04. Felicidade enquanto dure
Sabe, eu faria mais que qualquer coisa que você quisesse
Ei, eu, eu tento te dar tudo o que você precisa
Eu vejo que isso te impressiona
Eu não acredito em muitas coisas
Mas em você, eu acredito
Simply Red, For your babies
Os reforços e o socorro não demoraram a chegar. Vimos cada um que foi identificado como funcionário daquela festa saindo, consciente ou inconsciente, em um meio de transporte da polícia, a fim de prestarem esclarecimentos e, assim, terem as suas devidas punições.
O destaque maior foi obviamente o "príncipe". Ao sair algemado e escoltado por alguns agentes, recebeu vaias e aplausos daquelas que, um dia, tanto prejudicou. Uma delas até bradou:
— Bem-vindo ao inferno, chefia!
Mais tarde, sob uma confissão, descobriríamos que seu nome era Hélder Vieira Smith. Possuía cidadania brasileira e americana e, realmente, era fascinado pela Disney, começando nessa levada criminosa de tráfico de mulheres com base nos contos de fadas. Um pérfido, de fato.
Quanto às irmãs que me acompanharam na missão, a ajuda médica logo as levou para um hospital. Uma delas, conforme mostrado, fora sedada em pleno salão, já a outra... também!
Quando tinha ido investigar o mezanino, Hélder tinha a avistado e, furtivamente, fez ela desmaiar com o uso de um sonífero injetável. A propósito, ele tinha planos de levar as gêmeas para o bordel em Orlando. Sendo loiras e viçosas, tais como a Cinderela e a Bela Adormecida — uma substituta para Estela era "necessária", afinal —, as duas seriam as vítimas perfeitas da vez. Além disso, ele também tinha se encantado por Agatha, ou ao menos pelo disfarce dela, indicando que poderia haver mais alvos para os seus planos sórdidos.
Que pena termos frustrado tudo isso... De fato, os sonhos daquele pilantra se transformaram em abóbora.
Mas voltando ao momento pós-missão, com as coisas limpas na área, restava somente a nós tomarmos nossos devidos rumos. Uns iriam descansar, enquanto outros — como era o meu caso — teriam uma longa noite de trabalho...
Era um belo jeito de me despedir de uma carreira tão solidificada no decorrer de tantas décadas.
Antes de nos retirarmos, notei as "princesas", com Estela incluída, se aproximando de onde Agatha e eu estávamos. A policial, a propósito, estava simplesmente descalça, alegando que, se continuasse com aqueles saltos prateados, era capaz de ficar com bolhas nos pés. Os calçados, por sua vez, encontravam-se segurados pela própria dona.
— Queremos agradecer a vocês por terem feito justiça — pronunciou-se Estela, emocionada —, quando ninguém mais podia fazer isso por nós, e, assim, terem nos devolvido as nossas vidas. Especialmente você, Agatha.
— Só fiz o meu trabalho — retrucou a agente. Quem visse de longe, diria que a réplica dada foi formal e até banal. Porém, eu sabia que ela estava tocada pelas palavras ouvidas. Conhecia-a bem para afirmar isso com propriedade.
— Apesar da tragédia que une a todas nós — prosseguiu Estela — e do nosso trauma em relação às histórias da Disney, sem dúvida nenhuma você é a nossa... Cinderela. É como se tivéssemos sido próximas, mesmo que tenhamos nos conhecido há tão pouco tempo.
— Eu... Eu... — era Agatha balbuciando. Não disse que ela tinha se emocionado?
— Portanto, gostaria muito de fazer as honras.
De início, a oficial Costa estampou uma expressão de dúvida, indicando não ter captado o significado daquilo. Todavia, bastou a outra estender o braço na direção dos saltos que ela carregava para finalmente compreender. Sem se fazer de rogada, Agatha esboçou um sorriso e entregou o par de calçados. Estela então se ajoelhou e foi falando:
— E tudo tinha que terminar com a Cinderela pondo o seu "sapatinho de cristal". Um desfecho digno e justo para uma pessoa tão digna e justa.
E finalizou fazendo o que havia acabado de proferir. A essas alturas, foi custoso para Agatha disfarçar o princípio de lágrimas que se formou em seus olhos, ainda mais quando as outras "princesas" entoaram uma salva de palmas, coroando aquele momento tão tocante.
— Quem quer seguir com as honras? — Estela indagou com o outro salto nas mãos, virando-se para as suas colegas.
Antes que alguém se manifestasse, dei um passo à frente e simplesmente disse:
— Eu.
Geral ali travou. Provavelmente, ninguém, sobretudo a própria Agatha, esperava aquela atitude de minha parte. Peguei o calçado de Estela e virei-me para a policial. Comecei:
— Eu deveria pegar esse salto e dar com ele na sua cabeça oca!
