02- A senhorita perfeitamente aceitável
As bandeiras verdes azuladas com o desenho de uma serpente enrolada no tronco de uma árvore, estão estendidas por todos os cantos do colégio.
Mais um ano letivo se inicia na escola preparatória Salgueiro. É meu último e o primeiro do meu irmão.
— O Fred não parece nervoso pra mim. — Harper diz num cochicho.
Ela estica o pescoço numa tentativa de avistar o Fred além das outras cabeças a nossa frente.
O auditório está repleto de alunos e pais de alunos, a maioria ex-estudantes do colégio, e o rei, o mais famoso dentre eles, está em cima do palanque, lendo seu discurso de boas-vindas aos novos estudantes, mais conhecidos como "minhocas", como os chamamos por aqui.
Está tão cheio, que se o apocalipse zumbi eclodisse nesse minuto, não haveria ninguém com o cérebro inteiro para contar história. Embora eu duvide que exista muitas pessoas com mais da metade de um hoje em dia, e me incluo nisso.
— Se passarmos por esse dia sem ele ser expulso depois de soltar um palavrão na sala de aula podemos considerar a experiência um sucesso. — Constato um segundo após conseguir ver a carranca do garoto.
Fred está na fila do primeiro ano como eu estive, usando o uniforme do colégio, com o cabelo lambido e penteado de lado, parecendo um desses almofadinhas da turma de debate.
Megan e Maya acharam que era uma boa razão para pegar no pé dele a viagem toda até aqui. E até que é mesmo.
Meu irmão e toda a educação que um jovem Lorde de doze anos pode oferecer, envesgou os olhos, mostrou a língua e mandou as duas irem a merda.
Eu deveria ter feito isso na minha vez.
Era apenas alguns meses mais nova que ele, tinha fitas de cetim brancas no cabelo e minhas pernas tremiam como dois gravetos prestes a quebrar.
Foi um ano labirintico e espinhoso para uma minhoca como eu.
Mesmo daqui, da fila do sétimo ano, posso ver alguns dos garotos e garotas ao lado do Fred se entreolhando e sussurrando.
Parece muito familiar, nada muito além do que calculo. "Foi o pai dele que morreu com a rainha".
— Eu estou com um bom pressentimento. Sei que ele vai se sair bem. — Harper diz.
— Tem algum pressentimento sobre o almoço? — Pergunto e ela ri baixo. — É que eu não comi direito no café da manhã.
Escutamos um "Xiu" vindo da professora de História da arte quem faz uma careta na nossa direção.
Enquanto comprimo meus lábios para não rir, Harp gesticula os dela num pedido de desculpas e torna a olhar para frente.
Procuro mudar o foco para as minhas botas pretas e as meias ¾ pinicando a minha pele. Olhar para baixo é o bastante para sentir as pálpebras pesadas, e dessa vez, não são as várias camadas de rímel sobre meus cílios. Devo ter dormido umas quatro horas.
Demorei pegar no sono. Eu não deveria ter lido as últimas notícias, não deveria ter procurado saber quais são as suposições alheias sobre esse ano. Sobre o rei. Sobre o príncipe desaparecido e principalmente, sobre qualquer compromisso que eu venha a ter com ele ou com a corte.
Bocejo encarando o piso xadrez, tentando esconder o meu rosto com a mão, enquanto finjo estar afastando o cabelo do rosto, coçando a ponta do nariz ou qualquer coisa do tipo.
Vovó Ophelia me ensinou essa estratégia há uns anos, junto com inspirar pelo nariz e expirar pela boca.
Aliás, esperava que ela estivesse aqui hoje, mas não apareceu.
A plateia inteira presta atenção em cada palavra que sai da boca do tio Albert. Ele fala muito bem, sempre muito centrado com um leve sorriso no rosto.
Esse é o tipo de situação que me faz questionar se realmente não estamos vivendo em alguma simulação.
Sei que pode parecer estranho dada a minha circunstancia, mas eu não saberia ser como ele nem se quisesse. E, não me refiro ao falar em público. Graças a Rosana, tive inúmeros tutores para cuidar da gagueira nervosa, ou de falar mais rápido que o Eminem.
Eu sei falar público, tenho respostas prontas na ponta da língua e discursos certos esquematizados na memória. Posso fazer com maestria.
