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— A guerra é mãe e rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros, em homens; de alguns faz escravos, de outros, homens livres.
- Heráclito -
Na tarde do dia seguinte a chuva açoitava o mármore da lateral do Palácio de Hermann. A vista enuviada da cidade era angustiante e a rainha anseiava por notícias do seu amado. O cheiro agridoce trazido pelo vento primaveril somava a imagem da criança que cochilava no berço. De repente um forte trovão esbravejou no céu acordando a menina.
O bebê soltou um pequeno gritinho e depois riu; para a surpresa de sua mãe.
— Úrsula — sussurrou, deitada e observando a forma com que a criança brincava com o dedo de Alexandra. Acariciava levemente o pescoço. A rainha achegou seu rosto para sentir de perto aquele cheiro único e novo que vinha da maciez da pele de sua filha.
Apaziguada com aquela sensação Alexandra sossegou. Imitando sua filha.
Mas então alguém bateu na porta.
— Vossa majestade está acordada?
Aquela voz familiar era de Taciana, a diaconisa de Colônia. Alexandra abriu a porta e convidou Taciana para entrar, e a diaconisas alegrou-se desde o fundo de seu coração com a mais nova e mais secreta novidade.
— Assim que eu recebi o convite fiz questão de vim logo. — falou a diaconisa. Os olhos dela encheram-se de deleite ao contemplar aquele corpinho gracioso. — Mas quando pretende anunciar ao povo?
— Quando enfim Raul voltar da fronteira. — Alexandra sentou-se na cama e começou a tatear com seus dedos a aliança de seu casamento.
Mais uma batida na porta.
— Entre. — a rainha disse.
— Os comandantes e barões desejamos vê-la o mais depressa possível.
Alexandra foi tomada por receio e depois por temor, tanto que não separou seus lábios afim de responder. Tratou de pôr suas vestes de rainha e seguiu em direção com suas criadas à sala do trono.
— Caríssimo povo, — anunciou o porta-voz — Em vosso meio a Rainha Alexandra de Colônia.
— Deus salve a rainha! — as vozes se uniram em um só coro.
O mais prudente dos senhores de guerra foi em direção aos pés da rainha e prostrou-sem em reverência.
— Anuncio-vos, nossa soberana, que Átila, rei dos hunos assaltou a terra do oeste, e tomou consigo o senhor rei desta terra, e agora, vossa majestade assumirá como regente do poder de seu marido até a coroação do senhor príncipe Louis.
Pálida e com aparência pouco saudável a rainha entendeu claramente a mensagem. Os trovões e chuva eram intensos, porém no rosto dela nenhuma lágrima traços caminho por suas bochechas. Agora, com efeito, o dever para com seu povo deveria falar mais alto. E então ela ergueu-se de seu trono, caminhou até a mesa de bebidas, tirou a toalha e cobriu o trono do rei.
— Ao povo de Colônia, façam três dias de oração e jejum pelo retorno de seu rei.
Dizendo isto ela caminhou apoiando-se nos braços de sua serva. Cruzando o grande arco coríntio do palácio que dava acesso ao pórtico principal ela abriu as comportas de seus olhos.
Sete dias haviam se passado.
O cortejo eclesial subiu a escadaria noturna e caminhavam serenamente com a rainha Alexandra, em fila única através da nave da Igreja de Nossa Senhora de Colônia. O vento já havia revelado a notícia do desaparecimento de Ludwig August nos reinos adjacentes. Alguns reis, príncipes, condes, duques se fizeram presente na cerimônia, o trono de colônia seria devidamente ocupado pela consorte de Raul. Aos sons das antífonas, salmos e cantos cruzados a rainha recebeu os objetos reais e a coroa do rei.
A situação de Colônia era instável, foi oferecido um reforço nas fronteiras. As negociações pelo resgate de Raul fracassaram, Átila fingia que não sabia do desaparecimento do monarca. Alexandra continuava com a esperança de encontrá-lo ainda com vida. Mas os meses foram avançando. E nada.
Depois do terceiro mês de reinado da consorte a pedido de Oddo De Angeli - general - mor do rei - convocou uma expedição para a supervisão do acampamento de Enns. Oddo havia planejado uma emboscada com seus aliados afim de tirar a vida do primogênito.
O cavalo real trotava passando pelo bosque de Ártemis. O vento serrano acariciava o rosto do príncipe corajoso. Portando sua aljava e arco ele avançou bosque a dentro afim de acertar algum alvo. O orvalo acumulado depois da chiva agora despencava e atingia os ombros dele. Seus acompanhantes e guardas desceram de suas montarias e descansaram um pouco sob a folhagem do bosque.
Louis havia escutado algo na floresta, mas hesitou avisar o restante do grupo e se dirigiu com seu cavalo para dentro das suntuosas árvores coníferas.
Ele preparou a flecha em suas mãos, apontou e atirou.
Um cervo jovem.
