Medo De Porcelana: - Á Minha Adorável Filha...
Esse conto foi escrito por; Nicole300607.
As mesmas molduras de madeira gastas, a mesma parede de madeira com os mosaicos azuis de decoração, tudo igual, mas mais velho. O lugar que era cheio de risos agora deixa o eco do relógio de parede que toca com seus tics intermináveis. O cheiro de madeira velha paira no ar e não há como não parar no tempo. A casa, que já foi habitada por gerações, permanece viva para aqueles que passaram seus dias nela.
A bagagem foi colocada em cima do baú de bambu e, após um suspiro pesado, Claire sentou-se, fazendo a cama de infância guinchar, a qual antes dizia ser enorme.
— Como não mudou nada e já faz 10 anos? — desabafou Claire, e o colchão em que se sentou, mole e muito fluido, afundou como areia.
Com cabelos grisalhos quase completamente brancos e a pele já envelhecida e bronzeada pelo bom sol, a senhora chega e, com um sorriso no rosto, abraça a neta com emoção. Longos anos sozinha, sem as suas pequenas, fazem desse reencontro um livro aberto de memórias passadas.
O resto do dia, nem se largavam; contavam as boas memórias tanto do passado da mais velha quanto da mais nova. Jogavam no ar todas as doces saudades de um tempo sem retorno. Porém, havia algo que incomodava a mente de Claire.
Ela havia esquecido disso, mas ao ver novamente, chamou sua atenção como se fosse um mistério, o quarto trancado. Nunca havia sido aberto durante seu conhecimento, nunca foi dito o porquê, quando e o que existia ali. Ela e suas primas nunca se atreveram a tentar entrar. Só de saber que poderiam ser punidas. Mas com alguns movimentos, afastou a curiosidade em relação ao quarto.
— Às vezes, é mais prudente manter as portas fechadas! — comentou, reafirmando sua opinião.
O céu da tarde começava a se cobrir de nuvens cinzentas, e a intensidade do vento aumentava à medida que o tempo avançava. Após uma observação cuidadosa, a velha mulher chegou à conclusão de que uma tempestade se aproximava. Elas reuniram os animais no celeiro e prontamente se dirigiram de volta para casa.
Enquanto desfrutavam de um prato quente no jantar, o vento uivava com crescente intensidade. Claire sentia uma sensação crescente, deve ser o nervosismo provocado pela tempestade, refletia enquanto comia de forma tranquila.
O vento já produzia estrondos e agitava as árvores, e o lamento incômodo que penetrava pela fresta da janela, apesar de irritante, não conseguia atrapalhar o sono da hóspede. O calor da cama afastava qualquer desconforto, embora isso fosse temporário.
"Claire!" Claire! Claire!"
Emergiu da mente de Claire para o mundo exterior. Sua presença era suave e serena, semelhante ao canto de uma sereia. Seus olhos se abriam e piscavam à luz dos relâmpagos que iluminavam o ambiente de tempos em tempos. Mesmo diante dos estrondosos trovões, aquela voz se destacava com clareza.
Claire se levantou e buscou a origem do som, caminhando sobre o chão frio de madeira, enquanto seus pés, cobertos por meias, produziam um som ligeiro a cada passo.
"Claire, vem!" Vem, Claire!"
Sentindo-se apreensiva e curiosa, uma combinação de emoções se entrelaçava em sua voz e se ocultava em seu interior. A ansiedade a dominava; será que alguém havia entrado pela manhã e a conhecia? A cada passo, questionamentos a assaltavam. Quando finalmente atravessou a porta e saiu do quarto, seus olhos se depararam, pela primeira vez, com aquela porta que sempre estivera trancada, agora entreaberta. O quarto dos mistérios se apresentava aberto a descobertas, e a aventureira, decidindo explorar, caminhava lentamente.
À medida que se aproximava, o medo e a ansiedade dissipavam as cores ao seu redor. As batidas aceleradas de seu coração se entrelaçavam com o rugido do vento e o estrondo dos céus. O ar parecia difícil de respirar, e foi nesse momento, ao chegar à entrada, que seus pés se tornaram pesados. Ela olhou ao redor, mas tudo estava envolto em escuridão. Tentou encontrar um interruptor, mas a sorte não estava ao seu favor.
Só conseguia enxergar com a luz dos clarões. Ela decidiu dar o primeiro passo e, inesperadamente, começou a chover. O que antes era barulhento transformou-se em uma orquestra de puro ódio ambiental. Ao caminhar entre os flashes de luz, observou móveis cobertos, sentiu a poeira e experimentou uma sensação de medo e vazio.
Ela poderia ter retornado ao seu quarto, mas seu corpo parecia pesado, dificultando ações racionais naquele instante.