O que não sei, é falar para uma multidão sem desejar com todas as minhas forças virar pó de estrela.
Tudo fica tenebroso quando me dou conta dos pares de olhos sobre mim.
No natal do ano passado, precisei discursar em um dos eventos de caridade da cidade e por muito pouco não coloquei todas as tripas para fora. Existe uma grande possibilidade de eu só ter ficado enjoada com a melação natalina, ou pode ser que eu tenha alguma alergia aos olhares alheios.
Tio Albert é diferente, ele consegue prender a atenção de todo mundo e ser gentil sem estar fingindo.
Não consigo nem pensar de modo decente com as pessoas olhando para mim sem sentir que meu coração é um beyblade rodopiando entre as costelas.
— Eu nem preciso dizer como é uma grande honra para mim estar aqui. — Tio Albert parece estar finalizando. — Estive no lugar de aluno um dia, e espero que todos vocês possam viver essa experiência e aproveitar cada segundo. Espero que criem memórias incríveis.
Harper passa seu braço ao redor do meu e eu olho para a loirinha quem molda um sorriso largo no rosto.
Depois do discurso do rei, a Diretora Piper subiu ao palco para dar algumas instruções sobre o regulamento e os nossos horários de aulas. Em seguida, chamou os líderes estudantis, e por incrível que pareça, sou um deles. É uma das partes mais chatas de se estar na minha pele.
Fui apresentada como se não me conhecessem e acho que mais ninguém suporta isso, até porque tenho um nome comprido. Três deles são próprios.
Uma vez, um garoto ficou tão obcecado comigo no terceiro ano que escreveu "Morra Isla Nicolina Ophelia Grant" Umas duzentas vezes na porta do banheiro feminino.
Disseram que ele foi corajoso e eu concordo. Escrever umas mil palavras com canetinha colorida não deve ser fácil.
Eu teria escrito "Não tenho tanta sorte" como resposta, mas pensei melhor depois dele ter sido suspenso por quase uma semana.
O pai tentou negociar com o conselho estudantil para anular a suspensão quando soube dos rumores de que eu enfiei a cabeça do garoto na privada e que ele ficou conhecido como "Enrico cabeça de pinico" depois disso.
Em minha defesa eu não tinha nada, mas poderia ter mencionado o fato dele ter dito para alguns garotos que eu tinha bulimia, depois de ter me visto vomitar.
Era só uma porcaria de intoxicação alimentar.
Isso não chegou a sair na mídia, é claro. Rosana teria entrado numa espécie de colapso nervoso.
De qualquer maneira, ninguém pode alegar que não estou criando memórias por aqui. Enrico é um dos que não consegue dizer o meu nome sem cuspir.
Após todo o rito de iniciação, a Diretora Piper liberou a todos para se despedirem dos seus pais e tutores antes do sinal decretar oficialmente o início das aulas.
— Nossa primeira aula é Literatura Verenense, com o Sr. Rômulo. — Digo, com os olhos fixos na folha da grade curricular que a Harper me entregou.
— O quê?— Seu tom de voz não é o dos melhores. — A primeira aula em uma segunda-feira? É tortura!
Ela joga a cabeça para trás e finca os olhos acastanhados no céu quase sem nuvens.
Paramos em frente ao chafariz da área verde e não coberta do colégio, onde há algumas folhas secas flutuando sobre a água rasa.
— As vezes eu acho que você se esquece que a sua mãe é a diretora, Harp. Pede para ele mudar o seu horário!
— Não é tão simples assim. Ela não pode mudar a minha grade todo semestre e sempre que eu pedir. — Ela me encara. — Hoje mesmo pela manhã já me alertou a respeito. No mais, é nosso último ano no Salgueiro, e precisamos ter o máximo de aulas em comum possível... Ouviu o rei Albert, precisamos da valor a experiência enquanto ela existir.
Reviro os meus olhos que tornam a cair sobre o papel com os nossos horários.
Interessante, nesse semestre iremos ter aulas de equitação e esgrima, uma seguida da outra, e é estou cansada só de ler.
— Isla, lembra que eu disse que o Fred não parecia nervoso?
— Hurrum.
