Segunda parada - Apartamento da Brie
Brie tira o carro do estacionamento e entra numa rua adjacente menor. O sol está se pondo sobre os telhados das casas e topos das árvores; o céu está manchado de amarelo, vermelho e azul; as sombras passeiam pelo rosto de Brie acidentalmente.
Eu observo a cidade pequena passar diante dos meus olhos e acabar em lotes vazios. Como uma garota como ela acaba num lugar desses? É terrível perder o contato com conhecidos e não entender o que aconteceu para eles chegarem em determinados pontos.
As casas ficam para trás e o bairro com algumas construções de três andares me deixam intrigado. Ninguém jamais acreditaria que Brie Archer chegaria a morar numa cidade tão abandonada.
Ela estaciona em frente ao único prédio com a pintura intacta e desce. Acompanho-a até o terceiro andar. Ela abre a porta, acende as luzes da varanda e entra. Sigo-a sem dizer uma palavra.
- Não repara na bagunça - ela diz. - Eu sei que todo mundo fala isso quando recebe visitas, mas é que eu não esperava visita.
- Eu não me importo com a bagunça - fecho a porta e olho ao redor. - Eu mesmo devo parecer um mendigo depois de alguns dias na estrada.
- Você está muito bem, Owen.
Ela passeia pelo pequeno apartamento. Um sofá em frente à televisão, um balcão separa a cozinha da sala e um pequeno corredor leva ao quarto e ao banheiro. As cortinas estão fechadas, mas rastros dos minutos finais de luz natural se esgueiram por elas. Espero um convite de Brie para me sentar.
Eu também espero que ela me convide para mostrar o pequeno apartamento de paredes azuladas, mas há uma sensação estranha de que eu já visitei esse lugar antes. Talvez um cenário parecido na faculdade ou apenas um sonho.
- Você aceita uma cerveja? - ela diz da cozinha, com a porta da geladeira aberta e o rosto escondido por detrás dela.
- Pode ser.
Ela volta para a sala com duas garrafas em mãos e me convida para o sofá com um movimento de cabeça. Sento-me e ela me passa uma garrafa, não deixo de notar suas unhas azuis.
- Então, o que você fez nesses seis anos? - ela se estica para pegar o abridor de garrafas na mesinha de centro.
- Me formei em Direito e trabalhei em algumas firmas. - Deixo que ela abra a minha cerveja e tomo um gole. - Nada extraordinário. E você?
- Bom - ela morde os lábios cor de chocolate -, é complicado. Eu entrei na faculdade e acabei não me encontrando no curso. Larguei contra a vontade dos meus pais e eles deixaram de me sustentar. Então aqui estou eu numa cidade no fim de mundo trabalhando como garçonete num restaurante que abre quando o dono quer.
- Deve ser difícil.
- Na verdade é muito divertido, porque eu sempre posso ligar para o meu irmão mais velho e mostrar a ele como foi muito melhor fugir dos nossos pais. - Ela revira os olhos. - Aliás, como vão os seus pais?
- Se divorciaram - respondo. - Minha mãe se mudou para São Francisco faz alguns anos e essa é a primeira vez que eu vou visitá-la.
- Você está fazendo toda essa viagem por ela?
- Óbvio que não.
- Imaginei. - A risada dela enche o ambiente. - Como vai a sua irmã?
- Casou-se pela segunda vez no mês passado com um empresário argentino dono de algumas churrascarias famosas pelo mundo.
- Acho que está no sangue os Wright não darem certo com relacionamentos. - Ela brinca com o fato de eu nunca ter durado dois meses em um relacionamento. - Não leve minhas brincadeiras a sério.
- Não levarei. - Coloco minha cerveja de lado e tiro meu casaco. - Você não planeja voltar para Miami?
- Não mesmo, aquele lugar deixa de ser acolhedor quando você enxerga a realidade de outro jeito.
- Você quer dizer que o enxerga diferente sob o efeito de drogas?
Ela ri e inclina a cabeça para trás. As ondas do seu cabelo são inconstantes como a coloração laranja e eu penso numa cachoeira de lava quando a observo fixamente. Brie sempre gostou de chamar a atenção para si, mas no colégio ela o fazia sendo a mais popular e amigável, agora ela carrega o visual mais exótico da cidade.
- Owen Wright nunca muda. - Ela inclina seu rosto para o lado e me encara com seus olhos cor de avelã. - Deve ser divertido te ver diante de um tribunal.
- Era entediante, isso sim. Eu só trabalhei com pequenas causas de empresas. Era chato, mas me rendeu uma grana boa.
- Acho que o dinheiro deve ter compensado o tédio.
- Não tanto. - Passo a mão pelo meu cabelo e sorrio. - Tem algum bar interessante nessa cidade?
- A vida aqui só começa às dez da noite e acaba antes do sol raiar. E eu não recomendo nenhum deles. Se ainda for dormir em um hotel, o Hope's Motel é o melhor da região.
- Você já está me expulsando da sua casa, Brie?
- Não - ela ri. - É que eu entrei no automático quando você me perguntou, sempre ouço isso no restaurante. Sinceridade de garçonete.
Aproximo-me dela e enrolo uma mecha do seu cabelo em meu dedo. Brie não reage, apenas deixa que eu a observe mais de perto.
- Por que você fez isso no seu cabelo? - questiono-a.
- Eu gosto de mudanças. - Ela morde o lábio inferior e desvia o olhar pela primeira vez. - Eu estava fugindo de alguns acontecimentos, essa cor só foi a parte mais radical.
- Ela lhe caiu muito bem. - Elogio-a discretamente. - Eu continuo com os mesmos velhos hábitos e corte de cabelo.
- Você até parece mais bronzeado.
Amigos comentaram que eu estou na minha melhor forma antes de partir. Meus superiores disseram que a minha carreira estava indo muito bem. Minha ex-noiva disse que eu seria capaz de achar alguém à minha altura.
A campainha do apartamento toca e Brie não parece estar esperando mais alguém. Ela se levanta e vai até a porta espiar pelo olho mágico. Vira a chave e a porta se abre com um estrondo.
- Eu disse que você não poderia se esconder. - Eu pouso meus olhos no monstro em forma de homem que espancou a porta. Brie está assustada e ela recua até o sofá. - Agora você vem comigo.
Ele está totalmente focado na Brie, que se aproxima de mim e segura a minha mão. Eu passo meu braço ao redor dela e o cara me nota.
- Você conseguiu arranjar outro? - ele é ameaçador. - Melhor você dar o fora daqui enquanto pode, garoto.
- Você que tem que ir embora, Jeff. Eu não te devo mais nada.
- Cara, vai embora. - Eu digo. - Se ela não te deve mais nada, por que a perseguir? O que você ganha com uma mulher amedrontada?
- Isso não é problema seu, garoto.
- O garoto aqui é formado em Direito e pode te processar.
- Um engomadinho com você não sabe na bagunça que pode estar se metendo. - Ele lança um último olhar para Brie. - Você tem até amanhã para me pagar o que falta.
E ele vai embora, deixa a porta aberta e o terror no lugar. Eu me afasto de Brie, pego meu casaco na porta e a olho. Ela não me impede de ir e não me manda sair. Mas eu vou embora por conta própria.
Eu não vou terminar nossa conversa, muito menos a cerveja.
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