Os olhos dela se esbugalharam. Atrás de mim, ouvi murmúrios, dos indignados aos mais revoltosos. Alguém até soltou um "Que absurdo!". Sem demonstrar abalo com tais reações, continuei:
— Tal qual falei antes, você é impulsiva, sem respeito às hierarquias e sem muito controle emocional. Além disso, trouxe uma civil para esse lugar perigoso — Apontei para Estela, que estava ao meu lado. —, civil essa que havia sido vítima dos bandidos e que poderia ter se tornado isso de novo nas mãos deles.
Estela iria abrir a boca para se pronunciar, provavelmente algo em defesa da amiga policial. Porém, foi Agatha que tomou a palavra:
— Não precisa de mais sermão! — Havia firmeza em sua voz, embora estivesse claramente embargada. — Sei onde quer chegar. Não vou te dar esse gostinho. — Deu um suspiro, sofrido, e completou: — Comunico aqui e agora o meu desligamento da Polícia Federal. A partir de amanhã, vou proceder com a minha exoneração.
Mais palavras de indignação ecoaram. Senti os olhares fulminantes das "princesas" sobre mim, me censurando.
— Como disse, é uma cabeça oca mesmo! — rebati.
— Eu não quero... — Agatha tentou se manifestar.
— Mas que, por conta do seu jeito e, principalmente, do seu plano mirabolante, salvou não apenas essas mulheres — Maneei na direção das moças que haviam sido traficadas. — como também a todos nós.
— O... quê? — Ela estava incrédula.
Então, ajoelhei-me e toquei no pé descalço de Agatha, que, talvez por ainda estar atônita, levantou-o, permitindo que eu colocasse finalmente o segundo salto. Emendei:
— Creio que seja a hora da polícia estar nas mãos de uma delegada dona de ideias inovadoras e que se preocupa genuinamente com as pessoas.
Uma perfeita letra "o" se formou na boca da oficial Costa. Deu para ver como, aos poucos, as minhas palavras foram sendo assimiladas por ela. Assim, dei a seguinte conclusão:
— Há um processo seletivo te esperando. Favor, não me decepcionar... Não nos decepcionar, futura delegada. — Pisquei.
Ela ainda se manteve paralisada, mas logo entoou um gritinho eufórico. Sem eu estar esperando, agarrou-me em um abraço apertado, realmente muito apertado...
Uma segunda leva de aplausos foi promovida por aquelas que nos testemunhavam, que se seguiu para abraços e desejos de felicitações para a policial.
Que, aliás, não ficou muito tempo como policial.
Poucos meses depois, ocorreram as provas, as quais Agatha passou com louvor.
A agente Costa se tornou a delegada Costa.
E continuou com o seu jeitinho espevitado e meio maluquinho de resolver as coisas. Inclusive, outros envolvidos naquela rede de tráfico de mulheres foram pouco a pouco sendo capturados — graças aos esquemas nada convencionais que ela bolava.
As "princesas" conseguiram retomar as suas respectivas vidas. Importante salientar que elas eram seres humanos, com as suas identidades antes da tragédia que se abateu sobre cada uma. Sendo assim, Ângela (Tiana) passou a estudar Informática; Kátia (Mulan) retornou junto ao pai; Márcia (Ariel) voltou a morar no litoral, onde abriu um quiosque; Patrícia (Branca de Neve) resolveu fazer aulas de defesa pessoal; Sabrina (Bela) foi fazer mestrado; e Estela (Aurora e também Bela Adormecida)... prestou concurso para a polícia e passou a atuar ao lado de ninguém mais ninguém menos que uma certa delegada recém-nomeada... Acho que, apesar dos sucessivos traumas, ela gostou de sentir a adrenalina nas veias.
Quanto à Natália e Natiele, soube que superaram a rivalidade com Agatha. Vai ver contou o fato de terem sido salvas por ela. Claro que um buchicho ou outro em relação à indicação que dei a não mais oficial Costa rolou na delegacia, mas nada que tenha superado a fama que ela própria ganhou após o sucesso que foi a Operação Abóbora.
Por fim, conforme exaustivamente aqui falado, aposentei-me. Passei a desfrutar uma vida tranquila, mas não só, e sim... ao lado do meu amado.
Apesar dessa fachada de pessoa durona que tanto me alcunhavam, também era alguém sensível, com disposição para amar e... ser amada.
Oh, claro! Sou uma mulher e, perdoem-me pela falta de educação de antes, mas se estão curiosos, meu nome é Tereza.
Tereza Garcia, enquanto nome de solteira, mas como nome de casada, sou Tereza Garcia... Costa.
Não. Não tenho laços sanguíneos com Agatha. "Apenas" estou casada com o pai dela desde que ela era uma garotinha cuja mãe havia falecido devido a uma doença incurável.
Ao longo da nossa convivência, acredito que tenha desenvolvido uma espécie de sentimento materno, o que pode ter motivado certas atitudes que tive em relação à sua pessoa.
Entretanto, a realidade estava aí e podia afirmar que a nossa menininha havia crescido e, quem diria, seguido os passos da madrasta.
Eis mais uma semelhança com o conto da Cinderela, mas com uma diferença crucial em simultâneo: não sou uma madrasta má.
Um tanto superprotetora? Talvez...
Porém, malvada? Nunca.
Juro!
FIM
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