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||_Rua dos Sonhos_||


|Nesses ares da América do Sul, o março costumava ser chuvoso e curiosamente quente. A Rua dos Sonhos permanecia sonolenta e apagada, já passavam das dez da noite e o ar quente de um dia ensolarado começava a dar lugar aos ventos frios que traziam pancadas de chuvas. Poucas pessoas se arriscavam nas calçadas, as casas sem vida e de luzes fracas pareciam adivinhar que com a noite viria um temporal.
Em pouco tempo, os últimos moradores já haviam se dispersado ao notar a mudança do tempo, deixando a rua ainda mais triste que de costume. Os pedestres mais distraídos forçavam as pernas e se misturavam ao sopro do vento que carregava mais do que um aviso sobre como seria a noite. O frio estranho contaminava o ar, as fileiras de árvores estavam rebeldes, trazendo um som melancólico e pedinte. Logo não haveria mais vida, apenas os primeiros pingos d'água. Era difícil entender essas chuvas de março e o fim do caminho, mas era fácil entender a necessidade de abrigo naquele momento.
Os passos calmos de Guilherme Guilhar atravessavam o jardim da praça central logo que deixou o declive da Rua Principal, o professor trazia consigo alguns livros embaixo do braço e estava encharcado, coberto de frio e desânimo. O jovem Guilhar era o último habitante que desbravava aquela noite e suas lágrimas, seu corpo estava curvo, sua caminhada forçada parecia não ter onde ancorar. O primeiro dia no novo trabalho havia exigido bastante do professor de matemática. As pessoas, o ambiente e a velha moldura da sua antiga turma o atingiram emocionalmente. Com um breve olhar para cima ele analisou o céu, não conseguindo obter uma resposta favorável das nuvens que o acompanhavam, as gotas começavam a se espalhar pelo chão e o cheiro forte de terra molhada penetrou em suas narinas.

A pequena casa na lateral da Rua dos Sonhos estava escorada ao lado da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Sua pouca iluminação entrava em contraste com os fortes feixes de luz que o alto da igreja arremessava no restante escuro daquela rua. Guilherme queria sua cama e tranquilidade, mas algo transformava aquele caminho comum em uma batalha. Com os livros sobre a cabeça, como se tentasse se proteger, o professor dispôs-se a correr, pois consumir aquela rua e aquele ar fazia-o fraquejar. Sozinho, o jovem sentia calafrios e uma angústia alucinante ao passar sobre aquelas casas vazias e caladas. As silhuetas ao chão desenhavam postes antigos e sua pouca luminosidade, o calcário dava liberdade à água que escorria rumo às grutas do outro lado da cidade. Analisar o espaço sempre foi uma das primeiras ações de Guilherme ao descer o declive que dava acesso à rua, naquela noite não foi diferente.
O professor tinha medo dos segredos da rua, das dores que suas histórias causaram, e principalmente de seus antigos moradores. Guilherme aprendeu a esperar, mas sem nunca pensar em aceitar suas lágrimas. O corpo do professor estava entregue à chuva, os livros não o protegiam mais e as lembranças, como sempre, voltavam e o assombravam.
Entre Guilherme e sua humilde casa havia um caminho costumeiro, uma dezena de casas antigas abraçavam o professor dos dois lados. Ao centro, a "mansão número 7" permanecia inabitada, vigilante e misteriosa. Sem se dar conta e levado por impulsos do passado, Guilherme parou em frente a grande casa, o ambiente de um crime arquivado. A antiga casa era famosa em toda a região, constantemente lembrada nos telejornais, era estudada por pesquisadores especialistas em jovens psicopatas. Juristas e repórteres adoravam aquele lugar. O professor sentiu as pernas tremerem, os músculos contraíam involuntariamente e o temporal que atingia aquele corpo não tinha mais importância. A alma sofrida de Guilherme se lembrou de um sorriso e de uma doce voz que parecia vir do nada; uma voz que possuía um grande poder sobre ele. – Iris...

Todos os moradores da Rua dos Sonhos sabiam que nenhuma alma habitava aquela velha casa a quase uma década, que nenhum corretor conseguira vendê-la ou alugá-la. Uma placa cinzenta e apagada trazia a oferta de venda, uma iniciativa que parecia afastar ainda mais qualquer intenção de compra. Guilherme estava imóvel em meio ao seu passado, sua cabeça estava perturbada, e o professor estava imobilizado. As luzes do primeiro andar estavam acesas. – Impossível. – Pensou Guilherme. As lembranças atravessaram seu corpo molhado junto com uma dor imensa...