— Acho que a Rosana está por ele, por você e pelas gêmeas. — Harp chama a minha atenção para a minha madrasta muito próxima dos acessos aos corredores. A ruiva está dizendo alguma coisa para a Megan e para a Maya, enquanto arruma o casaco das meninas.
— Ela parece meio...
— Desesperada? — Resmungo.
É quando a Rosana, de uma maneira inexplicável, parece saber que estamos falando dela, pois nos avista e não demora muito para andar na nossa direção. Bruxa.
— Você tinha mesmo que falar no diabo?
Harper ri baixinho outra vez antes da Rosana se aproximar por completo.
— Harry levou os seus livros para o seu armário. — Ela diz sem nem cumprimentar a minha amiga. — Nesse semestre procure ler tanto quanto costuma rabiscar neles.
Não digo nada, mas sei que é impossível.
Eu tenho palavras, partes de papel em branco, canetas apostas e uma mente bem fértil.
Ela continua me olhando das botas a testa sem expressão alguma, e eu forço um sorriso sem mostrar os dentes. Ela sabe que estou forçando.
— Será que poderia não aprontar no primeiro dia do ano letivo?
— Disse para eu não fazer promessas nas quais não estou empenhada em cumprir...— Falo, e sinto um beliscão da Harper no meu cotovelo, um belo de um beliscão devolvido. — Mas, posso tentar fazer algum esforço.
Rosana leva os olhos azulados a Harper e depois a mim, e repete isso mais uma vez.
Deve estar nos julgando mentalmente, especialmente a Harper.
Uma vez ela me disse que a loirinha sorri demais, que ninguém deveria estar sorrindo o tempo todo, e que as pessoas não dão muita credibilidade para gente sorridente.
Eu acho que é inveja. Harper não tem a vida apodrecida como a nossa.
— É bom que seja assim. — Rosana diz, antes de nós dar as costas e se afastar pouco a pouco.
— Você devia parar de provocar a Rosana. — Harp cochicha. — Nunca acaba bem. Você provoca, ela te põe de castigo e você revida fazendo alguma coisa tão ruim quanto a primeira.
— Não é inacreditável? Ela nunca aprende, é muito difícil educar essa criatura!
— Isla... — Respira fundo. — Ficou de castigo uma semana inteira por causa daquele incidente com os cigarros no memorial do seu pai, lembra?
— Não foi tão ruim, me poupou de ver algumas pessoas.
— É, inclusive a mim! Então, para com isso!
Se tem uma pessoa que as vezes, de uma maneira bem estranha, parece saber o que acontece nas profundezas dos meus pensamentos, esse alguém é a Harper. Somos amigas desde o nosso primeiro dia de aula no Salgueiro no ensino básico e não desgrudamos. Como se nós tivéssemos aquele fenômeno comentando em uma das aulas de biologia do Sr. Fúbeo.
Simbiose. Uma espécie de ligação entre dois seres vivos que levam uma vida juntos. Um tremendo de um concubinato.
— Olá... — Ouvir a voz do tio Albert é o que eu preciso para desejar mudar de assunto o mais depressa possível. — Srta. Piper. — Ele cumprimenta a loirinha terminando de se aproximar com três guardas como suas sombras.
— Majestade. — Ela faz uma breve reverência. — O discurso foi inspirador, obrigada por ter vindo.
— Eu devo agradecer o convite feito pela sua mãe. Ela está fazendo um ótimo trabalho no Salgueiro.
— Ela vai amar saber que o senhor disse isso.
Ele ri.
— E olhe só se não é a garota mais entusiasmada desse reino? — Ele coloca o par de olhos em mim, posso sentir o pouco da ironia na sua voz. — Como se sente ingressando no último ano?
— Não é muito diferente de todos os outros. — Respondo, mas só consigo prestar atenção em todo mundo a nossa volta.
Parecem ter parado de fazer o que estavam fazendo para nos assistir. O que será que estão pensando? Será que realmente acham uma boa ideia eu ser a princesa desse país?
Quando cheguei no colégio com as gêmeas e com o meu irmão pela manhã, nos primeiros dez minutos, em torno de vinte pessoas vieram me perguntar se eu tinha alguma ideia de quando o príncipe retornaria.
