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8 de Setembro de 2018
21h31
— Mas mãe, por favor.
Helena estava em uma das cabines do banheiro da delegacia, o celular preso entre a orelha e o ombro, já que as mãos estavam ocupadas abaixando a calça do uniforme para usar o vaso.
— Bia, eu já falei que não.
— Mas por quê?
— Porque eu não conheço essa menina.
— E daí?
— Daí que não quero você na casa de desconhecidos.
Ela quase conseguiu ver a filha revirar os olhos.
— Eu conheço, mãe. É minha amiga.
— Sua avó conhece?
— Que barulho é esse?
— Tô fazendo xixi.
— Eca, mãe!
— É quando dá pra falar.
— Deixa eu ir, vai, por favor. A Laís disse que a mãe dela liberou a sala pra gente assistir Netflix. E que vai fazer brigadeiro.
Helena precisou prender o celular no ombro de novo para usar o papel higiênico.
— Cadê sua avó?
— Tá colocando o Léo pra dormir.
— Eu vou falar com ela e... Droga. — Helena notou o papel higiênico sujo. Sua menstruação não havia dado as caras desde o nascimento do filho, até aquele momento. — Merda, merda, merda.
— Que foi?
— Nada, nada. É... — por um segundo esqueceu do que estava falando com a filha. — Vou falar com sua avó. Se ela for até lá com você pra falar com a mãe da menina...
— Qual é mãe, eu vou passar vergonha.
— É isso ou nada.
Bia pensou por um momento.
— Tá bom, né.
— Mando uma mensagem pra ela daqui a pouco, preciso ir.
— Ok.
— Faz o dever de casa.
— Tá.
— Tchau.
Helena colocou o celular dentro do sapato e usou as duas mãos para enrolar uma boa quantidade de papel higiênico. Improvisou um absorvente e se vestiu. Quase não acreditou ao ver a oficial Santos entrar no banheiro. Ela era a única outra mulher na delegacia, e tinha saído de patrulha.
— Kátia, graças a Deus. Você tem um absorvente pra me emprestar?
— Poxa, Helena, tenho não. Desceu, foi?
— Que merda. Eu não ando com absorvente tem quase dois anos.
— Seu bebê já tá grandinho, né?
— Quase um aninho. — ela sorriu, lembrando do filho. — Tá todo gostoso, ele.
— É verdade que enquanto a gente amamenta a menstruação não desce?
Helena foi até a pia lavar as mãos. O reflexo no espelho mostrava que seu cabelo estava completando bagunçado.
— Parece. Léo parou tem pouco mais de um mês.
Kátia era alguns anos mais nova que Helena, talvez uns vinte e nove anos. Havia mudado com o namorado há alguns meses.
— E essa curiosidade? Tá pensando em ter um?
Katia fez o sinal da cruz.
— Deus me defenda, irmã. Quero não. Meus sobrinhos são um terror, peguei trauma.
Helena precisou rir.
— Vou no mercadinho aqui perto. Tomara que o delegado não apareça antes que eu volte.
Desfez o rabo de cavalo e refez de novo, achando que estava um pouco melhor. Tirou o celular do sapato e digitou uma mensagem para a mãe enquanto saía da delegacia.
O mercadinho ficava na mesma rua, alguns metros para a frente, então foi a pé mesmo. O lugar era apertado, ficava no andar de baixo, sobre ele casinhas de aluguel.
— Boa noite, seu Chagas. — cumprimentou o senhor no caixa.
— Opa, minha filha. Tudo bem?
— Tudo ótimo. E com o senhor?
— Tamo indo.
Helena lançou um sorriso e foi para o lado da perfumaria e cosméticos. Encontrou com facilidade os absorventes e se sentiu perdida por um momento. Nove meses grávida e um ano amamentando, ela já nem lembrava da marca e do tipo que gostava.
— Com licença. — uma voz masculina pediu.
Helena se virou e encontrou um homem parado ali, segurando uma caixa. Instantaneamente notou que ele era bonito. Não tão alto, branco, cabelo preto, olhos apertados.
— Desculpa. — ela deu um passo para perto da prateleira, deixando que ele passasse.
O homem abaixou a caixa e sentou no chão, sem cerimônia, fazendo Helena perceber que ele trabalhava ali. Não usava nada parecido com um uniforme, só calça jeans e uma camisa branca, com alguma imagem na frente.
Voltou sua atenção para a prateleira. Olhou alguns pacotes, verificou os preços. Por todo o momento sentiu que era observada de esgueira.
— Esse aqui vai entrar em promoção. — o homem comentou, apontando.
— Ah é?
— Sim, até preciso mudar o preço.
— Ótimo, vou levar ele. — Helena pegou um pacote e sorriu. — Obrigada.
O homem acenou com a cabeça e ela foi para o caixa.
Na delegacia, o delegado Domingos já estava esperando quando Teixeira voltou. Precisou pedir licença para ir ao banheiro por um minuto e, quando entrou na sala do superior, ele já havia preparado tudo o que iriam avaliar.