O clarão iluminou o ambiente mais uma vez, e por alguns segundos, a jovem avistou algo na parede. Inquieta, aguardava o próximo lampejo. Quando a luz surgiu novamente, ela conseguiu distinguir uma figura contida em uma espécie de caixa. A luz intensificou-se e, ao se aproximar, pareceu tratar-se de uma boneca.
Ela estava se aproximando quando sentiu um fio tocar sua testa, e seu corpo congelou. Sem saber como reagir, ela se encontrou paralisada diante do que parecia um ataque. No entanto, após alguns minutos de tensão, nada aconteceu. Tremendo, tocou a testa e puxou o fio. A fraca luz da lâmpada do teto acendeu, revelando bem diante de Claire uma boneca de porcelana.
Foi um susto, mas ela acabou se acalmando.
— Caramba, quase levei um susto! Que situação patética! — brincava consigo mesma.
Ela olhou para a boneca e percebeu que parecia estar observando-a, o que a deixava um pouco desconcertada.
A boneca permanecia imóvel, mas seus olhos pareciam seguir todos os movimentos. Era visivelmente feita de porcelana, antiga e desgastada, apresentando rachaduras em seu rosto, cujas maçãs estavam quase desvanecidas pelo tempo. Seus olhos de vidro possuíam um tom de azul profundo.
De repente, um choro infantil ecoou a partir de um canto do quarto. Claire, assustada, olhou ao redor; não havia nenhuma criança que ela soubesse estar em casa. O choro seguiu por um tempo, transformando-se em risadas que ressoavam por todo o ambiente.
Ela se virou e examinou o ambiente com os olhos, enquanto o medo se entrelaçava ao ar que entrava e saia de seus pulmões. O peito pulsava como uma mola.
Um vento violento atingiu a janela, que estava obstruída por um armário à frente, provocando um estrondo tão forte que fez o móvel desmoronar.
Na tentativa de se esquivar, Claire se chocou contra a caixa, abrindo-a e fazendo a boneca cair ao seu lado, no chão.
Claire não compreendia o que estava acontecendo; a situação lembrava os filmes de terror que assistia com a mãe nas noites de sexta-feira. Ela se revirava, deitada de barriga para cima, com a boneca apoiada na cintura, enquanto a boneca a observava com um olhar demoníaco.
A parede amarelada, que sustentava a caixa, começou a escorrer sangue de maneira súbita, formando, através de arranhões, uma frase macabra:
"És minha!"
Aquela situação já era desesperadora; os pensamentos de Claire haviam perdido a coerência. Seus olhos, arregalados, percorreram a caligrafia horrenda, até chegarem à boneca que, de forma impressionante, estava sentada sob sua barriga, com os olhos vazios fixos em sua alma.
— Claire! — grita a avó ao entrar e segurar o braço da neta. — Sai daqui!
Sem hesitar, a jovem corre e fecha a porta do quarto. Respira com dificuldade e caminha lentamente até a cama, olhando para o teto. Cansada, ela tira as meias sujas, deita-se novamente e, após um longo momento pensando sobre o que aconteceu, acaba adormecendo.
Assim como o galo cantando ao amanhecer, foi dessa forma que Claire despertou ouvindo os sermões de sua avó.:
"— O que te passou pela cabeça ao ir para lá? Isso é proibido!"
Apesar de tentar questionar, a avó demonstrava tanta raiva que deixou a neta sem palavras.
A manhã de Claire, apesar da irritação da avó, foi tranquila: ela ajudou a avó nas tarefas do dia, tentou fazer crochê e passeou pelo amplo campo com o cão de guarda.
A porta continuava trancada sempre que ela passava por ali, o que não a parecia estranho. Para Claire, o que ocorrera no dia anterior poderia ter sido apenas uma ilusão, talvez provocada pelo medo que sentia em relação a um quarto abandonado e sempre fechado.
As horas passaram tranquilamente até que a noite chegou. Ao adormecer, sonhou que estava no corredor, em frente ao quarto, com a porta entreaberta. À medida que se aproximava, risos sinistros ecoavam ao seu redor. Quando alcançou a entrada do quarto, encontrou-a sentada no chão, com o olhar fixo nela; desta vez, seu sorriso era ainda mais perturbador.
Mais uma vez, risadas puderam ser ouvidas, e a boneca foi lançada em direção a Claire, que, num impulso, se levantou com a testa suada e o coração acelerado.
As noites de Claire eram sombrias, repletas de pesadelos envolvendo a boneca e o quarto. Com o tempo, seus sonhos passaram a ser assombrados por gritos, fogo, sangue, e a boneca continuava presente em suas visões.