"As buscas pelo corpo de Iris Almeida continuam, a comunidade se reuniu e uma vigília foi marcada para esta noite a partir das 19 horas. A igreja, o conselho comunitário, as autoridades policiais e judiciárias esperam centenas de pessoas nessa corrente que promete parar algumas ruas da cidade".
O Dia, Jornal Matinal.

Guilherme sentia a necessidade de entrar na mansão abandonada, não apenas pela possibilidade de respostas, mas também por poder encontrar em algum móvel um resto, ou cheiro de algo que lembrasse seu grande amor. Viver sem Iris havia sido sua pena imposta pela vida. O jovem professor jamais discutiu com Deus sobre os porquês, raras vezes pediu respostas. A dor que sentia se misturava com o sentimento de impunidade que carregava no peito. Chorar sozinho era seu consolo, seu grito. Costumeiramente, em algum momento inusitado, Guilherme sentia uma forte solidão, lembrava-se de palavras e momentos singulares que o abatiam; na aula, no trabalho, em qualquer lugar. Mas aquela noite era diferente, o jovem sentia que algo o atraía ao primeiro andar a sua frente, nada o tiraria essa oportunidade. Sobre as curvas das janelas detalhadas por vitrais de chumbo, a mesma luz que chamou a atenção de Guilherme agora piscava intensamente, deixando a situação ainda mais curiosa. O professor segurou os livros firmemente e deu os primeiros passos em direção ao portão central que estava seguro a um emaranhado de correntes e um velho cadeado enferrujado. Várias forças internas tentavam o afastar dali, mas outras poucas, bem mais fortes, o impulsionavam na decisão de entrar naquela casa mais uma vez. Sorrisos, gargalhadas. Os sons vinham de dentro daquele jovem à procura de respostas. Ele tocou o grande cadeado tentando desprendê-lo das correntes, os olhos agudos e fixos notaram que o mesmo já estava aberto.
– Há quanto tempo isto está assim? – Pensou ele surpreso, tentando ter uma própria justificativa para a falta de visitas aquele lugar, aquelas lembranças.
Guilherme desprendeu as correntes, a ferrugem vinda das grades do portão banhavam suas mãos. A entrada foi anunciada pelo forte som exalado pelo atrito entre o cimento e metal.  Ele abriu o suficiente, seu corpo passou com facilidade e a emoção de estar ali se misturou ao medo. Sem pensar duas vezes o professor buscou a lateral da grande casa, notou o jardim defeituoso e a potência que o tempo exercia sobre as coisas e os fatos. O corpo molhado estava quente, sair daquele lugar não seria mais uma boa ideia; aquela escuridão o agarrara e o fazia seguir até onde seu coração mandasse. A chuva o acompanhava.

                                        ||...||

|Andando pela lateral da velha mansão a dormir, o jovem almejava encontrar sua passagem para diversas noites de amor, a "Janela da fuga". Amiga de vários encontros, ele mesmo quebrou o ferrolho de segurança anos atrás. Aquela minúscula janela da sala de música foi a maneira que o jovem Guilhar descobriu para se encontrar com Iris às escondidas. O monte de madeira antiga e resistente agora estava mais velho que antes, suas extremidades estavam escuras, sua vidraça embaçada transparecia as cortinas brancas que estavam do outro lado e, em vez de entusiasmo, atravessá-la causava arrepios. Com um pouco de força, Guilherme, com as duas mãos, fez as janelas abrirem, deixando o sopro dos ventos frios penetrarem no ambiente. Primeiro os livros foram jogados para o lado de dentro, e com uma habilidade de quem fez aquilo dezenas de vezes, com um salto, o professor já estava dentro da velha mansão.
As paredes claras que serviram de tema de fundo no ontem, agora estavam manchadas e surradas pelo tempo. Teias de aranhas se misturavam a um ar pesado causado pela quantidade de poeira que dormia naquela pequena sala que ficava ao lado da biblioteca. Mesmo com a pouca luz do lugar, o jovem Guilhar conseguiu ver algumas molduras desgastadas, tentou forçar e observar as fotos que elas guardavam, mas já não estavam mais lá; ali ficaram apenas os quadrados de madeira, os retratos foram apagados, arrancados. Naqueles corredores dolorosos algo parecia não ter mudado completamente: o velho piano, ali, belo e pronto para ser tocado por mãos delicadas. Aos poucos Guilherme passou as mãos sobre o instrumento e achou estranho o fato dele não estar sendo morada para a poeira que dominava o lugar. O piano estava limpo e polido. – Não estou sozinho aqui.