Tio Albert e a Rosana pedem para eu dizer que pelo menos mantenho contato a distância com a vossa alteza desaparecida, e não é a verdade, é uma mentira grande e horrorosa.
Não tenho contato com ele desde que aquele avião foi para os ares. No pior sentido da frase.
E, é claro que a curiosidade da população é ainda mais aguçada, já que ninguém nunca o viu quando ele era criança, nem mesmo uma foto do dedo mindinho do pé ou saber a primeira letra do nome.
Segundo o rei e a rainha naquele tempo, para privá-lo dos assédios da mídia. Segundo os conspiradores de plantão e suas teorias mirabolantes sobre o governo, para protege-lo de possíveis ameaças.
Perdi as contas de quantas vezes a realeza precisou se pronunciar por causa das notícias falsas sobre seu nome e a sua verdadeira aparência.
Para muitos em Verena, eu sou uma sortuda por ser uma das poucas pessoas a terem tido um contato com o príncipe. Mal sabem eles que apesar de ter brincado com o garoto quando eu era pequena, tudo o que costumava saber desapareceu. Cor dos olhos? Cor do cabelo? Apelido? Voz? Não. Nadinha. E eu sou a noiva dele.
— O-obrigada por ter vindo. — Digo depois de alguns segundos.
— Eu não perderia isso, Is. Seu pai e eu passamos por tantas coisas no último ano. — Ele parece nostálgico observando os cantos da construção. — Adorávamos isso aqui.
Seus olhos correm pelos tetos arqueados.
— Mas o senhor disse que ele chamava o Salgueiro de "Purgatório afrescalhado".
O sorriso dele cresce.
— É, ele chamava sim. — Assente. — Foram bons tempos. E, quero que saiba que estou orgulhoso de você, sei que ele também estaria. Em algum lugar ele está.
Tento sorrir também.
— Is, está tudo bem? — Ele me pergunta, levando uma das mãos cobertas por uma luva de couro até o meu ombro.
Olho para a Harper e é como se me incentivasse a dizer alguma coisa.
— Será que não poderia me resgatar da Rosana essa semana? Ela anda um pouco pilhada com essa história do... Do seu filho. Sabe? Voltando para Verena. Com a apresentação dele... E, nem foi anunciada a data do baile ainda.
Tio Albert junta as sobrancelhas e assente devagar.
— E, parece desconfortável com isso.
É porque eu estou.
— Eu não gosto de como ela age. — Confesso num murmúrio de frustração. — Como se eu não tivesse vontade própria.
— Você tem vontade própria, é claro que tem. — Ele devolve aos mãos para os bolsos do sobretudo azul escuro que está usando. — A Rosana certamente só está preocupada com você.
Ou com ela mesma.
Não tenho tempo para responder, pela visão periférica consigo ver Martin Morris, um dos jornalistas mais influentes do país, se aproximar com uma câmera pendurada no pescoço.
— Majestade, posso tirar uma foto do senhor com a Lady Isla? — Sr. Morris pergunta.
— Tudo bem por você? — Tio Albert pergunta e eu apenas faço que sim. — É claro, Sr.Morris. — Ele se posiciona ao meu lado e sorri para a foto.
Dois flashes incediadores de retinas bastam para eu me questionar o porque concordei com isso e porque o Sr.Morris usa o flash da câmera em plena luz do dia.
— Eu agradeço! Estão perfeitos. A Lady Isla está perfeita, tenho certeza de que será uma princesa perfeitamente aceitável.
Perfeitamente aceitável. Então, é isso o que o Sr.Morris pensa que eu sou? Ou, vou ser?
Também não tenho espaços para dizer alguma coisa, nem mesmo o Sr.Morris para fazer alguma pergunta. Em questão de instantes os guardas do tio Albert pedem para o jornalista nos dar privacidade.
— Sobre a sua madrasta, podemos pensar em alguma coisa. — Albert cochicha. — Preciso ir agora, você vai ficar bem?
— Vou. — Não, não mesmo.
— Eu sei que vai. Vejo você depois, está bem? Eu prometo.
Ele sorri mais uma vez antes de se afastar de mim e levar a maioria os olhares dos enxeridos com ele.