Louis estava distraído demais com aquela visão, tanto que se agachou para examinar a vítima de seu acerto. Ele mau sabia que alguém estava observando-o, e assim querendo apunhalá-lo pelas costas foi ao encontro de Louis, mas o príncipe era bom de noção e regeu o golpe com sua espada de dois gumes, gerando assim um grande ruído.
Bem alí, abaixo das grandes árvores os sons de atrito dos metais se podia ouvir.
— Vá Azam, chame-os. — disse Louis para o seu cavalo, e assim o cavalo obedeceu.
Se juntaram mais três ao combate. E então para além da vista dos três Louis viu quando Oddo De Angeli - o general - se juntou para ajudá-lo. Mas quando Louis pensou que levantaria êxito sobre os seus combatentes, Oddo, covardemente o apunhalou pela frente.
— Miserável traidor. — a respiração do príncipe estava acelerada.
— Colônia precisa de um novo sangue. — o general sorriu e disse sacarticamente. E então ele transpassou-o com o golpe do destino.
Os quatro logo se ocultaram pela floresta para depois de cinco minutos os guerreiros encontrarem o corpo sem vida do príncipe. Logo, logo o vento levou a notícia para Colônia e o anúncio feito pelo general Oddo sobre o falecimento do príncipe se espalhara .
Alexandra sentiu como se fosse desabar de tristeza. Por um longo momento ela ficou diante do vitral de Raul, e observando além do vidro as árvores sendo açoitadas pelo vento. Muito em breve ela faria a recepção do corpo de seu filho.
Logo após a morte do sol o breu do céu escondeu o pináculo da igreja do Campo de Marte. O sino foi tocado exatamente as seis horas. Vários cortejos de lamento subiam a colina sagrada dos colonenses. Choros acompanhados de gemidos provinham das donzelas da cidade.
Uma mão coberta pelo veludo apertou o ombro da rainha. Alexandra logo traçou o lenço sobre o rosto quando viu o sorriso de condolência expresso pela rainha Margareth de Hungria. Palavras de conforto saiam da boca da rainha húngara, ela reforçava mais a ainda a esperança na ressurreição de Nosso Senhor e na sua presença que trazia o propósito.
— Minha filha, algo me diz que o assassinato de Louis tem uma motivação clara para a regência do reinado de Raul. Por isso é necessário reforçar a guarda da família real. Se você quiser passar um tempo em meu palácio prepararei a sua ida para Hungria.
— Oh, o povo de Colônia mais que nunca precisa da chama de Raul e eu não posso deixá-los até que o novo rei ascenda o poder.
— Minha filha, é certo que você já tem a capacidade de governar Colônia. Entretanto é prudente que algum duque venha lhe ajudar.
— Sim, mas por agora velarei o corpo de meu filho e darei guarda para Konrad.
— Pois bem, guarde Konrad de todos, se achar melhor mande-o para passar um tempo comigo, meu afilhado merece se privar desta tristeza. — disse Margareth, abraçando e enxugando as lágrimas de Alexandra. — De qualquer forma seja prudente e atenciosa, oh rainha jovem, a ganância dos homens é mortal. — ouvindo estas palavras a imagem de Úrsula preencheu a mente de Alexandra.
Na alta madrugada a incerteza tomava conta de Alexandra e ela não sabia o que fazer, segurando bem firme seu rosário e Bíblia sob a visão da lua, da janela do aposento real. Úrsula estava atrás dela, debruçada na cama aos cuidados de uma serva.
A voz de Alexandra sussurrou nervosamente quando ela começou a rezar.
— Vista Úrsula com a roupa mais confortável. Iremos fazer uma pequena viagem esta noite. — disse a rainha.
A beleza e a expressão forte foi refletida no espelho quando Alexandra terminou de se arrumar. A visão deu a ela forte energia. Então ela desceu as escadas e chamou Gaspar, um servo para conduzir a charrete fechada saindo pelas ruas marmorizadas do Campo de Marte e adentrando as estradas enlamaçadas de Colônia.
O frio da noite estava intenso quando Alexandra desceu da charrete e bateu nas portas de uma pequena residência da Vila de Enns.
— Quem poderá ser a uma horas dessas? — a voz feminina e arrogante soou atrás da porta.
— Perdoe-me pelo incômodo... — Uma breve pausa e então a rainha limpou sua garganta — Sou eu, Alexandra, a vossa rainha.
— Santo Deus, vossa majestade o que faz aí? — A voz da madre transfigurou-se a um tom ameno.
Alexandra tentou logo explicar mas sua voz foi abafada pelo intenso destrave de fechaduras.
— Estou lhe entregando minha filha. — Alexandra estava se contendo. — Cuide dela como se fosse uma de suas filhas, conduza-a pelos caminhos de Deus até que no momento oportuno ela volte para o lugar de onde veio. — dizendo isto a rainha entregou a criança nas mãos da madre superiora, encerta com um tecido aveludado da mais fina luxúria.
Alexandra regressou ainda de madrugada. Essa foi a última vez que a Madre Maria de Santo Elias a viu com vida.
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