— Você já assistiu as gravações da padaria e da agência bancária? — o homem soltou assim que ela passou pela porta.
— Ainda não, delegado, mas vou fazer isso assim que acabarmos aqui. — ela respondeu, sentando.
— O que temos de novo? No que o menino mentiu?
Teixeira mexeu nos papéis sobre a mesa.
— Antes... aqui o depoimento dos pais, feito na sexta.
— Pode ler, por favor? — o delegado pediu, tirando os óculos e esfregando os olhos. Eram 22:00 horas e ele já parecia exausto.
Teixeira se acomodou na cadeira e começou a ler:
José Ricardo Costa Bosco estava na casa dos pais. Sai de lá para o jantar de aniversário às 18:00 hrs e chega em casa às 18:40. Depois do desfile, as crianças são deixadas pela perua em casa e vão com Cecília Almeida de Souza, no carro dela, até a casa de Ricardo. Lá eles trocam para o carro do pai e vão jantar no centro às 19:30. Jantam. Chegam à casa de Ricardo às 20:40. Tomam sorvete e tiram fotos. Ricardo insiste para Ana Clara Almeida Bosco ficar com ele, mas ela decide que não, parece muito cansada. Às 21:20 pegam o carro de Cecília e saem. Na rua Marechal Pinheiro, Cecília para e João Miguel Almeida Bosco volta a pé com Ana Clara para deixá-la na casa de Ricardo. João Miguel a vê entrar pelo portão da casa e volta. Retorna para o carro às 21:45. Diz para a mãe que demorou porque Ana Clara andava muito devagar. Cecília e João Miguel vão para casa. Às 21:53, Ricardo percebe que a roupa de Ed. Física dos filhos está na sua casa e liga para Cecília para perguntar se é preciso ir deixar, Cecília diz que ele pode levar no dia seguinte, quando for deixar Ana Clara em casa para a escola. Percebem o desaparecimento da menina. Procuram até às 22:30 e resolvem ir até a polícia. Chegam à delegacia às 22:45.
— O menino primeiro disse que tinha deixado a Ana Clara no portão de casa. A mãe deles me ligou mais cedo, mudando a versão.
— O que ele disse? — perguntou o delegado.
— Que encontrou um amigo na rua e ficou conversando com ele enquanto a irmã foi sozinha pra casa do pai. Ele tinha dito para a mãe que demorou para voltar porque Ana Clara estava cansada e caminhando devagar, mas ao que parece ele se distraiu com esse amigo. Isso abre novas alternativas.
O delegado remexeu nos papéis até encontrar alguns, os entregou para Teixeira.
— A autópsia mostra que a menina foi morta logo após ser sequestrada, estamos falando de um intervalo de minutos.
Teixeira levantou da cadeira e caminhou para o outro lado da mesa.
— Esse tempo é inacreditável.
— Eu sei.
— Ela foi sequestrada, abusada e morta em 17 minutos?
— Talvez algum vizinho a tenha levado para casa... O legista falou de uma forte suspeita de que ela tenha sido drogada.
— Mas não haveria tempo para a droga fazer efeito, a não ser que a dose tenha sido absurdamente alta. E injetada diretamente na corrente sanguínea.
— Ainda não temos essa informação.
— Então o que pode ter acontecido foi: O irmão a perdeu de vista, ela foi levada para a casa de alguém ou talvez um carro? Recebeu uma dose forte de alguma droga, dormiu e foi abusada. Logo em seguida o sequestrador a asfixiou e, em algum momento da noite, colocou o corpo na casa da árvore
Domingos encostou as costas na cadeira e passou a mão na testa, terminando com ela no queixo.
— É uma hipótese. — concordou. — Ou estávamos no caminho certo. Ela foi pega no quintal da casa do pai, drogada antes ou depois de chegar até a casa na árvore e abusada e morta no local.
Teixeira concordou com a cabeça.
— Sim, isso seria mais discreto.
— Ainda assim, eu quero que vistoriem todas as casas da Marechal Pinheiro. Uma atenção especial para solteiros e homens que estiveram em casa sozinhos naquela noite. Já foram checadas as câmeras do restaurante. Ana Clara não falou com ninguém no caminho para o banheiro.
Teixeira colocou as mãos na cintura, reajustando seus pensamentos.
— Dormiu bem hoje? — ele perguntou a olhando.
— Deu pra recuperar as forças.
— Pois é melhor sentar, vamos trabalhar em cada detalhe disso aqui, vai levar a noite toda.
A oficial segurou um suspiro, pois sabia que o chefe não estava exagerando. E realmente, ficaram debruçado sobre o caso até que o dia clareou e viram Santos colocar metade do corpo para dentro da sala.
— Delegado, desculpe, mas é importante.
— O que foi?
— Acabaram de chegar duas senhoras, elas querem falar com o senhor. É sobre o caso Ana Clara.
Teixeira parou de ler o papel em sua mão e olhou para a companheira de trabalho.
— Senhoras? Quem são? — ela perguntou.
— Parece que é a professora da menina e a diretora da escola. Elas disseram que precisam contar uma coisa importante.
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