Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

• Sobre as memórias da Rua dos Sonhos: Descobrindo pessoas.

|Guilherme jamais deitava antes de ter a certeza que conseguiria dormir, passar noites em claro pensando sobre os mais variados assuntos, o deixava cansado e indisposto no outro dia. O jovem professor esperou o sono buscar sua mãe e sentou ao lado do altar em sua sala e folheou algumas páginas de um romance barato que comprou em um sebo do centro. Aquele livro parecia agradável ao ver a capa destacada, mas cada parágrafo foi se desfazendo à medida que era lido, sem desenvolvimento. Uma página foi revista diversas vezes e o tédio chegou mais rapidamente que o sono tão desejado. O professor se desfez daquela ficção e olhou pela janela atraente e foi de encontro às luzes da Rua dos Sonhos que permaneciam imóveis lá fora. Guilherme viajou outra vez em suas memórias sobre a Rua dos Sonhos.

||...||

|O Guilherme estava sendo vistoriado pela mãe: unhas, penteado e os diversos acessórios que se aglomeravam na mochila. O pequeno Guilhar já sentia o afastamento da infância, seu corpo e seus atos já se adaptavam a uma nova realidade. Dona Sarah pouco compreendia, ele seria para sempre uma criança as olhos da mãe, os cuidados seriam infinitos e costumeiros.
— Você está lindo. Agora pegue sua mochila e não me decepcione, quero notas boas e bom comportamento. Dizia Sarah Guilhar ao arrumar a gola de Guilherme. — Espero nunca ser chamada para resolver algum problema causado por você. Faça só sua parte, como sempre vem fazendo.
— Pode deixar... Espero que lá tenha uma quadra de futebol. — Guilherme colocou a bolsa pesada nas costas e tirou os olhos dos de Dona Sara.
— Muito futebol, mas tem português, ciências e matemática também. — Ela viu o filho adiantar os passos à frente com desinteresse nas matérias. — Não se amarre ao futebol, lá pode ter dezenas de outras coisas mais importantes.
— Futebol é importante para mim. — Argumentou Guilherme de forma inocente.
— Tudo bem, tudo bem. — As aulas de educação física têm duração suficiente para a importância que você dá a elas. Só não quero que você esqueça as outras coisas. — Ele assentiu com a cabeça ligeiramente.
— Certo. — Guilherme virou-se para mãe. — A senhora vai comigo, não é mesmo?
— Claro que sim! Já fiz todas as coisas de casa, agora vou acompanhar você. Preciso falar com os professores e com o pessoal da direção, pois você perdeu quase duas semanas de aula; sem contar que tenho que entregar alguns documentos
Os dois saíram ao sol da Rua dos Sonhos, o verão estava a todo vapor, a calçada seca e empoeirada servia de base para os ventos fortes. A nova moradia estava entrando na rotina de mãe e filho, as pessoas em volta pareciam mais familiares e menos curiosas. Os dois subiram caminhando pelos ladrilhos da Rua dos Sonhos, ainda concentrados em gravar tantos rostos positivos e as saudações de bom dia. Dona Sara marcava a velocidade dos passos, e entre uma e outra olhada no relógio de pulso, Guilherme viu o padre ao longe, no mesmo lugar e com as mesmas roupas. Mesmo distante os dois se cumprimentaram com sorrisos calorosos e sinceros.
A nova escola de Guilherme era bem maior que a anterior, o pátio central por trás do portão era largo e bem arborizado, os muros de cores claras não impediam que os raios de sol penetrassem e entrasse em contrates com as folhas bem verdes, um conjunto de sombras girava com o vento no assoalho vermelho escuro e de cerâmicas encaixadas milimetricamente. Logo à frente, o porteiro da escola se espremia entre os pequenos que vinham de toda parte e tentavam passar desordenadamente pelo único portão de entrada. O sorriso no rosto do homem alto se completava com cada pequeno que conseguia passar com segurança.
