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10 de Setembro de 2018
12h05
Levou alguns minutos para a ficha de Cecília cair. Por um tempo ela apenas ficou em silêncio, as mãos caídas entre os joelhos, o olhar vidrado pelo para-brisa enquanto Lopes dirigia.
— Eu estou sendo presa? — ela perguntou, o tom automático, não parecia capaz de esboçar qualquer emoção.
— O delegado está esperando na delegacia. —Teixeira se limitou a dizer.
— Por quê? Vocês... Você acham que eu matei a Clara? — os sentimentos pareciam estar vindo à tona, finalmente. O rosto da mulher ganhou cor, ficando vermelho. — Como podem pensar isso? Eu sou a mãe dela!
— Eu vou ter que pedir que a senhora mantenha a calma.
— Calma o cacete! — ela gritou. — Meu Deus, isso só pode ser um pesadelo! Isso não pode ser verdade! — Cecília cobriu o rosto com as mãos.
O carro ficou em silêncio por alguns metros.
— Eu não acredito que vocês estão perdendo tempo me prendendo enquanto o filho da puta que fez isso com minha filha tá por aí!
— Estamos investigando, senhora, e no momento a investigação chegou até você. — Lopes a estava olhando pelo retrovisor.
Teixeira sentiu o sangue esquentar, estava de saco cheio daquele moleque.
— Vocês estão errados. — Cecília sussurrou.
— Por que diz isso? — a oficial perguntou, interessada.
— Porque não fui eu.
— Lembrou de algo mais? Quer me contar?
A mulher permaneceu com a cabeça nas mãos, seus ombros estavam tensos.
— Se eu soubesse eu já teria falado, não acha? Vocês nem deixaram eu pegar minha bolsa, preciso falar com o Ricardo.
— A senhora vai ter a chance na delegacia, estamos chegando.
Ela soltou um riso de escárnio.
— Vocês não me deixaram nem me despedir dela... — sua voz quebrou, recomeçando o choro. — Meu Deus.
— Pensamos que a cerimônia e o enterro haviam terminado. — Teixeira estava surpresa, sentiu seu coração se apertar. Aquela não era sua intenção.
— A gente tava vendo onde as cinzas vão ficar no jazido da família do Ricardo.
— As cinzas? — Teixeira repetiu, surpresa.
— Puta merda. — ouviu Lopes, mas o ignorou.
Cecília trocava o olhar entre eles.
— Sim...
— Ana Clara foi cremada?
Ela abriu a boca, mas não falou nada. Parecia receosa.
— Ricardo disse para eu não falar nada sem um advogado.
A oficial encontrou o olhar de Lopes pelo retrovisor, ele balançava a cabeça.
Eles haviam queimado o corpo. A principal evidência. Tudo agora estava resumido a pó. Teixeira quis xingar também. Suas suspeitas, que estava lutando para manter baixas, explodiram.
O interrogatório já durava horas.
Teixeira virava mais uma xícara de café na boca, para se manter de pé. Seus olhos ardiam e doíam, o corpo parecia dormente e sua mente nublada. A voz do delegado parecia estar vindo do fundo de um funil.
Olhou para o relógio, 18:17. Ela não descansava há quase 15 horas. Não dormia bem há três dias. Notou a mão tremendo quando colocou a xícara sobre o móvel. Cruzou os braços e focou na conversa. Tudo já havia sido dito e repetido, o delegado continuava apertando, tentando encontrar brechas ou oscilações.
— Por que a senhora mentiu sobre onde havia parado o carro quando seus filhos desceram?
— Eu não menti! — Cecília também estava no limite. Seu rosto trazia um olhar que beirava uma crise nervosa.
— A senhora disse que parou o carro na Marechal Pinheiro, as gravações mostram que não.
— Eu já falei que eu me confundi! Eu já falei! Eu não sabia onde tava minha filha, eu tava nervosa, eu... Eu não sei o que eu falei!
— A senhora não achou importante lembrar o local exato onde viu sua filha pela última vez? Não pensou em como isso iria influenciar na investigação?
— Eu não sei o que eu pensei, eu só tava pensando na minha filha, eu só queria ela de volta.
— E mentiu com algo que ajudaria a encontrá-la.
— Eu não menti! — a mulher bateu as costas no apoio da cadeira e passou os dedos na cara, quase se arranhando.
O relógio na parede fazia um barulho irritante a cada minuto que se movia. Teixeira sentou disfarçadamente na beira do móvel, sentindo que suas pernas iriam falhar a qualquer momento.