— Ele é tão legal! — Harper, quem permaneceu bem quieta na presença do rei, volta a falar. — Tomara que o príncipe seja tão legal quanto ele.
Reviro os meus olhos.
— É, mas não estou tão curiosa assim.
— Sei que não está nem um pouco entusiasmada com esse noivado, mas não tem nenhum tequinho de curiosidade?
— Levando em conta de que só ouvi falar sobre ele todos os dias dos últimos dez anos... — Finjo pensar. — Minha curiosade a respeito pode se aposentar.
— Eu duvido. Você é um bicho curioso, Isla. É quase um gato.
Antes que eu possa formular os meus argumentos e refutar suas insinuações, o sinal soa pelo colégio, anunciando o início das aulas.
Harper e eu finalmente nos movemos e nos dirigimos para dentro do colégio.
Ando o mais rápido que posso, visto que é definitivamente proibido correr. Temos monitores nos corredores para que isso seja garantido. Costuma ser tão ridículo quanto o apito amarelo que eles usam pendurado no pescoço.
Embora eu esteja apressada, perpassando entre os murmúrios e os olhares alheios, consigo reparar nas pequenas reformas, feitas durante as férias de um semestre para o outro.
O Salgueiro é uma construção bem antiga, então de vez em sempre é preciso preservar paredes ou reparar trincas.
Ele foi construído há quase cem anos, tijolo por tijolo para o rei Balthazar, quem governava na época.
Ele morou aqui até a guerra de inverno, quando o reino de Analea invadiu Verena para roubar mantimentos, muito antes de haver um tratado de exportação e importação entre eles.
Resumindo, o castelo foi atingido. Tem uns setenta anos que foi reconstruído e adaptado a um colégio. Inclusive, meu pai, a minha mãe, o tio Albert se conheceram aqui.
Continuo andando em companhia da Harper, quem segurou a minha mão.
Mais um pouco, alguns corredores, alguns degraus e eu já vou estar na sala de aula.
Todavia, em movimentos abruptos, quando viro o corredor, sinto o impacto do meu corpo ir contra o chão no minuto em que alguém surge no meio do caminho, quase como um passe de mágica.
Não há nada para amortecer a minha queda senão a madeira dura que recobre o concreto, que estala com a queda de alguns livros.
Não posso pensar em muita coisa além da dor que o atrito causa nas minhas costas e na minha bunda.
Dói. E como dói. Incluindo o meu pulso. Devo ter machucado numa tentativa de usar as minhas mãos para impedir a queda.
Ouço pessoas cochichando e breves risadinhas.
Abro os olhos devagar e levanto a cabeça. Na minha frente estão as pernas finas de uma garota esguia, de olhos escuros e arregalados. Ela fica imóvel por uns dez segundos olhando para mim, como todos em volta.
— Is-Isla Grant? Minha nossa... Você é... Eu... Ai, meu Deus, eu sinto... Eu sinto muito. Sinto muito mesmo. Eu não vi você... — Ela se inclina para me ajudar a levantar, mas me esquivo.
— Isla... — Harper me chama, ela está atrás de mim, me ajuda a levantar.
— Tudo bem? Você caiu? — Pergunto.
— Não, não. Eu estou bem.
Desamarroto a saia do uniforme e ajeito a gravata antes de fincar os olhos na garota nanica e desastrada, que direcionou toda a sua energia para recolher os seus livros.
— Deixa eu adivinhar... — Esvazio os meus pulmões. — Aluna nova?
— É, isso! Que bom que entende... Eu estava tentando achar a minha sala... — Ela explica pegando um por um. — Esse lugar é grande pra burro e... — Completamente agitada, afasta as mechas de cabelo do rosto. — Meu nome é Emma. — Estende a mão para me cumprimentar, segurando a pilha de livros com a outra.
A maioria dos alunos nos assistem atônitos, curiosos. Eu odeio isso. Esse bando de abutres.
Posso ouvir a voz da Rosana reverberar nos confins da minha mente. "Será que poderia não aprontar no seu primeiro dia do ano letivo?".
Eu não procurei por nada, eu fui derrubada.
Dou um passo para frente, apenas um. Ergo uma das mãos, como se fosse saudá-la com um aperto de mãos, mas ao invés disso, bato nos livros que ela segura que tornam a cair no chão.