Guilherme e sua mãe entraram com dificuldade, se espremendo no meio de dezenas de apressados, um grupo de meninas mais velhas estava sentado na lateral do pátio, um conjunto de novidades de atenção redobrada, de maneiras espontâneas e de julgamento com os olhos.
Sara já sabia para onde iria levar Guilherme, os olhos de mãe estudava o ambiente novo e as reações que as novas imagens refletiam no filho, depois de alguns passos os dois entraram em outro pátio, já não havia mais tantos gritos ou correria, poucos ficavam naquela parte de pouca luz, sem som e menos popular; aquele lugar abrigava poucos alunos, alunos afastados de outros corpos, que levavam lanche de casa, aquele pátio era um refúgio para quem preferisse a pouca luz e o menor contato possível com o mundo do outro lado.
Caminhando com a mãe, Guilherme viu o primeiro rosto conhecido, Eron de Menezes, o pequeno que em outro dia estava sendo humilhado por alguns garotos mais velhos enquanto descia a Rua dos Sonhos, o garoto que aguentava cada insulto sem olhar para trás, e sem levantar a cabeça. O padre sinalizou ao pequeno Guilhar sobre Eron de Menezes e o peso que o garoto magro suportava em cada dia ao ir à escola, uma obrigação dolorosa e difícil para alguém tão pequeno e sem proteção que apenas tinha que seguir em frente, só em frente. Com roupas menores que o corpo e cabelos desarrumados, o menino magro de cabelos negros estava lendo alguma coisa, e assim que Guilherme passou por ele, os olhos do menino Eron buscaram os olhos de Guilherme, ao se baterem, Eron desviou o olhar e se escondeu em seu livro profundamente. O pequeno Guilhar continuou seu caminho.
Na secretaria, um montueiro de papel A4 decorava em pilhas a parede daquela escola pública sul-americana, os quadros de avisos estavam desorganizados e pareciam provisórios. Algumas senhoras estavam por trás de um balcão de um metro e quarenta de altura, comprometidas com papéis, protocolos e computadores não atualizados. Dona Sarah entrou silenciosamente e preferiu não atrapalhar aquelas atividades que demandavam tanta atenção. Uma das senhoras baixou os óculos e levantou as sobrancelhas para perguntar a mãe de Guilherme o que a mesma estava fazendo na secretaria.
— O que a senhora deseja? — Perguntou uma das secretárias sem parar de digitar em seu teclado.
— É que somos novos no bairro e não conseguimos a vaga nessa escola no início do ano. — Sarah tirou alguns papéis de uma pasta marrom e continuou. — Mas há uma semana uma de vocês conseguiu a vaga e entrou em contato com a gente. Estávamos aguardando algum remanejamento.
— Sim... Sim. — Outra senhora levantou prestativamente. — Vocês moram na Rua dos Sonhos, aqui próximo.
— Não tão próximo, mas nem tão distante. — Dona Sara deixou escapar um sorriso. — Precisamos pegar uma condução.
— Entraram com um pedido na prefeitura e protocolaram uma reclamação quanto à falta de vagas. — Soltou a senhora ao trazer um dossiê. — Não pense que estamos com raiva da senhora, ou que sua reclamação surtiu efeito. Sabemos que somos uma boa escola e que muitos desejam estudar aqui. Seu filho terá uma vaga.
— Graças a Deus! — Dona Sara bagunçou o cabelo de Guilherme.
— Um dos nossos alunos fraturou a testa de um colega. — A secretaria abriu um grande livro e procurou em seus bolsos uma caneta. — Infelizmente, devido à reincidência, tivemos que expulsá-lo. Uma vaga foi aberta... E o seu pequeno vai ganhar a vaga. — Sara e Guilherme estavam felizes, no rosto dos dois algo completava a oportunidade do novo endereço.