— Por que não quis voltar para a casa quando a oficial Teixeira pediu? Me foi informado que a senhora repetiu inúmeras vezes que para aquela casa não voltaria.
A mulher lançou um olhar de acusação para a oficial, sabendo que aquele testemunho havia sido dela. Claro, naquele momento estavam apenas as duas e o sr. Bosco.
— Minha filha foi morta naquela casa, o senhor consegue imaginar por que eu não quero voltar lá nunca mais?
—Na casa?
— Na casa da árvore. — se corrigiu.
— Ainda não sabemos se o crime aconteceu na casa da árvore ou se o corpo foi colocado lá.
— Vocês ainda não sabem de nada, pelo visto.
O delegado apoiou as costas na cadeira e observou a mulher por um instante. Ele também estava cansado. Aparentemente ninguém andava dormindo, por ali.
— O seu ex-marido entrou em contato com a imprensa?
Cecília o olhou confusa.
— Não falamos com a imprensa, vocês disseram que a gente precisava preservar o caso.
— Geralmente precisamos preservar o caso porque aqueles urubus ficam rondando, mas por algum motivo eles permaneceram longe no início do caso. Isso me deixou curioso.
— Eu não sei, vai ver eles não sabiam. — Teixeira era boa em saber quando alguém estava mentindo, tinha uma certa impressão, e parecia que Cecília estava dizendo a verdade ali.
— Como Ana Clara estava indo na escola? — aquele era assunto novo até então. Isso não passou despercebido por Cecília, ela ficou meio indecisa, como se estivesse com medo de cair em uma armadilha.
— Ela ia bem.
— Ela gostava da escola?
— Sim, bastante. O Miguel sempre deu trabalho pra acordar, a Clarinha levantava animada.
O delegado bateu a ponta do lápis na mesa, ritmado.
— Quem levava ela para a escola?
— Por que isso importa?
— A senhora poderia responder, por favor?
— Eles vão de perua. Iam. — a correção na frase a vez baixar o olhar.
— E voltavam também?
— Sim.
— Todos os dias?
— Sim. Às vezes o Ricardo ia pegar eles, quando era dia de ficar com eles.
— E a senhora?
— Eu trabalho até às oito.
— Sua filha costumava faltar aula?
— Só quando ficava doente.
— Ela costumava adoecer?
— Não, só... Normal. Às vezes febre ou uma gripe.
— E sobre os enjoos que sua filha teve em Junho e Agosto?
— Que enjoos?
— Sua filha saiu da escola mais cedo em algumas ocasiões, por conta de um enjoo forte.
Cecília uniu as sobrancelhas, parecia tentar lembrar, até que uma luz cruzou seu rosto.
— Eu lembro, sim, Ricardo me contou.
— O que aconteceu?
— Ela estava vomitando na escola, ligaram para ele e ele foi buscar.
— O que a menina tinha?
— Não era nada demais, ela ficou com o Ricardo nesses dias e logo estava melhor. Eu tava trabalhando.
— Não levaram ela para um médico?
— Não pensei que precisava, ela tava bem.
— A sua filha disse para a professora... — o delegado remexeu nos papéis até encontrar um e leu: — Abre aspas, Minha mãe diz que eu tô doente para eu tomar o remédio. Fecha aspas. Que remédio você dava para a menina?
— Eu não sei de que remédio ela tava falando, mas devia ser paracetamol ou dipirona. Essas coisas.
— Ana Clara tinha alergia?
— Às vezes o nariz dela entupia.
— O que ela tomava quando estava com alergia?
— Nada, era só o nariz dela. A gente colocava gotinhas e pronto. Minha filha nunca tomou nada forte, ela era uma criança, pelo amor de Deus. No máximo ela tomou esses xaropes que abrem o apetite.
— Temos uma nova informação aqui.
— NÃO É UMA NOVA INFORMAÇÃO! — Cecília gritou, batendo as mãos na mesa. Todo seu corpo tremia. — Vocês nunca me perguntaram sobre remédio nenhum! Nunca!
— Senhora Cecília, por favor, mantenha o tom baixo. — o delegado pediu.
— Eu estou tão cansada. Eu não aguento mais, meu Deus, eu não aguento mais...
Domingos e Teixeira trocaram um olhar e em silêncio concordaram em dar alguns minutos para a mulher. Cecília chorou um pouco, a cabeça apoiada nos braços sobre a mesa. Seu corpo foi se acalmando aos poucos, até perceberem que ela provavelmente acabaria adormecendo. Teixeira a tocou nas costas, fazendo-a se erguer. O delegado retomou.