Guilherme reencontrou o velho Steinway, observou suas teclas e tentou buscar a introdução de uma velha canção. Não obteve sucesso. Entre uma tecla e outra, o som se expandia no lugar, vibrava no ouvido do professor e se perdia nas velhas paredes. Depois de alguns toques parou novamente. O silêncio chegou, e em seguida passos puderam ser ouvidos no andar de cima. Devagar, o jovem foi até a porta, abriu seu ferrolho e encontrou um corredor familiar, girou o corpo conhecendo bem o caminho e se meteu no meio da escuridão em direção ao andar de cima.
Os passos firmes rangiam o piso de madeira, deixando um rastro d'água por onde passava, e antes que o professor pudesse chegar às escadas do centro da sala algo o chocou mais uma vez, do seu lado esquerdo, no fim do corredor, Guilherme viu as manchas de sangue de Iris, manchas que aumentavam no decorrer do caminho; a garota havia corrido por aqueles corredores no dia em que desapareceu. – Se eu pudesse dividir isso com ela! Não podia, não mesmo. Suas dores seriam divididas por anos, décadas, enquanto vivesse, perderia a vida aos poucos.
O homem que percorria aquele corredor escuro se viu menor, adolescente, correndo pelos mesmos corredores iluminados. Nenhuma foto estava faltando. Depois tudo escuro, como no dia chuvoso. Uma pequena mão e um rastro de sangue no corredor. Choro, gritos... Dores. Guilherme podia ouvir tudo ao redor, a tensão aumentava a cada passo, estar ali o levava a diversas lembranças. Nem tudo era perfeito, chegar ao andar de cima era a meta, lá talvez ele respirasse, lá talvez pudesse encontrar alguém. Respostas. Guilherme subiu de dois em dois os degraus da grande escada, seu destino era o quarto da jovem Iris Almeida. O frio começava a correr pelo corpo de Guilherme, mas nada o pararia. Os livros foram deixados sobre uma pequena bancada ao fim da escadaria. Cada detalhe não passava despercebido, Guilherme abaixou-se e pegou com cuidado o retrato que trazia Iris bem mais jovem. Tudo agora parecia um pesadelo, a história havia mudado, não existia mais princesa nem conto de fadas, apenas sangue e ódio, tristeza. – Eron, desgraçado! A resposta estava logo à frente, o quarto estava a poucos metros, agora poderia acabar com a dor. Eron poderia estar ali, procurando algo doente como ele, o pervertido talvez quisesse lembrar-se de como perfurara o corpo da menina dos cabelos dourados.

