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𝗜 𝗟𝗢𝗩𝗘 𝗬𝗢𝗨 𝗦𝗢 | 𝗠𝗦𝟰𝟳

2024

Lia não gostava de muita coisa. Não gostava do próprio nome, Camellia Donna Caetano, ou do apelido petulante que o irmão lhe deu com base nele, CC. Também não gostava de ursos de pelúcia, porque tinha alergia, e dias chuvosos, porque seu pai os adorava. Mas tinha um item nessa lista que ia além de desgosto, Lia simplesmente abominava: Fórmula 1. 

Para seu azar, sua família era obcecada com o esporte. O irmão havia se tornado empresário de pilotos de base e felizmente naquela temporada tinha um cliente na F1, já a tia e o avô paterno ainda se juntavam todo santo domingo para assistir a corrida, isso quando não viajavam para ir aos seus circuitos favoritos. A mãe era jornalista esportiva, o que facilitava conciliar a paixão e sua profissão. E o pai foi um grande piloto do automobilismo dos anos 90 e 2000. 

A ascensão de Hector Caetano teve início logo em seu primeiro ano, que com uma só corrida ganha e sempre escalando o pelotão, conseguiu levar a equipe mediana da qual fazia parte para a terceira colocação no campeonato dos construtores. Começou a competir em 1990, aos vinte e cinco anos de idade. Foi vice-campeão em 1993, 1996, 1998, 2001 e 2002. O primeiro e único título de campeão veio em 1999, barrando nomes como Mika Häkkinen e Michael Schumacher. A aposentadoria estava marcada para 2004, quando fazia uma temporada brilhante depois de anos ofuscado pelos títulos consecutivos do seu parceiro de profissão. Mas, Spa foi seu último ato, faltando apenas mais quatro corridas no calendário. 

29 de outubro de 2024. Vinte anos sem Hector. Vinte anos que Lia remoía a falta de lembranças com o pai, pois tinha apenas cinco anos naquele domingo chuvoso na Bélgica. 

A mulher não saiu do quarto. Ignorava o namorado e as redes sociais. Não precisava de Mick dizendo que conversar sobre o assunto a faria melhor do que guardar tudo para si ou das pessoas na internet comparando as duas perdas de brasileiros para o automobilismo. Essa última a irritava ainda mais. Como as pessoas conseguiam ser tão insensíveis, postando os mesmos textos genéricos de todos os anos sobre Ayrton Senna e Hector e os dez anos que separavam as tragédias em pista? 

Lia continuou deitada encolhida no meio da cama enquanto escutava barulhos atrás da porta. Era Mick. Assim que ele acordou pela manhã e saiu do quarto que o casal dividia para preparar o café da manhã, a mulher passou a chave na porta. Já passava da hora do almoço e ele não queria deixá-la sozinha nem por mais um minuto, sabia como aquele dia sugava suas energias e deixava apenas um buraco de tristeza em seu peito. 

— Não sabe a luta que tive para abrir essa porta com um grampo. Felizmente Gina é uma grande fã de Scooby-Doo e aprendeu com a Daphne como abrir portas com grampos de cabelo. Foi muito útil, porque agora ela pôde me ensinar — o loiro comentou de forma natural deixando o utensílio de cabelo, agora deformado, na cômoda. 

Schumacher se ajeitou na cama ao lado de Camellia, mas sem ocupar muito do espaço dela. Para sua surpresa, a morena chegou para perto e o abraçou, enterrando a cabeça em seu peito. O mais velho até começou a respirar mais lentamente, com medo de espantar a comodidade da namorada. 

Mick suspirou quando o início do namoro deles começou a passear entre seus pensamentos. Era como se um filme começasse, os protagonistas - eles - apaixonados e logo a primeira barreira do relacionamento, a internet. Lia sempre foi muito discreta, e não fazia questão que as pessoas a reconhecessem como filha de seu pai. Já Mick nunca pôde negar o sobrenome, ainda mais ao entrar para a Fórmula 1. Então, eles mantiveram tudo em segredo por quase um ano e meio, até algum paparazzi vazar fotos das férias de verão de 2022, quando o loiro estava passando com a família Caetano no Brasil. Foi uma enorme comoção. Os filhos de dois pilotos rivais juntos anos depois? Era motivo para se comentar até que se assumissem de verdade. E isso aconteceu aos poucos. Passaram a não se importar com o que falavam sobre eles, ou quando eram vistos ou fotografados juntos, e às vezes alguma menção ao outro e ao relacionamento em suas próprias redes sociais e no caso de Mick, em entrevistas. 

Foram muitos altos e baixos, distância física e emocional - como a que eles estavam passando naquele momento -, mas nunca deixavam o namoro se desgastar. No entanto, Mick estava desgastado. Mesmo quando Lia se formou em nutrição e resolveu se tornar voluntária no projeto Médicos sem Fronteiras passando quase um ano no Amazonas, o homem não se sentiu tão distante dela quanto agora, ainda que estivesse deitado ao seu lado. E ele não estava sendo honesto consigo mesmo. Não estava sendo honesto com ela, desde o início do ano.

Acontece que Lia nunca havia ido ou visto até o final nenhuma corrida de Mick. Ele entendia que era um tipo de bloqueio e tentava fazer com que ela procurasse ajuda profissional, mas para a mulher, era só um desinteresse que não tinha a ver com nada mais profundo e traumático. Mas poxa, Mick em sua quarta temporada na F1 estava pilotando para a equipe dos sonhos, onde viu o pai se tornar heptacampeão mundial. O mínimo que ele precisava no momento era do apoio dela.

Conversas sobre esse assunto surgiam a todo momento porque, óbvio, era a profissão de Mick. Mas ela sempre tinha a mesma sentença:

— Eu te amo e fico muito grata quando você volta para casa inteiro, mas não me peça para ir te ver dirigir um carro a mais de 300 km/h, como um lunático. 

Não era um problema para Mick ouvi-la chamando a coisa mais importante para ele de "coisa de doido", mas quando assinou contrato como segundo piloto da Ferrari e Lia não esboçou nenhuma reação positiva, algo se quebrou nele. Como faria continuar dando certo se tivesse essa mágoa dentro de si? 

A culpa logo aparece para assombrar o piloto, junto com o sentimento de que tinha que dar um basta naquilo. Não era o melhor dia para fazê-lo, mas talvez ele não tivesse outra oportunidade de falar sobre o pai dela até 29 de outubro do ano seguinte. 

— Lia, precisamos conversar — Mick se desvencilhou do corpo da morena e sentou na cama, encostado na cabeceira. — Não gosto de pisar em ovos com você, especialmente hoje. Amanhã você irá acordar e fingir que o dia de hoje não aconteceu, e isso me deixa mais angustiado do que deveria... Fala comigo, por favor.

Lia continuou estática, com o rastro das lágrimas secas pelas bochechas e os olhos grudados no teto do quarto. Mick a observou por um minuto inteiro, suspirando pesadamente quando ela não respondeu nada. Frustrado e até de cabeça quente, ele se preparava para levantar dali e deixá-la sozinha até um fio de voz se fazer presente. 

— Por favor, não vamos fazer isso agora.

Camellia sabia que uma hora Mick a cobraria. Ela só esperava que nunca acontecesse. Mas namorando um piloto em ascensão e falando sobre um futuro juntos, como ela poderia querer que aquele momento nunca chegasse? E se ele tivesse chances reais de lutar pelo campeonato na nova equipe? E se estivesse correndo para vencer no próximo ano? Ela simplesmente não o prestigiaria? 

— Então quando? — emotivo, Mick perguntou com a voz embargada. — Faz quatro anos que espero para falar sobre meu dia no trabalho com a pessoa que mais amo e me importo e nunca tive a oportunidade.

— Você sabia da condição quando ficou comigo, ainda naquela época — Lia respondeu trêmula, se colocando sentada na cama. 

— Sim, mas eu esperava que pudéssemos superar isso. Não queria te pressionar ou algo parecido, mas achei que juntos poderíamos lidar com suas limitações. Desde aquela época eu te incentivo a procurar ajuda profissional e...

— Não preciso de terapia para me dizer como a morte do meu pai atrapalha meu relacionamento porque ironicamente eu vejo isso. Talvez eu tenha feito de propósito — disse ela com uma risada sem humor, Mick franziu as sobrancelhas.

— O que você fez de propósito? Ficar comigo por causa do que aconteceu com seu pai? — o alemão tentava entender onde ela queria chegar. — Você só pode estar brincando. 

— Nunca falei mais sério, Mick. 

Lia não o chamava pelo primeiro nome. Schumi ou Mickey era sempre a escolha para chamá-lo, e ele sentiu.  

— Isso é como dizer que você não me ama, Lia — sussurrou o loiro, fazendo a brasileira se arrepiar até o último fio de cabelo. — E está aí uma coisa que não acredito. Não pode ser mentira o brilho no olhar toda vez que volto para casa ou o sorriso grato quando te abraço apertado. Você está tentando me afastar. 

— Sim, porque preciso de espaço.

— Não vou fazer isso por mais um ano, já disse — o loiro afirmou fechando a cara com mais afinco. 

Ele passou a mão pelo rosto que começava a ficar vermelho e levantou da cama, andando de um lado para o outro até começar a falar novamente:

— Sabia que meu pai adorava o seu pai? E olha que Michael não foi um piloto de muitos amigos naquela época. Mas Hector... aquele cara o encantava. Eu ouvi histórias de como ele era sempre tão solícito e alegre. Meu pai dizia que adorava as corridas no Brasil, pois era onde via a essencial de Hector, no seu povo. Os quase quinze anos dele na F1 foram incríveis e não só pelas vitórias ou os feitos importantes, mas por todas as pessoas que ele contagiou. Ele foi grande, Lia. Você não deveria resumir tudo o que seu pai fez a um acidente infeliz. 

Lia soltou um alto soluço, se debulhando em lágrimas e com o corpo muito trêmulo. Ela queria ter conhecido aquele homem melhor e poder contar tantas histórias quanto Michael compartilhou sobre um dia. Ela queria lembrar mais do que só a fisionomia de seu pai, gostaria de reconhecer sua voz - não pelos vídeos antigos -, de recordar a sensação de tocá-lo e ouvir dele mesmo a história fascinante de como conquistou a esposa, uma florista carioca cujas flores favoritas eram camélias

— Isso o tirou de mim — a mulher respondeu baixinho, abraçando o próprio corpo.

— Ele amava a velocidade. Como meu pai ama, como eu amo. Não somos loucos por isso, apenas pessoas com sonhos incomuns. E no mais, meu pai pilotou carros que iam a 300 km/h por muitos anos, mas mesmo assim só foi sofrer um acidente cruel longe das pistas. De quem é a culpa? — Mick disse retoricamente com os olhos cheios d'água. 

Lia pôde enxergar toda a dor que Mick também carregava pelos eventos passados que colocaram delimitações à vida de seu pai. Ela era egoísta ao ponto de não ter pensado nisso uma vez sequer durante todos os anos de relacionamento. Na verdade, agora o alemão vagamente se lembrava que a morena sempre fora assim, a menininha egoísta de quando eles tinham cinco anos que não gostava de dividir os doces que ganhava nos boxes da equipe do pai, ou os brinquedos maneiros que levava para se entreter durante a corrida. 

Mas ela não conseguia pedir desculpas. Ela não conseguia dizer nada. Então ele tomou a decisão sozinho porém pelos dois. 

— Eu quero estar cercado de pessoas que sentem orgulho do faço e de onde posso chegar. A Ferrari e um monte de gente lá fora está acreditando no meu potencial, inclusive a sua mãe, que no último natal teve uma conversa esclarecedora comigo. Sabia que é tão difícil para ela quando é para você continuar apoiando o automobilismo? Ela me pediu para não falar sobre isso com você, mas acho que deveria saber. Hector sempre dizia que apoiaria da forma que pudesse novos pilotos quando se aposentasse, e é por isso que seu irmão se tornou empresário e sua mãe, dona de um kartódromo no Brasil. Nunca te contaram sobre essas coisas, não é? Pois você sempre fez questão de desprezar tudo isso antes mesmo que alguém tivesse liberdade de te contar — o loiro passou pelo rosto e enxugou uma última lágrima. — Eu gostaria que tivesse sido diferente.

Mick puxou todo o ar para os pulmões e o prendeu por alguns segundos, tentando fazer o nó na garganta desaparecer de vez. Ele andou até o closet, tirou a grande mala de viagem da prateleira e quando abriu, arremessou tudo que o pertencia dentro dela. Lia ouvia a movimentação ainda encolhida no canto da cama, mas agora resmungando palavras desconexas. 

— Você está indo embora? — a morena disse indo para dentro do closet, vendo-o arrancar as camisas dos cabides.

— É melhor assim — o piloto declarou terminando de fechar a mala.

Ele foi embora, acabando com as expectativas e decepções que um tinha com o outro. Lia não tentou impedi-lo ou questionar aquele fim. Teve que acreditar nas palavras dele, é melhor assim.

Lia e Mick nunca mais se viram, porém ainda recebiam notícias sobre o outro. A brasileira soube e viu Mick se tornar campeão mundial da Fórmula 1 em 2025. O alemão soube e presenciou Lia se aproximando da família e do legado de seu pai. Também soube que ela estava tendo acompanhamento psicológico que a ajudou com a superação de suas limitações e não temer mais o passado. 

O sentimento permaneceu mesmo que a história deles tenha chegado ao fim. Eles se amavam e não era algo mutável. 

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