitou uma ação rápida da professora.

"Brappa-Lotch!"

"Moleque!" ralhou a menina da quarta voz.

A professora esforçou-se para sair do recuo da mesa, os botões do avental prendiam de quando em quando na lateral, tac e tac e tac, um deles, o penúltimo, numa arremetida, no minuto em que ela ficara de pé entre as carteiras amontoadas no canto à sua direita, o penúltimo então, operou como o disco que se usava em jogos de futebol de botão, a mesa servindo de paleta lançadora. O botão madrepérola sobrevoou cabeças curiosas que em sua maioria sabiam o significado do que o menino de nome Ícaro insistia em repetir a plenos pulmões.

"Brappa-Lotch!"

Inclinando-se para perto da amiga o garoto diz, a mão a frente da boca, "Brappa... Mika, você sabe o que..."

"Heavy Flo" Mika responde de pronto. A professora e os colegas de classe, de repente, congelaram no tempo. O garoto vê Mika ficar de pé num pulo, o uniforme com o escudo em azul estampado no peito dera lugar a um casaquinho tigerlily (PANTONE 17-1456) de corte impecável. Num movimento ágil, Mika surge professoral, uns óculos redondos, aparentemente sem lentes, o cabelo preso num coque apertado e transpassado por um lápis amarelo, a borrachinha cor de pata de pombo despontava no alto da cabeça da garota que falava rápido, tal qual uma narradora simpática de tramas detetivescas:

"A vilã aparece pela primeira vez no quadrinho Savage Dragon" ela diz indicando a imagem de uma mulher gorda dentro de uma fantasia vermelha e amarela que surge num passe de mágica e então evanesce e Mika continua. "Especificamente no número trinta e dois e volta a dar as caras nos números cento e quarenta e quatro e duzentos e dois. Talvez vocês estejam se perguntando, Mikaela, quais os superpoderes de Heavy Flo? E sim, é esse o nome da supervilã com o modelito em látex. Antes da informação sobre os superpoderes devemos atravessar um terreno íntimo e um processo natural, que no quadrinho, precisa ser, em certa medida, ressignificado, num sentido de ressacralização. Vejamos... Em seu ensaio artístico intitulado Period no longínquo ano de 2015, a artista e poeta indiana radicada no país da folha de bordô, Rupi Kaur, propõe a desmistificação de uma realidade comum à maioria das mulheres – surprise, surprise – as dores, o sangue, os vazamentos. É, a menstruação, em inglês Period. Esse também é o superpoder da supervilã de Savage Dragon, e não há nenhuma relação da poeta indiana com a personagem do quadrinho que dispara contra os inimigos um caudaloso jato vermelho-sangue. Exceto a própria questão de como uma situação que faz a humanidade possível, segundo a própria Rupi Kaur, é mistificada e então anulada. Ah, e que péssima apresentadora eu seria se não revelasse que Brappa-Lotch era nada mais que a reprodução aproximada, com os recursos de que a língua dispõe nos quadrinhos, dum som associado a um acontecimento. É isso... Voltemos a nossa programação normal."

"Uma onomatopeia..." o garoto diz, os olhos à meia pálpebra, a imagem de Mika trajando de novo a camiseta branca com o escudo da escola azul, no peito, ainda assim as sardas, essas continuavam tigerlily. E então alguém parecia ter apertado o botão de acelerar e a professora de inglês atarantada no pouco espaço pedia licenças agitando os braços, o penúltimo botão do avental ausente, os engolidores de pó, os alunos que precisavam manter os pescoços a um ângulo de 120 graus para enxergar o cabeçalho, de maneira a encenarem um tipo de bloquinho carnavalesco tumultuoso movimentavam-se acelerados em 30%, seus apetrechos; as carteiras razoavelmente pesadas, empurradas umas contra as outras e tum, tum, tum e os apelos da professora passavam de tsc, tsc para o tipo de experiência que alguém teria jogando Tetris-humano.

Exatas vinte e sete carteiras a noroeste separavam a teacher e o grupinho que encaixava carteiras para abrir passagem, da menina que deixara de ser uma quarta voz para ganhar corpo. Os alunos a chamavam de Bolívia, embora ela fosse neta ou algo assim de imigrantes japoneses e atendesse também por Barbra ou Morita, sobrenome materno, assim mesmo, sem o "a" do meio, que normalmente seria encontrado na lista de os 100 nomes de bebês mais populares no Brasil em 1992 ocupando ao lado de Ulisses a centésima e última posição.

O aluno que escapa do primeiro sopapo graças a reação do público presente, após repetir 13,5 vezes a onomatopeia "Brappa-Lotch" a última um "Brappa-Lo..." interrompido pela menina que diz "É um ab-sor-ven-te seu trouxa", pausadamente, e não um tampão como o aluno que escapa agora do segundo munhecaço com mais sorte que a gola de sua camiseta do uniforme escolar, que distende e permanece frouxa, retraindo poucos centímetros no ponto exato em que o dedo gorducho de Barbra Morita o agarrara com força. Ícaro é o nome do aluno que estava temporariamente segura às costas da professora de inglês ao alcançar a frente da sala feito um corredor ao fim da maratona.

"Ei professora como é 'salvo pelo gongo' in English?" alguém pergunta aos berros acima de todo o alvoroço que levara cabeças curiosas à porta e um início de tum, tum, tá (variação escolar bastante famosa de We will rock you, do Queen) interrompido, contudo, pelo olhar fulminante da professora por cima das lentes.

"Pra fora..." ela fala os bifocais embaçados pela respiração consideravelmente próxima da menina "Pra fo-ra, os dois... Já!" O sorriso no rosto de Ícaro a quem todos chamavam de Iscubi era agora o resquício de um espasmo.

"Vai Bolívia, cê pega ele no caminho...", um dos seres do abismo amigo de Iscubi dispara e na última sílaba o sinal toca. É nesse ponto que o MP3 de Mika desaparece dentro da manga do blusão de Flamarion III e é um pouco depois de despedir-se e caminhar até em casa que ele pensa num plano para estar presente no quarto encontro do clã.

Agora, sozinho no playground da Vila Militar Calabar ele torce o pescoço e nota que parte da barra de trás da calça estivera presa no elástico da meia o caminho todo. O perfume do tio causava-lhe enjoo e a etiqueta da camisa embaixo de toda aquela camada de tecido pinicava. O BenQ-Siemens SL80 da mãe estava no bolso interno da jaqueta, fora com ele que horas antes mentiu para Mika. Ela atendeu no terceiro toque.

"Mika? Oi, sou eu... ahm, é... o Mário, eu achei o seu MP3, no meio da confusão, você deve ter deixado nas minhas coisas e eu... Ah, se quiser eu posso levar aí, eu preciso passar na locadora dos meus tios mesmo — pausa para a unha do indicador entrar na lateral do polegar — fica próximo sim, o.k, sem problemas, eles fecham às sete... Tudo bem então, ah, anoto – pausa para que ele encontre uma superfície na qual consiga anotar – po-pode falar, avenida, certo, Vila... Militar Calabar, casa..., tudo bem, até... Tchau, câmbio, câmbio desligo."

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