— Senhora Cecília, eu vou ser honesto aqui. A biópsia apontou que a menina pode ter sido medicada antes de ser morta, e depois eu descubro que você e seu marido ministravam medicamentos a ela e que a criança tinha episódios de enjoos, provavelmente como resultado desses remédios. As coisas estão ficando bem feias para o lado de vocês, então se há algo que a senhora queira me contar, eu aconselharia a fazer isso agora, porque no fim nós vamos descobrir.
Cecília balançou a cabeça, negando.
— Eu não vou falar mais nada até meu advogado chegar.
Domingos deu de ombros.
— É seu direito desde o início, a senhora decidiu falar.
— Porque eu não sabia que iam me acusar de tudo isso!
Ela estava hiperventilando, Teixeira conseguia ver o suor em seu pescoço e testa.
— A senhora quer um pouco de água? — a oficial perguntou, sua voz soava estranha.
— Por favor.
Teixeira serviu a água e levou. Estando mais próxima, notou a palidez da outra.
— Está se sentindo bem?
Como resposta, Cecília apoiou os braços dobrados na mesa do delegado e deitou a cabeça ali. Menos de um minuto depois, voltou a levantar, colocando as mãos no peito.
— Eu preciso do meu remédio.
— Que remédio? — o delegado perguntou.
— Ricardo... Por favor, pede pro Ricardo trazer. Ele tá aí fora?
A mulher estava passando mal, aquilo era claro. Teixeira viu o sinal que o delegado fez e saiu da sala. O sr. Bosco estava na recepção, junto a outros familiares de Cecília. Todos se levantaram ao verem a oficial.
— Cadê minha filha? — uma mulher alta e magra perguntou. Ao olhá-la bem, Teixeira se surpreendeu ao ver traços de Ana Clara naquele rosto envelhecido. Era a avó materna da menina.
— Ainda não estou autorizada a liberar qualquer informação.
— Eu quero saber o que tão fazendo com a minha filha! Por que a Cecília tá lá dentro?
— Sua filha está sendo interrogada...
— Interrogada por quê?! Isso é um absurdo! Vaninha, vai chamar a moça da reportagem!
— Por favor, vamos nos acalmar. — Teixeira ergueu as mãos. — Senhor Ricardo, preciso de um minuto.
— Você tem que fazer alguma coisa, Ricardo! — a mãe de Cecília gritou, agarrando o braço do homem.
Ricardo a segurou pelos ombros, olhou em seus olhos e falou calmamente:
— Vai ficar tudo bem, dona Amélia. Cecília não fez nada, eles não têm nada contra ela.
— Então por que ela ainda não saiu? A gente tá aqui desde de manhã...
— É complicado, mas eu vou resolver. A senhora confia em mim?
Ricardo tinha um poder, era nítido. Sua voz era como uma mão macia que acariciava, que te convidava a fazer o que ele quisesse.
— É claro que eu confio.
O homem deixou um beijo na testa da senhora e se afastou alguns passos com Teixeira.
— Então? Como está minha esposa?
Não era a primeira vez que ele falava como se ainda estivesse casado, e a oficial notou aquilo.
— Sendo interrogada, mas ela se sentiu mal há pouco. Disse que precisa do remédio.
Ricardo fez uma careta.
— O que estão fazendo com ela?
— Apenas fazemos perguntas.
— É claro. — ele resmungou. — Eu conheço a mãe dos meus filhos, por isso imaginei que vocês a levariam ao extremo. — o homem colocou a mão no bolso e tirou de lá um frasco e ofereceu para Teixeira. Ela o pegou e checou o rótulo.
— Lorazepam?
— Ela tem ansiedade.
Teixeira concordou com um aceno.
— Como já está aqui, provavelmente o delegado pedirá para que o senhor deponha...
— Eu já dei meu depoimento.
— Sim, mas novas coisas surgiram, o senhor pode ter informações que ajudarão muito no caso.
Ricardo já não olhava para a oficial, se mantinha focado em nada especial, Teixeira sabia que aquilo era uma forma dele deixar claro a pouca importância que lhe dava como agente.
— Eu só vou declarar diante de um juiz. Agora, se me der licença...
— É claro.
O homem voltou para o grupo de pessoas que aguardava, trocou algumas palavras com eles e então se dirigiu para a saída.
— Ele foi embora? — Lopes perguntou, parando junto a Teixeira. Ele tinha as mãos na cintura e olhava feio para a porta por onde Ricardo Bosco havia saído.
— Parece que sim.
— Ele não ia depor?
— Ele não quis, disse que só vai falar em tribunal.
— Esse cara tá com o cu sujo.
— Pode ser, mas ele não é um suspeito.
Não por enquanto.
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