— Bem-vinda ao Inferno, Emma.
A garota sobressalta e recua em um passo.
— É melhor prestar atenção por onde anda, pode esbarrar em alguém. O lugar aqui é grande "pra burro" e nem todo mundo costuma ser gentil. —Sorrio.
— Isla.... — Harp sussurra colocando a mão em um dos meus ombros. — Para com isso, está todo mundo olhando.
É. Sempre estão.
— Eu... — Emma engole em seco. — Foi sem querer... Você se machucou? Você está bem?
É óbvio que não. Estou incomodada pra cacete e com dor na minha bunda.
— Emma? — Uma voz se sobressai entre a multidão, e eu acho que já ouvi.
Os outros alunos abrem espaço para alguém passar, é quando consigo olhar na direção do invasor de criptas. O enxerido do memorial.
Dessa vez, bem vestido. Usa o uniforme do colégio, com a alça da mochila pendurada em apenas um lado do corpo.
Merda. O que diabos ele está fazendo aqui?
Significa problema. Se ele contar para os outros que me viu fumando na cripta do meu pai, não vai levar muito tempo até estar nos noticiários, e tabloides de todo reino me criticarem por isso.
Provocar a Rosana e acabar ficando de castigo é uma coisa, irritar o resto do país é outra complemente diferente. Isso sim faria com que ela me transformasse em cinzas.
Fico imóvel e dura como uma estátua. Uma estátua muito ferrada.
Ele ajuda a garota recolher os livros do chão, um por um.
— Tudo bem? — Pergunta para ela que apenas assente e chia como um ratinho.
— O que está fazendo? — O garoto questiona e me olha como se eu tivesse ofendido a mãe dele. — Por que você fez isso?
Pisco múltiplas vezes.
Ele está de frente para mim e esperando que eu dê alguma resposta. Eu só não tenho.
— O que está fazendo aqui? — Questiono.
Deve ter invadido também.
Ele ainda me parece muito confuso. Mais confuso impossível. Posso ver uma ruguinha se formar entre as sobrancelhas.
— Jack... Está tudo bem, deixa isso pra lá. — Ouço a garota dizer e ele também deve ter ouvido, mas não deu muita bola.
— Não, Emma... Isso não foi nada legal...
— É, não foi, eu deveria ter derrubado ela ao invés dos livros. — Falo, antes que ele continue. — O chão é macio e confortável, você não sabia?
— Ela disse que foi sem querer. Por que está agindo de maneira tão estúpida?
Todo mundo arregala os olhos e eu consigo ouvir o som de "oh" de várias bocas se abrindo.
— Aconselho o senhor tomar cuidado com o que fala. — Sugiro.
Não posso deixá-lo falar dessa forma comigo. Se a Rosana me visse agora estaria no pé do meu ouvido com aquele lenga-lenga sobre eu saber me impor.
— Ei... — Um outro garoto, apenas um pouco mais baixo, cabelo crespo e corte militar o chama brando.
Ele cochichou alguma coisa no ouvido do invasor, muito possivelmente algo que o fez não dizer mais nada, embora, seu olhar entregue um descontentamento nítido.
Mal dormi na noite passada e não comi direito hoje de manhã. Ninguém deveria fazer nada antes de tomar uma boa xícara de café. Realmente estou sem energia para dar qualquer sequência para isso. Seja lá o que está acontecendo aqui.
Sem mais, passo por ele e pelas pessoas que abrem o caminho, tomando o rumo até a sala de aula.
Durante o intervalo, entre toda a fartura naquele vasto refeitório, me deparo com o pesadelo em forma de sobremesa: A clássica e famosa torta de pêssego verenense.
Se algum dia eu chegar a ser rainha, farei o meu primeiro decreto ser a extinção dessa torta do cardápio real, quem sabe até do reino.
— Decidiu aterrorizar os minhocas já cedo, Isla. — Dylan senta à minha frente, colocando a sua bandeja sobre a mesa. — Fez a menina chorar como fez com a Gina Belina no ano passado?
— Ela não teve tempo, parece que um outro novato apareceu pra defender a songamonga. — Megan, a gêmea do mal, se senta do lado direito dele.
— Ele não me é estranho... — E a Maya no esquerdo. — Aquele não era o carinha que você estava conversando no memorial? — Por algum motivo ela está sorrindo.
Esse garoto tinha que despontar nos lugares e nos momentos mais inoportunos possíveis?
Primeiro, numa cripta, como uma ratazana de cemitério e depois no colégio.
— Será que vocês duas podem me fazer um grande favor e, por gentileza, calar a droga dessas bocas? — Elevo minhas mãos ao rosto e as deixo cair sobre ele.
Algo me dizia que o primeiro dia de aula do ano letivo poderia ser muito agitado. Tinha a plena noção desse mísero fato.
— Aquele garoto foi muito imbecil, na verdade. — Maya acaba insistindo. — É bem bonito, mas imbecil. Qual será que é o signo dele? Escorpião, talvez? Parece. Você é sagitariana, Isla. Ele seria o seu inferno astral.
Maya costuma acreditar que a posição dos astros realmente influencia algo na minha personalidade. Eu tentei refutá-la algumas vezes, mas rendeu algumas brigas e duas semanas inteiras sem falar comigo direito.
Não que isso tenha sido ruim e que eu tenha me importado, mas desde então deixo pra lá.
Quer culpar meu signo? Tudo bem. Eu culpo a Rosana.
— Ele é bonito mesmo — Megan torna a abrir a boca. — E o carinha que apareceu depois dele também.
Dylan revira os olhos.
— O nome dele é Jack Ahren. — Harper diz se aproximando com o tablet em mãos, sentando ao meu lado no banco de madeira coberto por verniz.
— Jack. — Megan repete com ênfase. — Gosto do nome.
— Não sei se é coisa boa. — Replico sem demora. — Já assistiu "Titanic"?
— E você é quem? A Rose ou o iceberg? — A raposa leva uma colher cheia de purê de batata até a boca.
— Melhor tomar cuidado se não quiser que as próximas manchetes sejam "Isla Grant espanta alunos no primeiro dia de aula". — Dylan caçoa e me nego a continuar olhando para eles.
As fissuras na mesa me parecem muito mais interessantes e menos nocivas aos meus neurônios.
— E se quiser ser a rainha do baile esse ano. — completa.
— Melhor você se policiar também... — Harper faz o sorrisinho besta no rosto dele sumir. — Do jeito que esse garoto... O tal de Jack, está ganhando popularidade desde aquela discussão com a Isla pela manhã, eu diria que ele pode tomar o seu lugar... Em duas ou três semanas. — Harper abriu a boca em espanto. — Ou horas... — Mexe os dedos de um lado para o outro na tela do aparelho.
— Como sabe que ele está ganhando popularidade? — Maya questiona.
— O perfil escolar dele está bombando. Ele recebeu mais de duzentos e cinquenta seguidores em três horas!
Ela nos mostra a conta dele de relance, mas eu pego o ipad e começo a rolar a página do indivíduo que nem ousou colocar uma foto de perfil.
O ensino médio tem uns quinhentos alunos. Isso é a metade. Metade dos alunos em três horas?
O site da escola é onde todos os alunos, professores e funcionários possuem contas, numa tentativa de fazer com que todos estejam conectados e ciente dos avisos importantes: Eventos, horários, semanas de provas, notas.
Mesmo que a maioria dos alunos apenas o use para ganhar visibilidade, como uma rede social qualquer.
— Até o Fred começou a seguir ele! — Devolvo o tablet para a Harper. — E meu irmão é da ala leste, do ensino básico! Não deveria ter contato com os alunos do ensino médio! — Apoio os cotovelos sobre a mesa e seguro o meu rosto com as mãos.
Para o primeiro dia, acho que já é um pouco demais pra mim. Meus dramas escolares chegaram bem cedo dessa vez.
________________________________
Olá, cabras apocalípticas, tudo bem?
Nay voltou como prometeu não é mesmo?
Há algo ainda que me incomoda nesse capítulo, além da Isla, claro. Mas vou conviver com isso. Preciso terminar esses livros kkkkk.
O que acharam?
Jack na área, sinal de problemas?
Isla é sinal de problemas?
É um livro, então se não tiver problema não tem roteiro.
Eu vou sumir e deixar vocês pensando, porque volto muito em breve.
Beijocas!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro