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CAPÍTULO 2: "Bernie, é você? Bernie?"


Estamos a quase quatro horas na estrada e a chuva diminuiu um pouco, passamos por breves momentos de um tímido sol escondido entre as espessas nuvens, revelando apenas uma claridade fraca e momentos em que a chuva parecia ser despejada do céu em baldes. O aparelho de som da camionete toca "Jump" do Van Halen, mas já tinha passado por Paul McArtney, Brian Adams, Queen, Abba, Rolling Stones e Aerosmith.

- Não sabia que o Greg tinha esse gosto musical. – Diz Susie.

- Eu também não, mas é bem legal. – Respondi.

- Preferia um Slipknot. – Retruca McAlister.

Entreolhamos-nos, mas ninguém diz nada. Neste momento tem início uma nova canção, "Sweet Home Alabama", Matt começa a cantar junto, timidamente, mas logo é acompanhado por mim e por Diego. Susie acompanha no refrão.

- Precisamos abastecer. – Fala McAlister olhando para o mostrador.

- Acho que tem um posto a alguns quilômetros à frente. – Responde Susie.

- Não, tem um por aqui! McAlister vira para a direita em uma via secundária.

Há uma pequena placa de madeira, escrita à mão. Seguimos por uns duzentos metros sem ver nada que se pareça com um posto de gasolina.

- Não tem nada aqui - diz Susie - melhor voltarmos para a via principal.

- Talvez esteja mais a frente – ele contesta.

- Só tem mato.

Ficamos quietos, enquanto os dois discutem. Susie diz não ter visto placa alguma, enquanto McAlister afirma que havia uma placa informando a existência de um posto de combustíveis ali. Eu vi a tal placa também e antes que eu diga algo mais sobre a placa, McAlister brada.

- Ok, vamos voltar para a estrada! Parece que tem um acesso ali na frente.

Ele acelera, desconta seu aborrecimento no pedal. De repente um estouro, a camionete perde o controle e roda violentamente atirando-se para fora da estrada, um breve momento que parece uma eternidade até pararmos bruscamente.

- Está todo mundo bem? – Pergunto.

Depois de alguns segundos e muitos gemidos são dadas as primeiras respostas.

- Tudo bem aqui.

- É tudo bem, foi só o susto.

- Que merda foi essa? – Sai berrando do carro nosso líder da expedição.

- Ué, diz você. Você que estava dirigindo! – Retruca Susie.

Saímos todos do carro e tentamos entender o que aconteceu. A camionete saiu da pista, atravessou uma cerca velha de madeira e se chocou contra alguns troncos que pareciam estar empilhados como lenha.

- O radiador já era! – fala Matt, dando a volta no carro. A água está vazando em boa quantidade, tem um pedaço de madeira atravessando boa parte da frente do carro. Diego passa ao meu lado falando baixo.

- O Greg vai adorar isso!

McAlister está voltando furioso da estrada.

- Olhem pra isso! – Diz arremessando uma laranja para Matt.

- O problema foi uma laranja? – Zomba Susie.

- Não é só uma laranja, é uma laranja cravada de pregos, olhem as cabeças dos pregos aqui, aqui e... aqui.

McAlister tem outra laranja estraçalhada nas mãos onde os pregos são bem visíveis. Analiso rapidamente o acidente e percebo que temos pneus estourados.

- Três pneus estourados. Este acidente foi proposital.

- Alguém consegue sinal aí? O meu celular está dando fora de área. – Diz Matt, analisando seu aparelho.

- Estou tentando também, parece inútil. – Diz McAlister chutando a camionete.

"Sem serviço" é o que diz no meu aparelho, Susie e Diego também estão olhando com essa mesma cara para seus aparelhos celulares. Ficamos tentando por alguns minutos, mas todos os aparelhos celulares estão fora da área de cobertura.

- Tem uma casinha lá atrás daquelas árvores – Susie aponta. – Devem ter um telefone.

- Isso mesmo, vamos bater lá e dizer: Foi mal por termos destruído sua cerca e invadido seu quintal. Ainda bem que não matamos ninguém! Podemos usar seu telefone? – Falo ironicamente.

Susie tampa a boca com as mãos e aponta com o indicador.

- Parece que tem alguém embaixo da camionete! – Fala Matt – Tem um sapato ali!

- Droga! – Grita McAlister e saímos todos na direção da camionete tentando empurrá-la de cima da pilha de madeiras. Enquanto isso a porta da casa se abre e alguém diz:

- Bernie, é você? Bernie?

- Diacho! Matamos o homem. – Falo para mim mesmo.

- Por favor, por favor, por favor, não seja... - Suplica Susie.

Conseguimos, por fim, empurrar o carro e o corpo está lá, inerte, amassado entre o peso da camionete e as madeiras. Por mais dois ou três segundos estamos imóveis, até percebermos que não se trata de uma pessoa e sim de um boneco, um espantalho. Minhas pernas amolecem e sento no chão abruptamente.

- Obrigada, obrigada, obrigada, muito obrigada. – Susie reza baixinho.

- Bernie? Onde se meteu homem?

É uma senhora um tanto idosa vindo em nossa direção.

- Eu falo com ela. – Diz Susie já indo em sua direção.

- Onde está o McAlister? – Pergunto.

- É mesmo, cadê ele? – Matt procura em volta.

