Terceira parada - Quarto de hotel
Uma coisa que eu aprendi em todos esses anos de vida adulta é que não se deve esperar a normalidade. Na faculdade todo dia era um problema diferente, uma garota desarcordada no chão do apartamento, garrafas de cerveja cheias e mente vazia.
No escritório de advocacia, aprendi que casos normais se resolvem em uma sala com mediadores. O tribunal é lugar para loucos.
E o fato de escolher uma pessoa para estar ao seu lado todos os dias, na mesma cama, na mesma casa, é insanidade. Mas eu não me arrependo de ter pedido a mão daquela garota que eu conheci na faculdade. Eu me arrependo de não ter sido uma boa pessoa para ela.
A vida é um bar que eu me sento à mesa com algumas pessoas, tomo algumas e saio sem pedir a saideira. Porque eu nunca estou pronto para resolver tudo. Assim como eu não estava pronto para perguntar à Brie quem era aquele cara e o que ela deixou de me contar.
Deixo o apartamento e retorno pelas ruas que ela me levou. Volto à loja de conveniência para comprar cerveja e sigo para o hotel que ela me indicou. O céu está escuro, minha mente está vazia para todo o meu passado. Eu só desejo me deitar e banhar meus pensamentos em álcool.
Encontro o Hope's Motel - uma construção em forma de U de paredes azuladas e janelas brancas; um letreiro luminoso na entrada e estacionamento vazio. Desço, pego minha mochila e as cervejas e vou para a recepção.
O atendente informa o valor da estadia, pergunta se eu quero quarto de não fumante - e eu gentilmente nego, porque agora parece uma boa hora para acender aqueles cigarros - e me entrega a chave do quarto. Pago apenas uma diária e peço que se uma garota aparecer me procurando, ele diga onde ela pode me encontrar.
- Tenha uma boa noite, senhor. Ligue para a recepção caso precise de alguma ajuda. - E ele volta para a pequena sala atrás do balcão.
Subo as escadas e procuro o quarto 212 entre janelas fechadas e portas antigas. Encontro-o em um corredor sem saída com a luz da saída de emergência ligada. Isso faz muito sentido.
Abro a porta, jogo minha mochila no sofá logo ao lado da entrada, acendo a luz, fecho a cortina completamente e depois tranco a porta - tentando deixar aquela escuridão lá fora. Coloco minha cerveja no frigobar, ligo a televisão, sento-me na beirada da cama e fecho os olhos. Permito-me apreciar aquela sensação de quase metade do caminho percorrido e saudades da minha mãe.
Os noticiários apenas declaram os problemas óbvios da humanidade e toda a confusão interna fica restrita ao ser - ou ao seu psicólogo. Já dizia uma professora da faculdade: "Julgue o advogado pela organização de sua mesa e não sua conta bancária. Não ter controle da própria mesa demonstra o quão desorganizado internamente ele é". Eu não tenho mais uma mesa, mas se a tivesse, com certeza ela seria um mar de processos nos quais eu estaria afogado com um pouco de álcool.
Pego uma cerveja e deixo o amargor descer, lavando a minha podre alma. Ela não pode me consertar. Apenas a sensação de embriaguez poderá cuidar de mim. Todos os meus erros atravessam a minha mente desde que eu decidi parar nessa cidade.
- Owen. - Ouço duas batidas na porta. - Ei, Owen! - ela bate de novo. Como eu pude prever que ela viria atrás de mim? Se eu fosse ela, eu também o faria. Talvez nossas ideias sejam parecidas.
Aproximo-me e encosto meu corpo na parede ao lado. Ela bate mais algumas vezes. Eu abro a porta repentinamente e a encontro assustada.
- Entre - digo antes que ela se vá ou eu não queria mais vê-la.
Ela não o faz, apenas me observa amedrontada, com o vento causando uma confusão em seu cabelo. Passo meu braço ao redor dela, puxo-a para dentro e isolo-a de seus pesadelos.
- Quem era ele, Brie? - ela se afasta. O fato de sua cabeça estar abaixada transforma seu cabelo em uma cortina até seu rosto.
Ela mantém o silêncio. Eu pego uma cerveja e a estendo para ela, que a recusa e escorrega até o chão. O momento me lembra de quando eu fiz isso assim que minha noiva disse que queria cancelar tudo. Sento-me ao lado dela e espero.
- Você pode me contar agora ou beber a cerveja. O que você escolhe?
Ela toma a garrafa da minha mão sem pensar. Seus olhos estão enevoados e seu corpo está tenso. Cogito a ideia de abraçá-la, mas não sei o que esperar dela.
- Ele se chama Jeff. Nós saímos algumas vezes quando eu trabalhava na cidade vizinha. Então eu parei de ir lá e ele começou a me perseguir.
- O que você está devendo para ele? - minha curiosidade de advogado fala mais alto que a educação.
- Não devo mais nenhum centavo aquele idiota. - Ela expressa nojo e raiva. - Mas ele insiste em dizer que eu ainda o devo.
- Ele te machucou?
- Um pouco. - E ela leva a mão para a região das costelas.
- Você não deveria ficar aqui.
- Melhor você não se envolver nisso, Owen. - Ela morde os lábios pálidos. - Eu posso me cuidar.
- Tudo bem então. - Eu me levanto e desligo a televisão. - Melhor você ir.
- Por quê? - ela me olha incrédula.
- Porque eu não quero nem imaginar se ele te seguiu até aqui. Além do mais, eu não posso me envolver nisso.
Eu estou brincando com as suas palavras, Brie. É isso o que advogados fazem. Ela ainda me olha e eu cruzo os braços. Ela provavelmente está me chamando de insensível pelo que disse. Mas o que eu fiz além de seguir à risca o que ela pediu?
- O que você sugere que eu faça? - ela deixa a garrafa de lado.
- Não tem muita coisa naquele seu apartamento. Podemos empacotar o essencial e achar um lugar melhor para você onde quiser. Daqui até São Francisco temps muitas cidades melhores que essa. - Solto a respiração que nem sabia que estava prendendo. Ela me entendeu.
- Acho que eu consigo fazer isso durante a noite. - Ela se apoia na parede e se levanta.
- Tome - jogo as chaves do carro. - Faça uma mala e uma caixa com os objetos mais pessoais e de valor.
Ela as devolve para mim.
- Melhor você vir comigo.
- Eu sou advogado e não um segurança particular - pego mais uma cerveja.
- Você não está me ajudando como advogado, nesse exato momento você é meu amigo. - Ela diz determinada. Outra pessoa parece tomar conta de seu corpo, ela nem guarda vestígios da garota amedrontada na minha porta.
- Vamos logo, eu quero voltar a tempo de assistir ao jogo.
Ela se vira para mim e me olha. E, por um milésimo de segundo, eu juro que vi mais que agradecimento passar pelos seus olhos.
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