Eron passou apenas cinco dias na cadeia, sua prisão temporária jamais foi prorrogada. Um bom advogado e a falta de provas concretas fizeram com que o juiz cedesse um habeas corpus. Assim, o menino franzino e calado que cresceu na mesma rua que Guilherme e Iris Almeida foi entregue a liberdade, deixando o caso da rua dos sonhos sem solução, arquivado. Uma vergonha para polícia local e para o promotor que acompanhou o caso.
A mão direita de Guilherme tocou a fria fechadura, a maçaneta girou, os olhos de Guilherme entraram aos poucos.
A Porta foi aberta e o pequeno interruptor ligado, pois estranhamente, a luz já se perdera. Os olhos do professor arderam. 
O jovem engoliu em seco, desbravaria mais uma vez o quarto confidente de noites inesquecíveis. Qualquer pessoa procuraria, caminharia e abriria aquela porta, como uma tentação que leva até os mais sábios a cair em seus braços. O rangido da porta soou no meio do pequeno corredor, aquele quarto havia sido tudo um dia, a imagem nítida de cada canto daquele pequeno cômodo de apenas uma janela estava marcada como um retrato na memória de Guilherme; mas agora a poeira e as cortinas brancas simbolizavam outro tempo, uma decoração forte e triste, sem cores, sem alegria. O cheiro era de um mofo insuportável, Guilherme pode ver duas coisas que ainda restavam ali, objetos que sua mente podia reconhecer mesmo que séculos passassem. O espelho de bordas cor de vinho e a velha escrivaninha também cor de vinho. Nada mais do que isso vivia naquele ambiente destruído pelo tempo e pelo destino, parecia outro lugar, talvez até fosse, mas em outro tempo aquilo havia sido mais que um livro cheio de histórias loucas e joviais. Ali existiam lembranças e cochichos de planos surpreendentes. Algo vivo jazia ali, o jovem Guilhar não podia ver, mas sentia, chegava a lembrar do dia em que chorou por amor pela primeira vez, não pela conquista, mas sim pela perda de algo valioso, era uma pena valorizar algo hoje mais que ontem.
Guilherme parou um pouco, olhou para a porta do banheiro, caminhou até lá e pôde ver que a mesma estava semiaberta. Com os cotovelos ele a empurrou e viu o desgaste dos azulejos de cores claras que ali ainda resistiam. Seus habitantes eram apenas algumas arranhas pequenas que se espremiam em dezenas de teias. Seus olhos pararam em meio ao espelho pequeno e alguns "flashes" vieram; eram sorrisos longos em rostos ainda pequenos, em transformação. As cores eram claras, o suor era frio, o estremecer de corpos era intenso, as lágrimas surgiam. Ele saiu novamente e sentou-se sobre a cama empoeirada, cruzou as mãos sobre a coberta e pensou em ficar ali mesmo, dormir e talvez sonhar com os sonhos prometidos pela denominação daquela rua. Estava com frio e cansado, as cortinas moviam-se apressadas, sugando o pouco de vento que entrava pelas brechas da janela. Não havia ninguém ali, Guilherme pensou em loucura, pensou que estava contagiado novamente pelo crime e que talvez fosse melhor desistir, não seria sensato sofrer outra vez. Seu corpo molhado transparecia a cópia de seu psicológico no velho espelho, as costas curvadas, o corpo mole e olhar maquiado com olheiras determinavam seus pensamentos. E assim, sem explicação, uma bela música soava vinda do andar de baixo, aquela velha canção, a mesma introdução que o professor arriscou tocar. Era mais bela, mais completa, alguém a tocava muito bem. O velho e conservado piano Steinway jorrava uma bela música. Guilherme tremeu mais uma vez e, consumindo cada nota, viajou alguns segundos e, quando nem ele mesmo esperava, levantou-se da cama e começou a correr para o andar de baixo. – Não estou louco!

O bom conhecimento do lugar e a rápida agilidade fizeram o jovem professor se desviar dos obstáculos com bastante facilidade, sua trilha naquele momento era a antiga música que continuava mansa como sempre. Descer aquelas escadas nunca foi tão fácil, nada comparado aos perigos do passado. Em instantes, Guilherme já desbravava o longo corredor e, quando a necessidade de respostas do jovem Guilhar mostrava sua força, a música cessou. Apenas a chuva marcava presença. A respiração era alta, podiam-se ouvir os batimentos cardíacos do jovem, não havia mais música. Guilherme estava por trás da mesma porta que entrou, voltará para encontrar o estranho que havia retornado à mansão número 7. Empurrada pelo forte corpo de Guilherme, a porta logo se rendeu. Decorando a sala estava apenas seu antigo morador: o velho piano. O rapaz estava confuso e abatido, não havia nada ali. As janelas circulavam o ar, lá fora a chuva arrastava alguns galhos de árvore, as cortinas dançavam com o vento e o impacto da janela da fuga na parede era constante. Guilherme resolveu sair da velha casa.  – Estou enlouquecendo.