Durante o dia, Claire vivia sob a sombra do medo, preocupada com as perturbações que a atormentavam. A simples passagem pelo quarto se transformava em um confronto com o que parecia ser o próprio inferno, como se um demônio a quisesse.
Os dias que antes eram comuns passaram a ser marcados por uma crescente tensão e falta de vitalidade.
A comunicação da avó, que antes era repleta de entusiasmo, tornou-se escassa e monótona. Esse cenário se tornou insuportável, e o único momento de alívio eram os passeios com o cão.
Durante essas caminhadas, ela sentia o vento em seu rosto e contemplava as montanhas ao redor. O latido do cão ao avistar as aves também lhe proporcionava uma oportunidade de refletir sobre os acontecimentos que a cercavam.
Algo estava errado; a boneca a perturbava, levando-a a concluir que era amaldiçoada. Mas a questão permanecia: por que na casa da avó? E o que havia naquele quarto?
Não encontrava respostas e desejava que toda essa situação chegasse ao fim, para que pudesse encontrar paz.
No retorno, sentia um medo profundo de reviver os mesmos pesadelos dos dias anteriores; não queria se deparar com a boneca nem com nada relacionado a ela.
Era como uma assombração, e de fato era. Claire parou de andar, seus olhos se arregalaram, e suas mãos começaram a tremer; tudo nela entrava em um estado de pânico e desespero. A boneca estava sentada no meio do caminho, esperando por ela.
O cachorro, por sua vez, tombou. E a garota não teve outra reação senão correr.
— Estou sonhando ainda! — exclamou. — Ai, não, por favor, me deixa em paz!
Ela correu até que tropeçou e, ao levantar a cabeça, encontrou-se frente a frente com a boneca.
— Ahhhh! — gritou, afastando-se.
Lágrimas involuntárias escorreram por seu rosto, e isso a fez perceber que não era um sonho, mas sim um pesadelo que estava vivenciando.
— Ai, minha querida Claire, o seu desespero me diverte — começou a falar uma voz feminina, enquanto Claire olhava para a boneca.
— Por favor, me deixa em paz! — suplicou Claire, afastando-se cada vez mais.
— 1500... — a desconhecida fez uma pausa, sua expressão revelando um misto de saudade e dor. — Como era maravilhoso ver o sol nascer! Lembro-me de como eu saia de casa ao amanhecer para colher amoras silvestres. Ah, como eram doces e suculentas! Tomava conta dos animais, sentia a brisa suave no rosto e observava, com o coração cheio de amor, o rostinho da minha pequena, que era tudo para mim. Eu sabia ler e escrever, e conhecia as ervas do campo, preparando remédios eficazes para tratar as doenças que afetavam os aldeões.
Conforme ela falava, sua voz se tornava cada vez mais raivosa e arranhada, como se a lembrança das dolorosas experiências ainda queimasse em sua alma. — Mas as pessoas... ah, esses seres desprezíveis! Eles me cobriam de inveja, não suportavam a alegria que eu tinha com minha filha, e assim, atacaram-nos sem piedade. Acusaram-me de bruxaria, como se eu fosse uma ameaça, e queriam me silenciar de qualquer maneira. Esquartejaram minha filha na minha frente e, em seguida, me levaram para a fogueira, rindo de mim, dos meus gritos de desespero.
Naquele momento, a dor que transparecia em suas palavras era palpável. — Eu perdi a minha bebê, mas juro que não vou descansar até que todos eles paguem por isso. Morte a todos que me fizeram sofrer!
— Mas o que tem haver comigo?— Claire ouviu a história horrizada e chorava de desespero.
A realidade de Claire se transformou em uma sala. Nela, havia uma mulher vestindo um vestido marrom volumoso, que chegava até os calcanhares, e que fumava um charuto com os olhos fixos em outra mulher. Esta última estava sentada em um sofá marrom, com as mãos na cabeça. Esta se encontrava vestida com um vestido rosa adornado com rendas brancas, suspirava.
A que tinha o charuto, tirou-o da boca, soprou a fumaça e começou a falar:
— Faz quanto tempo isso?
— Duas semanas desde a morte daquela bruxa! Ela permanece na minha mente, gritando por vingança, como no dia da execução. — A mulher que fumava ouviu tudo calmamente, chupou novamente o charuto e soltou o fumo depois.
— Então é melhor que isso seja tratado com o padre. Tenho certeza de que está sendo amaldiçoada por um espírito demoníaco, pois bruxas são demônios do inferno. Ele vai aprisionar essa assombração em algum lugar.
— Quando prenderam a bruxa, percebi que ela tinha uma boneca de porcelana, que deve ser valiosa... Pode entregá-la ao padre, objetos caros assim podem ajudar a expelir o demônio... No entanto, sabendo que pertence a uma bruxa, pode ter algo demoníaco... Mas tenho certeza de que o padre conseguirá purificá-la — a moça falava lentamente, organizando suas ideias, com as mãos entre as pernas e um semblante cansado.
Tudo ao redor pareceu congelar, como se o tempo tivesse decidido interromper seu fluxo.
— O seu sangue, os seus olhos, são idênticos aos da mulher que me entregou. Vou exterminar todos os seus semelhantes, pois todos eles são como ratos — disse a voz da mulher, que emanava da boneca, transbordando desprezo e um ódio profundo.
Claire não conseguia escapar, estava presa em uma armadilha feita especialmente para ela, e agora era alvo de uma caçada.
A boneca pairou no ar, encarando Claire.
— PELA MINHA QUERIDA CLAIRE! —exclamou o espírito vingativo.
Em um instante, a boneca foi deixada para trás, caída no chão, enquanto Claire se sentia sufocada. Seu olhar se voltou para o céu, enquanto todo o seu corpo começava a tremer descontroladamente.
A dor percorreu seu corpo como uma corrente elétrica, e ela soltou grunhidos que expressavam seu sofrimento. Seu corpo começou a se contorcer de maneira involuntária, e os estalos dos ossos se tornaram audíveis, como se partes de seu ser estivessem se despedaçando. Logo, o sangue começou a escorrer de sua boca, e a sensação de sufocamento se intensificava, misturando-se com o gosto metálico e quente que o sangue trazia.
Seus olhos, antes inundados de lágrimas pela dor, agora exalavam um líquido escuro e espesso que era como sangue negro, escorrendo lentamente e pingando no chão abaixo dela. Era uma visão aterradora. A sensação que a dominava era surreal, como se seu corpo estivesse sendo esticado repetidamente, em um conflito contínuo, ao mesmo tempo em que se sentia esmagada, comprimida sob uma pressão insuportável. A luta interna era insuportável, como se duas forças opostas se enfrentassem dentro dela, amplificando seu tormento de maneira insuportável.
Olhou ao seu redor e ainda estava no quarto proibido. A avó tinha lágrimas nos olhos e abraçou o corpo da neta, que retribuiu o abraço.
— Me preocupei tanto! Ouvi uns barulhos e, com esta tempestade, minha nossa! Estás bem? Essa boneca é realmente uma aberração. — Nem deu tempo para a jovem falar, e a avó começou a contar a história da boneca, dizendo que aquele quarto era o antigo da criança da bruxa e que a casa havia sido exorcizada e habitada pela família.
A senhora se abaixou e, ao levantar, estendeu uma faca na mão da menina.
— Avó... — falou, suspirando.
— Termine com a boneca. Estudei por anos a possessão em objetos, e se cortarmos em pedaços e distribuirmos em várias regiões, o espírito não terá poder de fazer nada.
A moça segurou a faca com força e cerrou os olhos em direção à boneca...
...
Amanheceu com o sol despontando por trás das montanhas, como se dissesse bom dia. O corpo da jovem, deitado na grama, aproveitava o momento fresco e nostálgico.
— Veja, avó, o amanhecer! — exclamou a jovem, enquanto o sol refletia em seus olhos radiantes. — Ah! Esqueci! Não consegues ver — riu dirigindo-se à senhora.
A avó encontrava-se deitada no telhado. A entrada da casa exibia um aspecto singelo, mas terrível: o sangue da senhora mais velha escorria, pingando do telhado até o chão. Seus olhos, abertos e sem vida, estavam voltados para onde o sol surgia, revelando um profundo corte que ia do pescoço ao peito, atingindo o ventre. A cena era extremamente violenta.
As tripas estavam expostas, acompanhadas de demais fragmentos que anteriormente eram órgãos.
— Todos são tão desprezíveis! — disse a moça, coberta de sangue. Ela pegou um charuto que tinha encontrado na gaveta da cozinha após a festa sangrenta, acendeu-o com um fósforo e começou a fumar lentamente, rindo.
Seus olhos, agora de um azul profundo, iluminavam-se com um sorriso sombrio em direção à triste senhora.
Ela retirou o telemóvel do bolso e discou o número de emergência, 911.
— Ahhhh, por favor, ajudem-me! — exclamou, sua voz embargada pelo choro e desespero assim que foi atendida. — Eu ouvi barulhos durante a madrugada que pareciam ser uma briga... Minha avó está morta! Por favor, me ajudem! — continuou a chorar, falando entre soluços, passou o endereço à atendente e, em seguida, desligou a chamada.
— Muito bem, agora só falta o restante da família! — disse para si mesma — em razão de todo o sofrimento que causaram a mim e à minha adorada filha, Claire.
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