- Eu estava empurrando a camionete e já não o vi mais. – Responde Diego.

- O safado fugiu! – Conclui Matt.

- Então ele vai correr muito antes de descobrir que matou um espantalho. – Constato.

Minhas pernas ainda estão sem forças, assim como as de meus companheiros que permanecem sentados no chão. Enquanto isso Susie conversa com a idosa e tenta lhe explicar o ocorrido, poupando-a da parte em que pensamos ter atropelado o tal Bernie.

Logo vemos McAlister retornando com as mãos para cima, isto nos põe de pé imediatamente. Alguém vem logo atrás dele resmungando algo.

- Mas que diabos aconteceu aqui, desgraça? - É um velho homem que puxa uma das pernas e tem um rifle nas mãos apontado para as costas de McAlister. - Achei esse pilantra grandalhão fugindo daqui e achei estranho, ainda mais depois da troada que ouvi lá da estrada. Charlotte, você está bem minha velha?

- Sim Bernie, esta moça estava me explicando sobre este lamentável incidente.

- Lamentável? Lamentável é o estado da minha cerca aqui. E vocês ainda destruíram o Boggs! Vocês estão drogados por acaso? Bêbados?

- Não senhor, não é nada disso – Matt tenta explicar.

- Se não estão, então são retardados mesmo! Olhem o que vocês fizeram! E se Charlotte estivesse aqui na frente, ou eu mesmo.

- Senhor... Bernie, não é mesmo? – Tento acalmá-lo.

- Isso mesmo. Bernie Gainsborough.

- Ok, senhor Gainsborough, eu sou Willian, este é o Matt, aquele ali é o Diego, aquela é a Susie e o pilantra grandalhão ali é o McAlister e na verdade somos tão vítimas como o senhor, sua cerca... e o Boggs. – Falei apontando para o espantalho espatifado sobre a pilha de lenha.

- Como assim? Não vão me engrupir não! Vão ressarcir meu prejuízo e tirar essa joça do meu quintal! – Referindo-se à camionete.

- Não se preocupe, pretendemos lhe restituir, é claro. – continuo, enquanto McAlister faz uma careta – é que a estrada foi... sabotada.

- Sabotada? – o velho franze ainda mais a testa.

- Veja, são essas laranjas com pregos que estavam na estrada e estouraram pelo menos dois pneus e ainda furou um terceiro.

- Perdemos o controle da camionete. – Completa Susie.

Bernie parece que vai se acalmando, pois, logo ele pergunta.

- E algum de vocês está ferido?

- Não. Felizmente não. – Respondo – Só o Boggs.

Bernie sorri com o canto da boca e pela primeira vez abaixa a arma.

- Boggs já não estava muito bem, saí por aí procurando algo para enchê-lo um pouco, estava muito magro. Depois eu dou um jeito nele.

- Bernie, deixa de ser rabugento homem! - fala a amigável senhora – estes jovens estão precisando de ajuda. – É só então que, olhando melhor, percebo sua deficiência. Ela é cega. – Diga-me adorável jovem, Susie não é mesmo? Como podemos ajudá-los?

- Obrigada senhora, na verdade se pudéssemos dar um ou dois telefonemas poderemos resolver toda esta situação e deixá-los em paz.

- Claro minha jovem, temos um telefone em casa. Aparelhos celulares não funcionam por aqui.

- Pois é, já percebemos. – Susie e Charlotte vão seguindo em direção à casa de braços dados, enquanto o velho senhor Bernie analisa uma das laranjas.

- Ladrões malditos!

- Foi o que imaginei! – Fala McAlister pela primeira vez desde que retornou.

- Sim, esses malditos inventam sempre uma coisa nova. Com isso eles furam os pneus dos carros e então assaltam os viajantes e se houver alguma mulher... normalmente eles ainda fazem uma festinha... se é que vocês me entendem. Às vezes matam todo mundo. Calhordas miseráveis!

- Só não entendo uma coisa – diz Matt – se o objetivo é esse, por que não fomos abordados?

- Não sei, talvez tenham cansado de esperar um carro passar por estes lados e ido embora. Ainda bem, senão não estaríamos tendo essa conversa.

- Tem razão, vamos pegar o equipamento e levar junto conosco – ordena McAlister - antes que eles venham e roubem o que tiver na camionete.

Eu, Matt e Diego retornamos para perto da camionete e começamos a carregar o equipamento para dentro da casa do casal de idosos.

- Tomara que não tenha danificado o equipamento. Isso nos atrasaria vários dias. – Comenta Matt.

- Aparentemente não tem nada quebrado, mas só vamos ter certeza na hora de colocar para funcionar. – Respondo.

- Tomara que a gente saia logo daqui, não gosto desse lugar. – Completa Diego, falando baixo, já que Bernie se distanciou um pouco de nós.

- Não funciona! – É a voz de Susie vindo do interior da casa.

- Que estranho, estava funcionando hoje pela manhã. – responde Charlotte.

- Posso continuar tentando? É muito importante que eu consiga fazer esta ligação.

- Claro minha querida, tente o quanto quiser. Mas... não se preocupem. Se precisarem, podem passar esta noite aqui conosco, não é mesmo Bernie?

- Tudo bem, desde que deem o fora daqui amanhã. Podem se sentar aí e esperar. – ele fala olhando para nós.





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