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|O frio lá fora agora era sentido como verdadeiro, o corpo molhado estava cansado e perturbado. Precisava dormir, ele sabia que precisava. Agora, fora da mansão, Guilherme tentava organizar as coisas que ocorreram dentro da casa; a luz acessa no andar de cima, a música vinda do steinway, o cadeado destrancado e suas influências. Sua cabeça doía. Por mais que tentasse impedir algo, a imagem que mais vinha à cabeça do jovem Guilhar era a expressão melancólica e doente de Eron de Menezes, as olheiras e os cabelos negros mal penteados do rapaz que estava em liberdade. Eron de Menezes.
Eron de Menezes tinha a mesma idade e estudava no mesmo colégio secundarista que Guilherme. Quando as pistas ligaram o desaparecimento da garota ao jovem, passeatas, vigílias pela madrugada e vários protestos terminaram em frente à sua casa. A pequena residência ficava ao fim da Rua dos Sonhos e nas noites de tormenta ela se encolhia ao lado da igreja. Em poucos dias a foto do "Pervertido da Rua dos Sonhos" era a mais conhecida da cidade, estava em todos os grandes jornais impressos e televisionados, o pseudônimo criado por um jornalista sensacionalista era o mais acessado nos sites de buscas da internet. A população se comoveu com a história da Miss que desaparecera deixando mais de sessenta por cento do seu sangue como pista no local do crime. As autoridades tinham apenas algumas testemunhas, a sociedade queria respostas, e depois de vários protestos a polícia teve que dar alguma luz à população. Logo após a queda do secretário de segurança, exatos vinte dias após o desaparecimento de Iris Almeida, Eron de Menezes era direcionado ao departamento policial de homicídios. A população entrou em delírio, todos comemoraram sua prisão. A alegria da população durou pouco, pois a justiça resolveu arquivar o caso. A simples acusação sobre Eron não foi suficiente para mandá-lo para a cadeia definitivamente. Assim como toda a população, Guilherme Guilhar elegeu Eron como responsável pelo desaparecimento de Iris. O sonho de Guilherme era poder ver o pervertido apodrecendo na cadeia, mas jamais conseguiu isso. Nenhuma notícia de Iris, nenhum corpo, apenas sangue, dor e nenhum culpado. Esse era o martírio de Guilherme, esse era seu presente e, talvez, seu futuro.

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|Aos poucos Guilherme se pôs à frente do portão rasteiro da altura de seus ombros, a casa antiga e menor que a mansão visitada há pouco parecia dormir como todas as outras ao redor. A luz dianteira estava acesa e o tom antigo da tinta amarela estava tão apagado quanto à vida que irradiava daquele lar que possuía na entrada uma velha placa com o número dezessete. A chuva ainda caía, mas não como antes. O céu parecia chorar menos, estava se conformando, Guilherme parecia estar sem força no manuseio com o portão, parecia que carregava algo bem mais pesado que a desgraça. O professor não possuía o dom para as lágrimas, odiava mais ainda quando, desprevenido e imerso em algum devaneio, alguém as notava. Tirou um molho de chaves que se abraçava com um escudo pequeno do Botafogo. Abriu o portão, e logo que o atravessou, deixou escapar uma última olhada pela redondeza, terminando-a sobre a lateral escura da igreja da Nossa Senhora da conceição e sua alta e larga calçada de pedras cristalinas.
A escuridão era total dentro da casa, ao fundo do corredor principal era possível ver apenas um sinal de vida das paredes, onde um pequeno feixe de luz reluzia para a porta de entrada. Aquele espaço estava calmo, sereno. Nenhum som poderia escapar daquele pequeno ser vivo.
– Como pôde me deixar assim? Como pôde? – Uma voz suave e abatida vinha junto com a luz. – Onde estão todos os outros? Onde estão as chaves? Onde estão todos os outros?...
– Não dormiu ainda? Vou preparar algo quente, talvez demore a dormir também. A noite foi pesada. – Respondeu Guilherme sem saber ao certo à direção para onde dirigia suas palavras.
– Está frio, não é? Eu não tive coragem de dormir sozinha, preferi ficar aqui, bem protegida. – Uma luz foi acesa ao lado de Guilherme, e de lá o jovem pôde ver a imagem de uma senhora de pouco mais de cinquenta anos, com olhos claros e alguns cabelos brancos. A mãe de Guilherme usava vestidos escuros e possuía um olhar perturbado, ao seu redor havia dois pequenos altares decorados com imagens de santos, dezenas deles, alguns muito pequenos, e outros com mais de meio metro de altura. As paredes e as estantes serviam de abrigo para as miniaturas que juntas formavam um emaranhado de cores e credos, representando várias religiões, mas aquela união de estátuas não era apenas uma coleção fútil ou peculiar, formavam um casulo para quem buscava proteção ou tinha medo de algo muito mais forte.

– Não entendo a demora, não entendo. – A voz da senhora ficava mais fina, e o semblante triste permanecia. Ela levantou-se.
– Tomou seus remédios hoje? – Perguntou Guilherme chegando mais perto e deixando os livros molhados caírem sobre o sofá.
– Não entendo, mas tomo! Tomo sim! – Ela sorriu, e logo em seguida fechou a cara, mudando de expressão em segundos ao abraçar o filho. Mas dali não fluía nenhum calor.

Sara era a mãe de Guilherme, há algum tempo a mulher sofria de distúrbios mentais periódicos que, com o tempo, foram se tornando mais intensos e constantes. As estranhas sensações de perseguição e a esquizofrenia acentuada fizeram com que Sara Guilhar possuísse uma pequena farmácia em casa. A sedação a deixava cada vez mais longe da realidade e dos hábitos normais do dia-a-dia. Guilherme era seu curador, responsável pela mãe e por parte das dores da mulher. Além de Guilherme, os remédios eram seus companheiros. O professor preparou café para os dois observando como os atos da mãe se perdiam cada vez mais.
A chuva lá fora não dava trégua, assim como os pensamentos estranhos do jovem professor, e dentro dele um ódio não conseguia expelir-se com profundidade, e talvez essa força não conseguisse clarear as coisas e os fatos. Guilherme passava noites em claro, às vezes perdendo o rumo de seus raciocínios. Os dias vividos ali, até o desaparecimento de Iris, entravam em contraste com os dias posteriores. Os repórteres, as senhoras do terço da igreja e os manifestantes mudaram os rumos da Rua dos Sonhos: de pacata a centro de esperança e revolta. O crime havia mobilizado a sociedade, as pessoas queriam saber e entender o final daquele drama com ares de filme de terror. Afinal as pessoas queriam pelo menos um corpo, o corpo de Iris Almeida.

A mãe de Eron de Menezes foi a primeira a se mudar da rua logo que um habeas corpus foi concedido ao filho, rumores falavam em uma cidade vizinha, mas ninguém realmente conseguiu encontrar a família Menezes. Logo depois foi a vez da família de Iris se mudar, foram para o campo, sem respostas, a mídia e sua massa de audiência começaram a esvaziar a Rua dos Sonhos, as lonas e barracas foram desarmadas, os terços de orações pararam de ser realizados, e as pessoas passaram a acreditar no fim e a lutar por escândalos com soluções mais tangíveis.
Lembrar aqueles dias e da falta de Iris era também levar a mente à imagem do jovem Eron de Menezes e suas roupas costumeiramente escuras, das olheiras, da sua falta de foco no olhar e das suas frases curtas, do menino que cresceu com ele e que morava do outro lado da rua, em uma humilde casa encostada ao pátio central da igreja. Guilherme tentava tirar aquelas imagens da cabeça, e seus pensamentos se voltavam para dentro da mansão número sete. Alguém estava lá, não poderia estar maluco, e por mais que o jovem professor tentasse levar seus palpites para longe, possuía a certeza, sem sombra de dúvida, de que o intruso que estivera na casa de Iris há pouco era Eron de Menezes, o pervertido. O piano e a melodia não mentiriam para Guilherme, sua cabeça deu um giro, ele sabia que não dormiria tão cedo.

– Lembranças? – A voz fina voltou a estar mais próxima.
– Algumas poucas. Eu esqueci que a senhora esperava pelo café. – Disse Guilherme passando uma xícara para Sara.
– Lembranças ruins? – Ela continuou, pegando sua xícara e tirando o velho corpo da escuridão.
– Não sei explicar, Dona Sara, não gostaria que as más caminhassem comigo pelo resto dessa vida. As boas poderiam ficar. Elas ficariam bem guardadas aqui, – Ele colocou a mão no peito. – Estou me cansando de receber tantas coisas ruins.
– Não entendo, não entendo. – Ela baixou a cabeça olhando para o chão.
– É bem mais complicado, Dona Sara, e acho que você vai me fazer companhia até altas horas. – Guilherme pegou o braço da mãe e a arrastou para um sofá velho em uma sala de meia luz onde havia um pequeno televisor. Ela apenas o acompanhou.
Os dois ficaram sem comunicação. Apenas alguns olhares e goles de café eram absolvidos. A madrugada estava chegando e o sono não vinha, mãe e filho pareciam sozinhos em seus devaneios.

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