Enquanto Sara assinava uma dúzia de papéis e entregava outra ao protocolo, Guilherme sentou do outro lado da sala. Com a vista por cima da vidraça que se abria ao corredor, o pequeno Guilhar pôde ver uma mulher se aproximar e respirar fundo antes de entrar na sala. A senhora que entrou parecia triste e seus olhos estavam marejados. Os cabelos negros estavam amarrados para conter o volume e suas rugas em excesso diminuíam seus olhos, os apertavam.
— Alguém pode me ajudar? — Disse a senhora em voz baixa, quase como um suspiro. 
— Sim, Elen. — Respondeu a secretária que atendia a mãe de Guilherme. — Talvez seja sobre o mesmo assunto, não é mesmo?
— Sim... — Elen tirou um lenço de uma bolsa simples comprada no centro da cidade e esfregou o nariz. Uma lágrima banhou seu rosto lentamente, escorrendo até perder sua força.
— Calma, Elen... — Disse a mulher por trás do balcão de atendimento ao abandonar dona Sarah. Agora a secretária segurava as mãos de Elen. — Entendo sua dor, mas a escola só pode fazer algo se seu filho nos explicar quem é o responsável por seus hematomas.
Elen agora soluçava e evidenciava ainda mais sua falta de controle. Todos podiam ver ali uma mulher fraca, destruída por fatos duros. Um copo com água foi trazido para a senhora fora de controle que chorava abafadamente. A sala estava comovida.
— Sem um pai, as coisas ficaram difíceis para mim. Estou só e cada dia vejo meu filho chegar com feridas diferentes no corpo. — Dona Sarah conseguia sentir o apelo. — Roupas rasgadas, manchadas, e ontem, meu Deus! Deixaram o olho direito dele roxo. Roxo! Não tenho mais o que fazer, não posso controlar sua dor e pedir que me diga algo. Tudo isso está me matando. Ele não me conta nada. Entra e vai pro quarto. Não come nada! Até sua voz anda desaparecida... Desumano o que estão fazendo com meu filho.
Por trás do vidro da porta Guilherme pode ver Eron de Menezes observar a mãe em prantos. Os olhos negros do pequeno estavam frios como sempre, e um deles estava completamente inchado e roxo. O garoto estava triste e um penteado jogava parte do cabelo desarrumado sobre o olho doente. Guilherme ficou preocupado e tentou imaginar quem poderia ter feito aquilo. Na antiga escola isso não acontecia, poderia até acontecer, mas não passaria de um acidente.
— Estou terminando essa matrícula, e assim que encerrar com esses papéis, posso voltar ao caso do seu filho. Acho que precisamos de uma ajuda psicológica aqui. Aguarde só mais um pouco. — Elen foi se acalmando aos poucos, sentou ao lado de Guilherme, ficou por algum tempo encarando o filho por trás do vidro, imaginando quem poderia ter feito uma coisa daquelas.
Em poucos minutos, Guilherme e Sara saíram da secretaria, para trás ficaram mais sussurros da mulher desesperada. A mãe de Guilherme não deixou evidente, mas por alguns momentos duvidou do colégio em relação à disciplina. Uma criança espancada parecia bem sério. No canto, fora da secretaria, estava Eron. O menino estava sentado sozinho, com a cabeça baixa e os braços sobre o joelho, seu corpo desenhava sua vergonha. O ano letivo mal havia começado e Eron já tinha levado duas surras. Na primeira, há duas semanas, teve apenas cortes superficiais na testa e nos cotovelos, sua camisa branca ficou manchada de sangue e sua calça ficou verde da grama que o segurou. Tudo tinha acontecido na esquina da Rua dos Anchietas, próximo à sorveteria onde os alunos do ensino médio paravam para conversar sobre a próxima festa. Foram apenas empurrões, dois para ser mais exato, mas a força de seus agressores arremessou Eron de Menezes por mais de dois metros. Sua testa raspou uma placa de madeira que demonstrava os preços dos sorvetes, um corte leve fez o sangue escorreu pela testa.
No dia anterior, um soco atingiu a face do pequeno com força. Ele não gritou, chorou ou pediu socorro. Eron apenas levantou, pegou sua bolsa e saiu andando apesar da tontura, algumas luzes e estrelas estavam à frente, e o pequeno rezou para que não desmaiasse. — Não posso cair, não vou cair. Os sorrisos logo atrás eram altos e abafados.
Já no pátio principal, o pequeno Guilherme tomou um último beijo na testa e dona Sarah o deixou sozinho, agora era ele e a nova escola, os novos amigos e as novas descobertas. Antes de entrar na sala do sexto ano,
o menino ficou parado na porta olhando o tamanho desproporcional da entrada para sua estatura, as paredes de blocos vermelhos tinham como companhia um teto branco gelo e janelas marrons bem grandes, os outros garotos passavam depressa, correndo, batendo em seus ombros fazendo ele se desequilibrar. Alguns o olhavam com indiferença, outros possuíam olhares curiosos. Guilherme encontrou uma sala quase vazia, escolheu uma cadeira no canto, distante dos olhares mais atrevidos que poderiam estar observando-o por todo o horário normal da aula. Ele atravessou de cabeça baixa, as pernas pareciam que não iriam responder e sentou com todo o peso do corpo. Guilherme analisou cada novo indivíduo que via porta adentro, um a um naquele conjunto de novidades. Tudo ocorria como o esperado, o novo mundo ia se moldando tranquilamente e Guilherme sabia que o tempo o colocaria mais em sintonia com a força que aqueles outros alunos possuíam. Ele teria seu grupo, seus novos amigos. Poderiam sair e brincar durante os finais de semana, trocar figurinhas do Campeonato Brasileiro e correr por aí a pé ou cortar as ruas de bicicleta. Guilherme queria mostrar sua bicicleta dezoito marchas que eram trocadas no próprio punho e como sabia nadar. Por algum tempo ele não acreditou que aqueles novos companheiros de classe jogavam futebol tão bem quanto os meninos da escola anterior, pois lá ele era reserva do time do quinto ano, mas isso ele jamais iria dizer na nova escola. 
Em meio aos diversos pensamentos e possibilidades, Guilherme tentava gravar aqueles diversos rostos diferentes, mas no fundo sabia que um rosto novo era muito mais perceptível aos olhos dos demais. Guilherme abriu o caderno novo com as estampas de um herói japonês, riscou alguma coisa e voltou a observar a porta de entrada. A turma parecia completa e poucas cadeiras estavam vazias, e quando parecia que ninguém mais iria chegar, uma garotinha de cabelos dourados parou na porta acompanhando a professora.
A menina da minha rua! Da praça... Da igreja. Guilherme sentiu aquele mesmo frio de sempre, e o que poderia ser uma possibilidade tornou-se real. Eles estudariam juntos. Juntos, sempre. Mas o que isso poderia significar? Ele tentou pensar em algo mais e não conseguiu avançar em suas descobertas.

||...||

|Todos os alunos já estavam em seus lugares quando a maçaneta girou lentamente, os olhos correram para longe do quadro e da professora. Eron, o garoto magro de cabelos desarrumados, entrou de cabeça baixa tentando esconder sua presença e o hematoma que tomava conta de boa parte do lado direito do seu rosto — Um golpe de um canhoto. Os braços não se moviam e os ombros caídos puderam escutar os burburinhos. Eron só queria sua cadeira no canto, só sentar e correr daqueles olhos e palavras que faziam doer.
— Todos estão me olhando. — Pensou ele.
O caminho em metros tornou-se quilômetros, os segundos se estendiam e uns poucos sorrisos alongaram ainda mais o caminho. Era difícil reconhecer os donos daqueles comentários tão sujos, mas as palavras eram as mesmas, como suas roupas.
A mochila que carregava parecia levar toneladas, uma cadeira vazia apareceu por baixo do olhar e tudo iria passar: a vergonha, os olhares e os palavrões. Seria mais um dia, e mais uma lembrança de como se atrasar acabava com seu dia e com sua vida aos poucos.  — Mamãe fez isso! — A voz dele procurava um culpado.
Poucos metros separavam Eron de seu lugar. O barulho aumentou, as risadas aumentavam. Aquilo tudo doía como um murro de um canhoto, mas logo tudo passaria. Aquele hematoma iria embora aos poucos, assim como os outros se foram, como os cortes que cicatrizaram. Aos poucos o gosto ruim do anti-inflamatório seria esquecido e a caixinha com a lista vermelha iria para o lixo. — Segure firme... Tudo passa.
Guilherme acompanhou Eron com o olhar, enquanto isso a maioria ria de algo nada engraçado. Toda aquela alegria que contagiava aqueles alunos com pouco a fazer e muita história pra contar, apelava. O pequeno Guilhar se esforçou para ver o lado direito do rosto de Eron de Menezes e, com mais alguma análise, notou que todos sabiam da surra que o menino estranho levara no dia anterior. Eles riam do que fazia doer, compartilhavam uma felicidade em contrastes com a dor física e moral de uma pessoa que carregava o peso do início da vida.
Tudo vai passar, eu sei. — Eron pensava repetidamente, queria sua cadeira sem ruídos e seu canto sem amigos. Queria distância de seus agressores e menos olhares curiosos. Quando o repertório de Eron já parecia esvaziar como comédia, um pé estendido cruzou seus passos ligeiros. O corpo frágil não suportou o desequilíbrio e os olhares que o desconcertava, o pequeno Eron caiu lentamente, e tudo ao seu redor apareceu aos seus olhos em câmera lenta. A queda o fez pensar no fim do mundo, a dor que abateu seu pulso e retirou seu ombro do lugar não se equiparava em nada à dor dos sorrisos desesperados e os gritos de alegria. Entre risos, o menino colocou seu rosto ao chão, sentindo o cheiro de poeira e a vontade de morrer para todos. — Deus, não precisa me levantar. — Pensou ele ao sentir uma lágrima correr e descer pelo nariz fino de encontro ao chão encardido. Aqueles segundos de humilhação tatuavam o ódio e a sede de vingança. — Matar ou morrer? Ou — Morrer e matar... — Aquele tropeço valeria mais que o rosto rasgado na Rua dos Anchietas; lá poucos o conheciam e trocar de caminho era mais fácil do que trocar de escola.
O corpo magro demorou a levantar, os braços finos escondidos nas mangas largas de sua camisa escura adormeceram. Os alunos ao redor começaram a esconder o riso quando notaram que o palhaço estava em choque, que a vida ali parecia ter se escondido. O olhar vergonhoso não levantou do chão frio e cada um dos que participavam do show começou a olhar ao redor buscando uma resposta para o fim do espetáculo. A professora correu em direção ao corpo estendido e levantou sem dificuldade o garoto magro. O ombro direito estava dois centímetros mais baixo que o esquerdo e o menino de olhos abertos e serenos não deixava escapar nenhum ruído. Seus lábios baixaram em uma forma horrível e sem vida acompanhando a suplica de seus braços moribundos. Todos ali partiram da graça ao terror, pois a mancha roxa no lado direito do rosto da surra do dia anterior agravava a imagem de um Eron sem vida.
Ninguém acompanhou a professora sair com aquele aluno nos braços, ninguém ligou para a mãe de Eron, e ninguém procurou saber sobre sua saúde mais tarde. Um acidente costumeiro.

||...||

| chegou em casa assustado e sem querer descrever seu dia. Dona Sarah percebeu e esperou pelo tempo certo para que o pequeno Guilhar pudesse compartilhar seu primeiro dia na nova escola. O pai de Guilherme fazia muita falta e Sarah sempre tinha em mente que na presença de uma figura masculina tudo seria mais fácil. As coisas para Guilherme estavam mudando, e essas mudanças eram mais do que um endereço novo. Walter Guilhar morrera há cinco anos no norte, uma plataforma administrada por um consórcio explodiu e o chefe da família Guilhar foi um dos 12 mortos. Como operário da manutenção, pouco foi deixado para a família, além da pensão miserável, o seguro vencido na justiça fez com que Sarah comprasse aquela casa na Rua dos Sonhos e deixasse de morar de aluguel depois de uma vida toda.
Guilherme trocou de roupa rapidamente, e suas estampas estavam cada vez menos coloridas. Qualquer camiseta não era mais o figurino, o menino estava crescendo e suas necessidades e hábitos estavam em transformação. Seus chinelos de heróis aventureiros estavam sem utilização, o relógio verde e de luzes vermelhas estava parado sobre a penteadeira.
— Aonde você pensa que vai? — Perguntou Sara sem tirar os olhos da louça do jantar.
— Vou brincar um pouco na praça aqui da rua. — Disse Guilherme.
— Certo... Faz tempo que essa sua mãe não o vê brincar. Por essa janela eu vejo muito do seu caminho por essa rua. — Ela virou para colocar uma pilha de pratos no armário e deixou escapar um olhar curioso. — Mas pode ir, vou esperar.
O Monsenhor Hernandez estava mais à frente, sentado em seu banco costumeiro, com os olhos ativos, como se esperasse por algo ou alguém uma vida toda. A barba não crescia e a coluna nada ereta deixava seu pescoço pender entre corpo e céu. O velho acompanhou a travessia do pequeno Guilhar, acenou de longe e recebeu uma resposta rápida de um dedo polegar voltado para cima. Guilherme não sentou com seu velho amigo como vinha fazendo há duas semanas; decidiu sentar sozinho em outro banco e ficou ganhando tempo e oportunidades. As horas passaram e o calor se deixava abraçar pelos ventos frios que antecipavam a noite e o adeus do sol latino. Iris Almeida surgiu ao arrastar um portão velho, trouxe consigo os mesmos cachos louros e um vestido infantil com algumas caricaturas engraçadas e amarelas. Os olhos de Guilherme correram a Rua dos Sonhos e não conseguiam explicar aquela sensação de surpresa. O esperar e o objetivo não haviam retirado a ansiedade. Os sentimentos que afloravam de Guilherme não possuíam direção, o pequeno queria um — oi, tudo bem! O ouvir a voz, o lembrar de algum lugar e as possibilidades de reconhecimento naquela escola nova.
Iris caminhou pela calçada do outro lado da rua, Guilherme baixou a cabeça e ficou observando a menina com as sobrancelhas alteadas, trocando a vista entre ela e o chão. A menina atravessou a rua pouco movimentada com os olhos voltados aos sinos da igreja observadora de Nossa senhora da Conceição, reconheceu Guilherme e caminhou em sua direção, talvez como algo premeditado também, ou talvez usufruindo de uma coincidência que fazia o coração bater mais rápido. As mãos dela suavam em busca de aceitação. — Será um: "boas vindas". Era isso que ela queria que ele compreendesse, assim como Laura e Ângela no ano anterior, os novatos devem entender que o primeiro contato é "um boas vindas". — Mas ele é um menino! — Ela desacelerou os passos e as mãos escorreram no vestido bem passado e com cheiro de amaciante antialérgico. Um pouco dos passos divertidos se desfez com a situação, às vezes o andar sofria um descontrole e parecia não avançar. Passos perdidos e sem jeito, talvez ela tivesse que voltar e esperar por esse contado durante a aula de geografia no outro dia.
— Não acredito, ela tá vindo pra cá. Os olhos de Guilherme estacionaram ao chão, e o som dos passos arrastados ficaram mais próximos. Faltariam palavras, faltaria lugar para colocar as mãos desajeitadas. O coração do pequeno Guilhar havia subido e se dividido em dois, ambos estavam encostados aos seus ouvidos atentos, e entre o abrir e fechar das mãos tensas o som dos passos sumiram.
— Oi.
Guilherme sonhou com esse "Oi" durante muitos dias, a voz era calma e doce, como daquelas meninas que vendiam achocolatado na televisão pela manhã. Foi tudo tão rápido e como o planejado que a chance de ser um sonho seria bem provável. Ele pensou por algum tempo, os segundos passaram e ele só deveria responder com outro "Oi". Seria assim, seria fácil na pratica, mas a garganta estava seca, a voz presa e os ombros perderam as forças. O peito encheu de ar e os olhos tinham que levantar.
— Oi... — A voz estava presa mesmo. Ela notou.
— Estamos na mesma escola. — Ela arrumou algo em seu vestido e procurou o desencontro dos olhos de Guilherme.
— É... Eu vi você por lá. — Ele contemplava cada centímetro da rua buscando não estacionar no olhar de Íris. Ela mantinha a mesma estratégia. — Vejo você todos os dias por aqui. Vejo você na santa missa todos os domingos.
— E por que não falou comigo na escola? — Ela desfez um laço que corria por sua cintura.
— Eu não sabia que você me conhecia.
— Impossível não perceber você cochilando ao lado do padre. — Ela deixou escapar um sorriso e um espaço para encontrar os olhos ligeiros de Guilherme.

||...||

|Os olhos negros não buscavam o sol latino e o claro proposto. Aqueles olhos escondidos e pequenos eram vagos e frios. Existia mais que solidão nos olhos de Eron de Menezes, existia segredos de impossível leitura para aquela década. Aquele pequeno estava em transformação, o esconderijo para o mundo começava a incomodar, não que amigos fossem uma prioridade, mas o "não existo" era pobre e depressivo. A casa quase sempre vazia ajudava a encurralar seus desejos e descobertas, seu pai sumira daquele lugar escuro e responsabilidades infinitas, sem levar nada, nem boas lembranças. Elen de Menezes servia pratos e era diarista nas casas e apartamentos com prioridades para a brisa do mar na zona sul. Eron dividia o espaço e se ocupava com a irmã mais jovem e seus primeiros passos. O som dos desenhos animados era o detalhe mais feliz naquele lar. Com os dias longos, Eron descobriu nos desenhos um refúgio, um acolhimento que o levava a misturar seus dias e esperanças. A claridade de suas obras se encaixava muito bem com o horário de trabalho a noite. O contraste transformava a obra, transformava Eron, um artista sem público. Eron era artista para Eron, para trazer vida ao que já encontrara a desesperança. — O murro de um canhoto. A dor no corpo não se comparava a da alma. Um ombro fora do lugar e a dor de recolocá-lo na enfermaria. Eron se preparava para entregar a irmã e as responsabilidades para sua mãe cansada, o vento parecia levar o resto do sol da tarde. Faltava pouco para levar suas dores à arte na noite, no casulo do quarto pequeno; o jovem rejeitou o espelho e buscou pela janela a Rua dos Sonhos.
Guardados pela tarde que partia estava Guilherme e Iris Almeida, eles combinavam, estava claro isso. Os dois transpareciam uma ligação de fácil percepção aos olhos de qualquer estranho. Eron observou seus colegas de classe com cuidado por trás da janela.
Algum tempo passou e o pequeno Eron não se moveu. Iris, ao procurar abrigo, correndo dos olhos de Guilherme, esbarrou no olhar frio de Eron de Menezes que jazia por trás da janela. Ele sentiu a punhalada no coração, o corpo esfriou em sintonia com o olhar de Iris, rapidamente ele se escondeu. Como sempre, Eron se retirou, foram os olhos negros que se sentiram ameaçados.

||...||

|Iris fixou o olhar nos olhos negros de Eron, não conseguiu ler a curiosidade do menino de cabelos arrepiados. Ele fechou sua abertura para mundo e para aquela praça que o ligava a algum tipo de emoção.
— O estranho estava nos olhando. — Disse Iris sem tirar os olhos da casa à frente.
— Quem? — Guilherme virou o corpo para tentar acompanhar Íris.
— Eron de Menezes... nosso colega de classe.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro